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Gestão da Qualidade e Inovações Gerenciais em Organizações Públicas
Autoria: Tomás de Aquino Guimarães, Gustavo Henrique de V. Cavalcanti, Maria Dulce
Valença de Affonseca
RESUMO
O artigo descreve resultados de uma pesquisa sobre inovações gerenciais em organizações
públicas, participantes do Programa de Qualidade do Serviço Público. Foram entrevistados
oito gestores de cinco organizações, visando identificar as principais inovações gerenciais
introduzidas por estas organizações, as características dessas inovações, sua relação com a
mudança organizacional, o processo de implementação das inovações e o papel da liderança
nesse processo. Percebe-se um padrão de inovação relativamente uniforme nas organizações
pesquisadas. As inovações gerenciais: 1) iniciam-se com a formulação da estratégia
organizacional, oportunidade em que são definidas ou revistas a missão, os objetivos e os
processos de gestão da organização; 2) visam o acompanhamento e o controle de processos de
trabalho; e 3) possuem como eixo comum a gestão por resultados. Conforme a percepção dos
entrevistados, há reações negativas às mudanças por parte de empregados em geral, sendo que
as organizações procuram superar mediante técnicas de socialização, como a comunicação.
Identificou-se um padrão isomórfico tipicamente coercitivo nas inovações analisadas, com
situações de isomorfismo mimético. São discutidas, também, as limitações da pesquisa e as
implicações teóricas e práticas dos resultados encontrados.
1. Introdução
O presente artigo descreve resultados preliminares de uma pesquisa, realizada entre
dezembro de 2002 e março de 2003, junto a cinco organizações públicas, participantes do
Programa de Qualidade do Serviço Público (PQSP), sobre a introdução de inovações em seus
respectivos modelos de gestão. O seu objetivo é elaborar um mapa inicial dessas inovações,
verificar em que medida elas são consistentes com as dimensões do referido Programa,
identificar possíveis tendências isomórficas na dinâmica da inovação na administração
pública e gerar informações para estudos mais aprofundados, no futuro. A sua estrutura
contém cinco seções. A introdução, descrevendo o contexto geral do fenômeno analisado e as
características do PSQP; a segunda, contendo o referencial teórico; a terceira, os métodos e
procedimentos utilizados; a quarta, os resultados e discussão, e a quinta, as conclusões.
Um dos temas recorrentes entre pesquisadores e gestores da administração pública
brasileira tem sido a análise da dinâmica de um processo de reforma e contra-reforma,
geralmente presente nas diversas experiências de reforma administrativa do País. Esse
processo é descrito por Castor e José (1998) como um embate entre dois sistemas de força: de
um lado, a burocracia em seu sentido corporativo, centralizadora e, portanto, infensa às
mudanças na organização e na forma de operar do aparelho do Estado e, de outro, as forças
inovadoras que, não raramente, apresentam muitas dificuldades para implementar projetos de
reforma de maneira efetiva. Para Guimarães e Medeiros (2003) esta é uma visão simplificada
da realidade, posto que sugere uma espécie de embate entre o “bem” e o “mal”, quando, na
verdade, qualquer processo de mudança favorece certos interesses em detrimento de outros.
Portanto, convém analisar tais processos à luz do contexto histórico, social e cultural no qual
se inserem.
A Reforma do Aparelho do Estado, iniciada no Brasil na década de 90 (Brasil, 1995),
teve como objetivos principais: a) diminuir o nível de intervenção do Estado na atividade
econômica, como produtor de bens para o consumo, e aumentar o seu papel de formulador e
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implementador de políticas públicas e de regulador das relações entre os agentes econômicos;
e b) aumentar os níveis de eficiência e de eficácia da administração pública. No que se refere
à administração pública, foco do presente trabalho, essa Reforma considera que as estruturas
organizacionais e as tecnologias de gestão, baseadas no modelo burocrático e em uso pelas
organizações públicas em geral, não respondem com qualidade e eficiência às atuais
demandas e necessidades dos clientes, consumidores e cidadãos em geral, necessitando,
portanto, passar por processos de racionalização organizacional e técnica. Pressupõe-se que as
organizações públicas adotem modelos de gestão flexíveis e autônomos, capazes de responder
de forma rápida e eficiente às demandas da sociedade por serviços públicos de qualidade.
Esse processo de reforma atinge as organizações públicas de forma diferenciada. No
caso dos órgãos do chamado núcleo estratégico do Governo Federal (Presidência de
República e os órgãos centrais dos Ministérios, encarregados da formulação,
acompanhamento e controle de políticas públicas) os esforços mais visíveis dessa reforma
concentram-se em programas baseados nas técnicas da qualidade, incluindo mecanismos de
planejamento e avaliação do trabalho. No setor que congrega as atividades exclusivas do
Estado, os esforços visam flexibilizar a gestão das respectivas organizações, tornando-as mais
ágeis e mais próximas do cidadão-usuário. A mudança mais visível nesse setor parece ser a
criação de agências reguladoras, responsáveis por implementar políticas setoriais e garantir o
atendimento do interesse público nos casos de concessões de serviços públicos, atuando como
órgãos normativos, de fiscalização e controle, incluindo-se no seu rol de atribuições a
definição e revisão de tarifas. A característica principal dessas agências é “a autonomia, quer
dizer, sua independência com relação aos governantes e ao próprio mercado onde exerce seu
poder regulatório e fiscalizador” (Costa, 1999, p.195).
