MACHADO, Juliana Bittencourt; FIGUEIREDO, Claudia Regina Althoff. Danos morais por abandono afetivo: uma análise à luz dos princípios de direito de família. Revista Eletrônica de Iniciação Científica. Itajaí, Centro de Ciências Sociais e Jurídicas da UNIVALI. v. 4, n.3, p. 542-562, 3º Trimestre de 2013. Disponível em: www.univali.br/ricc - ISSN 2236-5044 DANOS MORAIS POR ABANDONO AFETIVO: UMA ANÁLISE À LUZ DOS PRINCÍPIOS DE DIREITO DE FAMÍLIA Juliana Bittencourt Machado1 Cláudia Regina Althoff Figueiredo2 SUMÁRIO Introdução; 1 Família contemporânea; 1.2 Princípios essencias à proteção infantojuvenil; 1.2.1 Princípio da dignidade da pessoa humana; 1.2.2 Princípio da solidariedade familiar; 1.2.3 Princípio da afetividade; 1.2.4 Princípio da proteção integral a crianças, adolescentes e idosos; 1.2.5 Princípio da paternidade responsável e planejamento familiar; 2 Poder familiar; 3 Responsabilidade civil 3.1 Responsabilidade civil e direitos da personalidade; 3.2 Responsabilidade civil e direito de família; 4 Abandono afetivo; Responsabilidade civil por abandono afetivo; Considerações finais; Referências das fontes citadas. RESUMO O presente artigo tem como objetivo verificar a possibilidade de indenização por dano moral decorrente de abandono afetivo paterno-filial. Para tanto, analisa a família contemporânea, os princípios que norteiam os direitos da criança e do adolescente e a caracterização da responsabilidade civil no âmbito familiar. Buscase assim analisar doutrinariamente, legal e jurisprudencialmente a sua viabilidade. Aborda-se a questão do dano moral decorrente do abandono afetivo paterno-filial, por afetar a moral da criança e do adolescente, e a possibilidade jurídica de sua reparação civil, tendo a sentença o objetivo de compensar a vítima pela dor sofrida e ao agente causador do dano uma pena com intuito de punição pedagógica. Como hipótese de pesquisa tem-se que é possível e cabível a reparação civil por abandono afetivo paterno-filial. Utiliza-se o método indutivo como base lógica para o desenvolvimento da pesquisa e o cartesiano na fase de tratamento dos dados. Como resultado, chega-se a confirmação da hipótese. Os tribunais admitem indenizações no âmbito afetivo, e com isso à sanção tem caráter satisfatório e compensatório ao filho e pedagógica ao genitor. Palavras-chave: Família. Dano moral. Abandono afetivo. Responsabilidade civil. Relação jurídica. INTRODUÇÃO 1 Acadêmica do Curso de Graduação em Direito pela Universidade do Vale do Itajaí – UNIVALI 2 Especialista em Direito Civil pela FURB. Mestre em Ciência Jurídica do Programa de Mestrado em Direito da Universidade do Vale do Itajaí. Doutora em Ciências Jurídicas e Sociais pela UMSA. Advogada e Professora do Curso de Direito da Universidade do Vale do Itajaí – UNIVALI (SC). 542 MACHADO, Juliana Bittencourt; FIGUEIREDO, Claudia Regina Althoff. Danos morais por abandono afetivo: uma análise à luz dos princípios de direito de família. Revista Eletrônica de Iniciação Científica. Itajaí, Centro de Ciências Sociais e Jurídicas da UNIVALI. v. 4, n.3, p. 542-562, 3º Trimestre de 2013. Disponível em: www.univali.br/ricc - ISSN 2236-5044 O presente artigo tem objeto a análise a uma nova realidade social ocorrida nas famílias contemporâneas, o abandono afetivo. Seu objetivo é verificar a possibilidade de indenização por dano moral decorrente de abandono afetivo paterno-filial. O abandono afetivo tem se tornado mais comum do que se imagina. Pais se separam e deixam seus filhos desamparados de afeto e carinho. Neste sentido a pesquisa mostra argumentos favoráveis e contra a indenização por dano moral, que tem por objetivo a fundamentação para o reconhecimento da indenização por abandono afetivo. No que diz respeito à fundamentação, o artigo traz os princípios norteadores para a proteção integral da criança e do adolescente, como o princípio da dignidade da pessoa humana, o princípio da solidariedade familiar, o princípio da afetividade, o princípio da proteção integral a crianças, adolescentes e idosos, e por fim o princípio da paternidade responsável e planejamento familiar. Com isso também se aborda o conceito de filiação, poder familiar e como este pode ser destituído. No âmbito afetivo será analisada a responsabilidade civil no abandono afetivo e como o tribunal vem se posicionando diante deste pressuposto. Utiliza-se o método indutivo, como objetivo da pesquisa a hipótese de que é possível e cabível a reparação civil por abandono afetivo paterno-filial. É nesse universo que se desenvolverá a pesquisa, sem o intuito de esgotar o assunto, mas apenas de contribuir, nessa medida, à ciência jurídica. 1 FAMÍLIA CONTEMPORÂNEA O conceito da família evoluiu. No início do século XX a família era constituída somente pelo matrimônio, muitos casamentos eram consumados pelo fator econômico. Trata-se do modelo de família patriarcal onde o pai era a figura central deste núcleo. Maria Berenice Dias3 ensina que essa visão hierarquizada da família, no entanto, sofreu com os tempos enormes transformações. Atualmente o principal papel da família é de suporte emocional.4 3 DIAS, Maria Berenice. Manual de direito das famílias. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2005. p. 40. 4 DIAS, Maria Berenice. Manual de direito das famílias. p. 40. 543 MACHADO, Juliana Bittencourt; FIGUEIREDO, Claudia Regina Althoff. Danos morais por abandono afetivo: uma análise à luz dos princípios de direito de família. Revista Eletrônica de Iniciação Científica. Itajaí, Centro de Ciências Sociais e Jurídicas da UNIVALI. v. 4, n.3, p. 542-562, 3º Trimestre de 2013. Disponível em: www.univali.br/ricc - ISSN 2236-5044 Os autores Conrado Paulino da Rosa, Dimas Messias Carvalho e Douglas Phillips Freitas5 afirmam que por muito tempo, bastava o sustento para os rebentos e os deveres estavam satisfeitos. Hoje, o cuidado se sobressai, tornado o exercício da criação mais efetivo. Ainda nesta mesma esteira, Cristiano Chaves de Farias e Nelson Rosenvald:6 A transição da família como unidade econômica para uma compreensão solidária e efetiva, tendente a promover o desenvolvimento da personalidade de seus membros, traz consigo a afirmação de uma nova feição, agora fundada na ética e na solidariedade. As transformações ocorridas nas famílias contemporâneas são marcadas pelo afeto. Por isso, o núcleo familiar tem o afeto como um alicerce para construírem uma família sólida. João Baptista Villela7 diz, a teoria e a prática das