Artigo - Certidão e direitos humanos - Por Rogério Sottili Este ano iniciou com um debate sem precedentes sobre Direitos Humanos no Brasil. Na virada de 2010, a discussão sobre o 3º Programa Nacional dos Direitos Humanos (PNDH-3) reforça a reflexão sobre o papel desses direitos num país como o nosso, que assumiu o compromisso de sediar a Copa do Mundo, em 2014, as Olimpíadas e Jogos Paraolímpicos, em 2016. Ao atingir esse patamar, devemos, mais do que nunca, estar à altura de celebrar a comunhão do esporte num cenário de fortalecimento da cidadania e da inclusão social. Esse é o desafio. A certidão de nascimento é o primeiro passo para o pleno exercício dessa cidadania. Parafraseando Hannah Arendt, ela garante o simbólico “direito a ter direitos” – representa o reconhecimento público do nome e do sobrenome, é condição para a obtenção dos outros documentos. Sem a certidão, a pessoa fica sem possibilidade de acesso à escola e aos serviços de saúde, nem de inclusão em programas sociais como o Bolsa Família. Não ter certidão corresponde, de fato, a viver à margem da sociedade. Apesar de essencial e primário, esse “direito a ter direitos” foi historicamente subtraído a uma grande parcela da população. Em 2002, o índice de sub-registro – ou seja, de bebês que completavam quinze meses de vida sem ser registrado – beirava a 20,9%. Ainda hoje, no Brasil, cerca de 380 mil crianças deixam de ser registradas ao nascer. Esse número é desigual entre as regiões, refletindo nossas diferenças sócio-econômicas: no Rio Grande do Sul, o índice de sub-registro fica em 4%, ao passo que em Roraima chega a 40%. O problema do sub-registro atinge pessoas em todo nosso território, mas é muito pior nas regiões do norte e do nordeste. À gravidade da situação, o presidente Lula respondeu com o projeto de universalização da certidão de nascimento no Brasil, fixando como meta reduzir até o final de 2010 a 5% o índice nacional de sub-registro, percentual considerado internacionalmente como a erradicação. Para tanto, o governo federal lançou em 2007 uma agenda nacional, coordenada pela Secretaria Especial dos Direitos Humanos, com ações intensivas para os estados do Nordeste e da Amazônia Legal, onde o problema é maior. Para facilitar o acesso à certidão e acabar com sub-registro civil as ações se concentram em três frentes. Em primeiro lugar, “fechar a torneira”, garantindo que as mães saiam das maternidades com seus bebês com certidão de nascimento, com a instalação de 984 unidades interligadas dos cartórios em maternidades. Em segundo lugar, reduzir o número atual de pessoas jovens e adultas sem certidão de nascimento, por meio de mutirões e campanhas nacionais para alcançar o morador da periferia, o indígena, o ribeirinho, o catador de material reciclável. Por fim, fortalecer o sistema de registro, fazendo da certidão de nascimento um documento seguro, padronizado nacionalmente e confiável. Os resultados são animadores. O governo iniciou ainda uma campanha nacional de mobillização, estrelada pelo jogador de futebol Ronaldo. Com ações coordenadas e mutirões que chegam aos lugares mais distantes do país, nas áreas rurais, em comunidades quilombolas e ribeirinhas, algumas vezes de barco, outras de avião, aceleramos a redução do índice de crianças sem registro de nascimento: era 20,9% em 2002, baixou para 12,2% em 2007 e, em 2008, caiu para 8,9%. No caminho para a afirmação da cidadania, para o alcance efetivo de outro patamar de desenvolvimento social, é indispensável reconhecer que os direitos humanos passam, também, pela certidão. A certidão significa o direito ao nome, ao sobrenome, a exercer o direito de voto, a participar das decisões do país, a entrar na escola, ter direito à saúde, ao trabalho. Por isso mesmo, o PNDH-3 prevê ações para garanti-la no eixo “Universalizar Direitos em um Contexto de Desigualdades”. Esse, sim, é o grande desafio. (*) Rogério Sottili é ministro em exercício da Secretaria Especial dos Direitos Humanos da Presidência da República Fonte: SEDH