Conforme Guimarães (2000) e Guimarães e Medeiros (2003) o desafio que se coloca
para a Nova Administração Pública é como transformar estruturas burocráticas,
hierarquizadas e que tendem a um processo de insulamento, em organizações flexíveis e
empreendedoras. Esse processo de racionalização organizacional implica na adoção, pelas
organizações públicas, de padrões de gestão desenvolvidos para o ambiente das empresas
privadas, com as adequações necessárias à natureza do setor público (FERLIE et al. 1996;
BRESSER PEREIRA e SPINK, 1998). As tentativas de inovação na administração pública
significam a busca da eficiência e da qualidade na prestação de serviços públicos. Para tanto,
é necessário o rompimento com os modelos tradicionais de administrar os recursos públicos e
a introdução de uma nova cultura de gestão.
O Programa de Qualidade no Serviço Público (PQSP), administrado pelo Ministério
do Planejamento, Orçamento e Gestão, se insere no esforço mais amplo do governo federal de
transformação da gestão pública. O PQSP foi instituído em 1991, como um subprograma do
Programa Brasileiro de Qualidade e Produtividade, cujo objetivo era tratar de modelos de
gestão no contexto da administração pública, procurando tornar as organizações públicas cada
vez mais preocupadas com o cidadão, evitando-se o insulamento burocrático, decorrente do
foco em processos internos (Brasil, 2003).
Angelim (2003) informa que o PQSP pressupõe visualizar a gestão das organizações
públicas como um modelo composto de sete dimensões, nas quais a organização deve
procurar alcançar níveis de excelência: a) liderança, abordando aspectos relativos a
comportamentos de gestores na definição e disseminação de valores, políticas e orientações
estratégicas entre os funcionários; b) estratégia e planos, referindo-se a práticas
organizacionais para definição de visão, formulação de estratégias e como estas são
desdobradas em planos operacionais de curto e longo prazo; c) cidadão e sociedade, contendo
critérios sobre como a organização identifica e relaciona-se com seus clientes e como divulga
seus serviços visando reforçar sua imagem; d) informação, abordando práticas de
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gerenciamento de informações e como utiliza-las para melhoria de seus processos de trabalho;
e) gestão de pessoas, isto é, como a organização prepara e estimula os funcionários para a
consecução dos seus objetivos, e, ainda, como cria e mantém um ambiente que conduza à
excelência no desempenho, à participação e ao crescimento individual e institucional; f)
processos, contendo os principais aspectos referentes ao funcionamento dos processos de
trabalho da organização, tanto os relacionados com sua área-fim como os de suporte, e g)
resultados, referindo-se ao desempenho da organização como um todo, incluindo aspectos
relativos à satisfação de clientes, qualidade de vida no trabalho, relações com fornecedores,
cumprimento de metas e aplicação de recursos. Ainda segundo Angelim (2003, p. 3):
A partir desses critérios a organização realiza um processo de avaliação para verificar o nível
de coerência de suas práticas gerenciais em relação ao modelo de gestão ideal, o chamado
Modelo de Excelência em Gestão Pública. (...) O objetivo principal não é apenas qualificar o
nível de gestão (...) mas sim provocar a organização a passar por um processo de aprendizado,
uma vez que o processo de auto-avaliação implica a descoberta de discrepâncias entre a prática
de gestão existente na organização e o modelo de gestão ideal.
Processos de inovação gerencial, visando a racionalização organizacional e técnica,
como os que ocorrem em decorrência do PQSP, necessitam ser analisados em seus múltiplos
aspectos, especialmente no que se refere à forma como podem interferir no desempenho da
organização. Esta análise permite, por um lado, uma melhor compreensão das características e
das conseqüências desses processos e, por outro, pode fornecer subsídios ao processo de
tomada de decisão sobre a racionalização em si. Estudar as inovações nos modelos de gestão
de organizações públicas significa, também, contribuir para a construção do conhecimento na
área e, portanto, fornecer informações para a realização de novas pesquisas a respeito da
gestão dessas organizações.
2. Inovações Gerenciais e Mudança em Organizações Públicas
A inovação é considerada, na literatura organizacional, como fator fundamental para a
qualidade dos processos de produção e de gestão das organizações. Conforme Tidd et al.
(1999) o conceito de inovação está associado ao de mudança e refere-se ao processo de
transformar idéias novas em oportunidades e em práticas de uso difundido. O referido
conceito pode ser analisado sob duas dimensões. A primeira refere-se ao que é modificado,
isto é, aos produtos e serviços que uma organização oferece e à mudança dos meios pelos
quais estes são desenvolvidos e distribuídos. Os autores ressaltam que, tradicionalmente, esses
termos são denominados inovações no ‘produto’ e no ‘processo’, apesar da diferença entre
essas definições não ser muito clara. A segunda diz respeito à intensidade da inovação. Neste
sentido, a inovação pode ser incremental, representada por mudanças contínuas e de pequena
intensidade, ou radical, representada por mudanças que transformam o modo como se percebe
e se utiliza o produto ou serviço, podendo inclusive mudar estruturas sociais, a exemplo das
máquinas a vapor na época da Revolução Industrial.
