Revista Educação Agrícola Superior
Associação Brasileira de Educação Agrícola Superior - ABEAS - v.24, n.1, p.7-12, 2009.
TRATAMENTO TÉRMICO DO CALDO DE CANA PARA O PROCESSO DE FERMENTAÇÃO ALCOÓLICA: O ESTADO DA ARTE
Anny Kelly Vasconcelos de Oliveira Lima1; Flavio Luiz Honorato da Silva2; Frederico
Campos Pereira3 & Josivanda Palmeira Gomes4
1
Doutoranda em Engenharia Agrícola, UFCG: [email protected]
2
Prof. Doutor Deptº de Eng. Química da UFCG:[email protected]
3
Doutorando em Recursos Naturais, UFCG: [email protected]
4
Prof. Doutora Deptº de Eng. Agrícola da UFCG:[email protected]
RESUMO
O partir da cana que o etanol e o açúcar são produzidos, além de subprodutos como o bagaço e o
melaço. Para a produção do açúcar e etanol é preciso escolher a cultivar adequada para cada região e
para sua utilidade. Depois de cultivada e colhida à cana é transportada até as unidades beneficiadoras
onde passam por processo de limpeza e extração do caldo sendo este o principio para a produção de
cada um destes produtos. Após a obtenção dos caldos este passa por vários processos e equipamentos
diferentes para cada produto final respeitando a sequência e o tempo de duração de cada processo.
Para o processo de obtenção de etanol é necessário o controle das etapas como a contaminação do
caldo e do fermento, buscando alternativas eficazes que possam estar diminuindo ou eliminando a carga
microbiana bem como melhorando o rendimento de produção. Na produção do etanol a etapa mais
importante e crítica é a fermentação, por isso, há necessidade de focar a atenção no processo fermentativo,
em função de contaminações que afetarão o rendimento do processo, para minimizar perdas na produção. O uso de tratamento térmico mostra-se eficiente nessa etapa do processo, capaz de destruir
microrganismos contaminantes do caldo ou ainda inativar enzimas.
PALAVRAS-CHAVE: etanol, processo fermentativo, temperatura
HEAT TREATMENT OF SUGAR JUICE FOR ALCOHOLIC FERMENTATION
PROCESS: THE STATE OF THE AR
ABSTRACT
From the sugarcane ethanol and sugar are produced, and byproducts such as pulp and molasses. For the
production of sugar and ethanolis necessaryto choose a suitable cultivar for each region and for its usefulness.
Once planted and harvested the cane is transported to benefits where the units pass through the cleaning
process and extract the juice which is the principle for the production of each product. After obtaining the
broth that goes through several different processes and equipment for each finalproduct complying with the
sequence and duration of each process. For the process of obtaining ethanol takes control of the steps as the
contamination of the juice and yeast, seeking efficient alternatives that may be decreasing or eliminating the
microbial load as well as improving production yields. In ethanol production to more important and critical
step is fermentation, so no need to focus attention on the fermentation process, due to contamination that will
affect the yield of the process, to minimize yield losses. The use of heat treatment proves effective in this stage
of the process is capable of destroying microbial contaminants broth or inactivate enzymes.
KEYWORDS: ethanol, fermentation, temperature
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A. K. V. de O. Lima et al.
INTRODUÇÃO
O Brasil é um país de grande potencial para
elaboração de produtos derivados da cana-deaçúcar, pois possui condições favoráveis para o
seu cultivo, ou seja, apresenta duas estações distintas, uma quente e úmida, para provocar a germinação, perfilhamento e desenvolvimento
vegetativo, seguida por outra fria e seca, para
promover a maturação e consequente acúmulo
de sacarose nos colmos. (RODRIGUES &
ORTIZ, 2006). A agroindústria do álcool representa um considerável gerador econômico, sendo esse setor de suma importância para o país.
O Brasil tornou-se o primeiro país do mundo a
desenvolver um programa de combustível alternativo em substituição à gasolina, e é o maior
produtor de cachaça (NOBRE, 2005).
O processamento industrial da cana-deaçúcar no Brasil e no mundo pode ter diferentes
usos. Além de produzir açúcar e etanol, gera inúmeros subprodutos como o bagaço, o mel, o
vinhoto ou vinhaça, a torta de filtro, o óleo fusel
(álcoois superiores) e a levedura de fermentação alcoólica, trata-se de explorá-la de forma
racional utilizando a forma mais eficiente, para
uma exploração máxima.
