26
REVISTA DE DIREITO DO UNIFOA
DESENVOLVIMENTO E MODERNIDADE EM
DILEMA: LEITURAS DE FLORESTAN FERNANDES
(Developoment and Modernity : Readings about Florestan Fernandes)
Marcelo S. Masset Lacombe*
Resumo
Este artigo visa construir uma reflexão sobre a importância do pensamento de Florestan
Fernandes e como este pensamento ainda é importante na reflexão sociológica sobre o
desenvolvimento brasileiro rumo a modernidade. Neste sentido, tomamos dois importantes sociólogos brasileiros que tomam as teses de Florestan sobre a modernidade
brasileira para discutir alguns problemas ainda não resolvidos pela democracia e pelo
desenvolvimento nos anos 90.
Palavras-chave: desenvolvimento; Florestan Fernandes; modernidade.
Abstract
Abstract
This article aims to construct a reflexion about the importance of the thought of Florestan
Fernandes and how this thought is still important in sociological reflexion on brazilian
development towards to modernity. In this sense, we take two importants brazilian
sociologists who take some Florestan´s thesis on brazilian modernity to discuss some
problems not yet resolved by democracy and development in 90 years.
Keywords: development; Florestan Fernandes; modernity
INTRODUÇÃO
O problema da formação da modernidade no Brasil
é um dos temas mais clássicos de nossa sociologia
e do nosso pensamento social. Foi sobre esse tema
que as questões da democracia, da formação de
instituições políticas modernas e do desenvolvimento
econômico foram abordados, foi no
empreendimento de se fazer uma sociologia da
mudança social que se montou um instrumental
teórico e um patrimônio cultural que nos permite
reler a realidade social do Brasil de hoje na
perspectiva de sua historicidade. Os problemas da
margem, dos processos excludentes e da falta de
democracia na sociedade brasileira são lidos como
problemas de um processo social tenso e
contraditório que busca articular o arcaico com o
moderno criando uma sociedade de classes que
incorpora formas estamentais de relação social e
assim gera uma sociedade que inclui marginalmente
os setores hierarquizados na base da pirâmide social.
Por isso, discutir os problemas da formação do Brasil
moderno, da pobreza, das descontinuidades e das
dicotomias que se prolongam ao longo de nossa
estrutura social, traz a necessidade de reler o
pensamento sociológico brasileiro da década de 50
que pensou, antes de nós, esses problemas. Eles
são os nossos clássicos, como clássicos devem ser
lidos e relidos.
O problema do arcaico e do moderno que orientou
a agenda de pesquisa de Florestan Fernandes retorna
ao discurso sociológico brasileiro a partir de
formulações teóricas que visam compreender os
atuais dilemas da nossa sociedade. A orientação
* Bacharel em Ciências Sociais pela USP, mestre e doutor em sociologia pelo IUPERJ, professor titular licenciado de Sociologia do Direito
do Curso de Direito do UNIFESO e atualmente é pesquisador colaborador da UNICAMP e bolsista de pós-doutorado pela FAPESP.
REVISTA DE DIREITO DO UNIFOA
dessa agenda de pesquisa permanece nos marcos
já trilhados por Florestan Fernandes, mas se
renovam e se revigoram diante da incompletude do
processo de modernização e da democracia restrita
que temos hoje. Se a expansão da ordem social
competitiva não teve os efeitos desejados de
instaurar o primado da cidadania, da participação
popular na vida política, da integração social e da
democracia como uma realidade social e não apenas
institucional, então surge a necessidade de se re-ler
e se re-pensar os dilemas da modernidade e a
própria noção de moderno que se fundou em nosso
país. Existe nessa problemática um certa
perplexidade por parte não apenas dos intelectuais
acadêmicos, mas também por parte de forças
políticas significativas em nosso país. Tal
perplexidade se dá diante dos resultados atingidos
após 15 anos de vida democrática institucional
quando se nota as persistências do atraso e do
autoritarismo na sociedade brasileira e a crescente
tendência à marginalização social e política das
amplas parcelas de nossa sociedade.
Isso nos obriga a re-pensar os
marcos de nossa sociedade e de retomar problemas
sociológicos que pedem um maior aprofundamento
e reformulação teórica diante dos novos dilemas que
a realidade social do país apresenta. Nesse sentido,
gostaria de destacar dois sociólogos profundamente
marcados pela agenda florestaniana de pesquisa,
José de Souza Martins e Luiz Werneck Vianna, e
de iniciar este texto comentando obras recentes de
ambos os autores, O Poder do Atraso1 e A
Revolução Passiva2 . Não é mera coincidência que
ambas as obras foram publicadas em meados da
década de 90, quando os efeitos e frustrações com
a conclusão da transição democrática já se faziam
sentir na sociedade brasileira.
O problema sobre o qual discorrerá
Luiz Werneck Vianna é o processo de modernização
da sociedade brasileira como uma tradução nacional
daquilo que Gramsci definia como revolução
passiva. O tema, segundo Vianna, já estava presente
em sua obra mais antiga, Liberalismo e Sindicalismo
no Brasil, onde o autor descobre a questão da
1
2
27
modernização autoritária que é desencadeado no
Brasil sob a égide do Estado corporativo da década
de 30. O pressuposto teórico extraído de Gramsci
está na categoria de revolução passiva em que a
hora da passagem do domínio burguês não coincide,
necessariamente, com o seu triunfo político e menos
ainda com rupturas explosivas na estrutura do
Estado. Trata-se aqui de uma via reacionária de
modernização capitalista em que o público se torna
um lugar de relações condominiais entre os interesses
dominantes e expropria politicamente os setores
subalternos da sociedade. Isso acaba intensificando
as formas autoritárias de controle social em que a
expansão da acumulação capitalista se dá a partir
do Estado através da mobilização da violência
política. O caso brasileiro é marcado por essa
configuração que dá o enquadramento dos
compromissos de nossa Revolução Burguesa com
os marcos da velha ordem. Isto é, quando a
mudança e o processo de modernização partem da
superestrutura da sociedade (Estado) e se
configuram num processo de industrialização
conduzido por essa entidade sem ferir os interesses
das velhas elites. O paradoxo da questão brasileira
está no fato de que, a conservação para cumprir
bem suas funções, deve lançar mão do seu oposto,
a revolução. Esta última opera como definiu
Florestan, de forma encapuzada e nela se move a
dialética brasileira em que a tese se nomeia
representante da antítese. Por isso, Vianna considera
que, evitar a revolução supõe, de uma forma
estranha, na sua realização em que tese e antítese
se confundem. A revolução passiva brasileira é o
lento movimento de transição da ordem senhorial
escravocrata para a ordem social competitiva.
Aqui operam duas orientações do
nosso imaginário social que se contrapõem, o
americanismo e o iberismo. O primeiro está
associado ao moderno e as aspirações modernas
de nossa sociedade animando também as forças
políticas democráticas e a sociedade civil como
também o empreendimento industrial e o
desenvolvimento comercial que operam na formação
da ordem social competitiva. O segundo é marcado
MARTINS, José de Souza. O Poder do Atraso, Ensaios de Sociologia da História Lenta. São Paulo: HUCITEC, 1994.
WERNECK VIANA, Luiz Jorge. A Revolução Passiva: Iberismo e Americanismo no Brasil. Rio de Janeiro: Editora Revan, 1997.
