Ciência Animal 1999, 9(2):81-85 COMPARAÇÃO QUALITATIVA DE DIFERENTES TÉCNICAS DE COLORAÇÃO PARA A CITOLOGIA VAGINAL DE CABRAS DA RAÇA SAANEN (Quantitative comparison of different stains for vaginal smears in Saanen goats) Ramon da Silva RAPOSO & Lúcia Daniel Machado da SILVA* Universidade Estadual do Ceará/Faculdade de Veterinária RESUMO Para visualização das estruturas presentes num esfregaço, faz-se necessária a utilização de métodos de coloração apropriados que viabilizem a observação das modificações histológicas sofridas pelo epitélio vaginal. O objetivo do presente trabalho foi comparar os métodos de coloração de Hematoxilina-Eosina (H-E) e de Papanicolaou para citologia vaginal de cabras da raça Saanen. Foram confeccionados, de cada cabra, 42 esfregaços vaginais em lâminas de vidro, secados à temperatura ambiente, fixados em álcool a 95% por 10 min e corados pelos métodos de H-E e de Papanicolaou. Depois de corados, os esfregaços foram observados ao microscópio óptico com aumentos de 100x e 400x, para visualização das características morfológicas e tintoriais das células epiteliais durante todo um ciclo estral. Os dois métodos usados no experimento permitiram uma boa visualização das células do epitélio vaginal e de leucócitos, presentes nos esfregaços vaginais. No entanto, o método de Papanicolaou possuiu uma vantagem em relação ao método de H-E, por corar os componentes celulares dos vários tipos de células do epitélio vaginal, em cores distintas, viabilizando uma leitura mais rápida da lâmina, ao longo das diferentes fases de um ciclo estral. Dos resultados obtidos, concluiu-se que os dois métodos utilizados para coloração de esfregaços vaginais apresentaram nítida visualização celular, sendo o método de Papanicolaou mais prático para leitura da lâmina. PALAVRAS-CHAVE: coloração, colpocitologia, citologia vaginal, esfregaço vaginal, cabras, Saanen ABSTRACT For visualization of structures present in a smear, it is necessary to employ stain methods that allow observation of the histological modifications that occur in vaginal epithelium. The aim of the present work was to compare methods of Hematoxilin-Eosin (H-E) and Papanicolaou stains, for vaginal cytology in Saanen goats. For each goat 42 vaginal smears were carried out on glass slides, dried at room temperature, fixed in alcohol 95% for 10 min and stained by H-E or Papanicolaou methods. The smears were then observed by optical microscopy (100x and 400x) for visualization of morphological and staining characteristics of epithelial cells during a whole oestrus cycle. Both methods employed allowed a good visualization of vaginal epithelial cells and leukocytes present in vaginal smears. Nevertheless, the Papanicolaou method has an advantage in relation to the H-E method, since it stains cellular compounds of different types of vaginal epithelial cells into different colours, allowing a faster reading of the smear throughout the cycle. From the results obtained it was concluded that both stain methods presented clear cellular visualization, however, the Papanicolaou stain was more practical for reading of the smear slide. KEY WORDS: stain, exfoliative cytology, vaginal cytology, vaginal smear, goats, Saanen *Autor para correspondência: Av. Paranjana, 1700, 60740-000 Fortaleza – Ceará e-mail: [email protected] 81 INTRODUÇÃO A citologia vaginal é estudada através da colpocitologia ou também chamada citologia esfoliativa que compreende o estudo das células naturalmente descamadas ou retiradas artificialmente da superfície dos tecidos. O estudo da citologia esfoliativa, introduzido por PAPANICOLAOU (1942), possibilitou avaliações citológicas, uma vez que o epitélio vaginal sofre modificações em função de variações hormonais cíclicas (SCHUTTE, 1967b) durante o ciclo estral, como também é muito utilizado no intuito de diagnosticar, precocemente, patologias do trato genital feminino. Através das células esfoliativas presentes em um esfregaço vaginal, as modificações citológicas sofridas pelo epitélio vaginal da fêmea caprina são observadas, e essas mudanças são visualizadas por métodos apropriados de coloração (VERMA et al., 1990). Essas modificações são cíclicas. A fêmea caprina é poliéstrica, com uma duração média do ciclo