A crescente necessidade de ampliar de
modo sustentável o uso de fontes renováveis de
energia, para proporcionar maior segurança ao
suprimento energético e reduzir os impactos
ambientais associados aos combustíveis fósseis,
encontra no etanol uma alternativa viável economicamente e com significativo potencial de
expansão. A produção e o uso de etanol como
combustível veicular vem evoluindo durante as
últimas décadas. Nos dias atuais cresce a procura por veículos “flex” fuel. Com a possibilidade de escolher o combustível o consumidor em
sua grande maioria vem optando pelo álcool.
Países do mundo todo buscam tecnologias alternativas de energia renovável (CEBALLOSSCHIAVONE, 2009).
O setor sucroalcooleiro vem crescendo visando a busca por uma maior produção de
etanol. Desde a segunda metade da década de
70, e como resposta à primeira crise do petróleo, o governo brasileiro implementou o Programa Proálcool, uma iniciativa de alcance nacional
financiada pelo governo para proporcionar uma
redução progressiva de todos os veículos que
utilizavam combustível derivado de petróleo e
incentivando a substituição da gasolina pelo
etanol produzido a partir da cana-de-açúcar
Segundo CEBALLOS-SCHIAVONE
(2009) para a produção do etanol um dos
parâmetros principais a ser controlado é a fermentação, para isso necessita-se de um ambiente e meio de fermentação assépticos utilizando apenas os microrganismos desejáveis, responsáveis pela maior eficiência fermentativa. Para
isso são utilizadas leveduras selecionadas que
utilizam os nutrientes presentes no caldo da melhor forma possível e transformando-os na maior quantidade de etanol.
O objetivo desta revisão foi identificar e
consequentemente analisar as influências do tratamento térmico sob o caldo de cana para o
desenvolvimento do processo fermentativo.
PROCESSAMENTO DA CANA E
SUAS ETAPAS
O caldo de cana-de-açúcar é definido
como uma solução diluída de Sacarose, também
chamado de garapa é uma bebida opaca, de
coloração variável de pardo a verde escura, e
viscoso (MOLINA et al,, 2007a). É um produto de elevado valor nutritivo, não alcoólico e
muito consumido principalmente em épocas
quentes, por ser refrescante (MOLINA et al.,
2007b), obtido através da moagem da cana,
realizada em moendas elétricas ou manuais, e
em seguida, coado em peneiras, podendo ser
servido com gelo, e consumido puro ou adicionado de suco de frutas ácidas, sendo normalmente comercializado por vendedores ambulantes, denominados garapeiros, em vias públicas,
parques, praças e feiras (PRATI et al., 2005).
A execução das etapas é diferenciada de
produtor para produtor, mas de modo geral são
similares. Estando no estado de maturação adequado a cana é colhida e processada o mais rápido para que não ocorra degradação e perda
de sacarose.
As etapas na produção do açúcar e do
etanol diferem apenas a partir da obtenção do
caldo, que poderá ser fermentado para a pro-
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Tratamento térmico do caldo de cana para o processo de fermentação alcoólica:
dução de álcool ou tratado (tratado) para a produção de açúcar.
A colheita da cana consiste em um processo dinâmico, que permite o fornecimento de
matéria prima à indústria e, envolve desde o planejamento de queima (se for o caso) e corte até
a entrega da cana na indústria.
A época de colheita no Brasil varia com a
região. Nas regiões sudeste, centro oeste e sul a
colheita inicia-se entre abril e maio prolongando-se até novembro, período em que a cana atinge a maturação plena. Na região Nordeste a
colheita tem inicio de julho a agosto e prolongase até março do ano seguinte, em alguns casos.
A cana-de-açúcar transportada à usina passa pelo processo de lavagem, para retirada das
impurezas, tais como: areia; pedras, folhas. De
acordo com CARVALHO & MAGALHÃES
(2007) os comerciantes não armazenam a cana
de forma correta, expondo diretamente no chão,
com objetivo de atrair consumidores, não seguindo as Boas Práticas de Fabricação (BPF),
e os cuidados de higienização necessários ao
produto antes do processamento, efetuando
apenas a raspagem para retirar a casca.