28
REVISTA DE DIREITO DO UNIFOA
por uma cultura política patrimonial dominada pelo
quietismo burocrático apoiado no exclusivo agrário,
no domínio rural que anima os projetos políticos de
expansionismo territorialista. Estes ideais se
contrapõem, mas também se imbricam em complexa
fusão, como afirma Vianna, onde a Ibéria abre
caminho para a América. Nesse pólo reside a
dialética da revolução passiva brasileira que opera
mudanças sociais molecularmente ao longo das
malhas de sociabilidade.
Werneck Vianna inicia sua
argumentação atentando para uma questão já
presente em Florestan Fernandes, a ambigüidade
do nascente Estado-Nacional brasileiro que se
inspirava num liberalismo como doutrina, mas se
sustentava politicamente, social e economicamente
no exclusivo agrário e na instituição da escravidão.
Na sociedade civil, no entanto, o liberalismo atua
como fermento revolucionário induzindo rupturas
moleculares, mas que não podia ser princípio da
organização social da época, pois iria acarretar no
desmonte da ordem senhorial escravocrata. Porém,
é esse liberalismo da sociedade civil que irá abrir as
possibilidades para se desencadear a revolução
burguesa no Brasil. Apesar do Estado-Nação estar
posto diante de sua sociedade civil numa relação
de radical autonomia e de também não operar como
força de modernização econômica. Esse Estado se
marca por um compromisso com
meios pré-capitalistas de extração do
excedente econômico vai caracterizar, na
ampla galeria de casos nacionais de revolução
passiva, a solução brasileira como talvez a
sua modalidade mais recessiva, e não apenas
por sua precocidade, mas sobretudo pelo
sistema de orientação pré-moderno das suas
elites políticas, cujo o liberalismo é prisioneiro
do iberismo territorialista3 .
Mesmo sendo moderno no seu liberalismo, tal
condição deverá ser reprimida pela índole ibérica
1 WERNECK VIANA, Luiz Jorge. Op. cit. p. 15.
2 Ibidem. p. 15
3 Ibidem. p. 18.
de suas elites que mantém as estruturas anacrônicas
herdadas da colônia.
Nesse Estado há a primazia da
razão política sobre outras racionalidades que tinha
como objetivo a preservação do território e também
o controle sobre sua população o que era uma
necessidade, uma vez que disso dependia a
formação da sociedade nacional. A Ibéria, para
Werneck Vianna, é territorialista e expansionista e a
estrutura econômica do país é concebida como
instrumento para atingir seus objetivos e outros fins
políticos. Informado por Florestan Fernandes,
Vianna percebe que as estruturas econômicas
herdadas da colônia era a “única alternativa
econômica compatível com a vocação de sua
estratégia territorialista” 4 .
No período marcado pela
Revolução de 30, Werneck vê um novo fermento
revolucionário que já não é mais o liberalismo, mas
a questão social. Ao se refazer, a Ibéria não se
desprende de suas bases agrárias onde as elites
modernas sustentam o seu poder. Na verdade, elas
assumem esse papel e assim dirigem o processo de
industrialização.
Em sua nova configuração, a ‘revolução
passiva’ terá como fermento revolucionário a
questão social, incorporação das massas
urbanas ao mundo dos direitos e a
modernização econômica como estratégia de
criar novas oportunidades de vida para a
grande maioria ainda retida, e sob relações
de dependência pessoal, nos latifúndios5 .
O processo de industrialização, que nesse período
ganha força, se torna um projeto político do
territorialismo através do qual esse pode forjar uma
economia que lhe seja homóloga servindo aos
propósitos da grandeza nacional, ou seja, a
industrialização é compreendida nos marcos da
ideologia do Estado-Novo. Trata-se aqui do
nacional-desenvolvimentismo como programa de
REVISTA DE DIREITO DO UNIFOA
formação de um autêntico capitalismo de Estado
que teria por base uma coalizão nacional-popular.
Tal projeto se fundava na crença de que o atraso e
o subdesenvolvimento poderiam ser vencidos a
partir de avanços moleculares a partir do processo
de expansão do moderno, mas aí é uma
modernização conservadora que visa atender os
interesses das elites.
A revolução passiva [brasileira] fôra uma obra
da cultura política dos territorialistas, e seus
momentos de reformismo, sob o regime
populista, teriam produzido o efeito negativo
de cooptação dos seres subalternos, o
cancelamento de sua identidade e o
aprofundamento das condições do estatuto
de sua dominação6 .
Esse nacional desenvolvimentismo ainda prossegue
na ditadura militar iniciada com golpe de 64, no
entanto, ele se encerra no regime democrático. Para
Vianna, o que pôs fim a ditadura militar foram as
transformações moleculares que foram ocorrendo
nas malhas de sociabilidade e que produziram formas
democratizantes de atuação política no interior dos
setores subalternos. No caso de São Paulo, por
exemplo, tivemos a emergência do sindicalismo do
ABC e um fervilhar por toda cidade de novos
movimentos sociais como os movimentos de bairro.
Esses movimentos surgem quando se descobre nos
locais de moradia o locus de profundas contradições
sociais e, lá, intelectuais e militantes irão buscar
organizar redes sociais que dêem bases sólidas para
formas associativas de organização política7 . A
própria constituição de 1988, que trouxe consigo
importantes conquistas políticas, foi produto de uma
forte pressão por baixo, mas também obedeceu à
tradição brasileira das resoluções por cima. Nesse
momento, Vianna argumenta que a nossa revolução
passiva atinge uma nova configuração, pois as elites
de pensamento territorialista foram alijadas do
controle do Estado e foram sucedidas por uma
coalizão de forças orientadas por valores do
29
mercado e comprometidas com o projeto de
normalização da ordem burguesa no país. Isso, para
Werneck, implica não apenas uma ruptura com o
passado, mas subordinação de todas as dimensões
da vida social à racionalidade da modernização
capitalista. Também aqui o seu fermento
revolucionário é outro, é a questão da democracia
que se manifesta no processo de massificação da
cidadania ainda em curso. Werneck não
desconsidera a ação viva do passado no presente
ao considerar que
o ‘programa’ das elites se orienta no sentido
de interromper o livre curso da comunicação
entre democracia política e os processos de
democratização social, com a finalidade de
racionalizar a participação política, como na
proposta do atual governo de reforma política
na revisão constitucional8 .
Por sua vez, a questão do tradicional e do moderno
será trabalhada por Martins dentro do problema das
persistências do atraso em nossa sociedade. Se em
Werneck Vianna a ênfase da questão está no
processo de mudança social e de como a mudança
opera nas malhas de sociabilidade e se traduz na
esfera do político, Martins se preocupará com o
aspecto oposto da questão, ou seja, com aquilo que
não muda e com as persistências do passado. Para
esse autor a questão está no passado que se esconde
por trás das aparências do moderno e no Brasil essa
peculiaridade pesa mais do que aparentemente se
percebe. O que caracterizaria a sociedade brasileira
seria sua história inacabada e inacabável e nisso se
revelariam as determinações estruturais do processo
histórico com sua própria temporalidade. Nesse
sentido, o progresso viria de modo sempre
insuficiente e lento, que se traduziria numa história
da espera, espera pela revolução e espera pelo
progresso. Porém, como disse Werneck, nosso país
nunca conheceu a revolução, e talvez nunca a
conheça9 , mas para Martins, o progresso que se
esperava também não veio, o que leva este último a
6 Ibidem. p. 22.
7 TELLES, Vera Silva. “Anos 70: Experiências, Práticas e Espaços Políticos”. In: KOWARICK, Lúcio (org.). Lutas Sociais e a
Cidade. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1988.