Tidd et al. (1999) ao tratarem do processo de inovação tecnológica, no nível das
organizações, sugerem que este compreende um conjunto de atividades que se inicia na
identificação das necessidades do mercado. A seguir, passa pela formulação de uma estratégia
organizacional que servirá de norte para as atividades de pesquisa e desenvolvimento, visando
a geração de novos produtos ou processos ou a introdução de melhorias nos produtos,
processos e serviços existentes. A etapa seguinte compreende testes, produção e
disponibilização desses produtos e serviços para o mercado, de modo a atender às
necessidades identificadas inicialmente. O mercado, ao consumir esses produtos e serviços,
gera novas informações e realimenta todo o processo. Para o desenvolvimento desse processo
a organização necessita ser capaz de construir, complementar e organizar conhecimentos e
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rotinas e, regra geral, alterar comportamentos, valores e práticas consolidados. Esses autores
propõem cinco fases para o processo de inovação: diagnóstico das necessidades do mercado,
formulação da estratégia, produção da inovação, implementação, e retroalimentação. A
retroalimentação representaria a aprendizagem e a implementação de outras inovações learning and re-innovation. Ainda segundo esses autores a aprendizagem estaria contida,
também, em outras fases do processo de inovação, como, por exemplo, na fase de
desenvolvimento da inovação.
O processo de inovação gerencial não segue, necessariamente, o ciclo descrito acima.
Na verdade, Tidd et al. (1999) alertam para o fato de que mesmo as inovações tecnológicas
não são sempre geradas de forma linear. As inovações gerenciais geralmente são ‘criadas’ a
partir de experiências supostamente bem sucedidas em organizações que mudaram seus
modelos de gestão em resposta às mudanças atuais ou previstas no ambiente. Nessa linha, a
Gestão da Qualidade Total tornou-se uma espécie de ‘modelo de gestão inovador e bem
sucedido’ e, como tal, um exemplo a ser seguido por empresas em distintos países.
Vargas (2002) ao comentar a literatura sobre inovações gerenciais, sugere que o seu
propósito é a mudança incremental em metodologias de planejamento, acompanhamento e
avaliação dos processos de trabalho necessários à consecução dos objetivos organizacionais.
Inovação gerencial, objeto deste trabalho, pode ser entendida como mudança
organizacional, cabendo, portanto, uma breve discussão sobre este termo. DiMaggio e Powell
(1991) sugerem que mudança organizacional varia segundo sua possibilidade de resposta a
condições técnicas e refere-se a qualquer transformação na estrutura formal, na cultura, nos
objetivos, programa ou missão da organização.
Caldas e Wood Jr. (2000), seguindo a linha de DiMaggio e Powell (1991), definem
mudança organizacional como qualquer transformação de natureza estrutural, estratégica,
cultural, tecnológica, humana ou de qualquer outro componente, capaz de gerar impacto em
partes ou no conjunto da organização. Segundo aqueles autores o Gerenciamento da
Qualidade Total – GQT, como processo de inovação e mudança em organizações, deve ser
estudado no contexto das técnicas populares de intervenção e inovação que ciclicamente
ocorrem no universo organizacional.
Lima e Bressan (2003, p.20), consideram dimensões como: (a) intencionalidade, (b)
transformação/congruência sistêmica entre componentes, (c) relevância do impacto da
mudança, (d) resposta ao ambiente, (e) temporalidade, (f) construção social da mudança, (g)
resposta a demanda interna, e sugerem o seguinte conceito para mudança organizacional:
Qualquer alteração, planejada ou não, nos componentes organizacionais – pessoas, trabalho,
estrutura formal, cultura – ou nas relações entre a organização e seu ambiente, que possam ter
conseqüências relevantes, de natureza positiva ou negativa, para a eficiência, eficácia e/ou
sustentabilidade organizacional.
Para Abrahamson, 19911 (citado por CALDAS e WOOD Jr. 2000), a literatura sobre a
difusão de inovações possui uma tendência ao discurso racionalista e pró-inovação,
denominada perspectiva da escolha eficiente. Esta aponta dois pressupostos: (a) que as
organizações escolhem de forma livre e independente as tecnologias administrativas a serem
adotadas; (b) que as organizações conhecem seus objetivos e possuem alta capacidade de
predição sobre como a tecnologia administrativa a ser adotada pode gerar impactos sobre elas
mesmas. Abrahamson (citado por CALDAS e WOOD Jr. 2000) propõe analisar o fenômeno
sob duas perspectivas: a da influência externa (pressupõe que organizações de fora do grupo
também influenciam as escolhas da organização dentro do grupo); e o da incerteza (pressupõe
que as organizações possuem pouca clareza quanto aos seus objetivos). Por esses motivos, as
organizações que adotam inovações gerenciais tendem a imitar outras organizações.
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Conforme Grey (2004) esse processo de imitação, comumente denominado de
benchmarking, é uma forma de isomorfismo mimético, como definido por teóricos
institucionais. Conforme esse autor (p. 17), o benchmarking pressupõe a “implementação de
técnicas de mudança particulares em nome das ‘melhores práticas’ é uma expressão da busca
implícita de generalização que caracteriza os discursos de gerenciamento da mudança”. Para
tratar do conceito de isomorfismo aplicado a processos de inovação e de mudança em
organizações, é necessário situar o referido conceito na teoria institucional, o que é feito a
seguir.
A utilização da abordagem institucional no campo dos estudos organizacionais se
inicia com as pesquisas de Philip Selznick sobre a Tennessee Valey Authority, desenvolvidas a
partir da década de 40, quando o autor chamou a atenção para as relações políticas e
interorganizacionais para explicar a dinâmica das organizações. Para Clegg e Hardy (1999, p.
44), “a teoria institucional mostra como as propriedades simbólicas das organizações as
ajudam a assegurar o apoio de interesses externos”. Conforme Carvalho e Vieira (2003)
Selznick introduziu as bases de um modelo institucional, no qual os valores passam a
substituir os elementos técnicos no ambiente organizacional, o chamado ‘processo de
institucionalização’, em que as organizações, com o passar do tempo, tornam-se suscetíveis às
pressões do ambiente social, transformando-se em sistemas orgânicos.