A moagem é uma operação unitária que visa
a extração do caldo da cana, presente nos tecidos de reserva ou células parenquimatosas dos
colmos, (VENTURINI FILHO, 2005). A extração do caldo é um dos fatores que governam
o rendimento de cachaça, açúcar ou álcool por
tonelada de cana processada, estando este diretamente relacionado com o número e tipo de
unidades esmagadoras, como também o perfeito desempenho das moendas. Extração quer dizer a quantidade de açúcar (ou, de forma mais
simples, caldo) extraído por tonelada de cana.
A clarificação visa à obtenção de um caldo
livre de impurezas. Para esse objetivo estão envolvidas as etapas de peneiragem, tratamento
químico, aquecimento, decantação e filtragem do
caldo (DAL BEM, s.d). A clarificação do caldo
de cana melhora a cor do produto. Sua finalidade não é a obtenção de um liquido límpido e sim
turvo amarelado (PRATI et al., 2005). Em seguida o tratamento consiste em aquecer o caldo
a aproximadamente 105 ºC sem adição de produtos químicos, e após isto, decantá-lo. O aque-
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cimento do caldo proporciona a redução da viscosidade e densidade do caldo e acelera a velocidade das reações químicas, agrupando as impurezas na forma de pequenos “flocos”. Os sais
formados são insolúveis a altas temperaturas,
possibilitando a sua decantação (SILVA et al.,
2006).
A fermentação alcoólica consiste na transformação dos açúcares do mosto em álcool, gás
carbônico e energia, sobre a ação enzimática das
leveduras (CAMARGO et al., 1990).
Inicialmente, a sacarose, que é um
dissacarídeo, se hidrolisa na presença da enzima
invertase, produzindo glicose e frutose, ambas
monossacarídeos (C6H12O6).
H2O
C12H22O11
Sacarose
C6H12O6 + C6H12O6
invertase
glicose
frutose
Na sequência, sob ação da enzima zimase,
os monossacarídeos são fermentados produzindo etanol e gás carbônico.
Zimase
C6H12O6
2 C2H5OH + 2 CO2
Glicose
Etanol
Gás
Carbônico
TRATAMENTO TÉRMICO
Segundo BARUFFALDI & OLIVEIRA
(1998) a aplicação do tratamento térmico tem
como objetivo a inativação enzimática, diminuição da carga microbiana e destruição de bactérias patogênicas, visando a conservação dos
nutrientes do meio. A intensidade do tratamento
térmico depende principalmente do valor do pH,
da composição e das características físicas dos
alimentos e é o resultado da combinação de
parâmetros tempo-temperatura.
Segundo AMORIM et al. (1989) uma das
principais preocupações na indústria sucroalcooleira é combater os microrganismos
contaminantes do processo de produção de álcool, representados pelas bactérias e leveduras
selvagens que se instalam no processo. Estes
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A. K. V. de O. Lima et al.
contaminantes são causadores de problemas tais
como: o consumo de açúcar, a queda de viabilidade de células de levedura devido às toxinas
excretadas no meio, a floculação do fermento, o
que acarreta perda de células de levedura pelo
fundo de dorna ou na centrífuga e a queda no
rendimento industrial.
VALSECHI (2005), em pesquisa visando
aplicar uma metodologia que propiciasse o controle das contaminações microbianas, especialmente as bactérias produtoras de ácido lático
(BAL), submeteu as linhagens CCT4143;
CCT4144; CCT4145; CCT4146 e FT038B de
Lactobacillus fermentum ao aquecimento provocado por radiações eletromagnéticas (microondas) e aquecimento convencional. Nessa condição foi verificada a eliminação total de L.
fermentum quando irradiadas com microondas
(2450 MHz), em 9 s quando a temperatura atinge
58,3 °C, ao passo que quando submetidas ao
aquecimento convencional nesta mesma temperatura a diminuição foi de 80% após 10 min.
SIVASUBRAMANIAN & PAI (1994),
estudando diferentes formas de tratamento térmico e sua influência na qualidade do caldo de
cana, submeteram a cana a diferentes tratamentos de branqueamento a vapor e obtiveram melhores resultados com o branqueamento feito
após um descascamento parcial das canas. Os
melhores resultados em termos sensoriais no tratamento térmico do caldo foi o processo Hight
Temperature Short Time (HTST), pois a sua alta
taxa de transferência de calor e resfriamento, não
permitiu a formação de produtos de degradação. O branqueamento inicial garantiu uma melhor coloração do produto, verde amarelado. O
descascamento parcial associado ao tratamento
térmico, possivelmente inativou o complexo
polifenol-oxidase, que é responsável pela oxidação dos compostos fenólicos presentes na
cana, causando assim um escurecimento do caldo extraído.
