Risco, Promoção de Saúde, Estilos de vida:
Caso do tabagismo
Ana Luísa Porfírio
Nº 27207
email: [email protected]
Aluna da Universidade de Évora –
Curso de Sociologia
Resumo: Este artigo pretende demonstrar de que forma com a evolução das
sociedades para a pós-modernidade se metamorfoseou em uma sociedade de risco,
introduzindo no discurso societário a noção de risco. Podendo o risco pode ser
encarado em diferentes perspetivas da vida, acaba mais vincado no que concerne à
própria saúde e sua promoção. O conceito de risco tem pautado a sociedade, levando
à criação de mecanismos para a sua predição e eventual, controlo. A vida gira hoje em
dia em torno do conceito de risco, daí que seja importante saber como este afeta as
próprias vivências tanto individuais como coletivas, trazendo para a arena da
discussão, conceitos como liberdade individual e controlo social.
Palavras-chave: risco; promoção de saúde; saúde pública; estilos de vida
Abstract: This article aims to show the way in which society’s evolution into a postmodernity metamorphosed it into a society of risk, introducing this concept into the
social discourse. Since risk can be seen in several aspects of life, it is perhaps more
intimately connected with one’s health and health promotion. Thus, having been an
integral part of society, the concept of risk has led to the creation of mechanisms to
predict it and eventually control it. Today’s life, orbiting around this key concept, makes
it crucial to realize how it affects the individual experiences as much as the collective
ones, bringing into focus the notions of individual liberty and social control.
Key-words: risk; health promotion; public health; lifestyles
1
1. Introdução
Graças ao desenvolvimento tecnológico e à própria incerteza que o
conhecimento gera hoje em dia, assistiu-se a uma mudança do paradigma social, uma
passagem da modernidade para a pós-modernidade. Com tal, houve uma série de
agravantes, não observáveis em épocas anteriores, como por exemplo o caso do
“risco”, fator causador de incertezas e ignorância sobre o que há de vir. É
caracterizado como um conceito ambivalente, estar em risco é a forma de estar e de
ser no mundo da pós-modernidade, encontrar-se em constante risco global é a
condição humana do século XXI (BECK, 2008). A sociedade moderna (e por ventura
pós-moderna) tornou-se uma sociedade de risco na forma como é ocupada e gerida
pelo debate constante de prevenção e controlo dos riscos que ela própria produz.
Devido às diversas publicações de ULRICH BECK (2008), tais como,
“Sociedade de Risco” e “Modernização reflexiva”, este conseguiu introduzir no seio
académico a noção de risco na modernidade tardia ou pós-modernidade, em que os
riscos são potencialmente atraídos. O risco ao ser um termo bastante recente e
essencialmente moderno, é pautado e conotado com ironia em torno da sua própria
definição, no que toca à natureza sarcástica, em que o crescente desenvolvimento
tenta antecipar, o que “não pode” ser antecipado. Ele é reflexo da reorientação das
relações das pessoas com eventos futuros, numa espécie de “domesticação dos
eventos vindouros” Se antes da época moderna o perigo implicava fatalidade, agora
ele (re)construiu-se em controlo possível.
2. O conceito de risco
Em que termos se coloca então o conceito risco? Vários autores (GIDDENS
2000; BECK 2006; 2008) defendem que o risco pode ser a produção de danos
gerados por decisões humanas por oposição ao perigo que importa à produção de
danos imputáveis a causas alheias ao próprio controlo, externas à decisão e afetando
o entorno, sejam de origem humana ou natural. BECK ao celebrizar a expressão,
“definições de relações” (sendo esta análoga às relações de produção de MARX),
caracteriza
os
riscos
como
construídos
socialmente
e
catastroficamente
manufaturados, através da opinião pública e também graças à intervenção dos mass
media espalhando a mensagem, globalizando-a. Engloba nestas ditas relações todas
as instituições, sejam elas ciência, tecnologia, estados, entre outras, e as capacidades
de estruturar e definir os riscos. Numa versão redutora do conceito de risco, aparece
caracterizado como a possibilidade ou probabilidade sobre a ocorrência de eventos
2
futuros associados a uma certa ambiguidade decorrente das diversas dinâmicas do
mundo social, “o que pode acontecer”.
