REPRESENTAÇÕES SOCIAIS DO SER PROFESSOR NO CONTEXTO
ATUAL – DESAFIOS, INCERTEZAS E POSSIBILIDADES
DONATO∗, Sueli Pereira – PUCPR
[email protected]
ENS∗∗, Romilda Teodora – PUCPR
[email protected]
Eixo temático: Formação de Professores e Profissionalização Docente
Agência financiadora: PIBIC/CNPq
Resumo
Ao refletir sobre ser professor no contexto da sociedade contemporânea, requer analisar os
reflexos dos problemas políticos, econômicos, sociais e culturais que incidem na educação,
repercutindo significativamente no trabalho docente, além de discutir sobre a natureza e os
saberes da função docente. Com o objetivo de identificar a representação social do docenteformador sobre ser professor e verificar que aspectos das políticas educacionais incidem no
trabalho docente, esta pesquisa é realizada em conjunto ao CIERS-ed/FCC. O estudo
fundamenta-se nas políticas educacionais e na teoria das Representações Sociais sob a ótica
de Sá (1998), Jodelet (2001) e Moscovici (2003) devido a sua importância na educação por
possibilitar ao pesquisador interpretar e compreender os elementos e os fenômenos
constituintes da prática social, oriundos da relação que os sujeitos estabelecem com os
objetos. A pesquisa apoiou-se na abordagem qualitativa ao fazer uso de questionário e
entrevista semiestruturada com 11 professores. Os dados foram submetidos à análise de
conteúdo de Bardin (1977) e, ao software ATLAS-ti (MUHR, 2001), sendo utilizados
conjuntamente e triangulados qualitativamente. Os resultados mostram o professor no embate
cotidiano do trabalho docente, frente aos limites, desafios e possibilidades, além da
preocupação de formar o cidadão de hoje, que vão além das questões de conhecimento, frente
às exigências que lhe são postas. Além disso, alertam para as consequências das políticas
vigentes, as quais ditam um novo perfil ao professor, adaptando-o às exigências mercantilistas
e demandam novas configurações de trabalho. Isso permite inferir que a docência amplia seu
âmbito de compreensão, condicionada a vários fatores e inserida num amplo processo envolto
ao espaço/tempo de atuação. Contudo, os professores entrevistados demonstram que são
profissionais persistentes e resilientes frente às questões da atualidade.
Palavras-chave: Representações sociais. Ser professor. Políticas educacionais.
∗
Acadêmica do Curso de Pedagogia da PUCPR e bolsista do CNPq 2008/2009.
∗∗
Professora e Pesquisadora do Programa de Pós-Graduação em Educação e do curso de Pedagogia da Pontifícia Universidade
Católica do Paraná – PUCPR. Pesquisadora associada da Fundação Carlos Chagas, participando do CIERS-Ed (Centro Internacional de
Estudos em Representações Sociais e Subjetividade – Educação). Doutora em Educação: Psicologia da Educação pela PUC-SP. Orientadora.
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Introdução
A profissão docente na atualidade passa por um processo de intensas discussões, que
envolvem os vários aspectos pertinentes ao trabalho do professor decorrentes da própria
complexidade dos fatores que envolvem a formação humana no contexto atual. Estes, por sua
vez, exigem do profissional docente elevado repertório de características que vão desde
conhecimentos, atitudes e valores, para dar conta da formação integral do educando e de sua
própria formação.
No entanto, mesmo diante das inúmeras funções que se agregam à profissão docente,
estes, geralmente, constituem-se em profissionais que procuram meios para responder às
exigências que a sociedade lhes impõe, fazendo uso de seus saberes, seus valores e suas
habilidades para concretização dessa tarefa. Segundo Tardif e Lessard (2005, p. 21-22), “o
trabalho do professor vem configurando-se como uma das profissões que possui o maior
número de profissionais e tornou-se uma ação considerada indispensável ao contexto atual e
problemática para as equipes econômicas”.