instituições de família dependem, em última análise, de nossa competência em dar e receber amor. 1.2 Princípios essenciais à proteção infanto – juvenil Com o advento da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 (CRFB/88) pode-se perceber uma modificação relativamente importante no judiciário, o direito constitucional passou a ter por base o cidadão e sua família. Cristiano Chaves de Freitas e Nelson Rosenvald8 asseguram: Percebe-se que o Direito Constitucional afastou-se de um caráter neutro e indiferente socialmente, deixando de cuidar apenas da organização política do Estado para avizinhar-se das necessidades humanas reais, concretas, ao cuidar de direitos individuais e sociais. Com isso os princípios constitucionais são tomados como leis, podendo ser utilizados como argumentos para temas tão delicados como no direito de família. Os princípios tratados neste artigo estão relacionados com o abandono afetivo, servem para demonstrar que a criança e o adolescente têm direito assegurado pela CRFB/88 no que diz respeito ao afeto. 5 ROSA, Conrado Paulinho; CARVALHO, Dimas Messias de; FREITAS, Douglas Phillips. Dano moral & direito das famílias. Florianópolis: Voxlegem, 2012. p. 212. 6 FARIAS, Cristiano Chaves de; ROSENVALD, Nelson. Direito das famílias. 2. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2010. p. 27. 7 FARIAS, Cristiano Chaves de; ROSENVALD, Nelson. Direito das famílias. in VILLELLA, João Baptista p. 28. 8 FARIAS, Cristiano Chaves de; ROSENVALD, Nelson. Direito das famílias. p. 32. 544 MACHADO, Juliana Bittencourt; FIGUEIREDO, Claudia Regina Althoff. Danos morais por abandono afetivo: uma análise à luz dos princípios de direito de família. Revista Eletrônica de Iniciação Científica. Itajaí, Centro de Ciências Sociais e Jurídicas da UNIVALI. v. 4, n.3, p. 542-562, 3º Trimestre de 2013. Disponível em: www.univali.br/ricc - ISSN 2236-5044 1.2.1 Princípio da dignidade da pessoa humana O princípio da dignidade da pessoa humana está elencado no art.1° inciso III da CRFB/88, é um dos alicerces dos Fundamentos do Estado Democrático de Direito. A preocupação com a promoção dos direitos humanos e da justiça social levou o constituinte a consagrar a dignidade da pessoa humana como valor nuclear da ordem constitucional, assim Maria Berenice Dias9 ensina sobre o princípio da dignidade da pessoa humana. Pode-se pensar que o princípio da dignidade da pessoa humana é a ramificação para todos os outros princípios fundamentais, Maria Berenice Dias10, classifica como um macroprincípio, o princípio em tela propaga em todo Direito de Família, Maria Berenice Dias11 afirma: A multiplicação das entidades familiares preserva e desenvolve as qualidades mais relevantes entre os familiares – o afeto, a solidariedade, a união, o respeito, a confiança, o amor, o projeto de vida comum - permitindo o pleno desenvolvimento pessoal e social de cada partícipe [...] A respeito da dignidade da pessoa humana dos menores, o princípio acolhese no caput do art. 227 da CRFB/88, que disciplina o dever da família, da sociedade e do Estado em assegurar à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária. Além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão. Assim, Rolf Madaleno12 pontua sobre as garantias e fundamentos do princípio da dignidade da pessoa humana: O princípio da dignidade da pessoa humana, são as garantias e os fundamentos mínimos de uma vida tutelada sob o signo dignidade da pessoa, merecendo especial proteção até pelo fato de o menor estar formando a sua personalidade durante o estágio de seu crescimento e desenvolvimento físico e mental. 9 DIAS, Maria Berenice. Manual de direito das famílias. p. 59. 10 DIAS, Maria Berenice. Manual de direito das famílias. p. 59. 11 DIAS, Maria Berenice. Manual de direito das famílias. p. 60. 12 MADALENO, Rolf. Curso de direito de família. Rio de Janeiro: Forense, 2011. p. 41. 545 MACHADO, Juliana Bittencourt; FIGUEIREDO, Claudia Regina Althoff. Danos morais por abandono afetivo: uma análise à luz dos princípios de direito de família. Revista Eletrônica de Iniciação Científica. Itajaí, Centro de Ciências Sociais e Jurídicas da UNIVALI. v. 4, n.3, p. 542-562, 3º Trimestre de 2013. Disponível em: www.univali.br/ricc - ISSN 2236-5044 Destaca-se no campo infraconstitucional o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) que prevê a proteção integral dos menores, o estatuto também tem por objetivo resguardar todos os direitos fundamentais inerentes às pessoas humanas. Portanto o argumento sustentado por filhos que foram abandonados por seus pais ou mães vem a ser quase unânime nas ações de indenização por danos morais, a violação do princípio da dignidade humana. 1.2.2 Princípio da solidariedade familiar Solidariedade é o que cada um deve ao outro, assim Maria Berenice Dias13 define o princípio da solidariedade familiar. Este princípio dispõe conteúdo ético, que nos remete a reciprocidade. Rolf Madaleno14 assegura: A solidariedade é o princípio e o oxigênio de todas relações familiares e afetivas, porque esses vínculos só podem se sustentar e se desenvolver em ambiente recíproco de compressão e cooperação, ajudando-se mutuamente sempre que fizer necessário. Entes de um mesmo grupo familiar têm o dever de mútua assistência uns com os outros. A solidariedade não é apenas material, mas também afetiva e psicológica. 1.2.3 Princípio da afetividade A afetividade é considerada um dos traços que diferenciam a família tradicional da família contemporânea. Outrora a entidade familiar tinha como característica central a procriação da prole e fins econômicos, afirma Cristiano Chaves de Farias e Nelson Rosenvald15 que: A transição da família como unidade econômica para uma compreensão solidária e afetiva, tendente a promover o desenvolvimento da personalidade de seus membros, traz consigo a afirmação de uma nova feição, agora fundada na ética e na solidariedade. 13 DIAS, Maria Berenice. Manual de direito das famílias. p 63. 14 MADALENO, Rolf. Curso de direito de família. p .90. 15 FARIAS, Cristiano Chaves de; ROSENVALD, Nelson. Direito das famílias. p. 27. 