“Risks such as those produced in the late modernity differ essentially from
wealth. By risks I mean above all radioactivity, which completely evades human
perceptive abilities, but also toxins and pollutants in the air, the water and foodstuffs,
together with the accompanying short and long-term effects on plants, animals and
people. They induce systematic and often irreversible harm, generally remain invisible,
are based on causal interpretations, and thus initially only exist in terms of the
knowledge about them.” (BECK, 1992 cit. COTTLE, 1998:7)
O risco não implica necessariamente a condição de catástrofe, mas sim a sua
antecipação. Existe permanentemente num estado de “virtualidade” (está lá, mas não
se vê) e tornou-se capilar no que toca à forma como se estende, propaga-se e é
antecipado. Segundo GIDDENS (2000) há uma virtualização da sociedade, embora
não exista no mundo físico, ele encontra-se no virtual, tornando assim passível de se
“materializar”.
“Risco não é real, ele torna-se real”
(JOOST VAN LOON cit. BECK, 1998)
O risco é um fenómeno socialmente (“definições de relações”) construído. Se
as formas simbólicas de representação, as formas de visualização e os mass media,
não existissem, os próprios riscos não existiriam. Ou seja, não haveria forma de
propagá-los e dá-los a conhecer às sociedades. Denota-se assim um cruzamento
entre sociedade de risco e globalização no que toca aos riscos com o seu caráter
democrático e a-fronteiriço ele afetará tanto diversas nações como as próprias classes
sociais. As desigualdades sociais existentes dão grande força a como os atores
maximizam os riscos para os outros e os minimizam para “eles próprios”, existindo
claramente um jogo de poder na gestão de risco, onde existe uma relativa linearidade
evolutiva entre a sociedade de classes e a sociedade de risco.
O risco nas sociedades antigas era encarado como dependendo da vontade de
Deus e na incapacidade total do ator individual controlar ou prever. VAN LOON (cit.
BECK, 2006) quando se refere à expressão “God leaves it” sugere que o risco só
apareceu da necessidade do humano ter controlo sobre algo, gerando o conceito de
risco para ele próprio. Agora assiste-se à evolução de novos tipos de riscos, onde as
fundações e alicerces das ditas sociedades pós-modernas e modernas são abaladas
3
pela antecipação global das catástrofes. Os riscos têm vindo a tomar a sua
preocupação no sentido em que o risco passa a ser a expressão central da sua
preocupação, quando os mesmos dão origem a desastres, acidentes graves ou
quando não existe consenso sobre o efeito que eles possam produzir. Há sempre
cenários de incerteza, onde os resultados não estão garantidos à partida.
Segundo DOUGLAS e WILDAVOSKY (1982, cit. AREOSA 2008) o risco, ao ser
socialmente construído, por vezes afigura-se como algo incontrolável, visto que nós
nem sempre conseguimos saber se aquilo que estamos a fazer é suficientemente
seguro para prevenir a ocorrência de acidentes ou efeitos indesejados. Os riscos
dependem também dos contextos, emoções e sentimentos percecionados dos
mesmos, todo o mundo é um local repleto de riscos insuspeitos dependendo claro, da
sua natureza cultural.
“Nada é certo além da incerteza.”
ULRICH BECK
“As incertezas são fabricadas na sociedade reflexiva.”
BECK e GIDDENS
LUHMANN (1993, cit. AREOSA 2008) encara o risco como sendo um conceito
versus ao perigo. O perigo é encarado como sendo as consequências ou prejuízos de
um determinado acontecimento ocorrerem de forma independente da nossa vontade.