Diante desta temática, é importante ressaltar que as reformas educacionais
implementadas no Brasil no decorrer dos anos 90 têm privilegiado um tipo de educação
voltada para a legitimação e manutenção da ideologia neoliberal implementadas nas
sociedades capitalistas (OLIVEIRA, 2003). No âmbito dessas políticas, as reformas na
educação que ocorreram no Brasil nesse período trouxeram como características principais a
regulação e o controle em decorrência da nova configuração do papel do Estado, sustentado
na ideologia neoliberal, correspondendo às exigências dos organismos internacionais, com o
objetivo de “transferir a educação da esfera da política para a esfera do mercado” (GENTILI,
1998, p. 19). Consequentemente, a educação é vista como mercadoria, visando atender as
necessidades do mercado decorrentes do modo de produção vigente. Nesse contexto, a
educação passa por profundas transformações que alteram significativamente o cotidiano do
trabalho docente frente às novas exigências profissionais oriundas das políticas educacionais
neoliberais que ditam o novo perfil dos professores, adaptando-os às necessidades do mercado
do trabalho.
Os aspectos apontados são corroborados por Oliveira (2003, p. 33) ao explicar que o
“movimento de reformas que toma corpo nos países da América Latina nos anos 1990 traz
consequências significativas para a organização e a gestão escolar, resultando uma
reestruturação do trabalho docente, podendo alterar até sua natureza”.
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Com base no exposto, optou-se por discutir as questões que envolvem a função
docente frente às exigências do mundo contemporâneo, procurando refletir sobre sua
natureza, para não perder o foco do devir da profissão quanto à formação do cidadão, bem
como identificar os saberes e práticas que envolvem o trabalho docente, procurando, nesse
contexto, por meio dos processos de objetivação e ancoragem propostos Moscovici (2003),
compreender as representações sociais, detectar os diversos aspectos que refletem no ser
professor no contexto atual, além de pontuar os reflexos que as políticas educacionais
trouxeram ao trabalho docente.
Diante das implicações, tensões e conflitos que permeiam a função docente, aponta-se
para a necessidade do estudo do tema, a partir das representações sociais do professor. Para
tanto, faz-se necessário direcionar as análises, à luz da teoria da teoria das Representações
Sociais, sob a ótica de Moscovici (2003), Jodelet (2001) e Sá (1998), por esta possibilitar ao
pesquisador interpretar e compreender os elementos e os fenômenos constituintes da prática
social, oriundos da relação que os sujeitos estabelecem com os objetos.
Com base nessas concepções, levanta-se o seguinte questionamento: Quais os
elementos constitutivos da representação social do ser professor na atualidade, na voz do
docente-formador e que aspectos das políticas educacionais incidem no trabalho docente?
Os saberes que subsidiam a função docente frente às questões da atualidade
Perante a complexidade da educação no contexto da sociedade atual, globalizada,
multiculturalista, imersa numa realidade complexa, requer do profissional docente um
conhecimento polivalente, conforme explica Imbernón (2002, p. 29) “que compreenda
diferentes âmbitos: o sistema, os problemas que dão origem à construção dos conhecimentos,
o pedagógico geral, o metodológico-curricular, o contextual e o dos próprios sujeitos da
educação”. Roldão (2007, p. 94) explica que o “caracterizador distintivo do docente,
relativamente permanente ao longo do tempo, embora contextualizado de diferentes formas, é
a ação de ensinar” e complementa que a “a função específica de ensinar já não é hoje
definível pela simples passagem do saber, não por razões ideológicas ou opções pedagógicas,
mas por razões sócio-históricas” (p. 94). Para autora, ensinar configura-se como a
especialidade de fazer aprender alguma coisa a alguém. Nesse enfoque, Tardif (2002)
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esclarece que o professor é, antes de tudo, alguém que sabe alguma coisa e ensina a alguém e,
para isso, atua a partir de diversos saberes que alicerçam o seu trabalho.