A fundamentação teórica da perspectiva institucional seria resultado de influências
advindas da Ciência Política, da Sociologia e da Economia, procurando, como sugerem
Machado-da-Silva e Gonçalves (1999, p. 220) “incorporar em suas proposições a idéia de
instituições e de padrões de comportamento, de normas e de valores, de crenças e de
pressupostos, nos quais encontram-se imersos indivíduos, grupos e organizações”. Nesta linha
dois tipos de ambientes distintos devem ser levados em conta: o técnico e o institucional. O
ambiente técnico engloba as tecnologias e as trocas de serviços e produtos em um mercado
em que as organizações almejam eficiência e efetividade nos processos de trabalho. Já o
ambiente institucional envolve os valores e as regras aceitas pela sociedade a partir do
estabelecimento de processos e estruturas as quais aos organizações devem moldar-se a fim de
garantir suporte e legitimidade do ambiente. Para Carvalho e Vieira (2003, p. 29-30):
O ambiente institucional representa um enriquecimento do que se compreende como ambiente
técnico ampliado ao domínio do simbólico (...) Cada um dos ambientes se adapta a um
conceito de organização próprio, seja como sistema de coordenação dos intercâmbios e de
controle das atividades de produção, ou como um conjunto de ‘mitos racionais’ que buscam
resguardar sua legitimidade (...) Desta forma, os ambientes técnicos e institucionais sustentam
diferentes racionalidades. Um ambiente técnico ou ‘racional’ é o que permite às organizações
serem eficientes, produzir bens ou serviços aceitos pelo mercado e, assim, lograr os seus
objetivos. Num ambiente institucional, por sua vez, a ação racional está representada nos
procedimentos capazes de proporcionar legitimidade no presente e no futuro organizacional.
Sob a ótica da teoria institucional, inovação e mudança organizacionais são resultados
de pressões ambientais externas que forçam as organizações a se adequarem às práticas e
procedimentos institucionalizados na sociedade. Isto influencia um movimento de
homogeneização do comportamento de organizações, denominado por DiMaggio e Powell
(1991, p. 66) de isomorfismo institucional, o qual pressupõe que as organizações competem
não apenas por recursos, mas, também, por poder político, legitimidade institucional,
equilíbrio econômico e reconhecimento social. Neste sentido, o isomorfismo institucional
seria responsável por legitimar as ações da organização, permitindo, assim, sua sobrevivência,
independentemente da sua eficácia imediata. Assim, os movimentos de inovação e de
mudança em organizações, que compõem um determinado campo organizacional, tendem à
uniformidade. Esses autores (p. 64-65) definem campo organizacional como um conjunto de
organizações que, de forma agregada, constituem uma área institucional reconhecida, por
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exemplo: fornecedores de um determinado produto ou serviço, consumidores de recursos e
produtos, agências reguladoras, e outras organizações que produzem produtos ou serviços
similares.
As mudanças organizacionais podem ser analisadas, desta forma, como movimentos
de isomorfismo institucional, o qual conforme DiMaggio e Powell (1991, p. 67-74) pode
ocorrer por meios coercitivos, miméticos e normativos, cujas características são descritas a
seguir.
Isomorfismo coercitivo. Resulta tanto de pressões formais como de pressões informais
que são exercidas, sobre uma determinada organização, por outras organizações das quais
aquela dependa, bem como de expectativas culturais da sociedade na qual a organização atua.
Tais pressões podem ser resultado de demonstrações de força, persuasão ou de
convencimento. Para DiMaggio e Powell (1991) em certas circunstâncias, a mudança
organizacional corresponde a uma resposta direta a determinações e orientações
governamentais, por exemplo: produtores adotam novas tecnologias de controle da poluição,
visando atender normas ambientais; organizações sem fins lucrativos mantém sistemas
contábeis e contratam auditorias para atender exigências da legislação tributária, e
organizações implementam políticas de gestão de pessoas que evitam a discriminação e a
prática do racismo.
Isomorfismo mimético. Este padrão de isomorfismo assume que nem todo movimento
de mudança que ocorre em organizações tem como origem a coerção e sim que a incerteza é
uma força que encoraja a imitação. Uma determinada organização, considerada modelo é
‘copiada’ por outras organizações, de forma intencional ou não. Para DiMaggio e Powell
(1991, p. 69-70) modelos de gestão podem ser difundidos de forma não intencional ou
indireta, como por meio de movimentação da mão-de-obra entre organizações ou de forma
explícita, através de outras organizações, como empresas de consultoria e associações de
classe. Ainda conforme esses autores, um dos exemplos clássicos de isomorfismo mimético
foi a rápida proliferação de padrões de gestão de firmas japonesas, como os círculos de
qualidade e os programas de qualidade de vida no trabalho, adotados por empresas
americanas e européias na segunda metade do século XX. Assim, o isomorfismo mimético
fundamenta-se no fato de que organizações tendem a imitar outras organizações consideradas
de sucesso e legitimadas em suas respectivas áreas de atuação.
Isomorfismo normativo. A mudança isomórfica pelo mecanismo normativo refere-se
aos padrões profissionais aceitos em determinado momento como mais atuais e eficazes.