546 MACHADO, Juliana Bittencourt; FIGUEIREDO, Claudia Regina Althoff. Danos morais por abandono afetivo: uma análise à luz dos princípios de direito de família. Revista Eletrônica de Iniciação Científica. Itajaí, Centro de Ciências Sociais e Jurídicas da UNIVALI. v. 4, n.3, p. 542-562, 3º Trimestre de 2013. Disponível em: www.univali.br/ricc - ISSN 2236-5044 Atualmente a família serve como amparo e desenvolvimento para aqueles que nela vivem, assim tendo como elemento central o afeto. Maria Berenice Dias16 aponta, nesta esteira de evolução, o direito das famílias instalou uma nova ordem jurídica para a família, atribuindo valor jurídico ao afeto. O princípio norteador do direito das famílias é o princípio da afetividade, assim destaca Maria Berenice Dias17, portanto as famílias modernas se consolidam com o afeto, pois entes, principalmente os menores, deste núcleo familiar, precisam de assistência dos pais não só para alimentá-los, mas também para educá-los, vigialos e dar afeto para que possam se desenvolver de forma saudável tanto psíquica quanto física. 1.2.4. Princípio da proteção integral a crianças, adolescentes e idosos A CRFB/88 no momento em que criou o art. 227 conseguiu, com isso, construir uma legislação de proteção integral a crianças e adolescentes. Transformou estes menores em sujeitos de direitos, com este artigo os menores estão assegurados de seus direitos fundamentais. O princípio em tela tem abrigo também no ECA em seus artigos 4° e 6°, reconhecendo estes menores em pessoas de direitos, assegurando com prioridade o melhor interesse da criança e do adolescente, e com isso a efetivação dos direitos referentes à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao esporte, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária. O Código Civil de 2002 trouxe o instituto poder familiar, com o objetivo de priorizar o interesse do menor, essa noção não estava incorporada no Código Civil de 1916. É necessário que os operadores do direito priorizem os direitos da criança e do adolescente em disputas judiciais, ajudando os pais a resolverem o conflito da melhor maneira possível para o menor. Maria Berenice Dias18 afirma, o Estatuto rege-se pelos princípios do melhor interesse, paternidade responsável e proteção integral, visando conduzir o menor à 16 DIAS, Maria Berenice. Manual de direito das famílias. p. 68. 17 DIAS, Maria Berenice. Manual de direito das famílias. p. 69. 18 DIAS, Maria Berenice. Manual de direito das famílias. p. 65. 547 MACHADO, Juliana Bittencourt; FIGUEIREDO, Claudia Regina Althoff. Danos morais por abandono afetivo: uma análise à luz dos princípios de direito de família. Revista Eletrônica de Iniciação Científica. Itajaí, Centro de Ciências Sociais e Jurídicas da UNIVALI. v. 4, n.3, p. 542-562, 3º Trimestre de 2013. Disponível em: www.univali.br/ricc - ISSN 2236-5044 maioridade de forma responsável. Portanto o reconhecimento da responsabilidade cível dos pais pelos danos morais decorrentes de abandono afetivo é a priorização da proteção integral dos interesses da criança e do adolescente tutelados pelo Estado e pela sociedade. 1.2.5 Princípio da paternidade responsável e planejamento familiar O princípio em tela está instituído no art.226 § 7° da CRFB/88. Carlos Roberto Gonçalves19 assegura que o planejamento familiar é livre decisão do casal, que por sua vez é fundado nos princípios da dignidade da pessoa humana e da paternidade responsável. Essa responsabilidade é de ambos os genitores, cônjuges ou companheiros. Com isso, o princípio da paternidade responsável deve ser exercida a partir do momento da concepção e se estende até que se seja necessário o acompanhamento dos pais aos filhos, cumprindo assim a norma constitucional que nada mais é do que um direito fundamental. 2 PODER FAMILIAR Para tratar do poder familiar é preciso fazer uma breve abordagem acerca da filiação, uma vez que o poder familiar decorre desta. Filiação é a relação de parentesco consanguíneo, em primeiro grau em linha reta, que liga uma pessoa àquelas que a geraram, ou a receberam como se a tivessem gerado, assim Carlos Roberto Gonçalves20 conceitua filiação. Para o direito este vínculo é um fato jurídico onde gera uma série de obrigações e deveres que os pais devem ter com o filho, o Código Civil dispõe o art. 1596 sobre a filiação. Art. 1596 Os filhos, havidos ou não da relação de casamento, ou por adoção, terão os mesmos direitos e qualificações, proibidas quaisquer designações discriminatórias relativas à filiação. Maria Berenice Dias21 afirma: 19 GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito civil brasileiro. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 2007. p. 8. 20 GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito civil brasileiro. p. 281. 21 DIAS, Maria Berenice. Manual de direito das famílias. p. 319. 548 MACHADO, Juliana Bittencourt; FIGUEIREDO, Claudia Regina Althoff. Danos morais por abandono afetivo: uma análise à luz dos princípios de direito de família. Revista Eletrônica de Iniciação Científica. Itajaí, Centro de Ciências Sociais e Jurídicas da UNIVALI. v. 4, n.3, p. 542-562, 3º Trimestre de 2013. Disponível em: www.univali.br/ricc - ISSN 2236-5044 Filiação é quando do nascimento, ocorre a inserção do indivíduo em uma estrutura que recebe o nome de família, a autora também diz eis que necessita de cuidados especiais por longo período – faz surgir um elo de dependência a uma estrutura que lhe assegure o crescimento e pleno desenvolvimento. O ser humano necessita durante sua infância e adolescência de cuidados especiais, precisa de alguém para lhe amparar, resguardar, educar, criar e cuidar de seus interesses para poder se formar um adulto com plena formação física e psíquica e aos pais é estipulada esta função. Com isso surge o poder familiar, que nada mais é do que um conjunto de responsabilidades e deveres que os pais têm com os filhos até estes completarem sua maioridade. Carlos Roberto Gonçalves22 ensina que constituída a família, e nascidos os filhos, não basta alimentá-los e deixá-lo crescer á lei da natureza, como animais inferiores. Há que educá-los e dirigi-los. Maria Berenice Dias23 assegura que, o poder familiar decorre tanto da paternidade natural, como da filiação legal, e é irrenunciável, intransferível, inalienável e imprescritível. O poder familiar é atribuído aos pais sendo que a estes tem a missão semipublica diante do exercício familiar, Carlos Roberto Gonçalves24 classifica como múnus publico, pois ao Estado, que fixa normas para o seu exercício. Importante salientar que o poder familiar é fundado no interesse dos filhos, assim como prevê o princípio da paternidade responsável disposto no art.226, § 7° da Constituição Federal. O art.1630 do Código Civil estabelece que “os filhos estão sujeitos ao poder familiar, enquanto menores”, o dispositivo abrange somente os filhos menores, estes alcançando a maioridade interrompe-se o poder familiar. O artigo também pode ser interpretado que aos pais os filhos devem obediência, e aos pais lhe é atribuído à função de educar e dar-lhe limites quando necessários. 