Diante desse quadro, é evidente que o desempenho da atividade de ensino contemple
um conhecimento específico para dar conta desta problemática atual, daí a importância da
formação do professor para articular o rol de saberes imprescindíveis ao exercício da função
docente.
Com base no exposto, pergunta-se: Quais saberes/conhecimentos subsidiam o ato de
ensinar nas sociedades atuais?
Na tentativa de uma resposta, concorda-se com Roldão (2007) que salienta existir
estreita ligação da natureza da função docente com o tipo de conhecimento específico que se
reconhece como necessário para exercê-la e afirma que “o conhecimento profissional é um
fator decisivo da distinção profissional” (p. 96), uma vez que se pode considerar que todas as
profissões construídas ao longo do tempo ancoram-se num saber próprio, exclusivo de um
grupo, que legítima o exercício da profissão.
Sob este aspecto, compreende-se que os professores detêm saberes de diversas matizes
e fazem uso deles no desempenho de sua atividade docente. Nesse campo, diversos autores se
debruçam sobre os vários aspectos dentre os quais o saber do professor é composto, conforme
alerta Borges (2004, p. 260) ao dizer que “os professores não se apoiam em um saber para
ensinar, mas em vários”. Dentre os autores, destaca-se, além da valiosa contribuição de
Freire, em Pedagogia da Autonomia (1996), Saviani (1996), Pimenta (1999), Tardif (2002) e
Roldão (2007).
Assim, constata-se que Pimenta (1999) apresenta os saberes da docência em três
categorias: saberes da experiência, do conhecimento e pedagógicos. Para essa autora, a
mobilização desses saberes consiste em elementos importantes para a construção da
identidade da profissão docente.
Saviani (1997) identifica cinco modalidades de conhecimento que configuram a
formação do educador, porém, para esse autor, os saberes que decorrem da experiência
perpassam todos os demais saberes. São eles: saber atitudinal, saber crítico-contextual, os
saberes específicos, o saber pedagógico e o saber didático-curricular.
Tardif (2002) explica que a prática docente integra diferentes saberes, com os quais o
corpo docente mantém diferentes relações e define o saber docente como um “saber plural,
formado pelo amálgama, mais ou menos coerente, de saberes oriundos da formação
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profissional e de saberes disciplinares, curriculares e experienciais”. O autor destaca, ainda, o
saber da experiência como núcleo vital do saber docente e afirma que este é “formado por
todos os demais saberes, mas retraduzidos, polidos e submetidos às certezas construídas na
prática e na experiência” (p. 54).
Roldão (2007, p. 98) esclarece que a formalização do conhecimento profissional
ligado ao ato de ensinar implica “a consideração de uma constelação de saberes de vários
tipos, passíveis de diversas formalizações teóricas – científicas, científicos-didáticas,
pedagógicas”. Esses saberes sustentam a práxis, diz a autora (p. 101), e podem ser
classificados em saber teorizador, compósito e interpretativo. Ao destacar a ação de ensinar,
enquanto ação inteligente, explica ser esta fundada num domínio seguro de um saber que
emerge dos vários saberes formais e do saber da experiência e afirma que a união dos saberes
torna-se o “saber profissional docente, mediante o processo mobilizador e transformativo
presentes no ato pedagógico, contextual, prático e singular” (p. 101). Segundo a autora, o
professor profissional é “aquele que ensina não apenas porque sabe, mas porque sabe ensinar”
(p. 101).
Pode-se dizer que os saberes apontados como necessários para o exercício da função
docente compõem um repertório de conhecimento fundamental para enfrentar a complexidade
das situações que emergem no ato de ensinar e que estas, por sua vez, apresentam-se como
potencializadores ao trabalho do professor. No entanto, é importante ressaltar que o saber do
professor não é isolado do contexto de sua vida pessoal e profissional. Como diz Tardif
(2002, p. 11), “o saber dos professores é o saber deles e está relacionado com a pessoa e a
identidade deles, com a sua experiência de vida e com a sua história profissional, com as suas
relações com os alunos e com outros atores escolares”.