8 WERNECK VIANA, Luiz Jorge. Op. cit. p. 23.
30
REVISTA DE DIREITO DO UNIFOA
considerar uma outra característica de nossa história
lenta: a não conclusividade dos períodos históricos,
daí o seu caráter inacabável, os ciclos e momentos
de nossa história não se fecham o suficiente para
que possam, de forma satisfatória, dar espaço para
a emergência plena do novo.
Nesse sentido, uma das constatações de Martins é
que estaríamos ainda longe da sociedade de
cidadãos e de uma democracia plena diante da não
realização ou da realização incompleta da cidadania
e da sociedade civil. Nisso seria a propriedade da
terra, o exclusivo agrário, que estaria no centro de
um poder político persistente e por conta dessa
persistência:
A sociedade civil não é senão esboço num
sistema político em que, de muitos modos, a
sociedade está dominada pelo Estado e foi
transformada em instrumento do Estado10 .
O Estado estaria baseado em relações políticas
atrasadas do clientelismo e da dominação tradicional
patrimonial, o oligarquismo. É nesses termos que o
atraso acaba por se converter em um instrumento
de poder. Uma vez que a sociedade está dominada
pelo Estado, as pressões sociais se diluem em
projetos e soluções opostos aos objetivos das lutas
sociais.
O sistema político tem demonstrado uma
notável capacidade de captura dessas
pressões e propósitos, assimilando e
integrando o que é disruptivo e o que em
outras sociedades foi fator essencial de
transformações sociais e políticas até
profundas11 .
Por isso, Martins elabora a proposta de uma
sociologia da história lenta que busca ler os fatos e
acontecimentos a partir da necessidade de distinguir
no presente a presença viva e ativa de estruturas do
passado a fim de se compreender a temporalidade
lenta de nossa história. Como também a relação entre
9
Ibidem
MARTINS, José de Souza. Op. cit. p.13.
Ibidem. p. 13.
12
Ibidem. p. 14.
13
Ibidem. p. 20.
10
11
presente e futuro que é mediado pelo passado. É
isso que tornaria nossa história lenta. “A questão é
saber quais são as condições históricas que
estabelecem o ritmo do progresso em diferentes
sociedades”12 , atentando-se para o fato de que o
pensamento conservador não é imobilista como se
supõe e ele mesmo entra no jogo dos processos de
mudança social, ou seja, Martins reconhece aquilo
que já está em Florestan, à mudança social brasileira
como um processo de conservação/mudança
salientando que a intenção conservadora pode se
radicalizar e se tornar arma por mudanças sociais
até profundas e, n’outro sentido, até mesmo
democratizantes como é o caso da Igreja Católica
no Brasil.
No primeiro capítulo de O Poder do Atraso, Martins
trata dos usos conservadores da mediação do
moderno no Brasil. O faz a partir da análise da
corrupção atentando para o fato de que o
afastamento de Collor revelaria a ocorrência de
mudanças políticas na sociedade brasileira. Sendo
que os fatos em questão tenham sido definidos e
aceitos como corrupção pela opinião pública. O
trânsito de dinheiro particular para o bolso dos
políticos por meio das funções públicas combinase com o movimento inverso do dinheiro particular
dos políticos para atender os interesses (privados)
dos eleitores. “A política do favor, base e fundamento
do Estado brasileiro, não permite nem comporta a
distinção entre público e privado” 13 .
A tradição do mando pessoal e da política do favor
depende do seu acobertamento nas aparências do
moderno e do contratual. Para Martins, pelo
menos desde a proclamação da República, a
dominação patrimonial depende de uma
fachada moderna e burocrática racional-legal.
Isso quer dizer que, na tradição brasileira, a
dominação patrimonial não se constitui como forma
antagônica em relação à dominação racional-legal.
Pelo contrário, acaba se alimentando dela e
contaminando-a14 . Por isso, o poder pessoal e
oligárquico são ainda suportes de legitimidade
política em que há fortes contradições.
REVISTA DE DIREITO DO UNIFOA
O Estado, assim, se torna impermeável,
relativamente, às pressões dos movimentos
populares, “mas não impermeável às fragilidades
da tradição quando subsumida na lógica do
moderno” 15 .
Para o autor que estamos discutindo, o público e o
privado como relação na formação do Estado
Brasileiro, nunca chegou a se constituir enquanto
diferença na consciência popular. Nunca se
materializou como direitos relativos a pessoas, foi
sim distinção entre patrimônio público e patrimônio
privado, ou seja, era uma distinção que se referia
ao direito de propriedade e não como direito da
pessoa e de sua integridade. Nos tempos da colônia,
nos informa o autor, havia uma diferenciação entre
bens do Estado e bens do cidadão e entre eles se
elaborava uma relação contratual. Mas uma relação
tal que se estabelecia como relação entre rei e
vassalo. Nesse esquema de trocas de favor e
serviços, os súditos não estavam excluídos da
gestão da coisa pública, seu poder político se traduzia
nas câmaras municipais em que se dava o confronto
de interesse entre a coroa e o município. As cidades
do Brasil colônia eram as pequenas repúblicas rurais
do período. Nessa polaridade entre a coroa e o
município, público e privado eram concepções
submetidas ao arbítrio daqueles que personificavam
o público e daqueles que personificavam o privado.
“No Brasil dos séculos XVI e XVII, o público
era quase que inteiramente personificado pelo
privado. As ‘res-públicas’, isto é, as vilas e
os municípios, eram constituídos pela casta
de homens bons, isto é, os homens sem
mácula de sangue e, também, sem mácula de
ofício mecânico, isto é, os homens que não
trabalhavam com as próprias mãos. A elas
delegava o rei parte de sua autoridade e nelas
os homens bons administravam essa
concessão no benefício da república.
República era, pois, sinônimo de coisa pública
administrada pela assembléia dos
participantes, isto é, dos súditos.
14
15
16
17
Ibidem.
Ibidem. p. 21.
Ibidem. p. 24.
Ibidem. p. 28.
31
Contraditoriamente, no fundo, era público o
que não era do rei, isto é, do Estado. E que
estava, portanto, sob administração dos
agentes do privado” 16 .
Nos tempos da colônia, a unidade familiar era, além
de unidade fiscal, unidade política de primeira
instância, assim, a unidade política da colônia era
uma unidade já ela toda patrimonial, que dava o
tom patriarcal de autoridade e sacralidade no
exercício da função pública. No período da
regência, institui-se a Guarda Nacional e com isso
os municípios são capturados pelo poder central.
Na independência, os potentados rurais tornaramse os guardiões do Estado-Nacional nascente. No
Império, o município era o lugar de mais completa
participação política. Era onde estava o mais
completo colégio eleitoral do país.
O município legitimava a ação política dos que
tinham acesso às demais instâncias do poder,
embora delas não participassem diretamente
a maioria dos eleitores. Todo o sistema estava,
por isso, baseado em mecanismos de
intermediação política de fundamento
patrimonial17 .
No que concerne ao clientelismo político, Martins
considera que este é algo mais complexo do que a
mera compra de votos do eleitor pobre pelo
candidato rico. Reduzir o clientelismo à uma relação
entre pobres e ricos seria esconder outros fatores
complexos das relações clientelísticas. O
clientelismo, no geral, se apoiaria na representação
política como gargalo na relação entre Estado e
Sociedade. O que estaria no centro dele seria a
política da troca de favores, no caso, troca de
favores políticos por benefícios econômicos. Por
isso, mais do que uma relação entre ricos e pobres,
seria uma relação entre os poderosos e os ricos. E
Martins percebe que a história da burguesia brasileira
é uma história de transações com o Estado e de
troca de favores. Tal ambiente cultural político define
32
o “favor” como uma obrigação entre pessoas que
não têm entre si uma relação de contrato, e caso
tenham, estão subsumidos pelos deveres envolvidos
nos relacionamentos que se fundam no princípios
da reciprocidade. Nesse traço da sociabilidade
brasileira está a dificuldade do eleitorado de resocialização em padrões modernos de conduta
política e acabam por legitimar a cultura da
apropriação do público pelo privado, e vice-versa.
