CONTROLE SOCIAL NO SISTEMA ÚNICO DE SAÚDE COMO FERRAMENTA DE CIDADANIA. RESUMO O controle social como espaço político-democrático de representação social sobre os interesses comuns determina um conjunto de regras e princípios, pelas quais a sociedade direciona as relações e o comportamento humano. O homem é um ser social, portanto dinâmico. Os enfermeiros, principalmente os inseridos na atenção básica, têm um papel articulador nessas relações, graças ao vínculo com a comunidade permitido pelo processo de trabalho e às funções inerentes ao enfermeiro de participar politicamente, educar, gerenciar, cuidar e pesquisar. A cultura de não participar, do conformismo, o medo de discriminação e a falta de conhecimento são fatores que interferem na cidadania exercida pelos usuários. Os trabalhadores também não estão preparados para essa participação e reconhecem que deveriam informar mais a respeito dos conselhos e dos direitos dos usuários. Esses fatores são reflexo de uma profissão historicamente marginalizada do processo de decisão política. Essa realidade precisa ser mudada para que o enfermeiro possa ser um propagador da participação cidadã. A pesquisa objetiva identificar novos rumos e necessidades para a efetivação do Controle Social como ferramenta gerencial de fortalecimento da cidadania pelo enfermeiro. Trata-se de um estudo exploratório de natureza qualitativa de revisão de literatura. A coleta de dados ocorreu através das bases de dados SCIELO e BVS com as palavras-chaves controle social, participação comunitária, política de saúde, cidadania. Foram incluídos artigos em português, dos últimos dez anos. Foram analisados nove artigos através de revisão integrativa. Adotou-se a normatização Vancouver. Inferiu-se assim que, o Controle Social enquanto espaço democrático, com representação equitária, é um espaço rico e idealizador de mudanças na condição de vida e saúde. Esse diálogo precisa ser efetivo e constante. Foram destacadas pelos profissionais a não participação dos representantes comunitários no planejamento das ações e na avaliação dos serviços prestados. Por outro lado, apontaram como avanços a proposição e intervenção nos problemas gerais e a presença dos conselhos locais de saúde como instrumento para construção de novas formas de trabalho, organização e mobilização, não apenas na área da saúde. A participação popular é uma constante construção pelos usuários e gestão do SUS e pelos trabalhadores que intermeiam essa relação. Novas formas de participação devem ser buscadas a cada dia para fortalecimento da cidadania. Descritores: Sistema Único de Saúde, Participação Comunitária, Política de Saúde, Enfermeiro. 3 1. INTRODUÇÃO A Participação Popular ou Controle Social tem sua origem na sociologia e refere-se aos mecanismos que mantêm a ordem social e a disciplina, criando padrões sociais de moralidade. Dessa forma, determina um conjunto de regras e princípios, pelas quais a sociedade direciona as relações e o comportamento humano. Já na política, pode ter duplo sentido que variam com a idéia de estado e sociedade civil. Pode ser entendida como controle do Estado sobre a sociedade ou da sociedade sobre as ações do Estado 1. No presente estudo abordaremos o controle social como espaço políticodemocrático de representação social sobre os interesses de bem comum. O homem é um ser pensante, um ser social, um ser de relações sociais. Portanto um ser dinâmico, de constantes transformações. Os enfermeiros, principalmente os que estão inseridos na atenção básica, têm um papel articulador nessas relações graças ao vínculo com a comunidade permitido pelo seu processo de trabalho na saúde e às funções inerentes ao enfermeiro de educar, gerenciar, participar politicamente, cuidar e de pesquisar. Além disso a Estratégia de Saúde da Família (ESF) tem um papel social de contribuir para a melhoria da qualidade de vida da comunidade inserida e consequentemente das condições de saúde, incluindo a sua participação nas políticas destinadas a nós próprios. Para isso, é imprescindível que os trabalhadores que atuam nesta frente deem significado à participação popular, já que os setores destinados a assistência