Trata-se de um processo de ‘profissionalização’ que resulta em uma espécie de força coletiva
exercida por membros de uma determinada profissão, visando definir condições e métodos
próprios de trabalho, de modo a controlar o processo produtivo e estabelecer uma base
cognitiva e a legitimar sua autonomia ocupacional. Dois aspectos dessa profissionalização são
fontes importantes de isomorfismo. Uma é o legado da educação formal e sua legitimação em
uma base cognitiva produzida pelo sistema de ensino universitário; outra é o surgimento e
desenvolvimento de redes profissionais que atuam além dos limites de organizações
específicas, responsáveis pela rápida difusão de novos modelos de atuação (DiMAGGIO e
POWELL, 1991, p. 71)
3. Metodologia
Esta pesquisa é de caráter descritivo, com a utilização de métodos e técnicas
qualitativos. Foram entrevistadas, no período de dezembro de 2002 a março de 2003, oito
pessoas, entre gestores e técnicos, cujas atividades incluem a responsabilidade pela
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formulação e/ou gestão da implementação de processos de inovações gerenciais nas seguintes
organizações públicas: três entrevistados na Agência Nacional de Energia Elétrica (ANEEL);
dois no Tribunal de Contas da União (TCU); um na Empresa Brasileira de Pesquisa
Agropecuária (Embrapa); um no Serviço Federal de Processamento de Dados (SERPRO), e
um na Centrais Elétricas do Norte do Brasil (Eletronorte). Nas organizações com mais de um
entrevistado as entrevistas foram realizadas de forma conjunta.
Essas organizações participam ou já participaram do PQSP e, portanto, atendem o
requisito previsto na pesquisa, de envolvimento com a introdução de inovações e mudanças
em seus modelos de gestão. Adicionalmente, esta amostra foi escolhida em razão das
organizações abrangerem um largo espectro da administração pública, incluindo desde
atividades de regulação, fiscalização e controle, até de produção e prestação de serviços,
passando por pesquisa e desenvolvimento. Por fim e não menos importante, todas essas
organizações concordaram em participar da pesquisa, permitindo, portanto, o acesso aos seus
dados e informações. O número de entrevistados, aparentemente pequeno, foi suficiente para
os objetivos da pesquisa, de elaborar um mapa inicial de inovações gerenciais em
organizações envolvidas com o PQSP. Os entrevistados são pessoas que participaram, ou
ainda participam, do processo de formulação, implementação e acompanhamento das
inovações. Procurou-se, com isso, obter informações ‘qualificadas’, diretamente das fontes
geradoras.
Essas organizações não fazem parte, em princípio, de um mesmo campo
organizacional, nos termos sugeridos por DiMaggio e Powell (1991). Isto porque, apesar de
pertencerem ao setor público, as organizações pesquisadas não utilizam os mesmos insumos e
recursos e, portanto, não produzem serviços similares. Quando muito pode-se dizer que duas
das organizações pesquisadas, a ANEEL e a Eletronorte, estariam inseridas em um mesmo
campo. Apesar disso, o pressuposto da pesquisa é de que seriam identificadas características
isomórficas nos processos de inovações gerenciais e de mudança dessas organizações, na
medida em que fazem parte de um mesmo programa, o PQSP.
Utilizou-se um roteiro de entrevista, semi-estruturado, com a finalidade de identificar
as principais inovações em processos e metodologias de gestão introduzidas por essas
organizações, os objetivos das inovações, suas características, por que e como foram
implementadas, grupos sociais envolvidos no processo, mecanismos de acompanhamento e
controle e possíveis reações dos empregados às inovações. Após edição das entrevistas, foram
elaborados resumos e sumários dos respectivos conteúdos, procurando-se identificar
categorias de respostas, padrões, semelhanças e diferenças entre comportamentos das
organizações, tendo em conta os objetivos da pesquisa.
4. Resultados e Discussão
4.1. Principais inovações introduzidas e suas características
As principais inovações gerenciais das organizações estudadas estão relacionadas
basicamente a processos de flexibilização da gestão, como a adoção de práticas de
planejamento, acompanhamento e avaliação de suas atividades, com foco em resultados,
orientadas para a satisfação do cliente e, no caso do SERPRO, também visando a redução de
custos.
Destacam-se as seguintes iniciativas, presentes na maioria das organizações
pesquisadas: a) adoção de modelos integrados de planejamento e de acompanhamento de
atividades, visando a consistência e a coerência entre os níveis corporativo, de equipes e de
indivíduos; b) organização e divisão do trabalho segundo os processos organizacionais,
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adotando uma visão mais horizontal do fluxo de atividades, e não segundo as funções
clássicas da administração, que privilegiam a visão vertical do trabalho; c) identificação das
competências, tanto no nível da organização como no nível individual, de forma a apoiar a
adoção de modelo de gestão por competências; d) realização de pesquisas de satisfação de
clientes; e) utilização de modelos de remuneração variável, geralmente associada ao
desempenho.
A maioria dessas inovações apóia-se no uso intensivo de tecnologias de informação
que permitem, regra geral, modelos de gestão integrados e geração de informações em tempo
real ou próximo disso. O uso dessas tecnologias de informação visa permitir a gestão da
estratégia corporativa por intermédio do controle e acompanhamento das atividades das
distintas unidades da organização e diminuir a subjetividade das avaliações, tornando-as mais
fidedignas e transparentes e, portanto, menos sensíveis a interferências externas
Percebeu-se que os novos modelos de gestão das organizações pesquisadas se
adequam em uma abordagem estruturalista e contingencial da administração, buscando maior
interação com o ambiente e troca de energias (homeostase). Deste modo, distanciam-se do
modelo clássico da burocracia, de forma a se ajustarem às mudanças ambientais. Quatro das
cinco organizações estudadas decidiram iniciar inovações gerenciais a partir do estímulo do
Prêmio de Qualidade no Serviço Público – PQSP – o que caracteriza um isomorfismo
tipicamente coercitivo.
