Notas sobre conjuntos, funções e cardinalidade (semana 1 do curso) Roberto Imbuzeiro Oliveira∗ 8 de Janeiro de 2014 1 Conjuntos e funções Neste curso procuraremos fundamentar de forma precisa os fundamentos mais básicos do Cálculo. Para fazer isto com todo o rigor, terı́amos que em primeiro lugar apresentar de forma adequada toda a Teoria de Conjuntos: de fato, todo objeto matemático que apresentarmos nestas notas será descrito por conjuntos, de uma forma ou de outra. Não teremos tempo de seguir esta abordagem ideal no curso, mas procuraremos esclarecer alguns pontos relacionados nestas notas. 1.1 O que é (ou não é) conjunto Um conjunto X é uma “entidade abstrata”sobre a qual se pode fazer perguntas do tipo “x ∈ X”? A interpretação que damos a esta pergunta é “x pertence a X?”; se a resposta for “sim”, dizemos que x é elemento de X. Exemplo 1 (Exemplos intuitivos) N (números naturais), Z (inteiros), R (reais), Q (racionais), o conjunto de alunos desta turma. No final das contas, qualquer afirmação feita a respeito de um conjunto é na verdade a respeito dos elementos que ele contem ou não contem. Por exemplo, dois conjuntos X e Y são iguais se todos os elementos de um são elementos de outro. Em sı́mbolos1 : X=Y: ∀x : x ∈ X ⇔ x ∈ Y ∗ 1 IMPA, Rio de Janeiro, RJ, Brazil, 22430-040. O sı́mbolo ∀ significa “para todo”e ⇔ significa “se e somente se”. 1 Da mesma forma, X ⊂ Y se todo elemento de X é também elemento de Y . Em sı́mbolos: X⊂Y: ∀x : x ∈ X ⇒ x ∈ Y. Intuitivamente, um conjunto X representa uma coleção de elementos. Existe uma coleção vazia, simbolizada por ∅, tal que ∀x : x 6∈ ∅. De fato, só pode existir um conjunto vazio (exercı́cio). No entanto, há coleções que não são conjuntos: por exemplo, não existe um conjunto cujos elementos incluem todos os conjuntos que existem. Isto está relacionado ao fato que, dado um conjunto X, podemos obter um subconjunto Y ⊂ X via especificação: se P é uma propriedade que cada x ∈ X pode ou não satisfazer, então: Y ≡ {x ∈ X : X satisfaz P } é subconjunto de X. De fato, neste curso todo conjunto com o qual trabalharemos será ou declarado conjunto conhecido (no caso de N) ou então obtido de um outro conjunto via especificação e produtos cartesianos. Os leitores interessados numa melhor compreensão da Teoria de Conjuntos podem procurar os seguintes livros: • Keith Devlin. The Joy of Sets. • Paul Halmos. Naı̈ve Set Theory. (Este livro é considerado um clássico.) 1.2 Funções são conjuntos Em geral uma função entre os conjuntos A e B é simbolizada por f : A → B. Informalmente, ela dá uma regra que associa a cada elemento a ∈ A um elemento f (a) ∈ B. Recordamos que os conjuntos A e B são respectivamente chamados de domı́nio e contradomı́nio de f . Observe que as definições de domı́nio e contradomı́nio são parte da definição de f Esta definição informal tem alguns problemas. O mais óbvio deles é que a palavra “regra”tem de ser usada num sentido muito amplo para que ela valha. É f (x) = x2 é uma “regra”clara que associa a cada x ∈ R o seu quadrado, mas outras funções podem ser muito mais complicadas ou não ter regra nenhuma 2 . 2 Esta última afirmação será esclarecida mais adiante no curso. A ideia é que existem muito mais funções de N em {0, 1}, por exemplo, do que qualquer regra escrita seria capaz de descrever. 