Ser professor no contexto atual: desafios, incertezas e possibilidades
Ao refletir sobre ser professor no contexto da sociedade contemporânea, percebe-se
que os professores geralmente são encurralados entre limites e possibilidades ao desempenhar
sua função devido às transformações que a sociedade sofre ultimamente e que têm provocado
significativas alterações no mundo do trabalho. Por consequência, isso afeta a organização do
trabalho e as relações no espaço/tempo do trabalho. Nesse contexto, a educação passa por
profundas transformações, que alteram significativamente o cotidiano do trabalho docente
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frente às novas exigências profissionais, oriundas das políticas educacionais neoliberais que
ditam o novo perfil dos professores, adaptando-os às necessidades do mercado do trabalho.
Oliveira (2003) alerta que as reformas educacionais das últimas décadas têm
repercutido no trabalho do professor ao provocar uma reestruturação no trabalho docente.
Nesta lógica, o campo das relações da formação do professor e o campo do trabalho docente
no contexto das políticas educacionais remetem à precarização no âmbito da perda de
identidade, proletarização, (des)valorização, (des)profissionalização do trabalho do professor,
regulação e certificação. Esses aspectos evidenciam as condições que movem a profissão
docente atualmente e têm sido objeto de estudo de vários autores, como Sampaio e Marin
(2004), Freitas (2003), Lüdke e Boing (2004). Para Esteve (1995, p. 195), tais aspectos
envolvidos ao “trabalho docente frente às novas funções exigidas dos professores explica que
estas provocam um desajuste, denominando-o de mal-estar docente”.
No que tange aos novos modos de regulação da educação, Tardif e Lessard (2008, p.
260) esclarecem que existem quatro ingredientes especialmente importantes, os quais
induzem esse processo “a disputa entre uma política educativa neoliberal e uma política
humanista-igualitária; a transformação do papel do estado; a ascensão do modelo mercantil, a
globalização e o desenvolvimento das tecnologias da informação e comunicação”.
Diante do exposto, constata-se que o trabalho docente tornou-se complexo e em estado
de constante tensão frente aos desafios impostos pela sociedade atual, uma vez que envolve
trabalho com e sobre os seres humanos e, por consequência, sofre influências das diversas
esferas da sociedade, sendo este, por sua vez, permeado por teorias e ações práticas que
requer uma constante reflexão teoria-prática, além da formação continuada. Entende-se que a
profissão docente, frente aos desafios do novo quadro social, requer uma nova perspectiva de
formação do professor. Para Imbernón (2002, p. 39), trata-se de:
Formar um professor profissional prático-reflexivo que se defronta com situações de
incerteza, contextualizadas e únicas, que recorre à investigação como uma forma de
intervir praticamente em tais situações, que faz emergir novos discursos teóricos e
concepções alternativas de formação.
Portanto, a concepção de ser professor, hoje, envolve uma responsabilidade complexa,
que é formar o educando, preparando-o para conviver numa sociedade em constante
transformação, para ser capaz de responder aos desafios da atualidade. Hargreaves (2004, p.
40) traz uma importante contribuição sobre a complexidade da tarefa docente ao dizer que “os
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professores devem ser catalisadores da sociedade do conhecimento, devem saber construir um
tipo especial de profissionalismo, totalmente diferente do que se entendia antes”.
Cabe lembrar que nas propostas de formação docente, permeiam aspectos comuns, os
quais são sintetizados nas palavras de Tardif (2002, p. 14-15):
– A valorização da prática docente enquanto forma de conhecimento.
– A utilização de prática reflexiva, como forma de identificação de falhas, permitindo
uma compreensão mais clara da própria ação.
– Oportunidade de análise e deliberação.
– Consciência das próprias limitações e necessidades de aprendizagem.
– Articulação de saberes, extraídos da teoria estudada e da prática vivenciada.