em saúde não podem solucionar todos os problemas. Vários fatores estão envolvidos com a construção desse processo, como a comunidade, os gestores e a equipe de saúde 2. Em trabalho realizado com enfermeiros no município de São Carlos, São Paulo, obteve-se os seguintes achados: há necessidade do controle social com a participação efetiva dos usuários como diretriz importante para a melhoria e avaliação, pelos próprios usuários, das ações de saúde realizadas, a fim de construir um sistema de saúde de qualidade com maior satisfação dos usuários; o controle social representado pelos conselhos gestores, os quais têm maior expressão na atenção básica, têm baixa credibilidade pelos profissionais e mostra poucos resultados 3. Esses autores consideram ainda que a implementação dos princípios do SUS acontece de forma heterogênea, sendo assim, a participação popular é recente e está em processo de efetivação, sendo considerada, juntamente com o processo de desburocratização como mecanismo de fortalecimento do Sistema. A cultura de não 4 participar, do conformismo, o medo de discriminação e a falta de conhecimento são fatores que interferem na cidadania. Demonstram que os trabalhadores também não estão preparados para essa participação, e apesar de serem um canal de comunicação entre os conselhos gestores e os usuários, reconhecem que deveriam informar mais a respeito dos conselhos e dos direitos dos usuários 3. Outro estudo realizado com uma equipe de saúde da família em um município Catarinense demonstrou que os profissionais carregam consigo o preconceito de que a comunidade carente é destituída de saberes, a presença arraigada da medicalização que é absoluta sobre os saberes populares, desvelando relações de poder assimétricas, atitude de culpabilização dos usuários e no geral realizam o tratamento autoritário. Ao final da pesquisa observou-se o interesse da equipe na participação popular, em apoiar e convidar a comunidade. Porém foram apontados como fatores limitantes o comodismo, a apatia e cultura pouco participativa. Concuiu-se que isso pode ser decorrente da insatisfação e impotência diante da realidade 2. Esses fatores são reflexo de uma profissão historicamente marginalizada do processo de decisão política. Os enfermeiros, além de estarem inseridos em um contexto socio-cultural de não participação, muitas vezes não são estimulados a participar dos espaços políticos durante a formação acadêmica. Essa realidade precisa ser mudada para que o enfermeiro possa ser um propagador da participação cidadã. Uma pesquisa de Melo & Santos com enfermeiras de um município baiano demonstrou que a participação política e as conquistas profissionais estão vinculadas ao exercício técnico da profissão, o qual é mais valorizado. Segundo entrevistadas, é a formação profissional que facilita a inserção no SUS por realizar esta capacitação técnica, possivelmente a valorização dessas atividades é uma construção socio-cultural que permeia a universidade. Observou-se que estas enfermeiras, inseridas na gestão municipal do SUS, não valorizam, não identificam ou não percebem sua participação política 4. O preconceito formado a partir do pensamento que a comunidade é pobre e ignorante é um fator excludente quando se fala em participação social. Há uma deformação da realidade quando se confunde falta de cultura com diferenças culturais e quando se acredita que o saber técnico é o único fator responsável e capaz de melhorar os níveis de saúde e qualidade de vida. O oposto pode ocorrer quando a mesma equipe dá condições e apoio para a redução das desigualdades sociais e para a comunidade assumir os assuntos relativos à sua condição de saúde, a fim de se sentirem capazes e corresponsáveis por 5 projetar um destino próprio e assumir as consequências de seus atos 2. Essas ações são baseadas no conceito da expressão “Empoderamento” trazida por Paulo Freire e originada no vernáculo da língua inglesa Empowerment. Para o educador o indivíduo, institutição ou grupo empoderado é o que realiza, por si só, transformações que produzem sua evolução e fortalecimento na sociedade 5. O Controle Social no Sistema Único de Saúde, resultado