Identificou-se, também, práticas de isomorfismo mimético. Estas se configuram em
ações de benchmarking, geralmente junto a outras organizações públicas, permitindo uma
assimilação de modelos e técnicas de gestão já ‘testados’, visando a possibilidade de ‘queimar
etapas’ no processo de aprendizagem organizacional decorrente das inovações. A Embrapa foi
mencionada por três das cinco organizações pesquisadas, como uma organização-modelo em
termos de práticas de gestão. Aliás, esta é a organização, dentre as pesquisadas, que
implementou um maior número de inovações gerenciais, incluindo um processo de seleção
pública para escolha de chefes de centros de pesquisa, em moldes semelhantes a processos de
seleção de reitores que são realizados por universidades americanas. Esta prática, segundo a
referida organização, “minimizou consideravelmente a interferência política na indicação de
chefes de unidades de pesquisa”. O TCU vem adotando a prática do isomorfismo mimético
por meio do envio de técnicos para conhecerem as ‘boas práticas’ de fiscalização e de
auditoria de outros países, como Japão, Estados Unidos da América, Grã-Bretanha e Canadá.
Os entrevistados relataram a preocupação de suas organizações de transformar,
mediante as inovações gerenciais, a imagem da organização pública burocrática, ineficiente e
com tendência ao insulamento, em organização que seja modelo de excelência em gestão e de
atendimento ao cidadão, flexível e adaptável às mudanças do ambiente, com altos padrões de
eficiência e qualidade. Todos os entrevistados citaram este fenômeno, fato que pode ser
ilustrado pelo seguinte depoimento do entrevistado do SERPRO:
Tínhamos uma cultura de tecnologia onde qualquer outro assunto que não estivesse
relacionado à tecnologia era desprezado, como gestão e satisfação do cliente. (...) o Prêmio de
Qualidade veio fazer com que os técnicos e especialistas da organização começassem a
entender que não existe somente aquela unidade sob seu comando.
As principais razões para a implementação das inovações, nas organizações
pesquisadas, foram pressões e estímulos externos, como o Plano Plurianual (PPA) do governo
federal, o PQSP e a escassez de recursos financeiros. Esses dados reforçam, portanto, a
prática da legitimação da inovação por meio do isomorfismo coercitivo. É importante
enfatizar, no entanto, que este padrão de isomorfismo não se aplica, em princípio, ao TCU,
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visto tratar-se de organização vinculada ao Poder Legislativo. O PQSP é aplicável apenas ao
executivo federal.
Percebeu-se, nas entrevistas, um discurso que privilegia a gestão por resultados. A
preocupação com resultados pode ser exemplificada pelo seguinte depoimento dos
entrevistados na ANEEL: “(...) a organização deve existir para atingir sua atividade fim, e não
gerar emprego”. Ainda conforme esses entrevistados, essa organização já teria sido
estruturada de forma inovadora, com reduzido número de níveis hierárquicos e autonomia nas
decisões, que são tomadas de forma colegiada. Conforme esses depoimentos: “Já nascemos
com uma inovação em termos de gestão (...) A partir de pesquisas, fez-se um modelo (...) para
montar uma nova forma de gestão pública, dando mais agilidade e maior independência”.
Percebe-se que as organizações pesquisadas têm se esforçado para adotar o conceito
de gestão por resultados. Todos os entrevistados enfatizaram que uma organização que não
apresente resultados não tem sentido em existir. Esse sentimento é reforçado pelos
entrevistados do TCU, órgão de fiscalização e controle: “Existe o aspecto da evolução da
administração pública, o aumento da cobrança da sociedade, uma instituição que não
apresente resultados não tem como existir, isso é bem claro para nós”.
4.2. O Papel da Liderança e da Comunicação na Implementação das inovações
Dos depoimentos dos entrevistados foi possível identificar dois fatores que
influenciam fortemente o processo de implementação das inovações nessas organizações:
Liderança e Comunicação.
Liderança. O fator fundamental, responsável por iniciar e promover as inovações foi a
existência de uma liderança forte nos escalões mais altos das organizações, seja de um
indivíduo ou de um grupo. Em todos os casos pesquisados o processo inovador teve início
nesse segmento e, segundo os entrevistados, essa foi a razão que permitiu as mudanças. Outro
aspecto importante, mencionado pelos entrevistados, foi o envolvimento das gerências
intermediárias, responsáveis, em última análise, pela disseminação das inovações. A
importância do papel da liderança é enfatizada no seguinte depoimento do entrevistado da
Eletronorte: “a direção e, principalmente, o presidente, sempre esteve à frente da
implementação do modelo (...) o envolvimento da direção foi fundamental”. O entrevistado
do SERPRO foi mais enfático: “o processo teve início nesse segmento – direção geral; do
contrário, não teria o menor sucesso”. Fica clara que a participação da alta administração é
imperativa para implementação de inovações gerenciais.
Comunicação. Verificou-se, também, a importância da comunicação para a
implementação das inovações. A comunicação visa reduzir as resistências e aumentar o grau
de comprometimento dos empregados às inovações, aumentando sua efetividade. Percebeu-se
que o processo de comunicação das inovações seguiu um modelo em camadas, iniciando-se
nos escalões superiores das organizações, visando, preferencialmente, os gestores e os
formadores de opinião. Nas organizações pesquisadas, a difusão das inovações ocorreu por
intermédio de mecanismos diversos, como comunicações escritas, jornais internos, oficinas de
trabalho e eventos de capacitação. Um processo de comunicação adequado é indispensável
para a implementação de inovações, especialmente quando estas acarretam redução do quadro
de funcionários, como evidenciado pelo entrevistado da Eletronorte: “...em relação ao quadro
de funcionários, houve uma alteração drástica. (...) Hoje nós fazemos mais trabalhos,
produzimos mais energia, operamos mais sistemas utilizando no máximo a metade do quadro
de pessoal de 1995”.