Ou seja, se a origem do evento provir de fontes externas. Por sua vez, o risco é um
ato em que teve lugar em decisões próprias. Por sua vez DOUGLAS (1982, cit.
AREOSA 2008), encara o risco como sendo o mesmo que perigo. Mas, tanto numa
conceção de risco como em outra, o conceito relata apenas factos negativos e
indesejáveis, e nunca factos positivos. (MENDES, 2002). Por exemplo, quem fuma
aceita o risco de morrer de cancro embora para quem inala o fumo dos outros o
cancro, pode ser visto como um perigo.
Segundo AREOSA (2008), o risco é um desvio à norma. Não há decisões ou
comportamentos livres de risco. Se não arriscarmos nada não podemos perder nada,
pois apenas a ação é suscetível de constituir risco. DEAN (s/d, cit. AREOSA 2008)
refere-se ao risco como sendo uma forma de racionalidade passível de acionar uma
panóplia de técnicas que aspiram a tornar o incalculável em calculável.
O discurso em torno do risco tornou-se uma estratégia política e uma forma
dialética de negociar entre os perigos públicos e os medos privados, dando ênfase
4
assim mais uma vez à questão do jogo de poder. No risco existe um paradoxo entre o
progresso humano juntamente com o desenvolvimento industrial, visto que estes além
de todas as vantagens que acarretam são também criadores de sistemas prejudiciais
para o ambiente, gerando por sua vez ansiedade e cinismo face ao progresso visto
que os riscos afetam globalmente tanto no presente como no futuro.
3. Risco e Promoção de Saúde Pública
A gestão dos riscos é um fenómeno novo, uma forma de governar populações,
caracterizando o fim da sociedade disciplinar, ou da modernidade clássica, e o
princípio da modernidade reflexiva, a sociedade de risco. Para cada risco identificado,
criam-se agências governamentais reguladoras com a contratação de especialistas e a
formação de comissões técnicas responsáveis pela avaliação dos riscos. Por exemplo,
a Comissão Europeia elaborou orientações importantes para ajudar os EstadosMembros, os empregadores e os trabalhadores a cumprirem os seus deveres no
âmbito da avaliação de riscos, estando estas em conformidade com a Diretiva-Quadro
89/391 (legislação comunitária importante em matéria de avaliação de riscos). Pelas
mãos de COVELLO e MUMPOWER (1985, cit. FREITAS 2002) em abordagem
histórica de análise e gerenciamento de riscos, principalmente nos Estados Unidos,
apontaram como sendo nove os fatores importantes, para a compreensão das
transformações que levaram ao modo contemporâneo de pensar e enfrentar os riscos
nos países centrais da economia mundial. Como decorrência, uma nova área de
conhecimento é estabelecida com centros de pesquisa, associações científicas e
periódicos especializados. O risco existe, só porque existe a noção de controlo.
A biomedicina e a epidemiologia (baseia-se em probabilidades sem certezas do
resultado, pode-se questionar tanto a incerteza das suas previsões bem como as
origens dos procedimentos simbólicos e políticos sem a perceção e a aceitabilidade do
risco) dizem quais os comportamentos de risco e os indivíduos que estão em risco. A
avaliação dos riscos que se encontram ligados aos estilos de vida dos sujeitos e que
resultam de opções individuais, é usada entre a saúde pública para aconselhar os
sujeitos sobre a prevenção de ameaças à sua saúde física, para promover
conhecimentos sobre os potenciais perigos associadas às opções dos estilos de vida e
depois motivar os sujeitos para participarem na promoção de saúde e nos programas
de educação para a saúde. Dá-se a perceção da suscetibilidade de risco sobre a
doença de forma a motivar e agirem consoante as políticas de saúde pública mandam.
