O INCIDENTE DE RESOLUÇÃO DE DEMANDAS REPETITIVAS NO
ANTEPROJETO DO NOVO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL¹
SANTOS, Marta Almeida dos²; ISAIA, Cristiano Becker ³
¹ Tema do Trabalho Final de Graduação em Direito, pelo Centro Universitário Franciscano (Unifra)/
RS;
² Acadêmica de Direito pelo Centro Universitário Franciscano (Unifra) / RS;
³ Doutor em Direito Público pela Universidade do Vale do Rio dos Sinos (UNISINOS). Professor
adjunto lotado no departamento de Direito da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM) e no
curso de graduação e pós-graduação (lato sensu) em Direito do Centro Universitário Franciscano
(UNIFRA). Advogado.
E-mail: [email protected]; [email protected]
RESUMO
O presente artigo trata do mecanismo denominado Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas,
instituído pelo Projeto de Lei n.166/10 que reforma o Código de Processo Civil. O objetivo do artigo é ponderar
sobre os principais aspectos que envolvem esse novo método de resolução das ações repetidas e para tanto se
realizou um levantamento da recente bibliografia sobre o tema. Ainda, para a elaboração deste artigo foi feita
pesquisas em publicações periódicas, internet e atualidades para ter um melhor entendimento sobre o novo
instituto. Conclui-se, genericamente, que o Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas, conforme proposto
no PSL nº166/2010 terá o escopo de levar ao TJ ou TRF a missão de inibir as ações repetitivas de chegarem ao
STJ e consequentemente também de alcançar o Supremo Tribunal Federal.
Palavras- chave: Projeto do Novo Código de Processo Civil (PLS n.166/10); Incidente na Resolução
das Demandas Repetitivas; Modificações do Código de Processo Civil.
1. INTRODUÇÃO
O presente artigo visa à análise do novo instituto denominado “Incidente de
Resolução de Demandas Repetitivas” conforme previsto nos artigos 895 a 906 do Projeto do
Novo Código de Processo Civil, PSL166/2010.
Primeiramente, buscaremos entender de que forma surgiu a ideia da criação desse
instituto de resolução de ações repetitivas e após como se dará o seu funcionamento e qual
a sua finalidade.
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Num segundo momento, o escopo do artigo se resume a analisar como na prática,
os juízes de primeiro grau, terão que se comportar diante do novo mecanismo de resolução
de lides repetitivas e nesse mesmo tópico será analisado de que forma esse incidente irá
impedir que os recursos subam aos tribunais superiores e como inibirá o surgimento de
ações repetitivas.
Posteriormente, examinaremos de que forma este novo instituto fará com que haja
uma inversão da ordem “natural” do processo e a possibilidade da não consideração dos
aspectos constitucionais.
Por último, mostraremos que esse Incidente incentivará à prática, pelos juízes, da
ordem decisionista e discricionária como solução de conflitos, afastando-os cada vez mais
do processo hermenêutico.
2. METODOLOGIA
Para a elaboração deste artigo, o qual está inserido no tipo pesquisa bibliográfica,
buscou-se fazer um levantamento da recente bibliografia, referente ao novo mecanismo de
resolução de conflitos, elaborado pelo Projeto do Novo Código de Processo Civil,
apresentado este ano, ao Senado Nacional.
Ainda, foi realizado pesquisas em publicações periódicas, internet e atualidades para
ter um melhor entendimento sobre o novo instituto.
3. RESULTADOS E DISCUSSÕES
A Comissão de Juristas encarregada pela elaboração do Projeto do Novo Código de
Processo Civil, afirma que o “Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas” foi
inspirado no Direito Alemão4. A ideia é denominada de procedimento-modelo de mercado de
capitais alemão (KapMuG), no qual é permitido o julgamento com soluções idênticas das
chamadas “causas de massa”, que versam sobre questões de igual teor reclamadas por um
grande número de pessoas.
No entanto, segundo a Comissão, foram realizadas algumas mudanças no método
alemão e adaptadas ao modelo brasileiro proposto. No direito alemão analisa-se questões
de fato e de direito em bloco, já o incidente brasileiro será utilizado, apenas, para questões
de direito, além de dessa, existem outras modificações introduzidas, que não serão objeto
no presente estudo, mas são alterações embasadas na promessa de se ter com o novo
instituto, uma resolução mais célere e eficaz de de conflitos.
