PRÓLOGO
A economia não é nenhum bicho-de-sete-cabeças. A economia
não representa mais que a superfície das coisas, um reflexo, o lugar de
expressão de formas sociais mais profundas. Os economistas é que ao
longo do tempo transformaram a economia num domínio reservado,
acessível apenas aos seus fiéis seguidores.
Geralmente, as pessoas tomam conhecimento dos assuntos ligados
à economia sobretudo através dos meios de comunicação social. Ali
nos dizem, através de uma loquacidade de grande à vontade, numa
linguagem reforçada com metáforas, isto é, expressões que não têm
referência na realidade, supostas verdades resultantes de muitos estudos e de cérebros brilhantes. Muitas vezes, estes discursos não resistem a procurar refúgio num suposto cientismo que contraria o próprio
discurso.
Atualmente, os efeitos destes discursos são extremamente nefastos. Transmitem um pessimismo contagiante, que tem pouco a ver
com a situação real do país, mas que tem mais a ver com uma atitude
intelectual, quase sempre, cheia de lugares-comuns.
Mas afinal, a economia não passa de um conjunto de verdades
primárias. Entender o funcionamento da economia é compreender a
maior parte da nossa vida de todos os dias: o que produzimos e como
obtemos e gastamos os nossos rendimentos. A verdadeira palavra
passe, para se penetrar no mundo da economia é apenas bom senso. A
economia é a nossa vida de todos os dias.
Os gurus e académicos da economia, sempre que os seus modelos
analíticos e predições falham, fazem emergir novos modelos analíticos, mas sem terem conseguido ainda elaborar uma teoria do desenvolvimento económico que seja operacionalmente útil e aplicável na
generalidade. Os economistas têm um velho sonho: poder tratar o seu
tema da mesma maneira aberta e experimental que os físicos, químicos ou biólogos. Mas poderão alguma vez alcançar o seu sonho?
Como reagiria o leitor se lhe dissessem que a economia não é uma
ciência social? Que os fenómenos sociais não se fundamentam do
mesmo modo que os fenómenos naturais? Que os economistas não
podem predizer a intencionalidade individual dos agentes económicos
face a certos pressupostos de política económica, limitando-se a elaborar as consequências de tal intencionalidade.
Que atualmente a economia domina a sociedade e a economia é,
por sua vez, dominada pela finança? E que esta última já não se apresenta como um suporte ao investimento, mas sim como um poder que
se pretende autonomizar? Que a riqueza já não resulta tanto da criação
de bens materiais, mas sim de especulações perfeitamente abstratas,
sem ligação, ou com ligação difusa, com investimentos reais.
Que a imperiosa aspiração de satisfazermos as nossas necessidades é o motor da atividade da economia, fornecendo à teoria económica o ponto de apoio a partir do qual esta se pode explanar? Que
muitas das nossas decisões de compra são impulsivas? Que no ato de
compra e venda, a informação é assimétrica, ou seja, uma das partes
possui mais informações do que a outra e disso obtém vantagem?
Que na economia de mercado atual, há uma diferença evidente na
vida quotidiana, quando deixamos de ir ao mercado e optamos pelo
supermercado? (aqui já não se discute o preço; a palavra é simplesmente funcional. A relação com as coisas sobrepõe-se totalmente à
relação entre as pessoas).
Que o comércio internacional continua a crescer mais depressa do
que as produções nacionais em todo o conjunto da OCDE? Perto de
quarenta por cento das exportações mundiais são controladas pelas
cem maiores empresas, capazes de organizar no seu seio as complementaridades estruturais próprias de uma nova situação tecnológica e
geopolítica.
Que o PIB (Produto Interno Bruto), com que os economistas avaliam o estado da economia, é uma medida muito imperfeita para aferir
do bem-estar de um país? (o PIB mede, exclusivamente, as atividades
que podem ser quantificadas em termos monetários, ignorando outras
atividades que são fundamentais para avaliar das condições de bem-estar social).
Que os Estados gastam geralmente sempre mais do que aquilo que
embolsam, porque é mais fácil gastar do que receber? (com os défices
orçamentais, os Estados vão pedindo emprestadas somas consideráveis, acumulando, ano após ano, uma enorme dívida pública. Poderá
imaginar-se o que aconteceria a uma família que se endividasse cada
vez mais e deixasse uma dívida crescente aos seus filhos?).
Que a evolução demográfica e social coloca um peso crescente
sobre a despesa pública? (há cada vez menos população ativa em relação ao número de idosos. Há mais pessoas a sair do mercado de trabalho do que a entrar. Em Portugal, as receitas efetivas das contribuições para a Segurança Social não acompanham o acréscimo das prestações sociais. Mais de 500 mil portugueses vivem da ajuda do Estado).
Que os países onde existe mais abundante legislação e maior
regulamentação da vida politica, económica e social, e maior intervenção do Estado na economia, são os que têm atividades informais
(economia subterrânea) com maior peso na economia? (os países onde
existem diversos níveis de regulamentação e falta de transparência da
legislação são aqueles onde a incidência da corrupção é maior, funcionando como fator enriquecedor da economia informal).
Que, em geral, toda a gente critica o Estado, esperando que o
Estado resolva, o Estado subsidie. (o cidadão comum tem a ideia de
que o Estado deve fazer tudo, pensar em tudo, iniciar tudo. É um
hábito político e social fazer depender tudo do Estado, e de virar
constantemente as mãos e os olhos para ele, como para uma Providência sempre presente).
Que as crises não estão confinadas à economia? Para percebermos
as crises é preciso ir para além da economia. (as recessões que periodicamente ocorrem na economia são causadas por formas de comportamento coletivamente contraproducentes. Muitas pessoas preferem o
consumo e o recurso ao crédito, em vez da poupança).
Que, geralmente, o desemprego resulta quer de um desajustamento
entre as especializações disponíveis e as especializações exigidas,
quer de um desajustamento entre a localização dos postos disponíveis
e a dos trabalhadores desempregados?
Que muitos homens e mulheres desempregados, inscritos no IEFP
(Instituto do Emprego e Formação Profissional), renunciam à procura
ativa de emprego e não respondem aos apelos que lhes são lançados?
(preferem não trabalhar, porque as receitas vertidas a seu favor pela
Segurança Social são quase equiparadas ao salário que teriam se estivessem empregados).
Que a ideia, muito antiga, da igualdade entre os seres humanos é
um mito? (esta ideia sugere que todas as pessoas são igualmente capazes de tomar decisões, de controlar os seus impulsos e compreender as
consequências. Embora admirável, a ideia não é simplesmente verdade. As pessoas não enfrentam o mundo com as mesmas capacidades. As pessoas são semelhantes e não iguais).
Todas estas e outras questões são abordadas neste livro. Numa linguagem que me esforcei por ser acessível, limitei-me ao essencial,
evitando a tentação de escrever mais um dos muitos tratados de economia, rebuscados de conceitos e teorias, com grande profusão de linguagem matemática. A sua estrutura é modular, permitindo que cada
módulo possa ser lido na sequência que o leitor desejar.
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