Nisso formam-se redes sociais no interior do Estado
operando no contexto de sistema de troca de
favores. Na relação com a sociedade mais ampla,
temos a disseminação do populismo urbano que se
nutre de simulacros do patrimonialismo para o
estabelecimento de um vínculo de natureza
clientelística com o eleitor. Porém, no âmbito da
modernização do próprio Estado e da
burocratização avançada da dominação patrimonial
e o clientelismo se torna mais sofisticado e passa a
se estabelecer a partir da distribuição de verbas do
governo, ou seja, a destinação das verbas passa a
atender aos interesses privados.
Nisso tudo, Martins conclui que a modernização da
sociedade brasileira acaba se dando nos marcos da
ordem e da tradição. Por isso, as transformações
sociais e políticas são lentas e nunca se fundam em
súbitas rupturas e nem em revoluções explosivas
com implicações sociais, culturais, econômicas e
institucionais. O novo, ao surgir, surge como
desdobramento e continuidade do velho. E aqui o
moderno cria e re-cria o atraso num processo de
conservação/mudança. No entanto, o processo é
tenso, tanto no âmbito do Estado quanto no das
malhas de sociabilidade. Nessa tensão e nessa
ansiedade, o autor identifica dois “partidos políticos”
no Brasil, o do tradicional e o do moderno. Eles
estão mesclados entre si, um como mediação do
outro e ao mesmo tempo como contraponto.
Apesar de algumas diferenças de ênfase e de leitura
de ambos os autores, o que poderia dar margem a
polêmicas e discussões fecundas, o que se nota em
ambos é o fato de que o argumento gira em torno
da tese de Florestan Fernandes sobre a fusão entre
18
19
20
21
REVISTA DE DIREITO DO UNIFOA
o tradicional e o moderno e buscam demonstrar,
ainda sobre sólida leitura de Florestan e de fortes
argumentos empíricos e históricos, como essa fusão
não é restrita ao Estado. Entre Estado e sociedade
existe uma continuidade dessa fusão que perpassa
as malhas de sociabilidade e acaba por desenhar os
traços típicos da sociedade brasileira.
FLORESTAN FERNANDES: A ORDEM
COMPETITIVA E OS DESENCONTROS DE
UM BRASIL
Um dos textos clássicos do pensamento social
brasileiro, “A Revolução Burguesa no Brasil” é um
esforço gigantesco por parte do autor no sentido
de formalizar e sintetizar sua reflexão sociológica
sobre o Brasil, sua história e a formação de sua
modernidade. Essa é a reflexão que marca a carreira
de Florestan Fernandes desde a publicação em
1960 de Mudanças Sociais no Brasil18 , passando
pela Integração do Negro na Sociedade de Classes
(1965) 19 e pela Sociedade de Classes e
Subdesenvolvimento (1972)20 . Nesse sentido, o
ensaio de Florestan sobre a Revolução Burguesa
no Brasil21 é uma síntese e um aproveitamento de
uma carreira científica marcada pela pesquisa
empírica e por um aprofundamento teórico
audacioso.
O objetivo do texto de Florestan seria mais do que
explicar a emergência da revolução burguesa e do
capitalismo da ordem social competitiva, mas seria
também o de mostrar os caminhos e descaminhos
que essa emergência significa, ou seja, tratava-se
de refletir sobre um processo social ambíguo cuja
relação com a ordem anterior é de continuidade e
ruptura. Para expor e refletir sobre tal processo,
Florestan mobiliza um complexo instrumental teórico
sociológico que vai dos clássicos (Weber, Durkheim
e Marx) à Pareto, Mannheim e Gramsci. A
mobilização de uma profunda erudição sociológica
para pensar o Brasil é sistematizada de forma
coerente no pensamento do autor e é também
repensada no termos da sociedade brasileira. Nesse
FERNANDES, Florestan. Mudanças Sociais no Brasil. São Paulo: Difusão Européia do Livro, 1978.
Idem. A Integração do Negro na Sociedade de Classes. São Paulo: EDUSP, 1965.
Idem. Comunidade e Sociedade no Brasil. São Paulo: EDUSP, 1972.
Idem. A Revolução Burguesa no Brasil. Rio de Janeiro: Ed. ZAHAR, 1976.
REVISTA DE DIREITO DO UNIFOA
sentido, o que o autor tenta mostrar é como a
estrutura social brasileira possui uma dinâmica
própria e suas transformações só são inteligíveis nos
termos dessa estrutura.
Por isso Florestan inicia o texto discutindo as
características singulares da revolução burguesa no
Brasil a partir das transformações estruturais
necessárias da ordem colonial e do seu modo de
produção e acumulação de capital. Nesse sentido,
a eclosão da “Revolução Burguesa” é definida no
momento da independência nacional num sentido
duplo e contraditório; 1º) a independência significou
a adesão aos padrões de civilização moderna
ocidental, o que implicava a necessidade estrutural
de um grupo social que desempenhasse os papéis
reservados à uma classe burguesa; 2º) a
independência deu aos estamentos senhoriais um
controle maior sobre o modo de produção colonial
liberando-os para perseguirem os próprios
interesses. Assim, a contradição da independência
do Brasil reside no fato de que, sendo uma ruptura
política que visava manter a ordem colonial, ela
também possibilitava o processo de desagregação
dessa mesma ordem. O fato salientado pelo autor é
que, uma vez internalizado alguns mecanismos de
controle da produção colonial, essa produção se
viu livre de seus entraves estatutários e impôs aos
estamentos dominantes tarefas e papéis sociais mais
complexos que impuseram uma maior diferenciação
social na estrutura brasileira. É justamente nessa
maior diferenciação social que se cria o palco e as
condições para a formação de uma burguesia
mercantil e de um estamento intermediário ligado às
funções burocráticas de um Estado nacional. Aqui
é que aparece o processo de burocratização da
dominação patrimonial. É nesse processo também
que as possibilidades de desenvolvimento do modo
colonial de produção se esgotam em quase um século
e criam a necessidade de emergência do trabalho
livre e da expansão do mercado interno.
No entanto, as mudanças estruturais na sociedade
brasileira pediam novas formas cognitivas de seus
agentes, pedia um arcabouço intelectual e reflexivo
para um tipo de práxis novo e adaptado a mudanças
estruturais. Nesse sentido, um liberalismo reelaborado cumpriu as funções ideológicas e utópicas
dos estamentos dominantes da sociedade brasileira
na nova conjuntura permitindo a formação de um
sistema axiológico que, apesar das re-elaborações,
33
entrava em choque com os elementos estruturais
herdados do mundo colonial. Portanto, o processo
de formação da ordem social competitiva e da
revolução burguesa é um processo tenso permeado
de conflitos em que nem os estamentos dominantes
estão isentos do caráter conflituoso do processo.