Ainda nessa perspectiva da complexidade do ser professor no contexto atual, faço uso
das palavras de Ens (2007, p. 125) para enfatizar que:
Num espaço de formação se convive, simultaneamente, com a inovação e a
incerteza. Por isso, a educação dos seres humanos torna-se mais complexa, e a
formação do professor, também, passa a assumir essa complexidade. Para superar a
dicotomia entre ensino e pesquisa, teoria e prática, e possibilitar a construção de
uma práxis dinamizada pela iniciativa, pelo envolvimento do futuro professor em
projetos educativos próprios e fundamentados, torna-se necessário reconhecer tal
complexidade.
Por outro lado, ao refletir sobre o papel do professor como um profissional da
educação que contribui para uma mudança qualitativa da sociedade, há de se considerar a
presença do compromisso político-social na docência, uma vez que a formação do cidadão
perpassa pela dimensão da formação política, pois esta propicia formar cidadãos críticos e
transformadores. Esses aspectos são confirmados nas palavras de Imbernón (2002, p. 27) ao
dizer que “o objetivo da educação é ajudar a tornar as pessoas mais livres, menos dependentes
do poder econômico, político e social. E a profissão de ensinar tem essa obrigação intrínseca”.
Dentre os apontamentos analisados, ser professor hoje é indubitavelmente contribuir
para a formação de pessoas críticas e comprometidas com seu tempo e, para isso, é
fundamental conhecer o mundo em que se vive, para então poder situar-se nele e encontrar
uma resposta que contemple uma reflexão crítica e reflexiva da própria ação educativa.
A teoria das representações sociais no contexto educacional
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Os estudos de Sá (1996) indicam que o termo representações sociais foi introduzido
por Moscovici em sua obra La Psychanalyse, son image et son public (1961), na França.
Jodelet (2001, p. 15) esclarece que a representação social “abre possibilidades de análise a
muitos dos aspectos do sistema educativo [...] fenômenos complexos sempre ativados e em
ação na vida social”. Jodelet (1989) apud Sá (2001, p. 32) apresenta importante contribuição
para a sistematização deste campo, ao definir representação social como sendo “uma forma de
conhecimento, socialmente elaborada e partilhada, que tem um objetivo prático e concorre
para a construção de uma realidade comum a um conjunto social”. Em sua obra (2001, p. 12),
faz várias observações, esclarecendo que a representação social “tem a evocação de identificar
a dimensão simbólica dos fenômenos sociais, abre possibilidades de análise a muitos dos
aspectos do sistema educativo [...] são fenômenos complexos sempre ativados e em ação na
vida social”.
Moscovici (2003, p. 46) explica que as representações sempre produzem duas faces,
que são interdependentes, como duas faces de uma folha de papel: a face icônica e a face
simbólica [...] a representação iguala toda imagem a uma ideia e toda ideia a uma imagem”.
Segundo o autor, “ancorar é classificar e dar nome a alguma coisa, torná-la familiar, pois
coisas que não são classificadas ou nomeadas, são estranhas, não existem [...] Objetivação é
transformar algo abstrato em algo quase concreto, transferir o que está na mente em algo que
exista no mundo físico. Em suma, são dois mecanismos que atuam concomitantemente” (p.
61).
Ao considerar que os docentes no seu cotidiano constroem representações
relacionadas a valores e atitudes, a teoria das representações sociais possibilita ao pesquisador
interpretar e compreender os elementos e os fenômenos constituintes da prática social,
oriundos da relação que os sujeitos estabelecem com os objetos, revelando-se como um
instrumento fundamental para análise do fenômeno educacional. Conforme explica Sousa et
al. (2007, p. 97-98), “a análise das representações sociais tem permitindo, assim, compreender
a dinâmica e o conteúdo de se pensar a escola e a educação, sugerindo uma rica possibilidade
de exploração da dimensão simbólica e de aspectos da cultura escolar”.a
Procedimentos metodológicos
6870
A pesquisa foi realizada com docentes-formadores do curso de Pedagogia de uma
Universidade da Região Sul do país. Participaram dessa pesquisa 11 professores. Dentre os
entrevistados, quatro possuem doutorado, dois são doutorandos e cinco possuem mestrado. A
idade e o tempo de magistério possuem variações (de 34 a 64 anos e entre 10 anos a 42 anos,
respectivamente).