2 Um livro de Teoria de Conjuntos contornaria este problema – e faria jus à nossa afirmação de que tudo é conjunto – através da seguinte derfinição 3 . Definição 1 Uma função com domı́nio A e contradomı́nio B é um subconjunto G ⊂ A × B com a seguinte propriedade: ∀a ∈ A ∃! b ∈ B : (a, b) ∈ G. (1) De que forma isto corresponde à ideia intuitiva? Veja que, por um lado, se f e função o conjunto Gf ≡ {(a, f (a)) : a ∈ A} (chamado de gráfico de f ) satisfaz a definição acima, pois a cada a ∈ A corresponde um único b (que é o b = f (a)). Por outro lado, dado G ⊂ A × B que satisfaz (1), podemos tomá-lo como o gráfico de alguma f descrita pela seguinte “regra abstrata”: se queremos saber quem é f (a), procuramos o único par (a, b) ∈ G contendo a e concluı́mos b = f (a). Dito de outro modo, G é uma tabela que nos diz o valor de f (a) para cada a ∈ A. No final das contas, o que vimos é que o conceito intuitivo de função encontra uma expressão rigorosa dentro da Teoria de Conjuntos. Este mesmo princı́pio se aplica a essencialmente todos os outros conceitos da Matemática. Na maior parte do tempo trabalharemos como se o conceito intuitivo fosse verdadeiro, retornando apenas ocasionalmente à definição formal. Observação 1 Dada f : A → B e A0 ⊂ A, em geral definimos a restrição de f a A0 como a função dada pela mesma regra que f , mas restrita aos elementos de A0 . Note que, no âmbito da nossa definição, isto pode ser expresso como: G0 ≡ G ∩ (A0 × B) = {(a, b) ∈ G : a ∈ A0 }. 2 Conjuntos finitos e cardinalidades Aqui nesta seção elucidamos o material no Cap 1 do “Elon pequeno”que se refere a cardinalidades. Tomamos como fatos conceitos como a ordem de N, a tricotomia da ordem e o fato que todo conjunto A ⊂ N que não é vazio tem um elemento mı́nimo. Antes disto, recordamos alguns fatos. Sejam A e B conjuntos e f : A → B uma função. Recorde que f : A → B é: 3 ∃! significa “existe um único”. 3 • injetiva se para quaisquer a, c ∈ A, “a 6= c”⇒“f (a) 6= f (c)”; • sobrejetiva se para qualquer b ∈ B existe um a ∈ A com f (a) = b; • bijetiva se é injetiva e sobrejetiva. Exercı́cio 1 Prove que injetividade e sobrejetividade são preservadas pela composição de funções. Lembramos ainda que f ◦ g denota a composição de funções f : B → C e g : A → B. Dado n ∈ N, escreva [n] := {i ∈ N : i ≤ n}. Às vezes chamaremos este conjunto de In , como nos livros do Elon (a notação do colchete vem se firmando como padrão). 2.1 O finito e o infinito Definição 2 (Finitude e infinitude) Dizemos que um conjunto X é finito se X é vazio ou se existem n ∈ N uma f : X → In que é injetiva (dizemos que f atesta a finitude de X). X é dito infinito quando esta função não existe. Observe alguns fatos simples: • Se X é finito, qualquer Y ⊂ X é finito. De fato, se f : X → [n] atesta a finitude de X, a restrição de f a Y atesta a finitude de Y (pois a restrição de uma função injetiva também é injetiva). • Se X, C são conjuntos, C é finito e existe g : X → C injetiva, então X também é finito. De fato, se f atesta a finitude de C, f ◦ g atesta a finitude de X. • Bijeções preservam a finitude e a infinitude de conjuntos. Segue do fato acima, juntamente com o fato que uma função bijetiva é injetiva e tem inversa injetiva. • Se X ⊂ N é limitado, então X é finito. A afirmação de que X é limitado significa que existe p ∈ N com ∀x ∈ X : x ≤ p. Neste caso, vemos que X ⊂ [p], portanto a f : X → [p] que leva cada x ∈ X nele mesmo atesta a finitude de X. 4 2.2 Cardinalidade de conjuntos finitos Definição 3 (Cardinalidade) Seja X um conjunto finito. A cardinalidade de X, denotada por |X|, é definida como |X| = 0 se X = ∅ e |X| = n se n ∈ N é o menor natural para o qual existe uma função injetiva f : X → [n]. (Este valor existe porque o conjunto dos n ∈ N tal que existe tal injeção não é vazio, posto que X é finito.) A ideia intuitiva