Segundo LUPTON (1995, cit MENDES 2002), o processo de se sujeitar à
5
determinação social do risco assemelha-se a uma confissão religiosa. Os sujeitos são
incitados a revelarem os seus pecados aos profissionais de saúde, ou então os seus
corpos são testemunho mudo para a sua indulgência. Assim quando a determinação
do risco é finalizada, a sentença é comunicada aos sujeitos e são prescritas as
penitências de forma a repor a moral e a integridade do corpo (LUPTON, 1997). Por
outras palavras, aquando o término do diagnóstico médico ao paciente, é-lhe
informada da sua condição física e daí, recebe um receituário onde são prescritas
drogas/medicamentos restaurando-lhe assim a moral e a condição física “ideal”.
A “nova” Saúde Pública surgiu criando um elevado enfâse nas questões da
promoção da saúde, bem como no incentivo à própria autonomia do público para
tomadas de decisão sobre a saúde, através da intervenção nos seus condicionantes
estruturais. Contudo a educação em saúde permanece geralmente centrada na
responsabilização individual da prevenção das doenças. A nova visão de saúde
pública surgiu nos anos 70 às mãos de MARC LALONDE 1 aquando da publicação do
seu artigo “The new perspetives on the health of canadians”. Com ele, ressurgiu um
novo ar dando influência de fatores ambientais, dos comportamentos individuais e os
modos de vida (estilos de vida), na ocorrência de doenças e morte. A promoção de
saúde visa nesse documento as melhorias ambientais e as mudanças de
comportamento de forma a evitar a doença. Segundo a OMS, a promoção da saúde
tende para a redução das desigualdades sociais, construção da comunidade ativa e
empowered.
O indivíduo deve ser estimulado a tomar decisões sobre a sua própria vida,
gerando uma noção de autonomia que cria um ideal de autogoverno do self. A
abordagem preventiva da educação em saúde trabalha com a ideia de que os modos
de vida dos indivíduos – regime alimentar defeituoso, falta de exercício físico,
tabagismo – são as principais causas de falta de saúde. Hábitos insalubres são tidos
como consequência de decisões individuais e equivocadas. A falta de saúde do
indivíduo é caracterizada como uma falha moral do próprio existindo em torno dele um
discurso de culpabilização da “vítima” pelo seu próprio infortúnio. O conceito de risco
individualiza-se no que MENDES (2002) denomina “Auto gerenciamento”: supõe-se
que as pessoas, valendo-se de informações suficientes, adotem comportamentos
propícios à sua saúde, eliminando todos os riscos da sua vida de forma a alcançarem
a saúde plena.
1
(Minister of National Health and Welfare entre November 27, 1972 - September 15, 1977, no Canadá)
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A saúde pública e a promoção da saúde trouxeram um novo discurso sobre a
moralidade do risco. Há uma distinção moral entre aqueles que estão em risco e os
que “são um risco” para os outros.
O risco no campo da saúde individual e coletiva poderá ser visto como
“pecado”?
Segundo DOUGLAS (s/d, cit. AREOSA 2008), o pecado é diferente de risco no
que concerne às forças que o provocam enquanto as forças exteriores atuantes sobre
o indivíduo constituem o risco aqueles perigos que ele próprio coloca à sociedade
constituem o pecado. O risco penetra na sociedade, na vida social e individual,
moraliza e politiza todos os comportamentos e perigos. Por sua vez nos estilos de vida
há uma subversão do discurso, em que os perigos para a saúde estão fora do controlo
do indivíduo. Acarreta uma responsabilização dos sujeitos, de forma a evitarem riscos
e a cuidar da saúde como se fosse o maior bem. Os sujeitos que ignoram os riscos de
saúde colocam-se em perigo, adoecem, afastando-se da normalidade e do desejável
desempenho das suas funções. Poderão incorrer em encargos para o resto da
sociedade em que se encontram inseridos e podem também expor os outros ao seu
próprio mal (por exemplo, fumar em lugares públicos, ou com outras pessoas por
perto). Entre o risco e pecado, há uma relação simbólica que é invertida quando o ator
não tem força de vontade, moral fragilizada ou preguiça para atuar de forma contrária.