A pesquisa norteou-se numa abordagem qualitativa e a coleta de dados apoiou-se em
um questionário com questões fechadas e abertas para caracterizar os entrevistados nos
aspectos profissionais e pessoais, privilegiando-se a entrevista semiestruturada para investigar
o ser professor no contexto atual, na representação dos professores, gravadas e transcritas. Os
dados foram submetidos à análise de conteúdo de Bardin (1977). Inicialmente, para
interpretar os dados, optou-se por explicitar os significados das respostas obtidas dos docentes
no que constitui ser professor, alocando-os num agrupamento genérico. Destes, extraiu-se
uma grade de categorias temáticas por considerá-las relevantes para a compreensão do
fenômeno estudado.
Representações sociais do docente-formador sobre ser professor
Inicialmente, ao analisar as respostas obtidas após realizar uma leitura flutuante,
percebeu-se certa coerência em alguns pontos, aproximando-se de um posicionamento
idêntico entre os sujeitos entrevistados, o que pressupõe a existência de uma representação
que permeia o grupo entrevistado.
Para dar prosseguimento à análise de dados, recorreu-se ao encaminhamento
metodológico proposto pela presente investigação diante do objeto de estudo em questão e,
para isso, partimos da proposta de Bardin (1988), que estabelece o isolamento dos dados
obtidos em agrupamentos genéricos para, posteriormente, efetuar a categorização das
respostas.
Para tanto, foi possível detectar agrupamentos com base nos dados:
AGRUPAMENTOS GENÉRICOS
1°
Questões referentes à formação contínua, estar em constante atualização.
2°
Questões envolvendo a função da escola perante à sociedade: o papel do professor.
3°
Questões ligadas ao sentimento relacionado à profissão: satisfação por ensinar e insatisfação quanto à
desvalorização da profissão.
Questões relacionadas ao conhecimento, ensinar e aprender simultaneamente, articulando conteúdos e
processos pedagógicos.
4°
6871
5°
Questões direcionadas ao compromisso com a profissão, mediante a sociedade.
Quadro 1 – Agrupamento genérico dos dados coletados.
Fonte: Organizado pela autora – junho/09.
Diante desses agrupamentos, chegou-se às categorias, conforme descritas abaixo:
a) as relações no âmbito do conhecimento: o saber;
b) as relações no âmbito da própria função docente na relação com o fazer;
c) as relações no âmbito das questões ligadas ao ser e o sentir.