Em realidade, tal processo é definido no interior de
uma estrutura social tensa em que os agentes estão
agindo estrategicamente em função dos seus
interesses. Aqui não existe um agente único, mas
alguns agentes centrais que estão mais armados de
uma racionalidade própria de uma ordem social
competitiva em expansão onde o conflito e
acomodação se sucedem num fluxo de
transformações estruturais. Para o autor, a expansão
da ordem social competitiva era uma necessidade
inerente ao modelo de desenvolvimento dependente
em que as mudanças sócio-econômicas giram em
torno do sistema de exportação/importação, o
caráter dependente desse sistema torna a sociedade
brasileira mais sensível aos fluxos e refluxos do
mercado mundial obrigando nossa estrutural social
a se adaptar às mudanças econômicas mundiais. Por
isso, se o modo de produção colonial se esgota é
porque ele não está mais apto à cumprir com as
funções exigidas pelo sistema dependente de
organização da economia que é o sentido da
estrutura social colonial. A mudança, então, vem no
sentido de manter a dependência ainda que para
isso necessite da expansão da ordem social
competitiva e da diferenciação e integração sociais
mais complexas.
Aqui o processo envolve um outro problema já
debatido, o da tensão entre o tradicional e o
moderno. Isso quer dizer que todo o processo de
formação da ordem social competitiva não foi coeso
e nem monolítico, mas foi um processo em que
formas propriamente capitalistas e competitivas se
sobrepuseram às formas coloniais e arcaicas de
organização social e status estamental em que até
os agentes emergentes da nova ordem aderiram.
Como será aprofundado na segunda parte do livro,
a formação da ordem competitiva possibilitou a
acomodação do tradicional com o moderno e a
estrutura social até necessitou dessa acomodação a
fim de ser mantido o modelo dependente de
desenvolvimento.
Na segunda parte de “A Revolução Burguesa
no Brasil”, Florestan Fernandes afirma que a
34
REVISTA DE DIREITO DO UNIFOA
história moderna do Brasil22 .
(...) começa às avessas, como uma
internalização do império colonial. (...) A ‘era
da modernização’ no Brasil não aparece como
fenômeno maduro da evolução interna do
mercado capitalista moderno; ela se configura
com a crise política do antigo sistema
colonial23 .
Isso quer dizer que a formação de uma ordem social
competitiva se deu, em nosso país, posteriormente
ao capitalismo como realidade social. Se a ordem
senhorial escravocrata, que era articulada na relação
entre o senhor e o escravo, estava ligada a um
mercado externo e nele residia o seu sentido de ser
e sua condição, essa ligação não produziu relações
sociais modernas no interior da sociedade colonial
e o mercado que ali se formou não se expandiu de
forma a impor relações mercantis desenvolvidas.
A ordem social que se formou nos primórdios de
nosso país criou instituições políticas, valores, idéias
e padrões de comportamento pré-modernos que
se desenvolveram e se mantiveram funcionalmente
dentro de uma sociedade que se hierarquizava de
forma estamental entre os que eram livres e na forma
de castas em relação aos escravos. Segundo
Florestan Fernandes,
da vida social a competição. Porém, o que o autor
constata é que a sociedade escravocrata resistia à
emergência da ordem social competitiva, pois essa
sociedade era pouco propícia a formação da
competição no seu interior, nela a ordem senhorial
absorvia as tensões da competição. Durante todo o
capítulo 4, o autor discorre sobre o processo de
formação da ordem competitiva como um processo
tenso que articulou uma vasta gama de contradições
que a estrutura da ordem senhorial já comportava.
O que caracterizava essa ordem era a relação senhor
/escravo, que se articulava numa unidade produtiva
agrícola e monocultora, voltada para a exportação
no mercado mundial. Essa estrutura fazia com que
o sistema econômico em nosso país se tornasse
extremamente dependente das oscilações do
mercado mundial. Foi a partir da relação senhor/
escravo que se fundaram instituições políticas e
sociais e formas mais complexas de relações entre
indivíduos e grupos. Ao nosso ver, o argumento
central de Florestan Fernandes no capítulo 4 de “A
Revolução Burguesa no Brasil” pode ser expresso
na seguinte passagem:
as estruturas econômicas, sociais e políticas
da sociedade colonial não só moldaram a
sociedade nacional subsequente:
determinaram , a curto e largo prazos, as
proporções e o alcance dos dinamismos
econômicos absorvidos do mercado
mundial24 .
Essa ordem subsequente seria a ordem social
competitiva definida como relações de produção e
troca que desenvolvem uma ordem social típica
inerente às formas de integração e diferenciação
social. Para Florestan Fernandes, a modernidade
teria como elemento central, estruturante e dinâmico
22
23
24
25
Prefácio da segunda edição de “A Revolução Burguesa no Brasil”.
FERNANDES, Florestan. A Revolução Burguesa no Brasil. p. 7.
Ibidem. p.150 .
Ibidem. p. 151.
(...) a ordem escravocrata e senhorial não se
abriu facilmente aos requisitos econômicos,
sociais, culturais, e jurídico políticos do
capitalismo. Mesmo quando eles se
incorporavam os fundamentos legais daquela
ordem, eles estavam condenados à ineficácia
ou a um atendimento parcial e flutuante, de
acordo com as conveniências econômicas dos
estamentos senhoriais (largamente
condicionadas e calibradas pelas estruturas
econômicas, sociais e políticas herdadas do
mundo colonial). Segundo, a emergência e o
desenvolvimento da ordem social competitiva
ocorreram paulatinamente, à medida que a
desintegração da ordem social escravocrata
e senhorial forneceu pontos de partida
realmente consistentes para a reorganização
das relações de produção e de mercado em
bases genuinamente capitalistas.25
REVISTA DE DIREITO DO UNIFOA
Esse processo, segundo o autor, se caracteriza por
tensões estruturais na ordem senhorial que criam uma
situação de instabilidade. Dentro de um contexto
histórico de uma sociedade sob constantes pressões
do mercado mundial (absorvidas na economia
interna), surgiram impactos desagregadores que
diziam respeito às inconsistências estruturais e
funcionais inerentes à ordem senhorial, isso quer
dizer que essa ordem estava entrando em crise. Essa
crise residia em três focos de tensão estrutural. Uma
vez que o autor está se referindo à uma sociedade
organizada em castas e estamentos que preservava
e fortalecia o seu padrão de equilíbrio, os pontos
de tensão se encontravam na esfera dos estratos
privilegiados e dominantes. O autor identifica três
tipos de tensão: a) contradição entre os fundamentos
materiais e a legitimação formal do status senhorial;
b) incongruências entre o status real e o status
atribuído nos estamentos intermediários; c) conflito
axiológico entre as normas ideais e as normas
práticas que orientavam os papéis sociais.
a) Este primeiro foco de tensão refere-se ao status
e o papel do senhor na sociedade senhorial. Nada
sugere que este elemento fosse inconciliável com o
capitalismo, mas tudo indica que essa combinação
não poderia se sustentar por tempo indefinido, dado
que as condições internas e externas condenavam a
sobrevivência de uma aristocracia agrária que o
senhor representava. Este, entretanto, tratou de se
acomodar às tendências capitalistas de forma a
manter sua condição privilegiada, e deu origem a
um privatismo econômico na moderna propriedade
privada na forma em que podia nascer dentro de
uma sociedade de estamentos e castas. Convertia a
livre iniciativa num direito estamental como se “o
burguês moderno renascesse das cinzas do senhor
antigo26 . Se as pressões do mercado mundial
condicionavam mudanças que abalavam a estrutura
da ordem senhorial escravocrata, o senhor, por seu
lado, podia manipular ao menos as consequências
internas desse processo, mas não as suas causas
externas (mercado mundial). Tornando-se um
agente econômico capitalista numa sociedade anti e
extra-capitalista, o senhor passa a engendrar um
processo de competição numa esfera reduzida da
26 Ibidem. p. 168.
35
sociedade (a sua própria). A competição aí
desenvolvida se dava na distribuição estamental da
renda e do poder. Não alimentava e nem se inseria
nas vias socialmente construtivas do capitalismo que
relacionava a distribuição da renda à propriedade
privada e à livre iniciativa.