de lutas dos movimentos sociais, como a Reforma Sanitária, legalmente é um tema recente e com muitas lacunas. A ocupação desses espaços pela sociedade civil organizada é imprescindível para a construção de políticas de saúde humanitárias e acessíveis, cada vez mais engajada nas necessidades sociais. Com essa perspectiva, pesquisas nesse campo darão suporte para o desenvolvimento cidadão dos sujeitos sociais, a fim da efetivação do controle social. A importância dessa pesquisa está na necessidade de adequação da gestão praticada pelo enfermeiro, com base no reconhecimento do poder da cidadania, com vistas a incentivá-la, bem como estar envolvido nessas discussões enquanto ser político. Teve-se como motivação um projeto de extensão realizado em 2006, com financiamento do Ministério das Cidades e Ministério da Educação, o qual tratou de uma assessoria em gestão participativa para a discussão do saneamento básico na Região do Sub-Médio do Vale do São Francisco pernambucano. Observou-se nessa oportunidade, o avanço na construção da saúde e qualidade de vida, quando estão envolvidos a universidade, a comunidade, os trabalhadores em saúde e os gestores, bem como as dificuldades encontradas pelos órgãos destinados à participação da sociedade com relação a financiamento, estrutura física e principalmente educação, já que os conselheiros necessitam e deveriam conhecer melhor suas funções e as políticas existentes. A pesquisa tem por objetivo identificar novos rumos e necessidades para a efetivação do Controle Social como ferramenta gerencial de fortalecimento da cidadania pelos profissionais de saúde, com ênfase no enfermeiro. 6 2. METODOLOGIA Trata-se de um estudo exploratório de natureza qualitativa de revisão de literatura. A coleta de dados ocorreu entre dezembro de 2009 e janeiro de 2010 através das bases de dados SCIELO e BVS. Buscou-se pelas palavras-chaves controle social, participação comunitária, política de saúde, cidadania. Os critérios de inclusão foram artigos em português, dos últimos dez anos. Após refinamentos dos artigos encontrados foram analisados nove artigos através de revisão integrativa. 3. RESULTADOS E DISCUSSÕES 3.1. Gestão Participativa do Sistema Único de Saúde: implicações para usuários O processo de corresponsabilidade da gestão, no Brasil, ainda é tímido. Em um estudo, muitos usuários mostraram ter gratidão pelos serviços oferecidos ou atitude passiva frente aos impasses encontrados, apesar de reclamarem do tempo de espera ou da dificuldade de acesso a alguns serviços. Isso ocorre devido a naturalização da problemática. Outros usuários pesquisados têm uma postura autocrítica, participativa e até de descrédito, havendo também aqueles que desconhecem inclusive os espaços de controle social6. Usuários entrevistados em Campina Grande-PB, propuzeram para a melhoria das ações da Estratégia de Saúde da Família (ESF), na localidade, solucionar a falta de medicamentos, dividir os grupos destinados a participação e ações educativas da comunidade em sub-grupos, criar novos grupos temáticos (grupos de casais, de artesanato) e encontrar um espaço físico adequado para as reuniões 7. Uma outra pesquisa salientou que um grupo de portador de patologia é um espaço de articulação, vínculo e escuta importante para discussão, informação e engajamento sociopolítico, com proposta interventista diferencial 8. O Controle Social enquanto espaço democrático, com representação equitária do povo brasileiro, é um espaço rico e idealizador de mudanças na sua condição de vida e saúde. Esse diálogo precisa ser efetivo e constante. 