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O processo de comunicação é importante, também, segundo os entrevistados, para
obter a participação e o envolvimento dos membros organizacionais no processo de inovação.
A característica geral das inovações analisadas é a gestão com foco em resultados. Um
aspecto recorrente nos depoimentos dos entrevistados foi a importância da comunicação para
o processo de conscientização do pessoal quanto à possibilidade de se implementar esse
modelo de gestão para as atividades de suporte. Os entrevistados do TCU observaram que: “a
participação é muito maior das unidades-fim do que das unidades de apoio. (...) Temos que
mostrar inicialmente para eles [pessoal de apoio] a utilidade de tudo isso, mas, ao mesmo
tempo, todos acordaram para isso, que não dá para trabalhar sem metas a serem cumpridas”.
Sentimento semelhante pôde ser ilustrado, também, no depoimento do entrevistado da
Eletronorte: “a participação é muito maior nas áreas-fim do que das áreas de apoio. (...) Na
atividade meio, é muito difícil medir resultados, muito pelo fato de que ela atua
predominantemente de maneira reativa, em situações de emergência, (...) criando um
comodismo e descrença em relação a determinadas iniciativas”.
Como já foi mencionado, verificou-se, em todas as organizações pesquisadas, que a
alta administração teve um envolvimento expressivo na formulação e implementação das
inovações. Em todos os casos analisados, houve, também, a participação de grupos externos
(equipes de empresas de consultoria e de universidades), para a implementação dos novos
modelos de gestão. Segundo alguns entrevistados, esse procedimento transmite mais
transparência, profissionalismo e credibilidade, além de ajudar a reduzir certas resistências e
obstáculos. Essas equipes externas participaram intensamente do processo de implementação
das inovações analisadas, sendo apontadas como facilitadores do processo. A utilização de
equipes externas de consultoria é um dos meios de legitimação de inovações gerenciais e de
prática de isomorfismo mimético, que se verifica em organizações, ou seja, esses experts
geralmente oferecem às organizações as inovações gerenciais que estão ‘na moda’ e que
supostamente fazem sucesso em outras organizações.
4.3. Mecanismos de acompanhamento e controle
As atividades de acompanhamento e controle formam um processo que visa a
identificação e correção de discrepâncias de desempenho, possibilitando a aprendizagem
organizacional, nos termos propostos por Argyris e Schön (1996). Nesta pesquisa verificou-se
que: alguns entrevistados apontaram falhas no aprendizado organizacional, na medida em que
as organizações não retroalimentam o sistema de maneira adequada, ou seja, não utilizam as
informações obtidas nos mecanismos de acompanhamento e controle para atualizarem os
modelos de gestão. O depoimento do entrevistado da Embrapa é um exemplo da ocorrência
desse fenômeno: “Não me ocorre de nenhum objetivo não estar sendo alcançado. No entanto,
há uma falha no aprendizado: será que estamos utilizando os resultados para melhorar nos
anos seguintes? Tenho algumas dúvidas”. Todos os entrevistados concordam quando afirmam
que as inovações ainda estão em fase de evolução, e que o controle e retroalimentação devem
ser constantes e sistêmicos.
Em quatro das cinco organizações que fizeram parte da pesquisa, os entrevistados
afirmaram que as inovações gerenciais não estão sendo utilizadas em sua plenitude,
principalmente por ainda se encontrarem em fase de implementação. Afirmaram, no entanto,
que os resultados produzidos por estas, até o momento das entrevistas, são muito satisfatórios,
tendo alcançado e, em muitos casos, superado as metas iniciais. Em três das cinco
organizações pesquisadas, os entrevistados enfatizaram que os principais pontos a serem
corrigidos estão nos processos de Gestão de Pessoas, em especial no que se refere a como
avaliá-las e mensurar seus resultados. Foram mencionados, também, obstáculos externos à
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introdução das inovações, como necessidade de aprovação das políticas por parte dos
respectivos ministérios, e internos, como resistências culturais à mudança.
4.4. Reações de funcionários às inovações
Um fator fundamental para o sucesso de qualquer inovação é a colaboração e o
comprometimento dos envolvidos no processo. Dois entrevistados afirmaram que suas
respectivas organizações enfrentaram resistências, principalmente na forma de descrença dos
funcionários com as inovações. Outro fator importante foi a luta pelo poder nas organizações,
na medida em que as inovações nos modelos de gestão pressupõem compartilhamento do
conhecimento. Ou seja, aqueles que dominam o conhecimento não desejam compartilhá-lo,
caracterizando um obstáculo a mais para a implementação de inovações. Segundo os
entrevistados, resistências sempre existem, mas as manifestações de apoio às inovações foram
maiores. Cabe lembrar que as organizações em questão preocuparam-se com a comunicação e
participação dos funcionários nas inovações, o que parece ter reduzido o grau de resistência à
inovação, como ilustra o depoimento do entrevistado da Eletronorte:
Tivemos uma preocupação nesse período (fase de implantação das inovações), no sentido de
instalar um clima na organização onde pudéssemos ouvir o que os empregados têm a dizer,
suas opiniões. (...) Isso ajuda a reduzir a resistência da equipe de empregados da empresa, pois
os coloca no centro da mudança, fazendo com que eles passem a ser a principal peça da
mudança.