b) A tensão existente entre o status real e o status
atribuído dos estamentos intermediários se deu a
partir da posição social que esses estamentos
ocupavam na estrutura da sociedade. O elemento
típico desse estamento é o membro da família
tradicional que não possui condição senhorial. Sua
função na estrutura da sociedade estamental era de
mero acessório do estamento mais elevado. Eram,
assim, sócios menores na distribuição do poder na
sociedade, mas ligavam-se aos estamentos
superiores através de um código de honra que com
eles compartilhavam e que definia uma lealdade
estamental. Os estamentos intermediários começam
a ganhar importância na medida em que chegam a
exercer, no Estado, importantes funções na fusão
do patrimonialismo com a burocracia. Eram, na sua
maioria, profissionais liberais e jornalistas. Sua
relação com os estamentos senhoriais era também
uma relação de igualdade fictícia que disfarçava sua
dependência para com esse setor da sociedade.
Esse estamento vai se tornar um foco de tensão na
medida em que, pela disputa de posições sociais,
vai lançar mão da competição nas formas em que
fugia aos padrões determinados pela ordem vigente.
Isso só era possível porque esse estamento gozava
de facilidades que lhe eram conferidas por papéis
sociais definidos na rede institucionalizada. Isso se
dava por causa de sua condição social e os riscos
que os estamentos intermediários corriam dentro da
própria estrutura social. Esses riscos decorriam dos
movimentos que a ordem sofria a qual os submetia
a um desnivelamento de sua posição social. Tal
situação era vista como um pesadelo histórico por
parte desses estamentos. Nessa situação social
frágil, os elementos desse grupo recorreram aos
meios de que dispunham para manter seus privilégios
que julgavam como um direito. Foi somente no
período em que o processo de formação da ordem
competitiva atingiu o seu clímax que as
36
REVISTA DE DIREITO DO UNIFOA
inconsistências entre o status real e status atribuído
dos estamentos intermediários serviram como motor
para uma ação mais efetiva desse setor no processo
político da abolição da escravatura e da
proclamação da República. Após esse clímax
político do processo analisado por Florestan, esses
estamentos voltaram a sua rotina na forma de uma
emergente classe média apegada à modernização e
à democratização como meios de privilegiamento
de seus interesses e de sua posição social.
c) O terceiro tipo de tensão refere-se ao conflito
axiológico entre normas ideais e práticas que
orientavam os papéis sociais. Trata-se de uma
sociedade que contraria as normas de seu próprio
sistema axiológico, ou seja, de seus valores. Esse
tipo de tensão pode ser neutralizado a partir de
formas de socialização, situações de interesse e
controles sociais indiretos. Isso não impede, porém,
crises de consciência nem posicionamentos
divergentes onde aceitação da ordem se combina
com a condenação das inconsistências axiológicas.
Esse tipo de situação tende a gerar um conflito entre
valores ideais e práticas cotidianas que por sua vez
a impulsionam a transformação da ordem a partir
de uma revolução pelos costumes. Florestan
Fernandes analisa esse foco de tensão a partir do
movimento abolicionista como elemento de
importante significação dentro do conflito axiológico
da sociedade senhorial. Esse conflito girava
justamente em torno da condição senhorial quando
sistematicamente banidos da ordem legal. Por outro
lado, a escravidão era tida pela sociedade como
uma necessidade geral, nisso residia sua persistência,
mas, por outro lado, ela feria os mores religiosos e
os requisitos ideais da ordem legal. Além disso, sua
supressão contava como fundamento econômico
perfeitamente visível para a expansão do capitalismo.
Esses três focos de tensão atuaram em conjunto no
processo de desestabilização da estrutura da ordem
senhorial escravocrata. A abolição da escravatura
foi o ponto de clímax que solapou de vez as bases
econômicas dessa ordem social, o que, por sua vez
possibilitou a formação de uma nova ordem.
Contudo, o abolicionismo se fez dentro de um
espírito de elite, aqueles que contestaram o sistema
eram do mesmo estamento dos que detinham o
poder. Por isso o abolicionismo não pôde operar
como força realmente revolucionária e produzir
mudanças radicais nas instituições políticas e na
estrutura social. Por outro lado, o legado da
escravidão deixou seqüelas psicossociais.
(...) [a] crítica da identificação tão forte, pura e
exaltada com os mores e os valores ideais,
omitidos ou traídos na prática cotidiana, que
chega a alimentar formas especificamente
revolucionárias de transformação da ordem27 .
Isso significa que, se por um lado o mercado interno
se expandia e crescia como força social operando
o processo de competição e redefinindo status e
papéis sociais, por outro, a sociedade não pôde
acompanhar essas mudanças no mesmo ritmo. Ao
se desenvolver, a competição torna-se um processo
incompatível com a ordem vigente. É entre essa
incompatibilidade e a persistência dessa ordem que
irá se criar uma tensão estrutural de difícil resolução,
mas que desenhará os traços típicos de um
capitalismo excludente e dependente que se formou
e se instaurou em nosso país.
O processo de formação da ordem social
competitiva depois do fim da escravidão prossegue
Contudo, o que estava posto em questão pelo
movimento abolicionista, segundo Florestan, não era
o fim da sociedade de estamentos e castas, mas sim
a questão da cidadania e da emancipação política,
as inconsistências do status de cidadão. A questão
girava, também, em torno do problema de como
criar uma comunidade política de cidadãos a partir
de escravos e libertos, além de homens livres
27 Ibidem. p. 162.
28 Ibidem. p. 165.
A relação senhor-escravo e a dominação
senhorial minaram, pois, as próprias bases
psicológicas da vida moral e política, tornando
muito difícil e muito precária a individualização
social da pessoa ou a transformação do
‘indivíduo’, da ‘vontade individual’ e da
‘liberdade pessoal’ em fundamento psico e
sócio dinâmico da vida em sociedade28 ”.
REVISTA DE DIREITO DO UNIFOA
como um processo tenso que se opera entre os
elementos remanescentes da sociedade estamental
com as forças realmente modernizantes operadas
pela competição. O desenvolvimento do mercado
e sua expansão esbarrou em vários obstáculos como
também foi re-articulado e re-interpretado pelas
elites que se moviam dentro da nova ordem
buscando a manutenção do status quo . As elites
tornaram-se e agiram como o elo de ligação entre o
moderno e o tradicional. Operou-se aí uma
acomodação de formas econômicas mutuamente
excludentes e:
Dessa acomodação resultou uma economia
nacional híbrida, que promovia a coexistência
e a inter-influência de formas econômicas
variavelmente ‘arcaicas’ e ‘modernas’, graças
à qual o sistema se adaptou às estruturas e às
funções de uma economia capitalista, mas
periférica e dependente (pois só o capitalismo
dependente permite e requer tal combinação
do ‘moderno’ com o ‘arcaico’, uma
descolonização mínima, com uma
modernização máxima) 29 .