é que a cardinalidade conta o número de elementos de um conjunto. O teorema a seguir mostra isto num caso particular. Teorema 1 |[m]| = m para qualquer m ∈ N. Prova: Note que a função identidade é uma injeção de [m] em [m], logo |[m]| ≤ m. Resta provar que não podemos ter |[m]| < m. Dito de outro modo, queremos provar que todo número natural n ∈ N satisfaz a seguinte propriedade: P(n): Não existe função injetiva f : [m] → [n] para qualquer natural m > n. (Em forma contrapositiva: se f : [m] → [n] é injetiva, m ≤ n.) A prova desta propriedade para todo n ∈ N será por indução em n. Base: Se n = 1, [n] = {1}. Tome m > 1. Veja que 1 ∈ [m] e portanto 1, m são dois elementos distintos de [m]. Isto implica que não pode haver f : [m] → {1} injetiva. Passo indutivo. Suponha n ≥ 1 é tal que vale P(n). Vamos provar que P(n + 1) também vale. Para isso fixaremos m ∈ N tal que existe f : [m] → [n + 1] injetiva e provaremos m ≤ n + 1. Temos três casos. Caso 1. n + 1 6∈ Imagem(f ). Neste caso f pode ser encarada como uma função f 0 : [m] → [n]. Como P(n) vale, isto implica que m ≤ n e portanto m ≤ n + 1. Caso 2. f (m) = n + 1. Neste caso, a ideia é retirar m e notar que passamos a ter uma função injetiva de [m − 1] em [n].De feito, como f é injetiva, nenhum i < m pode ter f (i) = n + 1. Deste modo, a restrição de f 5 a [m − 1] é injetiva e tem imagem contida em [n + 1]\{n + 1} = [n]. No entanto, como [n] satisfaz P(n), isto implica que m−1 ≤ n, ou seja, m ≤ n+1. Caso 3. Agora considere o caso em que f (a) = n+ 1 para algum a ∈ [m], a 6= m. A ideia é trocar a e m de lugar para voltar ao caso anterior. Mais exatamente, seja g : [m] → [m] tal que g(a) = m, g(m) = a e g(r) = r para todos os demais elementos de [m]. Veja que esta g é uma bijeção e que portanto a composição f ◦ g : [m] → [n] é injetiva e satisfaz f ◦ g(m) = n + 1. Assim voltamos ao caso acima, em que já concluı́mos que m ≤ n + 1. 2 Teorema 2 Seja X um conjunto finito que não é vazio. Então qualquer função injetiva f : X → [|X|] é uma bijeção. Prova: Seja f : X → [|X|] injetiva. Vamos supôr (para chegar a uma contradição) que f não é sobrejetiva. Então existe i ∈ [|X|] tal que i 6= f (x) para qualquer x ∈ X. Temos agora dois casos a considerar: i = |X| e i 6= |X|. Se i = |X|, vemos que a imagem de f está contida em [|X| − 1]. Redefinindo o contradomı́nio de f como [|X| − 1], vemos que existe g : X → [|X| − 1] (definida por g(x) = f (x) para todo x ∈ X) que é injetiva. Isto contradiz a minimalidade de |X|. Suponha agora que i 6= |X|. Neste caso, como i ∈ [|X|] temos i < |X|. Considere agora uma g : X → [|X| − 1] definida da seguinte forma: i se f (x) = |X|; g(x) := f (x) se não. É um exercı́cio verificar que g de fato tem contradomı́nio [|X|−1] e é injetiva. Deste modo, também neste caso temos uma contradição: existe f : X → [|X| − 1] injetiva, o que contradiz a minimalidade de |X|. As contradições excluem todos os casos possı́veis, de modo que concluı́mos que a premissa – “existe f : X → [|X|] injetiva, mas não sobre” – é falsa. Isto é exatamente o que desejávamos mostrar. 2 Exercı́cio 2 Conclua dos teoremas acima que, se X 6= ∅ é conjunto finito, existe um único n ∈ N para o qual há uma bijeção b : X → [n].Além disto, este n é precisamente a cardinalidade de X. Antes de prosseguir, enunciamos um corolário importante dos resultados acima. 