22 GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito civil brasileiro. p. 367. 23 DIAS, Maria Berenice. Manual de direito das famílias. p. 378. 24 GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito civil brasileiro. p. 369. 549 MACHADO, Juliana Bittencourt; FIGUEIREDO, Claudia Regina Althoff. Danos morais por abandono afetivo: uma análise à luz dos princípios de direito de família. Revista Eletrônica de Iniciação Científica. Itajaí, Centro de Ciências Sociais e Jurídicas da UNIVALI. v. 4, n.3, p. 542-562, 3º Trimestre de 2013. Disponível em: www.univali.br/ricc - ISSN 2236-5044 Assim como é atribuído aos pais o dever de cuidar e educar os filhos, esta função também pode ser destituída, neste âmbito Maria Berenice Dias25 afirma, quando um ou ambos os genitores deixam de cumprir com deveres decorrentes do poder familiar, mantendo comportamento que possa vir em prejuízo do filho, o Estado deve intervir. Nestes casos há uma suspensão do exercício do poder familiar, o Estado intervém a favor do menor, protegendo este dos pais que abusam de sua autoridade perante a prole ou a um único filho. Para Carlos Alberto Bittar26 a suspensão é a cessação temporária do exercício do poder, por ordem judicial. A suspensão do poder familiar é uma medida mais branda tanto que pode ser temporária e fica sujeita de revisão. O art.1637 do Código Civil alega nas hipóteses de abuso de autoridade, falta de deveres paternos e dilapidações dos bens dos filhos causam a suspensão do poder familiar. Ensina Carlos Roberto Gonçalves27 a suspensão do poder familiar constitui sanção aplicada aos pais pelo juiz, não tanto com intuito punitivo, mas para proteger o menor. É interesse do Estado que o menor esteja protegido e amparado, pois a família é a base de uma sociedade íntegra e estruturada, Carlos Alberto Bittar28 afirma, é na família que se geram, se formam e se educam pessoas para a perpetuação da espécie e, em consequência, se contribui para a manutenção e desenvolvimento do Estado. Já destituição do poder familiar ocorre por ato judicial o pai ou a mãe que, castigar imoderadamente o filho, deixar o filho em abandono, praticar atos contrários a moral e aos bons costumes ou incidir, reiteradamente, no abuso de sua autoridade, na falta dos deveres paterno-maternos, na dilapidação dos bens da prole e na prática dos crimes punidos com mais de dois anos, assim dispõe o art.1638 do Código Civil. 25 DIAS, Maria Berenice. Manual de direito das famílias. p. 386. 26 BITTAR. Carlos Alberto. Direito de família. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2006. p. 226. 27 GONÇALVES. Carlos Roberto. Direito civil brasileiro: direito de família. p. 387. 28 BITTAR. Carlos Alberto. Direito de família. p. 48. 550 MACHADO, Juliana Bittencourt; FIGUEIREDO, Claudia Regina Althoff. Danos morais por abandono afetivo: uma análise à luz dos princípios de direito de família. Revista Eletrônica de Iniciação Científica. Itajaí, Centro de Ciências Sociais e Jurídicas da UNIVALI. v. 4, n.3, p. 542-562, 3º Trimestre de 2013. Disponível em: www.univali.br/ricc - ISSN 2236-5044 Como se pode notar a destituição do poder familiar é uma sanção mais grave que a suspensão. A medida judicial configurada no art. 1638 do Código Civil em comparação ao da suspensão, art. 1637 do Código Civil, a falta dos deveres dos pais para os filhos e os motivos envolvidos são mais sérios que os da suspensão. A perda da autoridade parental por ato judicial leva à sua extinção, que é o aniquilamento, o término definitivo, o fim do poder familiar, Maria Berenice Dias29. Por fim tem-se a extinção do poder familiar, ocorre por fatos naturais. Carlos Alberto Bittar30 assegura que extinção é a cessação definitiva do poder, ditada por fenômenos naturais ou jurídicos, elencados na lei. Dispõe o art. 1635 do Código Civil, extingue-se o poder familiar, pela morte de ambos os pais ou do filho, pela emancipação, pela maioridade e pela adoção ou por decisão judicial, na forma do art.1638. Portanto, as causas de extinção do poder familiar têm efeitos naturais, não dependem de decisão judicial para ocorrer. O término definitivo da função dos pais encerra a tarefa de proteção que existia entre pais e filhos. 3 RESPONSABILIDADE CIVIL A noção de responsabilidade pode ser haurida da própria origem da palavra, que vem do latim respondere, responder alguma coisa, ou seja, a necessidade que existe de responsabilizar alguém por seus atos danosos.31 A responsabilidade civil está atrelada a ideia que aquele que causou dano a outrem tem o dever de reparar. Sergio Cavalierie Filho32 assegura, responsabilidade exprime a ideia de obrigação, encargo, contraprestação. O Código Civil regulariza do dever de indenizar como uma obrigação, assim dispõe o art. 927, aquele que, por ato ilícito, causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo. Nas palavras de Carlos Roberto Gonçalves33: 29 DIAS, Maria Berenice. Manual de direito das famílias. p. 389. 30 BITTAR. Carlos Alberto. Direito de família. p. 226. 31 STOCO, Rui. Tratado de responsabilidade civil. 6. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004. p. 118. 32 CAVALIERIE FILHO, Sergio. Programa de responsabilidade civil. 7. ed. São Paulo: Atlas, 2007. p. 2. 33 GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito civil brasileiro: responsabilidade civil. p. 1. 