Do cognitivismo ao sociocognitivismo FLC0285 - Teorias do Texto - Enunciação, Discurso e Texto KOCH, I.G.V.; CUNHA-LIMA, M.L. Do cognitivismo ao sociocognitivismo. In: MUSSALIM, F.; BENTES, A.C. (Org.) Introdução à linguística: fundamentos epistemológicos. 3. ed. São Paulo: Cortez, 2007. p. 251300. Escopo do texto - Agenda investigativa em ascenção na linguística atual - Cognição em perspectiva social - Investigação dos processos mentais e da mente: Como o conhecimento está estruturado e organizado na mente? Como a memória se organiza? Como a mente se estrutura, ela é dividida em partes independentes que se coordenam ou existe conexão entre todas as partes? Qual a origem dos nossos conhecimentos, são eles inatos ou derivam da nossa experiência? Questão central Como a cognição se constitui na interação? Pressuposto: os fenômenos cognitivos são inerentemente situados. (p. 256) Cognição: do lat. cognitiõ – õnis – aquisição de um conhecimento, conhecimento, percepção (Cunha, A.G. Dicionário Etimológico da Língua Portuguesa. RJ: Leksikon: 2011. 159-160) Ciências cognitivas clássicas Separação entre: 1) mente e corpo 2) Processos internos e externos - Forma como os fenômenos representados na mente externos podem ser - A mente é representação e a representação é símbolo - a representação mental é um símbolo e as atividades mentais são operações sobre esses símbolos. (p. 260) - Capacidade inata de apreender o mundo e desenvolver a linguagem de modo correto. (p. 260) Símbolo – elemento estável (sofre operações sem perder identidade) e discreto (distinto dos demais) (p. 261) A cognição é um fenômeno situado e social: o sociocognitivismo Há processos cognitivos que acontecem na sociedade e não exclusivamente nos indivíduos – ex. Ações conjuntas de navegadores (p. 279) – culturas diferentes agem diferentemente Realização da tarefa, aprendizado individual e acúmulo de práticas e rotinas – resultado de várias ações praticadas por indivíduos (p. 279) Rotinas desenvolvidas culturalmente e organizam as atividades mentais internas dos indivíduos Natureza situada da cognição – ex. cálculos matemáticos por crianças no semáforo e na escola Língua: tipo de ação conjunta/social (p. 281,285) que envolve 1) Conhecimento partilhado presente em todo texto (p. 282) 2) Finalidades comuns (p. 284) 3) Participantes: autorizados, (simétricos/assimétricos) papeis 4) Negociações para estabelecer a ação em curso definidos “A língua só pode ser apropriadamente compreendida quando vista em funcionamento e na interação”(p. 288) Fatos importantes do seu funcionamento: - Referência ao contexto e à situação – indexicalidade - Como os falantes pretendem que sua fala seja avaliada - Relação com o dito (modalização) e com o interlocutor Importância do contexto nos eventos reais de fala: situação de enunciação recursos extralinguísticos (olhar, gesto, postura) atos de fala e textos já produzidos conhecimentos de mundo partilhados situação que ultrapassa o evento local (p. 288) A atividade cognitiva acontece em contextos reais de uso (p. 290) Processamento textual: capacidade de identificar o tópico principal de um texto, identificar seus temas principais, resumi-lo, fazer inferências que geram a coesão e a coerência locais A demanda de explicação do nível textual tornou indispensável uma visão social da cognição Relação estreita entre Linguística Textual e ciências cognitivas: memória, atenção, representação mental e processamento cognitivo Formulação importante da Linguística Textual: nenhum texto é ou poderia ser completamente explícito, não trazem na sua superfície tudo o que é preciso saber para compreendê-los (p. 292, 296) “Quando enfim realizou o sonho de comprar um carro novo, o veterinário Wagner Magalhães Melo teve uma desagradável surpresa. Logo após a compra, Melo notou que o motor estava um pouco estranho (Fernanda Medeiros e Marcos Rogério Lopes, “Carro novo também é motivo de transtornos”, OESP, 18/9/2000) Compreensão depende de conhecimentos partilhados: esquemas, scripts, frames, cenários, modelos mentais, etc - permitem inferências Textos: formas de cognição social e organizadores do conhecimento de uma dada cultura (p. 