6 Corolário 1 Se A e B são finitos, então há uma função injetiva f : A → B se e somente se |A| ≤ |B|; e vice-versa. Prova: Sabemos que há bijeções h : B → [|B|] e g : A → [|A|]. Se existe tal f , note que h ◦ f ◦ g −1 é função injetiva de [|A|] em [|B|]. Desta forma, a cardinalidade de [|A|] (que é |A|) é menor que a de [|B|] (que é |B|). Por outro lado, se |A| ≤ |B|, vemos que f := h−1 ◦ g é função injetiva entre A e B. 2 Exercı́cio 3 Mostre que |A| < |B| sempre que A ⊂ B com B finito e A 6= B. Exercı́cio 4 Mostre que, se A e B são finitos e A ∩ B = ∅, então |A ∪ B| = |A| + |B|. 2.3 Conjuntos enumeráveis Nesta seção discutiremos uma classe de conjuntos possivelmente infinitos, mas que ainda assim podem ser “contados” de algum jeito. Definição 4 (Enumerabilidade) Um conjunto X é dito enumerável se X é vazio ou existe f : X → N injetiva. (Neste caso dizemos que f atesta a enumerabilidade de X.) Eis algumas consequências simples desta definição, que deixamos como exercı́cios: • Todo subconjunto de um conjunto enumerável é enumerável. • N e todos os seus subconjuntos são enumeráveis. Falar do que seria a “cardinalidade” de um conjunto enumerável infinito não é tarefa muito simples. No entanto, vimos no caso finito que a cardinalidade de X é atestada por alguma bijeção b : X → [n]. Do mesmo modo, o teorema a seguir nos diz que um conjunto enumerável infinito sempre tem uma bijeção com N. Teorema 3 Todo conjunto infinito enumerável tem uma bijeção com N. Esta é uma das primeiras demonstrações realmente difı́ceis do curso, portanto teremos bastante cuidado. 7 Prova: Seja X infinito enumerável e seja f : X → N uma função injetiva que atesta isto. Chame de J a imagem de f . Como f é injetiva, X e J estão em bijeção (dito de outro modo, quando restringimos o contradomı́nio de f a sua imagem, o que obtemos é uma bijeção.). Em particular, J é infinito. No restante da prova vamos provar que há uma bijeção entre J e N, o que implica que há uma bijeção4 entre X e N. Reiteramos: a partir de agora nosso objetivo é provar que Se J ⊂ N é infinito, então há uma bijeção entre J e N. A ideia básica é que a bijeção levará o menor elemento de J em 1, o segundo menor elemento em 2, o terceiro menor elemento em 3 e assim por diante. Esta é uma maneira bem natural de conceber a bijeção; mas há outra maneira de escrevê-la que é mais conveniente. b: J j → N . 7 → b(j) := |[j] ∩ J| Em palavras: b(j) conta quantos elementos de J são menores ou iguais a j. Note que b é uma função bem definida. Afinal, [j] é sempre finito, logo [j] ∩ J o é e podemos falar da cardinalidade deste conjunto. Além disto, a cardinalidade é sempre > 0 porque j ∈ [j] ∩ J e portanto [j] ∩ J 6= ∅. Concluı́mos que |[j] ∩ J| ∈ N sempre. Mostraremos que b é uma bijeção em duas partes. b é injetiva. Dados dois elementos distintos j, k ∈ J, temos j < k ou k < j. Vamos supôr que vale j < k, pois o outro caso é análogo. Veja que [j] ∪ {k} ⊂ [k]. Como k ∈ J, temos [k] ∩ J ⊂ ([j] ∪ {k}) ∩ J = ({j} ∩ J) ∪ {k}. Em outras palavras, [k] ∩ J tem pelo menos um elemento a mais que [j] ∩ J. O exercı́cio implica que: b(k) = |[k] ∩ J| > |[j] ∩ J| = b(j). b é sobrejetiva. Vamos provar por indução que qualquer n ∈ N está na imagem de B. Base: 1 ∈ Imagem(b). De fato, como J 6= ∅, J tem um menor elemento j1 ∈ J. Veja que [j1 ] ∩ J tem j1 como único elemento elemento; 4 Você consegue ver porque isto é verdade? O ponto é que podemos compôr as bijeções entre X e J e entre J e N! 8 caso contrário, existiria j ∈ ([j1 ] ∩ J) ∩ {j1 } = [j1 − 1] ∩ J e tal j seria necessariamente menor que j1 (contradição). Vemos, portanto, que b(j1 ) = |[j1 ] ∩ J| = |{j1 }| = 1. Passo indutivo: supondo que n ∈ Imagem(b), provaremos agora que n + 1 ∈ Imagem(b). Para isto tomamos j ∈ J com b(j) (o que existe pela hipótese