551 MACHADO, Juliana Bittencourt; FIGUEIREDO, Claudia Regina Althoff. Danos morais por abandono afetivo: uma análise à luz dos princípios de direito de família. Revista Eletrônica de Iniciação Científica. Itajaí, Centro de Ciências Sociais e Jurídicas da UNIVALI. v. 4, n.3, p. 542-562, 3º Trimestre de 2013. Disponível em: www.univali.br/ricc - ISSN 2236-5044 Toda atividade que acarreta prejuízo traz seu bojo, como fato social, o problema da responsabilidade. Destina-se ela a restaurar o equilíbrio moral e patrimonial provocado pelo autor do dano. Exatamente o interesse em restabelecer a harmonia e o equilíbrio violados pelo dano constitui a fonte geradora da responsabilidade civil. Para demonstrar a responsabilidade civil e se falar em dever de indenizar, é necessário que se verifique seus pressupostos: a conduta humana, o dano e o nexo causal. Primeiramente todo ato ilícito é conseqüência de uma conduta humana, esta pode ser uma ação ou omissão de um ato, que por sua vez produz efeitos jurídicos. Sergio Cavalieri Filho34 aponta, conduta o comportamento humano voluntário que se exterioriza através de uma ação ou omissão, produzindo consequências jurídicas. Outro elemento essencial para a caracterização da responsabilidade civil é o dano, este é a consequência do ato ilícito provocado por uma conduta humana, o dano deverá ser reparado, assim gerando a obrigação de indenizar. Pablo indispensável Stolze a Gagliano existência e do Rodolfo dano ou Pamplona prejuízo Filho35 para afirmam ser configuração da responsabilidade civil. Não há como ressarcir alguém se não houver dano, nesta mesma esteira Sergio Cavalierie36 assegura, não haveria que se falar em indenização, nem em ressarcimento, se não houvesse dano. O dano pode ser dividido em patrimonial ou moral, o primeiro é referente a uma diminuição de um valor econômico, Pablo Stolze Gagliano e Rodolfo Pamplona37, o dano patrimonial traduz uma lesão aos bens e direitos economicamente apreciáveis do seu titular. Já o dano moral é subjetivo, não tem valor peculiar, não pode ser mensurável, dano moral é qualquer sofrimento que não é causado por uma perda pecuniária. Sergio Cavalierie Filho38. 34 CAVALIERIE FILHO, Sergio. Programa de responsabilidade civil. p. 24. 35 GAGLIANO, Pablo Stolze; PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Novo curso de direito civil: responsabilidade civil. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 2006. p. 35. 36 CAVALIERIE FILHO, Sergio. Programa de responsabilidade civil. p. 70. 37 GAGLIANO, Pablo Stolze; PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Novo curso de direito civil: responsabilidade civil. p. 40. 38 CAVALIERIE FILHO, Sergio. Programa de responsabilidade civil. p. 76. 552 MACHADO, Juliana Bittencourt; FIGUEIREDO, Claudia Regina Althoff. Danos morais por abandono afetivo: uma análise à luz dos princípios de direito de família. Revista Eletrônica de Iniciação Científica. Itajaí, Centro de Ciências Sociais e Jurídicas da UNIVALI. v. 4, n.3, p. 542-562, 3º Trimestre de 2013. Disponível em: www.univali.br/ricc - ISSN 2236-5044 Por fim o nexo causal, que é o vínculo, a ligação ou relação de causa e efeito entre a conduta e o resultado, Sergio Cavalierie Filho.39 Trata-se, pois, do elo etiológico, do liame, que une a conduta do agente (positiva ou negativa) ao dano, Pablo Stolze Gagliano e Rodolfo Pamplona Filho.40 Entende-se que a responsabilidade civil está diretamente relacionada com a violação de um direito, o ato ilícito causado pelo autor do dano, acarreta o dever de repará-lo, assim consequentemente gera a obrigação de indenizar. 3.1 Responsabilidade civil e os direitos da personalidade No âmbito da responsabilidade civil tem-se a responsabilidade moral, esta viola as normas morais do indivíduo, atua nos direitos da personalidade humana. A CRFB/88 refere-se aos direitos da personalidade no art. 5°, X que dispõe, são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação. Os direitos da personalidade têm caráter vitalício e imprescritível, pois surge com o nascimento do indivíduo e só prescreve com a sua morte. Portanto são, irrenunciáveis, intransmissíveis, imprescritíveis e inatos, Rui Stoco41 afirma, os direitos da personalidade são direitos naturais, que antecedem a criação de um ordenamento jurídico, posto que nascem com a pessoa. Por não terem um valor patrimonial encontram refúgio nos danos morais, que tem a mesma origem, não patrimonial. Toda dor, angústia, depressão e sofrimento causado por uma situação imoral, fere os direitos da personalidade humana, no caso do abandono afetivo fica caracterizado pela atitude omissa do genitor que abandona seu filho. Carlos Alberto Bittar42 afirma, os morais se manifestam nas esferas interna e valorativa do ser como entidade individualizada. 39 CAVALIERIE FILHO, Sergio. Programa de responsabilidade civil. p. 46. 40 GAGLIANO, Pablo Stolze; PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Novo curso de direito civil: responsabilidade civil. p. 85. 41 STOCO, Rui. Tratado de responsabilidade civil. p. 1612. 42 BITTAR, Carlos Alberto. Reparação civil por danos morais. 3 ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1999. p. 39. 553 MACHADO, Juliana Bittencourt; FIGUEIREDO, Claudia Regina Althoff. Danos morais por abandono afetivo: uma análise à luz dos princípios de direito de família. Revista Eletrônica de Iniciação Científica. Itajaí, Centro de Ciências Sociais e Jurídicas da UNIVALI. v. 4, n.3, p. 542-562, 3º Trimestre de 2013. Disponível em: www.univali.br/ricc - ISSN 2236-5044 3.2 Responsabilidade civil e direito de família A responsabilidade civil no direito de família é possível, desde que haja uma ofensa à honra ou uma violação à norma de direito. Carlos Alberto Dabus Maluf e Adriana Caldas do Rego Freitas Dabus Maluf43 afirmam: O direito de visitação representa um direito inerente ao poder familiar, uma obrigação personalíssima infungível, cujo descumprimento configura infração administrativa sujeita a multa de três a vinte salários mínimos, conforme disposição do art. 249 do ECA. Conforme dispõe o art. 249 do ECA, o genitor que descumprir, dolosa ou culposamente, os deveres inerentes ao pátrio poder ou decorrente de tutela ou guarda, bem assim determinação da autoridade judiciária ou Conselho Tutelar, terá que pagar multa por sua atitude omissa. Fica claro que o genitor tem deveres e obrigações com o filho, e o direito a visita é uma delas, o seu não cumprimento caracteriza abandono afetivo. Rolf Madaleno44 afirma que a carência afetiva, tão essencial na formação do caráter e do espírito do infante, justifica a reparação o pelo irrecuperável agravo moral. Tramita hoje no Senado Federal o Projeto de Lei n.700, de 2007, de autoria do Senador Marcelo Crivella, que visa à modificação da Lei n. 8.069, ECA, para caracterizar o abandono moral como ilícito civil e penal. Tal projeto, entre outras modificações que garantirão a aplicação dos princípios da responsabilidade civil nas relações entre pais e filhos. Ainda nesta esteira, Washington de Barros Monteiro e Regina Beatriz Tavares da Silva45: Essa sanção pecuniária deveria ser aplicada mais frequentemente, já que esta prevista tanto no Estatuto da Criança e do Adolescente ( art. 213, § 2° ) como no Código de Processo Civil, quando versa sobre a execução das obrigações de fazer e não fazer. 