de 21 dias (BEARDER & FUQUAY, 1997), podendo ter uma variação normal de 18 a 22 dias (HULET & SHELTON, 1988). A coloração é a operação pela qual os tecidos são submetidos à ação de substâncias capazes de tingir os seus componentes (MICHALANY, 1980). Os corantes são especialmente úteis e a informação obtida é maximizada quando os mecanismos que governam as suas propriedades corantes são compreendidos. Os componentes celulares básicos reagem com os corantes ácidos, através da reação de neutralização, como ocorre com a eosina (corante ácido) que cora de róseo ou vermelho o citoplasma celular (componente básico). Da mesma forma ocorre com a hematoxilina (corante básico), que confere a cor púrpura-azulada (roxo) à cromatina celular (componente ácido) (BANKS, 1992). O método de Papanicolaou também possui corantes ácidos e básicos presentes em suas soluções, formadas pela Hematoxilina de Harris, Orange G e a Eosina-Azur. As células das camadas mais profundas (basais e parabasais) coram-se de azul82 esverdeado (magenta); as células intermediárias coram-se de verde e as células superficiais apresentam uma coloração citoplasmática alaranjada. O presente trabalho teve como objetivo, comparar os métodos de coloração de Hematoxilina-Eosina (H-E) e de Papanicolaou para citologia vaginal de cabras da raça Saanen. MATERIAL E MÉTODOS O experimento foi desenvolvido no período de fevereiro a junho de 1999 nas dependências da Universidade Estadual do Ceará (UECE), localizada na cidade de Fortaleza. Foram utilizadas duas fêmeas caprinas da raça Saanen, criadas em sistema intensivo. O estro foi verificado diariamente, pela manhã e tarde, com a ajuda de um bode vasectomizado. A cabra foi considerada em estro à medida que apresentava reflexo de imobilização quando da tentativa de monta pelo macho. A partir da detecção do estro, foi feita diariamente, sempre no mesmo horário, uma única colheita de material por cabra, através de swab vaginal até o estro seguinte. Em seguida, foram confeccionados dois esfregaços vaginais por colheita, em lâminas de vidro, secados à temperatura ambiente e fixados em álcool a 95% por 10 min. Dos dois esfregaços vaginais obtidos diariamente de cada cabra, um foi corado pelo método de H-E (MICHALANY, 1980) e o outro pelo método de Papanicolaou (MICHALANY, 1980). Foi afixada lamínula de vidro sobre os esfregaços, empregando bálsamo do Canadá. As lâminas foram observadas ao microscópio óptico com aumentos de 100x e 400x para visualização das características morfológicas e tintoriais das células epiteliais durante todo um ciclo estral. As células do epitélio vaginal foram classificadas em quatro tipos: parabasais, intermediárias, superficiais com núcleo e superficiais sem núcleo, terminologia descrita para a citologia vaginal de cadelas (SCHUTTE, 1967a). As células basais e parabasais são as menores células encontradas no esfregaço. São morfologicamente esféricas ou ovais (menos freqüente) com núcleo grande e pequena quantidade de citoplasma. As células intermediárias são maiores que as parabasais. Possuem um núcleo menor, maior quantidade de citoplasma e podem atingir até o dobro do tamanho das parabasais. As células superficiais são as maiores células encontradas. São queratinizadas, com bordas angulares, possuindo núcleo pequeno, picnótico ou ausência do mesmo. A diferenciação dos vários tipos celulares do epitélio vaginal foi baseada na afinidade tintorial e na relação núcleocitoplasma, para as lâminas coradas com o método de Papanicolaou, e somente na relação núcleo-citoplasma para as lâminas coradas pelo método de H-E. RESULTADOS E DISCUSSÃO Os resultados referentes à comparação das características de coloração das células, visualização celular, tamanho da bateria, tempo de coloração e número de corantes para o preparo estão apresentados na Tab. 1. Usando o método de H-E, foi possível visualizar as células epiteliais parabasais, intermediárias, superficiais com núcleo e superficiais sem núcleo, como também hemácias e leucócitos presentes no esfregaço, conforme já descrito por GHANNAM et al. (1972). A coloração pelo método de Papanicolaou permitiu boa visualização, em todas as fases do ciclo estral, dos componentes celulares, corando- os em cores distintas (Fig. 1). O