Nesse encaminhamento, ao abordar a categoria no âmbito do conhecimento, no
tocante às relações que o professor mantém com o saber e o fazer docente, verifica-se uma
frequente preocupação com a formação integral do aluno, que tipo de aluno se quer formar e,
para isso, o saber e o fazer se entrelaçam numa rede, configurando-se como ferramentas
fundamentais para a concretização do sentido de ser professor hoje. Esses aspectos são
evidentes nas falas dos entrevistados:
Ser professor hoje é ser um profissional que contribui muito na formação do
educando e, que também contribui para um mundo melhor, a gente tem esse
compromisso, formar pessoas críticas [...] e para isto, você precisa estar sempre
atualizado, você tem esse compromisso com o aluno, é uma profissão que não acaba
quando você fecha a escola, ela continua com você. (P-1)
Ser professor hoje é preciso ser uma pessoa que ousa - ter ânsia de aprender, que é o
próprio sentido da educação, pela consciência da incompletude [...] ele precisa ter
fundamentação, não só da sua área, mas das áreas correlatas da vida, as sociedade e,
isso inclui economia, política, cultura [...] não ter esta constante inquietude de
questionamento, não consegue ser professor hoje, não dá conta. (P-2)
Ser professor hoje é estar aberto, é ter uma bagagem muito grande conhecimento,
para você ter trocas com seu aluno. (P-3)
Um professor tem que ser um pesquisador, estar sempre atualizado para poder
melhor ajudar seus alunos. (P-4)
Se você não pensa numa formação integral do educando, se você não pensa como o
professor educador, vá mudar de profissão. (P-5)
Nas falas citadas, destacam-se a necessidade da formação permanente, para fomentar o
rol de conhecimentos necessários para dar conta da complexidade que envolve a prática
docente. Frente ao exposto, cabe a contribuição de Cunha (2000, 161-162) quando diz que
existem três áreas de verbalização nos professores quanto à sua prática pedagógica, descritas
abaixo:
– na relação com o ser e o sentir, o professor dá grande valor ao prazer de ensinar e
à gratificação que sente nas relações com os alunos;
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– na relação com o saber, gostar de ensinar e do que ensina, sabendo que produzirá
um novo conhecimento para seus alunos;
– na relação com o fazer, existe uma coerência entre o que ele faz e o que pensa,
porém o seu fazer é muito intuitivo, geralmente, a prática repete a prática.
Neste contexto de relações, encontrou-se a representação social do ser professor como
algo intrínseco ao prazer de ser professor, sentir-se realizado com o fazer docente e sem
arrependimentos pela escolha, enfatizando que só é professor quem realmente gosta, mas por
outro lado, manifestam consciência das dificuldades e obstáculos que envolvem a profissão:
Ser professor é minha vida, eu não vou parar, quando eu vejo uma sala de aula,
parece que eu tenho mais energia. (P-8)
Ser professor para mim, é uma profissão que exige muito, mas que ao mesmo tempo
lhe dá muita paixão por fazer, porque está preparando o seu aluno e ele, pode ter
feito você como referência, só que assim, eu quero um salário digno, eu não sou tia,
eu sou professora, sou uma profissional, quero ser valorizada pelo que eu trabalho,
quero ser respeitada. (P-1)
Ah...ser professor hoje nessa sociedade tão difícil, é gostar de ser professor [...] é ter
comprometimento com a educação, o gostar, quando você gosta tudo isso vai, você
pode ate é resmungar de vez em quando, mas você volta e faz porque você gosta,
porque você o que faz. (P-6)
Ao perguntar sobre como tem sido o seu relacionamento com os alunos e como isso
interfere na formação deles, quanto ao aproveitamento, foram obtidas as seguintes falas:
Eu penso sempre em manter uma relação profissional, mas não significa uma
relação formal, fria, mas quando você inicia um trabalho com uma turma, até
estabelecer um vínculo, num primeiro momento as turmas ficam mais quietas,
contemplando, não sei se tem um aproveitamento tão bom e, depois quando tem um
vínculo maior eles se sentem mais a vontade, para fazer as observações que é
fundamental. Penso que o vínculo com as turmas, sempre foi muito bom, no sentido
de favorecer a aprendizagem, mas é evidente que tem alunos que te odeiam e outros
que te amam. (P-2).