Os sujeitos em risco tornam-se assim pecadores, são os chamados risk takers
caracterizados como irracionais e irresponsáveis, incapazes de dominar o self (por
exemplo, pessoas propensas a doença cardiovascular, fumadores, obesos e com
stress, suportam-na e sustentam-na).
Uma forma de solidariedade social da modernidade tardia é o próprio medo do
risco que leva à formação de uma coesão social, lutando para manter a homeostase
física de todos os indivíduos societários, incorrendo em proibições que possam
prejudicar além dos próprios (e muito acima deles), terceiros que se vejam envolvidos,
gerando desigualdades de comportamentos e criando em alguns, certas frustrações
relativas a todos os constrangimentos.
A promoção de saúde e a saúde pública atuam sobre os indivíduos, coagindoos de forma a terem comportamentos saudáveis ou mesmo considerados
comportamentos compatíveis com a saúde, saúde que eles próprios definem como
“boa” ou “má” a partir de critérios próprios. Há um acentuar do individualismo e do
behaviorismo, em que o individualismo não pensa, não relaciona, nem reflete sobre os
fatores sociais que originam todos os comportamentos, mas sim no próprio indivíduo,
7
reduzindo a sua saúde ao próprio self, como se todos vivessem nas mesmas
condições estruturais e em igualdade de circunstâncias, capazes de tratar de si. Por
sua vez, o conceito de behaviorismo transforma o comportamento humano na sua
constante interação entre o social e o self. (COTTLE, 1998)
“A proliferação contemporânea de campanhas educacionais focadas no tema
de saúde – Faça sexo seguro! Faça exercícios regulares! Não fume! Não dirija depois
de beber! - destinadas a promover escolhas livres e informadas no campo da saúde
pessoal, é revelador da importância das prescrições médicas para o projeto da
educação em saúde nos dias de hoje. Apesar dos novos propósitos da saúde pública,
a maioria das ações de educação em saúde têm sido desenvolvidas no contexto
internacional, permanecendo centrada na prevenção de doenças e focada na
responsabilização individual.”
(OLIVEIRA, 2005:427)
O ambiente é limitador e constrangedor da ação. Saúde é mais que a ausência
de doença, embora nas sociedades ocidentais a educação para a saúde e a própria
promoção seja muito vocacionada para a prevenção de doenças. Indivíduos
pertencentes à mesma classe social encontram-se no mesmo patamar, provocando
uma certa homogeneidade de comportamentos no que toca à saúde, BOURDIEU (s/d)
define esses comportamentos como habitus, sendo traduzido em a sociologia da
saúde como estilos de vida. Os estilos de vida vão influenciar os comportamentos, as
atitudes dos indivíduos, perante a saúde e a doença. Segundo LUPTON (1997), tal
como nos tempos pré-modernos, a base simbólica das nossas incertezas é a
ansiedade criada pela desordem, pela falta de controlo sobre os nossos corpos, o
nosso relacionamento com os outros, os nossos estilos de vida e a forma como
conseguimos exercer a autonomia no nosso quotidiano. (MENDES, 2002). O controlo
do corpo surge não apenas como uma questão técnica mas como uma questão moral
e política. (SFEZ 1997, cit. MENDES, 2002)
Self pelo self
“Associados às condições objetivas da realidade exterior, os estilos de vida, são de
natureza mais subjetiva, vão traduzir-se numa resultante que é a saúde
estatisticamente diferenciada dos grupos sociais” (SILVA, 2004:79)
A ênfase na aptidão física e no “não às drogas e ao álcool” serve, com efeito,
para encorajar as pessoas ativas a aderirem, no seu tempo livre, a determinadas
atividades em detrimento de outras. O estilo de vida tal como é avaliado nos
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programas de medicina do trabalho, inclui o domínio privado como um bem público.
(MENDES, 2002).