citoplasma apresentou uma reação mais acidófila nas células superficiais corando-se de laranja. Nas células intermediárias apresentaram uma reação menos acidófila corando-se de verde e as células parabasais, com reação basófila, coraram-se em azul-esverdeado (magenta) conforme já descrito por VERMA et al. (1990). Essa variação na tonalidade da coloração é referente ao crescente grau de acidofilia desde as camadas mais profundas às superficiais. A vantagem da técnica de Papanicolaou reside, principalmente, na coloração citoplasmática com corantes mais específicos para evidenciar alterações citológicas do ciclo estral, conforme achados de SILVA et al. (1986). Tanto na fase folicular quanto na luteal, o método de coloração de Papanicolaou possibilitou uma ótima visualização dos elementos celulares do epitélio vaginal, concordando com os achados de VERMA et al. (1990). Para se obter uma melhor qualidade possível da coloração faz-se necessário a utilização de reagentes novos e uma troca periódica das soluções corantes. Apesar do método de Papanicolaou ter propiciado uma boa diferenciação entre as células queratinizadas e não queratinizadas, SCHUTTE (1967a), utilizando o método de coloração tricrômica de Shorr modificado em esfregaços vaginais de cadela, obteve ótima visualização nuclear e uma maior diferenciação entre células queratinizadas e não-queratinizadas. Tabela 1. Comparação entre os métodos de H-E e de Papanicolaou quanto às características de coloração das células, visualização celular, tamanho da bateria, tempo de coloração e número de corantes para o preparo, usados na citologia vaginal de cabras da raça Saanen. Itens observados Cor Visualização celular Bateria Tempo de Coloração Corantes para preparo H-E Roxo/rosa Boa Extensa 25 min 2 Papanicolau Azul/laranja/verde Boa/ótima Extensa 35min 7 83 Figura 1. Células do epitélio vaginal de cabras Saanen coradas pelo método de Papanicolaou (x400). Célula intermediária com citoplasma basófilo (I); célula superficial nucleada com citoplasma acidófilo (SN); célula superficial anucleada com citoplasma acidófilo (SA); célula parabasal (P). Figura 2. Células do epitélio vaginal de cabras Saanen coradas pelo método de H-E (x400). Célula parabasal (IPI); célula intermediária (I) ; célula superficial nucleada (SN). 84 O método de H-E forneceu também uma boa visualização das células (Fig. 2), sendo perfeitamente viável sua utilização para o estudo do epitélio vaginal, conforme já verificado por GHANNAM et al. (1972). No entanto, não apresentou uma riqueza de cores como o método de Papanicolaou, mas que por sua vez necessita de poucos corantes para o seu preparo, sendo entretanto um método demorado, com duração aproximada de 25 min até a montagem da lâmina. Esse tempo, de aproximadamente 25 min, possibilita um ótimo procedimento de coloração, maximizando as qualidades do corante. O método de H-E pode ser adaptado e ser desenvolvido em tempos menores, mas a qualidade de visualização das estruturas celulares pode ser prejudicada. O método de Papanicolaou, além de possuir também uma bateria extensa, com duração aproximada de 35 min, necessita de várias substâncias para o preparo do corante final. Apesar de possuir mais substâncias para o seu preparo a diferença de tempo é razoável. CONCLUSÃO Com base nos resultados obtidos, concluiuse que os dois métodos utilizados para coloração de esfregaços vaginais de cabras Saanen possibilitaram nítida visualização celular, sendo o método de Papanicolaou mais prático para ser usado na leitura da lâmina por possibilitar, também uma boa, distinção de cores por tipos celulares. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS BANKS, W. J. 1992. Métodos de histologia. In: BANKS, W. J., Histologia Veterinária Aplicada. Ed. Manole, São Paulo p. 5 a 14. BEADER, H. J. & FUQUAY, J. W. 1997. The estrous cycle. In: BEADER, H. J. & FUQUAY, J. W., Applied Animal Reproduction. Prentice – Hall, inc, p. 52-65 GHANNAM, S. A. M., BOSC, M. J., BUISSON, F. M. 1972. Examination of vaginal epithelium of the sheep and its use in pregnangy diagnosis. Am. J. Vet. Res., 33:1175-1185. HULET, C. V. & SHELTON, M. 1988. Ciclos reprodutivos – ovinos e caprinos. In: HAFEZ, E. S. 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