7 3.2. O Controle Social do Sistema Único de Saúde: enfatizando os profissionais de saúde e gestores A ESF, tem em seu processo de trabalho, ações de controle social, educação e informação em saúde. Apesar do seu papel de fortalecimento do controle social, algumas equipes da ESF têm dificuldade em reconhecer os saberes populares e a coresponsabilidade dos usuários pela situação e serviços de saúde. Ainda que muitos valorizem a participação destes, na prática, não há incentivos para que isso ocorra. Há relatos de questionamentos quanto ao direito dos usuários tendo em vista os benefícios concedidos 6. Estudo realizado em Campina Grande-PB destacou a implantação de conselhos locais de saúde com articulação da ESF e contemporaneamente a chegada das equipes, tendo o envolvimento das associações e clubes já existentes. Sobretudo, a maioria considera que a participação dos usuários é incipiente pelo baixo nível socioeconômico, falta de infra-estrutura e recursos materiais, falta de capacitação permanente dos profissionais, grande quantidade de pessoas, horário e periodicidade das reuniões 7. Nessa mesma pesquisa foram destacadas pelos profissionais a não participação dos comunitários representantes no planejamento das ações e na avaliação dos serviços prestados. Por outro lado, apontaram como avanços a proposição e intervenção nos problemas gerais do bairro e a presença dos conselhos locais de saúde como instrumento para a construção de novas formas de processo de trabalho, organização e mobilização, não apenas na área da saúde 7. Já em alguns municípios de pequeno porte, outra pesquisa mostrou que fatores inibem a mobilização social, como a manipulação da opinião pública vinculada a grupos políticos e a precariedade contratual que faz com que os profissionais trabalhem sem as condições necessárias por medo de serem afastadas das funções. Apesar das dificuldades pode-se ver iniciativas dos gestores a fim de democratizar o processo de gestão 6. Um artigo que discute as questões referentes ao controle social em BarcelonaEspanha e no Rio de Janeiro-Brasil, apontou que em Barcelona as autoridades políticas incentivam a participação de várias formas sob a perspectiva de promover a cidadania. Ademais sugere que o nível de desempenho do governo em atender as necessidades da população afeta a qualidade da participação, independente do modelo de participação adotado 9. 8 4. CONSIDERAÇÕES FINAIS Diante mão, é imprescindível que a legislação seja cumprida, embora isso não seja suficiente. Precisamos da sociedade para a garantia do direito humano à saúde, porém, deve haver motivação por parte de todos os envolvidos nesse processo. A participação popular é uma constante construção pelos usuários do SUS, pela gestão do SUS e pelos trabalhadores que intermeiam essa relação. Novas formas de participação devem ser buscadas a cada dia. Nesse contexto, o enfermeiro em sua função gerencial deve buscar novos rumos e perspectivas, a fim de desenvolver uma atitude participativa e contagiante, para que a população possa ter mais acesso a esses espaços democráticos. 5. REFERÊNCIAS 1. Correia MVC. Que controle social? os conselhos de saúde como instrumento. 20. ed. Rio de Janeiro: Editora Fiocruz; 2000. 2. Campos L, Wendhausen A. Participação em saúde: concepções e práticas de trabalhadores de uma equipe da estratégia de Saúde da Família. Texto contexto – enferm. 2007; 16(2): 271-9. 3. Arantes CIS, Mesquita CC, Machado MLT, Ogata MN. O controle social no Sistema Único de Saúde: concepções e ações de enfermeiras da atenção básica. Texto contexto - enferm. 2007; 16(3): 470-8. 4. Melo CMM, Santos, TA. A participação política de enfermeiras na gestão do Sistema Único de Saúde em nível municipal. Texto contexto - enferm. 2007; 16(3): 426-32. 5. Valoura LV. Instituto Paulo Freire. Paulo Freire, o educador brasileiro autor do termo Empoderamento, em seu sentido transformador. São Paulo-SP; 2006. Disponível em: http://www.paulofreire.org/twiki/pub/Crpf/CrpfAcervo000120/Paulo_Freire_e_o_conc eito_de_empoderamento.pdf. 6. Trad LAB, Esperidião MA. Gestão participativa e corresponsabilidade em saúde: limites e possibilidades no âmbito da Estratégia de Saúde da Família. Interface Comunic., Saude, Educ. 2009; 13 supl.1: 557-70. 7. Lacerda WA, Santiago IMFL. A participação popular na gestão local do Programa 9 Saúde da Família em Campina Grande, Paraíba. Rev. Katál. Florianópolis 2007; 10(2): 197-205. 8. Borges CC, Mishima SM.A Responsabilidade Relacional como Ferramenta Útil para a Participação Comunitária na Atenção Básica. Saúde Soc. São Paulo 2009; 18(1): 2941 9. Labra ME. Lecciones de la Experiencia Participativa en Salud en Barcelona y Rio de Janeiro. Saúde em Debate, Rio de Janeiro 2006; 30(73/74): 287-300.