de indução). A ideia é que o “próximo elemento” de J será levado em n + 1. Sendo mais precisos, notamos que J 6⊂ [j], posto que J não é finito, de modo que J\[j] não é vazio. Seja k o menor elemento de J\[j]. Afirmamos que b(k) = n + 1. De fato, veja que: [k] ∩ J = A ∪ B com A := ([j] ∩ J) e B := ({j + 1, . . . , k} ∩ J). A tem b(j) = n elementos. B contem k (já que k ∈ J) e nenhum outro elemento, pois qualquer i ∈ {j + 1, . . . , k − 1} ∩ J seria um elemento de J\[j] menor do que k. Deduzimos que |B| = 1. Como A e B são disjuntos, o exercı́cio 4 nos diz que b(k) = |[k] ∩ J| = |A ∪ B| = |A| + |B| = b(j) + 1 = n + 1. Portanto n + 1 ∈ Imagem(b), CQD. 2 Observação 2 A prova acima nos dá uma bijeção crescente entre J e N. Uma prova seguindo o Elon nos permitiria provar que se U é qualquer conjunto infinito, existe V ⊂ U infinito e enumerável. 2.4 As partes de um conjunto e a existência de conjuntos não enumeráveis Nesta seção provaremos um dos fatos fundamentais a respeito de “cardinalidades de conjuntos infinitos”: que existem conjuntos não enumeráveis. Isto quer dizer que existem conjuntos infinitos I que são maiores do que N no seguinte sentido: existe uma injeção de N em I, mas não há injeção de I em N. Este resultado (e a técnica de demonstração a seguir) foram contribuições seminais de Georg Cantor aos Fundamentos da Matemárica A existência de conjuntos não enumeráveis segue de um resultado distinto que apresentamos a seguir. Recorde que, dado um conjunto X, podemos definir um conjunto cujos elementos são os subconjuntos de X. Este conjunto é chamado de conjunto das partes de X e denotado por P(X). Em sı́mbolos, P(X) := {A conjunto : A ⊂ X}. 9 Exercı́cio 5 Prove que P(X) é finito se e somente se X é finito. Teorema 4 Para qualquer conjunto X, não pode existir uma função sobrejetiva de X em P(X). Em particular, isto implica que P(N) não está em bijeção com N. Como P(N) é infinito (pelo exercı́cio), o Teorema 3 implica que ele não é enumerável. Prova: [do Teorema 4] A ideia desta prova é o chamado “truque diagonal”de Cantor. Na verdade várias ideias relacionadas recebem este mesmo nome; entre os muitos pontos em comum está o espanto que elas causam em quem nunca as viu. Digo sem exagero que a ideia da demonstração abaixo é algo que você deverá levar pelo resto da vida em algum canto da mente. Para enfatizar isto, vamos primeiro apresentar a prova “a jato” e depois refletir um pouco sobre ela, para entender por que ela faz algum sentido. A prova. Dada uma função F : X → P(X), vamos provar que ela não é sobrejetiva mostrando que existe A ∈ P(X) (isto é, um subconjunto de X) diferente dos conjuntos F (x) para x ∈ X. De fato, A é definido da seguinte maneira: A := {x ∈ X : x 6∈ F (x)}. Isto faz sentido porque, para cada x, F (x) é um subconjunto de X. Notamos ainda que qualquer x ∈ X pertence a um (e apenas um) dos conjuntos A, F (x). Portanto A 6= F (x) para todo x ∈ X e deduzimos que A 6∈ Imagem(F ). Refletindo sobre a prova. De que forma podemos construir um A que não está na imagem de F ? Precisamos que, para cada x ∈ X, exista um y ∈ X tal que y ∈ A e y 6∈ F (x) ou vice-versa. Afinal, dois conjuntos são diferentes se e somente se há algum elemento que só está em algum deles. A ideia de Cantor foi fazer a escolha mais simples para y, que é y = x. Esta decisão não é nada óbvia, mas, uma vez tomada, ela nos dá a saı́da. Se queremos que x esteja em exatamente um dos dois conjuntos A, F (x), devemos definir A de modo que x ∈ A ⇔ x 6∈ F (x). É exatamente desta forma que definimos A na nossa prova. 10 2