43 MALUF, Carlos Alberto Dabus; MALUF, Adriana Caldas do Rego Freitas Dabus. Curso de direito de família. São Paulo: Saraiva, 2013. p. 620. 44 MADALENO, Rolf. Curso de direito de família. p. 376. 45 MALUF, Carlos Alberto Dabus; MALUF, Adriana Caldas do Rego Freitas Dabus. Curso de direito de família. in MONTEIRO, Washington de Barros e SILVA, Regina Beatriz Tavares p. 621. 554 MACHADO, Juliana Bittencourt; FIGUEIREDO, Claudia Regina Althoff. Danos morais por abandono afetivo: uma análise à luz dos princípios de direito de família. Revista Eletrônica de Iniciação Científica. Itajaí, Centro de Ciências Sociais e Jurídicas da UNIVALI. v. 4, n.3, p. 542-562, 3º Trimestre de 2013. Disponível em: www.univali.br/ricc - ISSN 2236-5044 Contudo o cuidado, o afeto o carinho e a educação que os pais devem ter com os seus filhos são atitudes fundamentais para que estes tenham um desenvolvimento saudável, pois o amor não é mensurável, já a verificação do descumprimento da obrigação jurídica de cuidar, esta sim é possível ser responsabilizada. 4 ABANDONO AFETIVO Ainda existe muita divergência sobre a caracterização do dano moral por abandono afetivo, há doutrinadores que argumentam à tese em que dar-se provimento a indenização decorrente da falta de afeto ocorreria uma patrimonialização do amor. Nesta linha de raciocínio Cristiano Chaves e Nelson Rosenval46 defendem a ideia da não responsabilização por abandono afetivo, afeto, carinho, amor, atenção são valores espirituais, dedicados a outrem por absoluta e exclusiva vontade pessoal, não por imposição jurídica. Afirmam também que no momento que adentrar com uma ação contra o genitor sobre se há ou não a possibilidade de indenização por abandono afetivo, a discussão judicial geraria um abismo maior ainda entre eles. Em contrapartida, respeitando os argumentos contrários, não há como no direito de família atual deixar passar por despercebido tal responsabilização. Afinal o cenário atual de nossas famílias é que frequentemente pais se divorciam deixando a mercê filhos que ficam abandonados pela irresponsabilidade patriarcal desencadeando neste contexto danos irreparáveis à criança ou adolescente. Nas palavras de Rodrigo Cunha47 não é monetarizar o afeto, mas punir aquele que descumpre essencial função na vida da prole. O abandono afetivo ocorre em hipóteses quando os pais se separam, o genitor que não possui a guarda fica no dever de fazer suas visitas regulares, mas este não cumpre com os deveres e obrigações em relação o menor. Rolf Madaleno48 ensina, os filhos são vulneráveis às instabilidades afetivas e emocionais dos seus pais, e estes são legalmente responsáveis pela assistência material e moral de sua prole, independente do exercício da sua guarda. 46 FARIAS, Cristiano Chaves de; ROSENVALD, Nelson. Direito das famílias. p. 89. 47 FARIAS, Cristiano Chaves de; ROSENVALD, Nelson in Rodrigo Cunha. Direito das famílias. p. 192. 48 MADALENO, Rolf. Repensando o direito de família. p. 124. 555 MACHADO, Juliana Bittencourt; FIGUEIREDO, Claudia Regina Althoff. Danos morais por abandono afetivo: uma análise à luz dos princípios de direito de família. Revista Eletrônica de Iniciação Científica. Itajaí, Centro de Ciências Sociais e Jurídicas da UNIVALI. v. 4, n.3, p. 542-562, 3º Trimestre de 2013. Disponível em: www.univali.br/ricc - ISSN 2236-5044 O ordenamento jurídico dispõe o art.1634, incisos I e II do Código Civil, estabelece aos pais o dever de dirigir-lhes a criação e educação, assim como tê-los em sua companhia e guarda, portanto a paternidade e maternidade provocam deveres a serem cumpridos a favor da criança, ainda não obstante a CFRB/88 prevê o art. 227 o dever da família, da sociedade e do Estado com a criança. Do mesmo modo, a ECA prevê em seus art. 3°, 4° e 5° o dever da família em assegurar proteção integral do menor. No tocante aos deveres e obrigações que os pais precisam ter com seus filhos a afetividade no mundo jurídico não é apenas um sentimento, esta diretamente vinculada com responsabilidade e cuidado, assim Conrado Paulino da Rosa, Dimas Messias Carvalho e Douglas Phillips Freitas49, afirmam, o princípio da afetividade, aliado ao de paternidade responsável, é que autoriza o estabelecimento da responsabilidade civil. O atual Código Civil trata da responsabilidade civil a partir do art. 927 onde prescreve o ato ilícito, aquele que causar dano a outrem tem o dever de reparar. Já o art. 186 do Código Civil prevê por ação ou omissão voluntária, pela negligência ou imprudência seja qualquer uma dessas vias viola o direito e causa dano material ou moral a outrem. Em se tratando de responsabilidade civil por abandono afetivo pode-se notar que o próprio abandono caracteriza o dano, ocorrendo esta omissão, caracterizada pelo nexo causal, onde este é o liame entre a conduta ilícita e o dano, fica assim configurada a indenização para a reparação da perda. A conduta ilícita do genitor faz com que o filho sofra danos irreparáveis e imensuráveis, não podendo ter um valor venal, Rolf Madaleno50 assegura, a indenização não tem mais nenhum propósito de compelir o restabelecimento do amor, já desfeito ao longo tempo transcorrido diante da total ausência de contato e de afeto paterno ou materno. A ação judicial por abandono afetivo no âmbito moral tem como objetivo reparar o prejuízo causado ao filho, pois a convivência com o pai ou mãe já foi perdida, a sansão fica encarregada de função pedagógica com o genitor e 49 ROSA, Conrado Paulinho; CARVALHO, Dimas Messias de; FREITAS, Douglas Phillips. Dano moral & direito das famílias. p. 124. 50 MADALENO, Rolf. Repensando o direito de família. p. 125. 