Passada essa noção introdutória, partiremos para análise dos artigos 895 a 906 do
Projeto do Novo Código de Processo Civil, de um modo geral verifica-se que as propostas
preocupam a filosofia jurídica, pois o Projeto do novo CPC, notadamente em relação ao
Capítulo VII - Do Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas, objeto do presente
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artigo, tem como finalidade dar ao processo celeridade e uma maior uniformização dos
Tribunais Superiores, deixando de lado, as conseqüências que o incidente trará ao examinar
conjuntamente um assunto a posterior aplicação nos casos análogos, ou seja, tem-se a
preocupação de que esse incidente na prática viole as garantias processuais do modelo
constitucional de processo que temos atualmente.
O procedimento será da seguinte forma: por esse instrumento, um número reduzido
de "processos padrão" será julgado, dentre muitos que versem sobre uma mesma matéria,
enquanto os demais processos ficaram suspensos, ou seja, pendentes aguardando a
decisão objeto do incidente. Ao se decidir o Incidente a decisão será obrigatoriamente
aplicada a todos os processos que versem idêntica questão de direito.
O que se percebe é que o Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas,
conforme proposto no PSL nº166/2010 terá o escopo de levar ao TJ ou TRF a missão de
inibir as ações repetitivas de chegarem ao STJ e consequentemente também de alcançar o
Supremo Tribunal Federal.
Verifica-se que com a aprovação desse novo instituto haverá uma alteração no
movimento jurisdicional, o qual será de cima para baixo, na medida em que os juízes dos
tribunais superiores irão fazer imperar uma decisão única aos demais juízes de primeiro
grau, os condicionado a tomada da decisão de acordo com o julgamento do incidente, e a
preocupação é da não obtenção de justiça com esse novo método, pois teremos é uma
sistematização que não leva em consideração a ordem “natural” do processo e sim faz com
que as normas prevaleçam em detrimentos dos princípios constitucionais.
O professor Neves (2002) identifica o problema da positividade jurídica, ou seja, o
caminho pelo qual o mundo jurídico vem seguindo para solucionar os conflitos, impondo a
realidade humano-social cada vez mais uma racionalidade normativa, como se pode ver no
seguinte trecho de na sua obra intitulada: O Direito hoje e com Que Sentido?O problema
actual da autonomia do Direito:
O jurídico não é agora o mundo de soluções normativas para problemas
práticos concretos, individualizados na sua problematicidade concretomaterial e nas suas circunstancias históricas, que se preocupam, todavia,
integrar na unidade de uma ordem, para ser antes um sistema normativo
prescrito, que já em si mesmo e previamente define a sua unidade, e que se
propõe impor a realidade humano-social essa sua racionalidade normativa,
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antecipada e logicamente construída .
Outra consequência do incidente é o fim da apelação, pois quando uma decisão já
estiver consolidada nos tribunais superiores, os processos não passarão da primeira
instância, pois os juízes inferiores estarão vinculados a decisão definida no incidente,
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acabando com isso com o princípio da independência do juiz e impedindo, dessa forma, que
os recursos cheguem aos tribunais superiores.
De certa forma, é relevante a proposta das considerações iniciais realizadas pela
comissão do Anteprojeto: “resgatar a crença no judiciário e tornar realidade a promessa
constitucional de uma justiça célere”. Porém, a busca da celeridade afrontará as garantias
processuais, de ordem constitucional, igualmente importante, ou seja, o devido processo
legal, garantido pelo atual estado democrático de direito.
Teremos, na verdade, decisões arbitrárias que impossibilitaram que certas
demandas tenham a plena possibilidade do exercício do direito de ação, pois o incidente
afastará tal prerrogativa e buscará apenas por meio de um incidente abstrato alcançar o
maior número possível de demandas, para em consequência desafogar o Supremo Tribunal
Federal.