A saúde e os estilos de vida são uma problemática complexa que não pode ser
reduzida à própria individualidade todos os atores do sistema são afetados em um
ciclo de atitudes e comportamentos. A ação dos estilos de vida é fruto da
reciprocidade de fatores sociais e individuais.
O estilo de vida tende a ser classificado, agrupado em categorias e
estereotipado, distinguindo diversos grupos sociais. Se sai fora da norma, há uma
necessidade de correção, hoje em dia através da enorme medicalização (neste caso,
há uma aceitação social da medicina como fonte legítima da verdade tal como do
medicamento como pilar da correção do indivíduo de volta para a saúde) dos
indivíduos. As políticas conservadoras instauram pressupostos aos indivíduos, levando
a que os comportamentos desviantes dos seus próprios estilos de vida sejam alvo de
correção e os riscos à ordem requeiram controlo, além de uma elevada culpabilização
da “vítima”. (SILVA, 2004)
Debaixo de uma ótica de cultura do consumo as suas preferências são
determinadas por uma pluralidade de fatores sociais interagindo de formas complexas
no discurso da promoção pública (nova aproximação dos cuidados de saúde). A
medicina do período moderno é caracterizada por ser: curativa, institucional,
construída sob um grupo de peritos, requer um elevado investimento dirigido
relativamente a indivíduos passivos. A saúde pública tardia, incluindo a promoção da
saúde é preventiva, não institucional, não especializada, baixo custo, focada no grupo,
participativa, epidemiologia, risco e modernidade tardia (BUNTON; BURROWS;
NETTLETON, 1996).
A prevenção de acidentes tornou-se a chave para a promoção da saúde,
contudo não nos podemos esquecer que graças à complexidade que o próprio risco
acarreta existem riscos que não são passíveis de serem revistos e partem de uma
ação “sem intenção”, eles encontram-se “out of the blue” e “ninguém” pode ser
culpado (BUNTON; BURROWS; NETTLETON, 1996).
Os comportamentos perante a saúde e o seu risco não se representam mais
que uma espera, espera para saber o que acontece, se vão sofrer realmente das
doenças de que foram advertidos. O quotidiano transforma-se na incerteza residente
na espera. (OLIVEIRA, 2005)
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3.1 Risco: Caso do Tabagismo
Quanto, até recentemente, se falava em tabagismo, circunscrevíamo-nos ao
caso dos fumadores. Agora, graças a recentes estudos sobre poluição do ar, como os
que se referem à projeção do fumo do tabaco para o ambiente, constatou-se que 85%
é projetado diretamente para o ar, os fumadores passivos adquiriram um novo estatuto
no caso do tabagismo.
“De 100% do fumo do tabaco, só cerca de 15% a 10% permanece no corpo do
fumador, indo o restante parar ao ar que todos respiramos”
(JACKSON cit. BUNTON; BURROWS; NETTLETON, 1996).
Ao existirem “agora” 2 tipos de fumo considerados, há uma produção de novos
atores, considerando-se uns ativos e outros passivos, tornando-os um caso
significante e relativo para a saúde pública.
O tabaco deixou de estar confinado a um corpo individual. Atualmente o fumo
não só diz respeito ao ator individual (o fumador) mas, um ator coletivo é representado
nesta imagem produzindo-se uma nova vertente entre os diferentes corpos e
diferentes espaços. As fronteiras do tabagismo viram-se assim alteradas e reescritas,
tais como as maneiras de pensar e atuar em relação aos próprios não-fumadores.
“There’s mounting scientific evidence that passive smokers face not just a social but an
atual threat to health”
(JACKSON cit. BUNTON; BURROWS; NETTLETON, 1996)
O tabagismo é colonizado hoje em dia pelo discurso do risco, na tentativa de
construção de novos caminhos, muito mais favoráveis aos profissionais de saúde. O
entendimento que se tem sobre o tabagismo é que este deve ser controlado (exemplo,
proibição de fumar em locais públicos, espaços fechados, e recentemente em lugares
abertos como parques – relevância sobre o ator coletivo). A promoção da saúde
pautou esta ação como sendo algo a evitar e completamente indesejável. Contudo
esquece-se do inconsciente desejo e da expressividade pessoal, que possa advir do
ato de fumar.