556 MACHADO, Juliana Bittencourt; FIGUEIREDO, Claudia Regina Althoff. Danos morais por abandono afetivo: uma análise à luz dos princípios de direito de família. Revista Eletrônica de Iniciação Científica. Itajaí, Centro de Ciências Sociais e Jurídicas da UNIVALI. v. 4, n.3, p. 542-562, 3º Trimestre de 2013. Disponível em: www.univali.br/ricc - ISSN 2236-5044 compensatória com o filho, claro que momentos não voltarão, mas o filho abandonado precisa de um auxilio psicológico para compensar esta perda. Perita em psicologia, Graciela Medina51 tem afirmado que criança abandonada por seu pai não apenas sofre trauma ansiedade, como irá repercutir em suas futuras relações, perdendo sua confiança e autoestima, valores fundantes de sua estrutura moral. Importante julgamento no assunto foi proferido na Comarca de Capão da Canoa no Rio Grande do Sul, sua sentença foi datada no dia 15 de setembro de 2003, Ação de Indenização n° 1030012032-0, onde o pai foi condenado a pagar o equivalente a 200 salários mínimos à filha por abandono afetivo. Na decisão o Juiz Mario Romano Maggioni52 diz: A educação abrange não somente a escolaridade, mas também a convivência familiar, o afeto, amor, carinho, ir ao parque, jogar futebol, brincar, passear, visitar, estabelecer paradigmas, criar condições para que a criança se autoafirme. Desnecessário discorrer acerca da presença do pai no desenvolvimento da criança. A ausência, o descaso e a rejeição do pai em relação ao filho recémnascido ou em desenvolvimento violam a sua imagem. Basta atentar para os jovens drogados e ver-se-a que grande parte deles derivam de pais que não lhe dedicaram amor e carinho; assim também em relação ao criminosos. Fica claro que a distância entre o filho e o genitor já existe em todos os casos de abandono afetivo. A discussão judicial surge para tentar compensar ao filho desta perda, e mostrar ao genitor que sua conduta perante a família, sociedade, Estado e Constituição está ilegal e imoral. Nesse contexto Rolf Madaleno53 pontua: A condenação de hoje pelo dano moral causado no passado, tem imensurável valor propedêutico para evitar ou arrefecer o abandono afetivo do futuro, para que pais irresponsáveis pensem duas vezes antes de usar seus filhos como instrumento de vingança de suas frustrações amoroso. A rejeição, o abandono, a irresponsabilidade, o descaso e entre outras ilicitudes violam o direito de personalidade do menor, deixando o filho desamparado, assim gera dano moral passível de indenização a criança ou adolescentes. 51 MADALENO, Rolf. Repensando o direito de família. p.128. 52 ROSA, Conrado Paulinho; CARVALHO, Dimas Messias de; FREITAS, Douglas Phillips. Dano moral & direito das famílias. p. 186. 53 MADALENO, Rolf. Curso de direito de família. p. 377. 557 MACHADO, Juliana Bittencourt; FIGUEIREDO, Claudia Regina Althoff. Danos morais por abandono afetivo: uma análise à luz dos princípios de direito de família. Revista Eletrônica de Iniciação Científica. Itajaí, Centro de Ciências Sociais e Jurídicas da UNIVALI. v. 4, n.3, p. 542-562, 3º Trimestre de 2013. Disponível em: www.univali.br/ricc - ISSN 2236-5044 Recentemente o Supremo Tribunal de Justiça julgou procedente o recurso especial de ação de indenização por danos materiais e compensação por danos morais, n° 2009/0193701-9, reconhecendo o afeto como valor jurídico, sua sentença foi datada 24 de abril de 2012. A sentença concedeu à filha o direito a indenização proveniente de abandono afetivo pelo pai, a este ficou estabelecido o pagamento de R$ 200.000,00 (duzentos mil reais). A Ministra relatora Nancy Andrighi54 deu seu voto a favor da filha, no seu voto ela afirma: Aqui não se fala ou se discute o amar e, sim, a imposição biológica e legal de cuidar, que é dever jurídico, corolário da liberdade das pessoas de gerarem ou adotarem filhos. O amor diz respeito à motivação, questão que refoge os lindes legais, situando-se, pela sua subjetividade e impossibilidade de precisa materialização, no universo meta-jurídico da filosofia, da psicologia ou da religião. O cuidado, distintamente, é tisnado por elementos objetivos, distinguindo-se do amar pela possibilidade de verificação e comprovação de seu cumprimento, que exsurge da avaliação de ações concretas: presença; contatos, mesmo que não presenciais; ações voluntárias em favor da prole; comparações entre o tratamento dado aos demais filhos – quando existirem –, entre outras fórmulas possíveis que serão trazidas à apreciação do julgador, pelas partes. Conforme o voto da Ministra, amar é subjetivo, não pode ter um valor patrimonial ou material, já cuidar é um dever, uma obrigação que os pais têm com seus filhos, quando este dever é descumprido gera um dano moral, e sendo assim possível ser valorativo. A Ministra finaliza com sábias palavras, em suma, amar é faculdade, cuidar é dever. Portanto com isso Nancy atribuiu ao afeto valor jurídico, possível de ser cobrado na justiça por aquele filho que sofreu dano perante o pai faltoso. A própria CFRB/88 prevê aos filhos a garantia de assistência material e moral, no que diz respeito a moral inclui o afeto, o carinho, a educação e tudo mais que uma criança necessita para um desenvolvimento sadio. Convém salientar os tribunais pátrios estão avaliando esta situação de forma positiva, pois com todo ordenamento jurídico e constitucional em favor da proteção integral da criança o do adolescente não era de se era de esperar outro tipo de decisão. 54 BRASIL. Supremo Tribunal de Justiça. Recurso Especial n. 2009/0193701-9. Relator NANCY ANDRIGHI . Julgado em: 24/04/2012 Disponível em: <http://www.stj.jus.br/SCON/jurisprudencia/ toc.jsp?tipo_visualizacao=null&livre=abandono+afetivo&b=ACOR&thesaurus=JURIDICO>. Acesso em: 05 abr. 2013. 558 MACHADO, Juliana Bittencourt; FIGUEIREDO, Claudia Regina Althoff. Danos morais por abandono afetivo: uma análise à luz dos princípios de direito de família. Revista Eletrônica de Iniciação Científica. Itajaí, Centro de Ciências Sociais e Jurídicas da UNIVALI. v. 4, n.3, p. 542-562, 3º Trimestre de 2013. Disponível em: www.univali.br/ricc - ISSN 2236-5044 Por fim os autores Conrado Paulino da Rosa, Dimas Messias Carvalho e Douglas Phillips Freitas55 asseguram: A responsabilidade paterna possui um conteúdo muito mais amplo, notadamente de feições existenciais. A formação do filho como pessoa exige a efetiva presença e educação, tanto por parte do pai como da mãe. Deste modo, torna-se imprescindível uma mudança de paradigma jurídico e social: cultura da paternidade irresponsável deve ser substituída pela consciência da necessária participação de ambos os genitores no processo de desenvolvimento do filho, cada qual cumprindo sua função. Com todo o ordenamento jurídico em prol da criança e do adolescente não há por que não indenizar o pai que deixa de cumprir sua função perante a família, a sociedade e ao Estado, é uma questão de ética e moral. 