Sempre interfere, tem turmas que você se identifica numa turma tão grande e, essas
turmas tendem a aprender mais e, tem turmas que as vezes não batem, as primeiras
relações elas são muito complicadas e não se estabelece uma relação de
aproximação e, aí há uma perda, por mais que você faça uma boa aula cheia de
conteúdo, resultado o aspecto afetividade ele vai interferir ma relação conteúdoresultado, não tem como. (P-9)
As falas citadas expressam que a questão do educar ultrapassa o âmbito cognitivo,
envolvendo a importância da afetividade no ato educativo. Ancorada em Freire (1996, p. 145),
saliento que “como prática estritamente humana, jamais pude entender a educação como uma
experiência fria, sem alma [...] nem tão pouco jamais compreendi a prática educativa como
uma experiência a que faltasse o rigor em que se gera a necessária disciplina intelectual”. É
fundamental concordar com Imbernón (2002, p. 30) quando este diz que “a especificidade da
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profissão docente está no conhecimento pedagógico [...] um conhecimento que é
constantemente construído e reconstruído ao longo da vida profissional em sua relação com a
teoria e a prática”. Além disso, considerar que o professor, no exercício de sua profissão,
vivencia todos esses aspectos no seu cotidiano, e, para tanto, necessita saber dominar e
mobilizar os saberes imersos no ato de ensinar e isso aprende-se e exerce-se na prática,
conforme explica Roldão (2007, p. 102):
Saber produzir essa mediação não é um dom, embora alguns o tenham, não é uma
técnica, embora requer uma excelente operacionalização técnico-estratégica, não é
uma vocação, embora alguns a possam sentir. É ser um profissional de ensino,
legitimado por um conhecimento específico exigente e complexo.
Mas não se pode esquecer, como mostra Veiga (1996, p. 79), que a prática docente
pressupõe a compreensão de uma complexidade do processo ensino-aprendizagem quando
afirma que “o ensino é uma prática social concreta, dinâmica, multidimensional, interativa,
sempre inédita e imprevisível. É um processo complexo que sofre influência de aspectos
econômicos, psicológicos, técnicos, culturais, éticos, políticos, afetivos e estéticos”.
Além do que diz Freire (1996, p. 25-26), “ensinar não é transferir conhecimento, mas
criar as possibilidades para a sua produção ou a sua construção [...] quem ensina, aprende ao
ensinar e quem aprende, ensina ao aprender”.
Considerações finais
Nestas análises, detectou-se que ser professor, hoje, exige, além da responsabilidade
de formação de cidadãos críticos e autônomos, o estar “antenado” com o mundo
contemporâneo na diversidade e em crescentes transformações.
Contudo, para dar conta desta formação integral do educando enquanto sujeito
historicamente situado, indicam ser fundamental a formação inicial e continuada, pois esta
ação requer que se vá além do saber do conhecimento e da experiência ao articular uma práxis
educativa transformadora, subsidiada pela ação-reflexão-ação, visando despertar no aluno a
consciência política e cidadã.
Contata-se, também, a questão do fazer docente, motivada por um sentimento de
“prazer” na profissão, um fazer por “amor” a profissão, pois como explica Tardif (2005, p. 8),
o trabalho do professor “é uma forma de trabalho sobre o humano, ou seja, uma atividade em
6874
que o trabalhador se dedica ao objeto de trabalho, que é justamente um outro ser humano, no
mundo fundamental da interação humana”.
É importante destacar que os resultados revelaram que as reformas educacionais
provocaram uma reestruturação no trabalho docente frente aos limites, desafios e
possibilidades que colocam o professor no contexto atual, no embate cotidiano com seu
trabalho, além da preocupação de formar o cidadão de hoje, que vai além das questões de
conhecimento, frente às exigências que lhe são postas. Isso permite inferir que os professores
entrevistados apresentam uma representação ampliada da docência ao considerarem que a
ação docente está condicionada por vários fatores e inserida num amplo processo envolto ao
espaço/tempo de atuação. Demonstram, também, ser profissionais persistentes e resilientes
frente às questões da atualidade.
REFERÊNCIAS
BARDIN, L. Análise de conteúdo. Lisboa: Edições 34, 1977.
BORGES, C. M. F. O professor de educação básica e seus saberes profissionais. Araraquara:
JM Editora, 2004.
CUNHA, M. I. O bom professor e sua prática. São Paulo: Papirus, 2000.
ENS, R. T. Pesquisa na formação e inserção profissional de futuros professores segundo
alunos de graduação e professores formadores. In: BEHRENS, M. A.; ENS, R. T.;
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representações sociais do ser professor no contexto atual