Lembre-se os primeiros episódios do Lucky Luke2, a personagem era
caracterizada com um cigarro ao canto da boca (e patrocinada pela Marlboro
fornecendo uma imagem de “bad boy”, rebelde, tal como o James Dean, fora da lei e
2
Banda desenhada criada na década de 40 na Bélgica pelas mãos de Morris.
10
adorado pelas mulheres) e posteriormente esse símbolo foi substituído por uma palha,
devido a políticas de saúde pública e promoção de saúde, tendo o próprio desenhador
MORRIS recebido o reconhecimento da OMS por tal ato. Ou seja, a atração pelo risco
que exercia aquele cigarro como fonte de prazer, escape à rotina diária, ao quotidiano
e das próprias proibições diárias, foi substituído por um mero objeto, que
simbolicamente não representará “nada” aos olhos de quem vê ao mesmo tempo isto
pode incumbir em uma transformação no que é o ideal de masculinidade adulta. Tom
Sawyer3 por sua vez mastigava uma palhinha, contudo só os adultos eram
representados como fumadores. Por sua vez, nos anos 20, fumar era um grito de
igualdade das mulheres, um desafio à divisão sexual da sociedade. Hoje parece ser
nelas um vício ainda mais reprovável que neles.
O discurso antitabagismo quer transmitir a ideia que o prazer de se fumar um
cigarro pode ser reorganizado mentalmente com base no imperativo do risco. Este
discurso também assume e defende a capacidade dos processos disciplinados na
construção de um corpo capaz de obter prazer nessa nova forma de disciplina.
Contudo, falha ao considerar que o comportamento não é atomizado mas socialmente
contextualizado. Em nosso entender o tabagismo é hoje em dia um ato coletivo,
culturalmente condicionado.
4. Notas conclusivas
Com o paradigma médico-legal, o vício, a falha de caráter, postula-se como
tendo um fundo biológico, mesmo genético, que cobria o indivíduo num manto de
incapacidade: ele era o que a biologia lhe havia ditado e todos esses “idiotas” ou
“degenerados” só poderiam gerar uma prole idêntica.
Esta abordagem parece-nos um fruto da ascensão da ciência como o modo
privilegiado de decifrar e catalogar o mundo. As doenças mentais saem do domínio da
religião, para a esfera de responsabilidade da medicina. No entanto, a decifração do
código genético ainda está longe, e o imperativo biológico é difícil de contrariar.
Perante o irremediável a ciência tem pouco a oferecer.
No entanto, ao longo do século XX assistimos à emergência do conceito de
“risco”, intimamente associado e quiçá indissociável do conceito de “comportamento”.
Ao mesmo tempo, a centralização de poderes dos Estados, o surgimento de sistemas
3
Personagem criada por Mark Twain no século XIX.
11
de saúde universais, pode bem ter feito do século XX o século da saúde pública.
Encarada nesta ótica, a problemática da doença entra numa dinâmica que opõe o
indivíduo com comportamentos “problemáticos” à sociedade para a qual ele
representa um perigo, de contágio, de repercussão. Será importante não esquecer que
na questão do risco, está subjacente a ideia de “jogo de poder”, ora se tal se encontra
vinculada na sua própria avaliação, como poderá o ator individual estar ciente que
realmente o risco existirá para ele e não será fruto da manipulação alheia dos
“maiores”, de outros atores com poder suficiente para criarem a ilusão da sua
presença?