4.1 Reparação do dano moral no abandono afetivo A reparação do dano moral no âmbito afetivo, em sua forma de indenização pecuniária, tem como objetivo suprir o sofrimento causado pela a ausência paternofilial. A finalidade desta reparação possui dupla função, a primeira de compensar e satisfazer a vítima, e a segunda de punir o causador do dano. Para Carlos Roberto Gonçalves56: A reparação pecuniária do dano moral tem duplo caráter: compensatório para vítima e punitivo para o ofensor. Ao mesmo tempo que serve de lenitivo, de consolo, de uma espécie de compensação para atenuação do sofrimento havido, atua como sanção ao lesante [...] Em um primeiro momento tem-se a forma compensatória e satisfatória onde a indenização nesta esfera serve de compensação, que visa proporcionar a vítima uma satisfação que atenue a dor ou ofensa causada. Pablo Stolze Gagliano e Rodolfo Pamplona Filho57 afirmam, na reparação do dano moral, o dinheiro não desempenha função de equivalência, como no dano material, mas sim, função satisfatória. Neste caso o dinheiro não vai pagar seu sofrimento vai apenas satisfazer o dano causado. 55 ROSA, Conrado Paulinho; CARVALHO, Dimas Messias de; FREITAS, Douglas Phillips. Dano moral & direito das famílias. p. 212. 56 GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito civil brasileiro: responsabilidade civil. p. 375. 57 GAGLIANO, Pablo Stolze; PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Novo curso de direito civil: responsabilidade civil. p. 77. 559 MACHADO, Juliana Bittencourt; FIGUEIREDO, Claudia Regina Althoff. Danos morais por abandono afetivo: uma análise à luz dos princípios de direito de família. Revista Eletrônica de Iniciação Científica. Itajaí, Centro de Ciências Sociais e Jurídicas da UNIVALI. v. 4, n.3, p. 542-562, 3º Trimestre de 2013. Disponível em: www.univali.br/ricc - ISSN 2236-5044 Na mesma linha, defende Rui Stoco58 que tal paga em dinheiro deve representar para a vítima uma satisfação, igualmente moral, ou seja, psicológica, capaz de neutralizar ou “anestesiar” em alguma parte o sofrimento atingido. Já no caráter punitivo sua função é punir o causador do dano. Sergio Cavalieri Filho59 entende que a indenização punitiva do dano moral deve ser também adotada quando o comportamento do ofensor se revelar particularmente reprovável. Rui Stoco60 afirma que condenar o agente causador do dano ao pagamento de certa importância em dinheiro, de modo a puni-lo, desestimulando-o da prática futura de atos semelhantes. A sanção também tem caráter social, no momento em que faz o pai faltoso pagar uma quantia pecuniária ao filho, esta serve de alerta para que o genitor não volte a cometer tal ato ilícito, Clayton Reis61 diz, o sentido punitivo objetiva, dessa forma, refrear os impulsos anti-sociais do ofensor, bem como produzir medida exemplar no meio social. Portanto resposta do judiciário para a conduta ilícita é a sanção, o agente causador do dano vai reparar o dano causado com uma diminuição de seu patrimônio e assim indenizar a vítima. CONSIDERAÇÕES FINAIS Pode-se dizer que ficou para trás aquele modelo de família tradicional e patriarcal e estamos vivendo um novo conceito de família fundada no respeito, na solidariedade, no afeto e no carinho. Desde a promulgação da CFRB/88 o ordenamento jurídico vem sofrendo adaptações, nossa sociedade está mais humana e compreensível. Com isso, no que tange a responsabilidade civil dos pais pelos danos morais decorrentes do abandono afetivo paterno-filial, segue com o objetivo de proteger o melhor interesse da criança e do adolescente. 58 STOCO, Rui. Tratado de responsabilidade civil. p. 1683. 59 CAVALIERIE FILHO, Sergio. Programa de responsabilidade civil. p. 91. 60 STOCO, Rui. Tratado de responsabilidade civil. p. 1684. 61 REIS, Clayton. Novos rumos da indenização do dano moral. Rio de Janeiro: Forense, 2003. p. 199. 560 MACHADO, Juliana Bittencourt; FIGUEIREDO, Claudia Regina Althoff. Danos morais por abandono afetivo: uma análise à luz dos princípios de direito de família. Revista Eletrônica de Iniciação Científica. Itajaí, Centro de Ciências Sociais e Jurídicas da UNIVALI. v. 4, n.3, p. 542-562, 3º Trimestre de 2013. Disponível em: www.univali.br/ricc - ISSN 2236-5044 A lei não faculta aos pais conviver, criar ou educar seus filhos e sim pelo contrário impõe esta função como um dever jurídico. Como consequência desta evolução, o judiciário vem reconhecendo e julgando procedentes ações de indenizações por abandono afetivo, isso traduz uma verdadeira proteção integral ao interesse do menor. Portanto, com a finalidade da reparação de danos morais por abandono afetivo corresponde para o filho uma satisfação e compensação à perda de conviver com pai ou mãe omisso e ao genitor faltoso uma punição, para que num futuro não repita tal ato ilícito. REFERÊNCIA DAS FONTES CITADAS BITTAR. Carlos Alberto. Direito de família. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2006. BITTAR, Carlos Alberto. Reparação civil por danos morais. 3 ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1999. p. 39. CAVALIERIE FILHO, Sergio. Programa de responsabilidade civil. 7. ed. São Paulo: Atlas, 2007. DIAS, Maria Berenice. Manual de direito das famílias. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2005. FARIAS, Cristiano Chaves de; ROSENVALD, Nelson. Direito das famílias. 2. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2010. GAGLIANO, Pablo Stolze; PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Novo curso de direito civil: responsabilidade civil. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 2006. GONÇALVES. Carlos Roberto. Direito civil brasileiro: direito de família. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 2007. GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito civil brasileiro: responsabilidade civil. São Paulo: Saraiva, 2007. MADALENO, Rolf. Curso de direito de família. Rio de Janeiro: Forense, 2011. MADALENO, Rolf. Repensando o direito de família. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2007. MALUF, Carlos Alberto Dabus; MALUF, Adriana Caldas do Rego Freitas Dabus. Curso de direito de família. São Paulo: Saraiva, 2013. 561 MACHADO, Juliana Bittencourt; FIGUEIREDO, Claudia Regina Althoff. Danos morais por abandono afetivo: uma análise à luz dos princípios de direito de família. Revista Eletrônica de Iniciação Científica. Itajaí, Centro de Ciências Sociais e Jurídicas da UNIVALI. v. 4, n.3, p. 542-562, 3º Trimestre de 2013. Disponível em: www.univali.br/ricc - ISSN 2236-5044 REIS, Clayton. Novos rumos da indenização do dano moral. Rio de Janeiro: Forence, 2003. ROSA, Conrado Paulinho; CARVALHO, Dimas Messias de; FREITAS, Douglas Phillips. Dano moral & direito das famílias. Florianópolis: Voxlegem, 2012. STOCO, Rui. Tratado de responsabilidade civil. 6. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004. 562