A formação e a estrutura do mercado interno que
se desenvolveram no nosso país se deu de forma
peculiar. Nesse sentido, a leitura de Florestan
Fernandes traz contribuições que nos permitem
avaliar as singularidades dessa formação social e
de como ela consegue historicamente articular o
arcaico com o moderno. Segundo nosso autor, o
mercado e o comércio foram os setores
propriamente dinâmicos da economia e tinha em si
uma infra-estrutura moderna. Contudo, o mercado
que aqui se fez se articulou de forma singular com o
restante da ordem social sem ameaçá-la. Primeiro,
porque, como elo do desenvolvimento moderno
capitalista, ficou restrito ao setor urbano-comercial
sem se impor no centro econômico da ordem social.
Segundo, porque, sendo o mercado interno
dependente do mercado externo, o primeiro ficava
apenas com os restos do rateio das relações
econômicas entre a economia nacional e o mercado
29 Ibidem. p. 176.
30 Ibidem.
37
mundial. Terceiro, porque o mercado interno e o
setor comercial se apoiaram nas fontes estamentais
de seu poder político e social e em fontes externas
de seu poder econômico. Estabeleceu-se, assim,
uma comunidade de interesses entre a burguesia
urbana e a aristocracia rural. A primeira, antes de
querer e propor politicamente a extinção da segunda
buscava uma evolução junto com ela. Assim, o setor
mercantil também definiu a “iniciativa privada” e a
“competição” como direitos estamentais, privilégios
de influenciar e estabelecer conciliações nos
processos econômicos.
Por outro lado, a formação de um mercado de
trabalho também esbarrou em entraves típicos de
uma sociedade estamental. A estigmatização do
trabalho mecânico no regime escravista só se explica
ou se compreende numa sociedade em que esse
tipo de trabalho fica a cargo de escravos, ou seja,
não só aqueles que estão na base da pirâmide social,
mas que são inteiramente coisa, como pessoa e força
de trabalho. Assim, a mercantilização do trabalho
se viu obstruída pela escravidão, não só pela
estigmatização do trabalho mecânico, mas,
principalmente, pela natureza das relações de
trabalho dominantes na sociedade. Também era
limitada pelos aspectos funcionais do mercado
naquela ordem social, pois não conseguia de forma
efetiva classificar grupos e pessoas dentro da
sociedade estamental. Além disso, havia imposições
do costume que retirava do trabalho dos “homens
bons” o caráter de mercadoria, pois, no mundo do
trabalho, a única mercadoria era o escravo e quando
se comprava um escravo se dispunha dele e de toda
a sua pessoa30 .
Essas considerações de Florestan Fernandes em “A
Revolução Burguesa no Brasil” nos dão elementos
para refletir o país que hoje temos diante de nós. O
caráter estamental das relações sociais com as quais
nos defrontamos no Brasil de hoje tem um passado
e uma historicidade persistente que se produz e
reproduz, se faz e refaz ao longo das mudanças
sociais e políticas por que passa e tem passado o
nosso país. Essa “estamentalidade” parece deixar
sua marca em todas, ou quase todas as esferas da
38
REVISTA DE DIREITO DO UNIFOA
vida social, quando notamos a forma hierarquizada
e rígida com que se dão as relações de classe. O
acesso ao espaço público de reivindicação, de lutas
políticas e sociais continua operando como um
direito estamental. É nesse sentido que a obra de
Florestan Fernandes tem atualidade como afirmou
Adalberto Cardoso:
(...) parece-me que a pauta de modernização
para o Brasil (este aspecto ‘florestaniano’ da
formulação do meu problema de pesquisa)
seguia e segue informada pela necessidade
de superarmos o caráter excludente da
acumulação capitalista, a impermeabilidade da
representação de interesses no aparelho do
Estado e o caráter de pura mercadoria da
força de trabalho, isto é, o limite ao acesso a
patamares mínimos de bem-estar social. Em
suma, a pauta da modernização seguia
informada pela necessidade de banharmos de
universalidade os mecanismos restritos e
excludentes de participação política, social e
civil31 .
É nesses termos que podemos afirmar que o Brasil
moderno ainda traz as marcas profundas de seu
passado estamental, pois trata-se de uma
modernidade que não consegue banhar-se de
universalidade, ou seja, não consegue produzir uma
política capaz de universalizar direitos justamente
porque não consegue reconhecer na reivindicação
popular livre uma força política produtora e
integrante de uma ordem democrática, pelo
contrário, é vista como manifestação da desordem.
Como dizia Florestan, uma sociedade que vê na
questão social uma questão de polícia, não só está
no primórdio de uma sociedade de classes, mas
ainda não conseguiu superar os entraves de uma
ordem estamental.
Para esse autor, a formação do capitalismo no Brasil,
articulando modos pré-capitalistas a modos
capitalistas de produção, explicaria as vicissitudes
de nossas relações de classe e as dificuldades de
desenvolvimento da competição e do conflito na
coordenação dessas relações. O conflito e a
competição, como processos sociais e ecológicos,
são mais produtores de uma ordem e de uma
formação social do que manifestações anômicas.
Isso quer dizer que o não reconhecimento do conflito
entre classes como atividade política legítima
impede a formação de uma sociedade
democrática e evidencia o seu caráter
excludente. Esse não reconhecimento, que é
tão frequente em nosso país, torna-se
compreensível, de acordo com o nosso autor,
quando os efeitos construtivos da mudança
social são monopolizados pelos estamentos
dominantes. Quando a figura do cidadão, “na
emergente sociedade brasileira [senhorial
escravocrata], não era apenas um componente da
ordem civil: era o ‘nobre’ ou o ‘burguês’ com
condição senhorial (...)” 32 . A mudança social
não se fez para a sociedade brasileira, mas para
os elementos das classes e estamentos
dominantes. Esse monopólio, segundo
Florestan, não desaparece com a desagregação
da ordem senhorial escravocrata. A abolição, a
proclamação da República e a Revolução Liberal
de 30 apenas evidenciaram a sua crise no entender
de nosso autor. Contudo, a emergência da ordem
social competitiva exige a desarticulação das forças
dinâmicas entre o arcaico e o moderno. Eis aí a
situação dramática da sociedade brasileira, pois a
ordem social competitiva se expande, mas não
consegue fazer essa desarticulação; é como se sua
expansão apenas re-traduzisse o arcaico na mesma
medida em que o próprio moderno é re-interpretado.
O processo de construção do Brasil moderno seguiu
sempre com a finalidade de atender objetivos
imediatistas e pessoais33 . Em outras palavras,
reproduz a lógica da estamentalidade das relações
políticas e sociais. Trata-se de uma sociedade que
não consegue pôr a lógica da igualdade e da
universalidade no interior de suas relações.34
31 CARDOSO, F. H. O Presidente Segundo o Sociólogo. São Paulo: Companhia das Letras, 1998. p. 31.
32 FERNANDES, Florestan. Circuito Fechado. p. 42.
33 Ibidem.
REVISTA DE DIREITO DO UNIFOA
Assim, a mudança social se faz como um problema
de controle e de dominação de classe. Contudo,
Florestan constata que existem mudanças que se
produzem espontaneamente, fazem parte do próprio
desenvolvimento do capitalismo e constituem a
possibilidade de superação da ordem. A tensão
estrutural entre o arcaico e o moderno, na
perspectiva do autor, ainda permanece como um
foco que possibilita uma mudança social mais
profunda capaz de rearticular a estrutura social
brasileira. É aí que surge a resistência à mudança
social como um problema sóciopático referente às
relações de poder a ao controle social35 . Nesses
termos, a mudança social também carrega um
componente dialético que opera junto com os
componentes estruturais e no interior da estrutura
mesma. Isso quer dizer que as tensões estruturais
devem ser encaradas na perspectiva de rupturas
engendradas pela dinâmica das relações de classe e
de poder, das relações de conflito entre aqueles que
detém o poder e aqueles que por ele são subjugados.