A incerteza é característica dominante da época moderna, para tal, todos os
“riscos” são possibilidades e não certezas. Vejamos o exemplo das agências de rating,
as suas avaliações são meramente especulativas e os estados-membros e nações de
todo o mundo, só terão de seguir as suas ideias se quiserem, se os favorecerem.
Como se tem assistido agora na União Europeia, as agências têm conotado muito por
baixo do que seria ideal, certos estados-membros. Como tal verifica-se um acentuado
“boicote” e descredibilização das mesmas, quando em um passado não longínquo
estas eram consideradas como detentoras da verdade. Poder-se-á questionar então,
se somente o “risco” existe enquanto for favorável (maioritariamente por fatores
económicos) para determinados setores?
No campo da promoção da saúde assistiu-se à libertação do indivíduo do
determinismo genético, este não vem sem consequências: a vítima da genética do
paradigma
médico-pedagógico,
passa
a
(ir)responsável
pelas
suas
ações.
Consequentemente, a sua insistência num comportamento reprovável resulta num
discurso culpabilizante. Não obstante, os manuais psiquiátricos consideram ainda que
a adição (a uma substância, a um comportamento) é uma psicopatologia. A dialética
entre afeção mental dos manuais psiquiátricos, ou comportamento reprovável,
perigoso, para as autoridades de saúde pública, leva portanto a questionar se existe
de facto uma liberdade individual, à medida que grupos de indivíduos são
sequencialmente subtraídos à sociedade mais global e catalogados, categorizados,
em função da perigosidade dos seus comportamentos privados para o bem público.
Em consequência, o paradigma da saúde pública adquire a forma efetiva de
um controlo social, em que se padronizam comportamentos e hábitos individuais,
submetendo-os à régua da autoridade médica. Gera-se eventualmente um paradigma,
a partir do momento em que a própria medicina gera efeitos colaterais e nefastos a
partir das drogas que receita. A diferença fundamental será talvez quem, ou que
12
instituição possui a autoridade para fazer a distinção entre o legítimo e o ilegítimo, do
ponto de vista da saúde pública. O que por seu turno levanta questões quanto aos
efeitos adversos da medicação e da diferença entre conduzir sob o efeito de
ansiolíticos vs sob o efeito do álcool. Será importante em futuras análises descortinar a
ideia aqui subjacente.
E no entanto, temos de nos perguntar se, nesta ótica, a saúde pública não é
efetivamente um conceito volátil, facilmente adaptável e alterado às necessidades de
controlo social de determinada sociedade em dado momento, muito para lá da solidez
da evidência científica que dê como facto concreto o nefasto de dado comportamento.
No caso do tabagismo, poderá ser igualado ao percurso que sofreu o opiómano ao
longo dos séculos. Com o passar do tempo o conceito de opiómano passou a ser
conotado como licencioso, vicioso, lascivo e desempregado. O tabagista também
passou de rebelde, alguém com estilo, sendo agora visto como se algo negativo,
graças às mudanças de paradigmas societários.
5. Referências Bibliográficas
[1] AREOSA, João (2008) – O risco no âmbito da teoria social. Apresentado no VI
Congresso Português de Sociologia realizado na Universidade Nova de Lisboa entre
os dias 25 a 28 de junho de 2008. Disponível em <> Consultado dia: maio de 2012
[2] BECK, Ulrich (2008) - Risk society’s “Cosmopolitan moments”. Harvard: Lecture at
Harvard University, November
[3] BECK, Ulrich (2006) – Living in the world risk society in Economy and Societa, vol.
35, number 3, August, pp.329-345
[4] BUNTON, Robin; NETTLETON, Sarah; BURROWS, Roger (1996) - The Sociology
of health promotion: critical analyses of consumption, lifestyle and risk. London:
Routledge
[5] COTTLE, Simon (1998) – Ulrick Beck, “Risk society” and the media in European
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[6] FREITAS, Carlos Machado de (2002) - Avaliação de riscos como ferramenta para
vigilância
ambiental
em
Saúde
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Informação
Epidemiológica
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13
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