É importante ressaltar que uma das preocupações das organizações pesquisadas foi a
qualificação de sua mão-de-obra, visando torná-la mais eficiente e competitiva. Apesar da
redução do quadro de funcionários de algumas destas organizações, no caso da Eletronorte de
maneira mais marcante, o resultado global foi, segundo o entrevistado, “favorável para os
funcionários que permaneceram, mais valorizados após as mudanças”. Outro fator
fundamental no processo de implementação das inovações, salientado pelos entrevistados da
Eletronorte e da Embrapa, foi o diálogo com os respectivos sindicatos de empregados. Essas
organizações procuraram esclarecer os objetivos de cada inovação gerencial, as ‘regras de
transição’ e os padrões de desempenho e avaliação.
Verifica-se que as inovações pesquisadas foram discutidas e implementadas, com a
participação dos funcionários, fato que, na opinião dos entrevistados, facilita a adoção de
novos comportamentos. Ressaltaram, no entanto, os entrevistados, que as inovações
gerenciais esbarram nas respectivas culturas organizacionais. Para Grey (2004) metodologias
de mudança, como a Gestão da Qualidade prescrevem a necessidade de mudança cultural,
como ingrediente necessário ao sucesso da mudança. A resistência cultural à mudança seria,
na opinião desse autor, resultante da impossibilidade de que a organização controle as
relações sociais.
5. Conclusões
Este trabalho teve como objetivo principal elaborar um mapa inicial de inovações
gerenciais introduzidas por organizações públicas participantes do Programa de Qualidade do
Serviço Público, verificar em que medida essas inovações são consistentes com as dimensões
do referido Programa, e identificar possíveis tendências isomórficas na dinâmica da inovação
na administração pública. Foram analisadas cinco organizações públicas, das quais quatro
atuam em nível nacional e uma em nível regional. As informações coletadas permitem
concluir, de forma preliminar, que as dimensões de qualidade do PQSP estão sendo atendidas
nas organizações pesquisadas.
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As inovações implementadas nas organizações pesquisadas são de natureza
incremental, têm como finalidade aperfeiçoar os mecanismos de planejamento,
acompanhamento e controle dos processos de trabalho e dos membros organizacionais.
Seguem um padrão de implantação mais ou menos uniforme, iniciando-se com a
(re)formulação da estratégia organizacional, oportunidade em que são (re)definidos missão,
visão de futuro, objetivos e metas organizacionais, possuem como foco central a gestão por
resultados, e apóiam-se fortemente nas chamadas ‘modernas tecnologias de informação’.
Trata-se de um movimento de homogeneização do comportamento de organizações, não
necessariamente pertencentes ao mesmo campo organizacional. Não há, entre essas
organizações, competição no sentido da sobrevivência do mais eficiente, mesmo porque são
organizações que produzem produtos e serviços diferenciados. A competição, neste caso, é
por poder político, legitimidade institucional e reconhecimento social. O padrão isomórfico
predominante é o coercitivo, iniciado com o estímulo do PQSP, com situações onde se
identifica, também, o isomorfismo mimético.
As reações às inovações, da parte dos funcionários em geral, foram minimizadas pelos
entrevistados. Estes reconhecem que essas reações negativas existem, no entanto, ainda
segundo sua visão, seriam superadas por meio de sistemas de difusão das inovações, e de
processos de comunicação e de capacitação eficientes. Alguns entrevistados alegaram que tais
reações são de natureza cultural, no sentido de que certos comportamentos estariam
enraizados entre os grupos organizacionais, mas que inovar é preciso.
Entre as limitações desta pesquisa, deve-se ressaltar que os dados dizem respeito a um
período de final de um governo e início de outro, sendo que, por ocasião das entrevistas, ainda
não haviam sido mudados os dirigentes das organizações pesquisadas. O Plano Diretor da
Reforma do Estado, bem como o PQSP tiveram seu início no governo Fernando Henrique
Cardoso, e não há garantias de que suas ações sejam continuadas com o governo iniciado em
2003. Assim, os dados registram uma foto de um momento, que pode ser diferente do atual.
Uma outra limitação diz respeito ao perfil dos entrevistados: são técnicos e gestores que
representam a visão da organização, não a dos empregados. De qualquer sorte, os dados
coletados são úteis para a continuidade das pesquisas, com a finalidade de identificar, junto a
amostras ampliadas de empregados dessas organizações, em que medida essas inovações
resultaram em ambientes propícios à aprendizagem organizacional. Do ponto de vista prático,
esses dados poderão ser úteis às organizações pesquisadas, na medida em que fornecem
elementos para comparação com o padrão de inovação verificado.
Por fim, é importante lembrar que a transposição de padrões de gestão e,
conseqüentemente, de inovações organizacionais, do setor privado para o setor público, não é
algo automático. O processo de inovação que ocorre nas empresas privadas não pode ser
transposto, de forma simples e direta, para o ambiente da administração pública, em razão de
suas especificidades. Neste, deve-se levar em conta que os governos sofrem restrições –
impostas por eles mesmos e por seu ambiente institucional – para inovar em seus serviços.
Enquanto uma empresa dispõe de uma agilidade maior de atuação frente ao seu ambiente, os
gestores públicos nem sempre encontram apoio na legislação vigente para inovar nos
processos internos de suas organizações e nos serviços que são ofertados ao público em geral.
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