294) Construção da referência ou referenciação – atividade na qual os falantes se engajam para construir a referência (p. 295) Recurso para construir a referência – processos coesivos do texto – introdução, manutenção e retomada de referentes na progressão textual anáforas Koch (2006) classifica dois tipos de construção de referentes textuais: ativação ancorada e não-ancorada. Ativação não-ancorada: introdução de um novo objeto-de-discurso que, quando representado por uma expressão nominal, opera uma categorização do referente. Em 1980, dois índios, Umúsin Palõn Kumu e seu filho, Tolamãn Kenhíri, pertencentes a um clã Desãna do rio Tiquié, noroeste do Amazonas, publicaram uma coletânea de mitos intitulada Antes o mundo não existia. O título, que corresponde à primeira sentença do mito de origem, torna claro que se trata da gênese Desâna: a ingente epopeia da criação do mundo e da humanidade. O extraordinário é terem esses autores índios transposto uma narrativa oral sacra para um texto secular, ilustrando-o com desenhos explicativos. (Ciência Hoje, abril/maio 1991, Berta G. Ribeiro, Depto de Antropologia, Museu Nacional, UFRJ, p. 30, grifo meu) No primeiro parágrafo do artigo de divulgação científica de Ciência Hoje, a expressão nominal acompanhada da oração reduzida de particípio, “uma coletânea de mitos intitulada Antes o mundo não existia”, introduz o objeto de discurso do texto. Ativação ancorada: introdução de um novo objeto-de-discurso que é introduzido, sob o modo do dado, em virtude de algum tipo de associação com elementos presentes no co-texto ou no contexto sociocognitivo, passível de ser estabelecida por associação e/ou referenciação. Uma das mais animadas atrações de Pernambuco é o trem do forró. Com saídas em todos os fins de semana de junho, ele liga o Recife à cidade de Cabo de Santo Agostinho, um percurso de 40 kilômetros. Os vagões, adaptados, transformam-se em verdadeiros arraiais. Bandeirinhas coloridas, fitas e balões dão o tom típico à decoração. Os bancos, colocados nas laterais, deixam o centro livre para a quadrilhas. (APUD KOCH, 2006, P. 65) A introdução dos objetos-de-discurso “vagões” e “bancos” ocorre por anáfora associativa, isto é, relações metonímicas de ingrediência em relação ao referente “trem”. O processo de apresentação dos referentes por meio de uma expressão introdutória já marca avaliativamente os objetos de discurso, como no exemplo abaixo: "Vamos enfrentar o monstro O uso do crack no Brasil já é tratado no âmbito do governo federal como um caso grave de saúde pública, mas com um viés de risco à segurança pública. Tanto assim que o presidente Luiz Inácio da Silva determinou, no início deste mês, que o Gabinete de Segurança Institucional (GSI) da Presidência, [sic] que organize um seminário com especialistas para discutir a questão.”(Jornal Meio Norte, 21 mar. 2010, apud SILVA/CUSTÓDIO, 2013, p. 74) Quem costura no trânsito atinge o ponto cruz. (Slogan de campanha educativa de trânsito/DETRANSPI/2010, apud LIMA/FELTES, 2013, P. 52) recategorização do referente “morte: como “ponto cruz, sendo que a homologação desse referente só é possível mediante a admissão de sua ancoragem em Modelos Cognitivos Idealizados - a intepretação do texto acima mobiliza dois frames: costura e trânsito. Referências CAVALCANTE, M.M.; LIMA, S.M.C. Referenciação: teoria e prática. São Paulo: Cortez, 2013. CORTEZ, S.L.; KOCH, I.G.V. A construção do ponto de vista por meio de formas referenciais. In: CAVALCANTE, M.M.; LIMA, S.M.C. Referenciação: teoria e prática. São Paulo: Cortez, 2013. p. 9-29. LIMA, S.M.C.; FELTES, H.P.M. A construção de referentes no texto/discurso: um processo de múltiplas âncoras. In: CAVALCANTE, M.M.; LIMA, S.M.C. Referenciação: teoria e prática. São Paulo: Cortez, 2013. p. 30-58. MARCUSCHI, L.A. Linguística de Texto: o que é e como se faz. Série Debates 1, Recife, Universidade Federal de Pernambuco, 1986. MARTINS, E.F. M.; MORATO, E.M. Referenciação e orientação argumentativa na retórica neopentecostal: o percurso sociocognitivo das recategorizações metafóricas. In: CAVALCANTE, M.M.; LIMA, S.M.C. Referenciação: teoria e prática. São Paulo: Cortez, 2013. p. 86-104.