FRANCHI et al. (2003) testaram o efeito
da temperatura sobre os microrganismos, e determinaram o valor D60C, para as bactérias
contaminantes do gênero Lactobacillus em meio
de caldo de cana clarificado a 14 ºBrix e pH =
6,5. Os valores de D60C obtidos foram: 0,75
min para L. fermentum, 0,29 min para L.
plantarum e 1,57 min para Leuconostoc
mesenteroides e um valor z para L. fermentum
de 7,7 °C.
NOLASCO (2005) constatou que algumas
bactérias dos gêneros Sporolactobacillus e
Bacillus apresentam baixa resistência térmica.
Verificou também que o processo de decantação assegura a total eliminação dos lactobacilos
contaminantes da fermentação alcoólica, de forma que se eles aparecem posteriormente na fermentação é por recontaminação. Foram utilizados em seus experimentos decantadores rápido
sem bandeja (tempo médio de residência de 1,15
horas) e decantadores convencionais com bandeja (tempo de residência de 2,5 h) e a temperatura avaliada para a letalidade foi de 93,61 °C.
CEBALLOS-SCHIAVONE (2009) utilizou em experimento caldos de cana-de-açúcar
clarificados por duas formas diferentes: por aquecimento e por adição de fosfato mono hidratado
de sódio, e observou que sete espécies de
Lactobacillus são sensíveis à temperatura da água
em ebulição, não sobrevivendo por mais de 4
minutos, não importando a forma como foi feita
a clarificação (aquecimento ou adição de fosfato
mono hidratado de sódio).
Após a extração, o caldo de cana torna-se
escuro e apresenta sedimentação. São utilizados tratamentos térmicos para evitar esse
escurecimento, porém os tratamentos térmicos
convencionais conferem um sabor de melado ao
caldo, afetando de forma negativa seu sabor
característico. SINGH et al. (2002) ao
pesquisarem sobre a preservação do caldo de
cana, a fim de se obter uma bebida pronta para
beber, com boa aceitação sensorial, concluiu que
a pasteurização do caldo de cana a 70 °C durante 10 minutos, seguida da adição de ácido
cítrico (40mg/100ml de suco), ácido ascórbico
(40mg/100ml) e 150 ppm de metabissulfito de
potássio, como agente conservador, conferiu ao
produto acondicionado em garrafas previamente esterilizadas, estabilidade de 90 dias sob refrigeração.
Já os autores BHUPINDER et al. (1991),
com o mesmo objetivo mostraram que o tratamento térmico (80° C / 10 min) seguido da adi-
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Tratamento térmico do caldo de cana para o processo de fermentação alcoólica:
ção de 140 mg/L de metabissulfito de potássio,
3% de suco de limão e 1% de extrato de gengibre conferiu uma estabilidade de 24 semanas ao
produto engarrafado e um bom índice de aceitação entre provadores.
A temperatura tem influência direta sobre o
desenvolvimento da fermentação sendo ela um
dos fatores mais consideráveis nesse processo.
O tratamento térmico que venha a ser utilizado
será um dos responsáveis pela eficiência do processo, diminuindo a infestação microbiana e
inativando enzimas que causam a deterioração
dos nutrientes durante o armazenamento.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Um dos parâmetros principais a ser controlado na produção do etanol é a fermentação, para
isso é necessário o controle das etapas como a
contaminação do caldo e do fermento, buscando
alternativas eficazes que possam estar diminuindo
ou eliminando a carga microbiana bem como melhorando o rendimento de produção. Por isso necessita-se de um ambiente e meio de fermentação
assépticos utilizando apenas os microrganismos
desejáveis, responsáveis pela maior eficiência
fermentativa. Logo, é necessária a utilização de leveduras selecionadas que utilizam os nutrientes presentes no caldo da melhor forma possível e transformando-os na maior quantidade de etanol.
A temperatura é indiscutivelmente um dos
parâmetros mais importantes que afetam a fermentação, ela influencia no metabolismo da levedura e
na produção de compostos voláteis. O tratamento
térmico mostra-se eficiente e conveniente, pois
além de destruir microrganismos o calor ainda inativa enzimas que podem causar a deterioração do
alimento durante a estocagem. A literatura cita vários tratamentos térmicos utilizados e recomendados para a fermentação alcoólica de forma positiva, ou seja, utilizados para o controle dos fatores
negativos da fermentação para obtenção do etanol.
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