O que importa ressaltar é que o confronto
entre classes destituídas e classes privilegiadas
torna-se ainda mais desigual, já que, na
realidade, as primeiras terão de enfrentar as
últimas com um acréscimo de poder a que
elas nunca poderão ter acesso36 .
Disto cumpre dizer que a natureza recrudescida da
estrutura social brasileira, que opera no sentido de
perpetuar espoliações seculares das classes
subalternas e de privilegiar as classes dominantes,
impede e dificulta a emergência de instituições
políticas verdadeiramente modernas e abertas às
demandas populares. Os progressos obtidos pela
legislação trabalhista na era Vargas não conseguiram
39
cumprir os objetivos a que se propunham, pelo
contrário, em certos aspectos, agravou a situação.
A igualdade política outorgada na República não
levou em conta os fatores sociais que reproduziam
o passado no presente37 .
Se por um lado, o autor constata que nosso país
tende a uma organização política democrática (em
“Existe uma Crise da Democracia na Brasil” In:
“Mudanças Sociais no Brasil”), por outro, essa
tendência se traduz na importação de instituições
políticas dos países adiantados. Essas instituições,
no entanto, passam por uma re-elaboração a fim de
se adequarem às novas necessidades, são reinterpretadas a fim de preencher funções bem
diversas daquelas para as quais foram inventadas.
Nesse sentido, a experiência política do Brasil
demonstra que nossa democracia ainda estaria em
fase de elaboração, ainda que essa experiência tenha
reforçado a persistência de elementos autocráticos.
Segundo o autor, o processo de construção
democrática é, antes de tudo, um complexo
processo social que é definido na sua historicidade.
Pressupõe, assim, o desenvolvimento de um
processo histórico e dinâmico da ordem política que
não pode ser encarada numa perspectiva estática.
O Estado, no Brasil, passa a assumir o aspecto das
coisas dúplices em que comportava uma organização
jurídica e tinha na sua organização prática a sua
antípoda. O que se apresentava como crise da
democracia, na época em que o texto que
comentamos foi escrito (década de 50), nada mais
era do que a lentidão do seu processo de elaboração
social que esbarrava nos obstáculos herdados da
antiga ordem social escravocrata. Florestan, aqui,
está trabalhando com a hipótese da demora cultural:
quando não é homogêneo o ritmo da mudança em
diversas esferas culturais e institucionais de uma
34 Aqui seria interessante comentar que, apesar da existência de uma mobilidade social efetiva no Brasil, como demonstra Celi Scalon, as
relações sociais continuam hierarquizadas de forma estamental. Um aspecto disso é analisado no famoso ensaio de Roberto da Matta “Você
Sabe com Quem está Falando”, esta fórmula ritual teria a função de recolocar as hierarquias nos seus devidos lugares quando o portador de
“direitos” e “prerrogativas” se vê lesado. A própria forma como isso se dá evidencia a natureza estamental da relação. Sobre isso temos um
comentário interessante de Fernando Henrique Cardoso em “O Presidente Segundo o Sociólogo”. O sociólogo busca explicar como se
relacionam dois aspectos contraditórios da sociedade brasileira, a mobilidade social e a estamentalidade das relações sociais. Esses dois
aspectos não se conciliam e Fernando Henrique diagnostica que, crescentemente, haverá mais pessoas que não aceitaram fórmulas desse
tipo, constata-se, assim, uma democratização das relações sociais. Porém, para o Presidente, não é a mobilidade que acaba com as
prerrogativas, mas sim a luta e consciência políticas.
35 FERNANDES, Florestan. Circuito Fechado. São Paulo: HUCITEC, 1979.
36 Ibidem. p. 48.
37 Ibidem.
38 Ibidem.
40
REVISTA DE DIREITO DO UNIFOA
sociedade. Setores distintos da estrutura social
podem se desenvolver mais rápido do que outros38 .
É isso que causa o desencontro dos setores da
sociedade que pode acarretar numa situação
anômica na sua estrutura, uma vez que seu
funcionamento se encontra descompassado.
O que buscamos fazer nesse artigo foi apenas uma
leitura de certas passagens da obra de Florestan
Fernandes e apontar para os traços do seu projeto
de intelectual que animam o trabalho de renomados
intelectuais como Werneck Vianna e José de Souza
Martins. Aqui se desenha uma leitura da sociedade
brasileira marcada pelo dilema de uma ambigüidade
incessante que nos deixa numa condição de
limiaridade ainda a ser explorada tomando como
referência o momento histórico do Brasil atual. Se
alguns dilemas se mostram em fase de superação,
outros permanecem atuantes de forma viva e
constrangedora. Assim, o primeiro governo de
esquerda e o primeiro Presidente operário do Brasil
não conseguem escapar das malhas do clientelismo
e da lógica dos favores que envolvem a vida política
e institucional brasileira. Isto posto, retomar de
forma atualizada a reflexão florestaniana significa
re-pensar as ambigüidades do dilemas brasileiro que
nos colocam diante do atraso do real em relação ao
possível, para usar um termo típico do sociólogo
francês Henri Lefebvre.
BIBLIOGRAFIA:
CARDOSO, Adalberto Moreira. A Trama da Modernidade,
Pragmatismo Sindical e Democratização no Brasil. Rio
de Janeiro: Revan: IUPERJ/UCAM,1999.
CARDOSO, F. H. O Modelo Político Brasileiro e Outros
Ensaios. São Paulo: Difusão Européia do Livro, 1973.
_______________. O Presidente Segundo o Sociólogo.
São Paulo: Companhia das Letras, 1998.
DAMATTA, Roberto. Carnavais, Malandros e Heróis. Rio
de Janeiro: Ed. Rocco, 1997.
FERNANDES, Florestan. Mudanças Sociais no Brasil. São
Paulo: Difusão Européia do Livro, 1978.
_______________. A Revolução Burguesa no Brasil. Rio
de Janeiro: Ed. ZAHAR, 1976.
_______________. A Integração do Negro na Sociedade
de Classes. São Paulo: EDUSP, 1965.
_______________. Comunidade e Sociedade no Brasil.
São Paulo: EDUSP, 1972.
_______________. Circuito Fechado. São Paulo:
HUCITEC, 1979.
FRANCO, Maria Sylvia C. Homens Livres na Ordem
Escravocrata. São Paulo: Ed. UNESP, 1997.
LACOMBE, Marcelo. As Estratégias de Sobrevivência
da População Favelada de São Paulo. Relatórios de
pesquisa de Iniciação Científica sob orientação de Maria
Helena Oliva Augusto. São Paulo: FAPESP/FFLCHUSP,1997.
MARTINS, José de Souza. O Poder do Atraso, Ensaios
de Sociologia da História Lenta. São Paulo: HUCITEC,
1994.
SCALON, Maria Celi. Mobilidade Social no Brasil:
Padrões & Tendências. Rio de Janeiro: Ed. Revan, 1999.
TELLES, Vera Silva. “Anos 70: Experiências, Práticas e
Espaços Políticos”. In: KOWARICK, Lúcio (org.). Lutas
Sociais e a Cidade. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1988.
WERNECK VIANA, Luiz Jorge. A Revolução Passiva:
Iberismo e Americanismo no Brasil. Rio de Janeiro:
Editora Revan, 1997.
_______________. Weber e a Interpretação do Brasil.
In: http://www.artnet.com.br/gramsci/arquiv35.htm. 2001.
Download

Leituras de Florestan Fernandes