Neves (2009, p.10) e Streck (2009, p.10) vêm alertando para tal visão:
[...] Ainda vivemos em um mundo jurídico que busca exorcizar os fatos e
conflitos tratados pelo direito, isto é, em um mundo no qual a metodologia
jurídica continua com a função de promover a desvinculação do caráter
historicamente individualizado do caso que esteja na sua base, para atingir
o abstrato generalizável e comum. Para tanto, basta passar os olhos na
operacionalidade do direito no Brasil para constatar a resistência exegéticopositivista, calcada muito mais em decisionismos e discricionariedades do
que em discursos que procurem efetivamente colocar o direito como uma
ciência prática, destinada a resolver problemas (sociais)
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É provável que com o novo mecanismo de solução de conflitos a tão almejada
celeridade processual, a qual tem por objetivo a solução do conflito em tempo razoável será
alcançada, mas de outro lado teremos a inobservância dos princípios do devido processo
legal, insculpido na Constituição Federal no artigo 5º, LIV, que em seu enunciado reúne
todas as demais garantias processuais, tais como: ampla defesa, contraditório, duplo grau
de jurisdição, entre outros.
4. CONCLUSÃO
Diante do exposto neste trabalho, conclui-se que o estabelecimento do incidente das
demandas repetitivas foi pensando como uma conseqüência da massificação das relações
jurídicas, no entanto, não se sabe ao certo ainda se esse instituto irá conseguir respeitar,
conforme prometido, as garantias constitucionais do devido processo legal.
4
O que, desde logo, já se consegue perceber é que o novo incidente vem
conquistando a simpatia dos principais processualistas dos tribunais superiores, os quais na
expectativa de dar uma maior celeridade ao processo, o que para eles significa redução de
inúmeros julgamentos, irá impedir que as demandas repetidas cheguem aos tribunais
superiores, os quais, ao que parece, não estão preocupados nas conseqüências da não
análise das peculiaridades inerentes de cada caso individual concreto.
Portanto, por ser um instituto novo e que ainda não foi aplicado concretamente,
possui aspectos indefinidos, os quais somente serão percebidos a partir da utilização pela
sociedade e pelo judiciário brasileiro.
REFERÊNCIAS
BRASIL. Projeto de Lei do Senado nº 166, de 2010 (Do Senador José Sarney, proveniente dos
trabalhos da Comissão de Juristas, instituída pelo Ato nº 379, de 2009, do Presidente do Senado
Federal). Dispõe sobre a reforma do Código de Processo Civil. Diário do Senado Federal, Brasília,
DF, 9 jun.2010.pp.26692.
BRASIL. Congresso Nacional. Senado Federal. Presidência. Comissão de Juristas responsáveis pela
elaboração de Anteprojeto de Código de Processo Civil. Anteprojeto do novo Código de Processo
Civil.
Brasília,
DF,
2010.
381pp.
Disponível
em:
http://www.senado.gov.br/senado/novocpc/pdf/Anteprojeto.pdf. Acessado em: 19/09/2010.
CASTANHEIRA NEVES, António. O Direito hoje e com Que Sentido?O problema actual da
autonomia do Direito. Lisboa: Ed. Instituto Piaget, 2002.
STRECK, Lenio Luiz. Verdade e Consenso: Constituição, Hermenêutica e Teorias Discursivas da
Possibilidade à Necessidade de Respostas Corretas em Direito. 3ª. Edição. Rio de Janeiro: Ed.
Lumen Juris, 2009.
NOTAS
4
Tal inspiração é reconhecida na exposição de motivos do anteprojeto: "Com os mesmos objetivos, criou-se,
com inspiração no direito alemão, o já referido incidente de Resolução de Demandas Repetitivas, que consiste
na identificação de processos que contenham a mesma questão de direito, que estejam ainda no primeiro grau
de jurisdição, para decisão conjunta".
5
CASTANHEIRA NEVES, António. O Direito hoje e com Que Sentido?O problema actual da autonomia do
Direito. Lisboa: Ed. Instituto Piaget, 2002, p.25.
6
STRECK, Lenio Luiz. Verdade e Consenso: Constituição, Hermenêutica e Teorias Discursivas da Possibilidade
à Necessidade de Respostas Corretas em Direito. 3ª. Edição. Rio de Janeiro: Ed. Lumen Juris, 2009, p.10.
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