X Encontro Nacional de Educação Matemática Educação Matemática, Cultura e Diversidade Salvador – BA, 7 a 9 de Julho de 2010 A CONSTRUÇÃO DOS NÚMEROS INTEIROS POR CLASSES DE EQUIVALÊNCIA EM UMA TURMA DE EJA USANDO O JOGO DO VAI-VEM Sabrina Bobsin Salazar Universidade Federal de Pelotas [email protected] Resumo: Este trabalho versa sobre a construção dos números inteiros por uma turma de EJA de uma forma bastante precisa sob o ponto de vista matemático: via classes de equivalência. O conceito das classes de equivalência é construído partindo de material concreto através da aplicação de um jogo, o jogo do Vai-vem. Após, são realizadas algumas tarefas que preparam para a definição dos números inteiros. Palavras-chave: Números inteiros; Classes de equivalência; Material concreto. 1 Introdução Para iniciar este relato, vou relembrar a construção formal dos números inteiros via classes de equivalência. Vou adotar neste trabalho a forma proposta por (FLUCH, 2007, 3). A idéia do processo de construção dos números inteiros está baseada na seguinte observação: todo número inteiro x naturais m, n . Dois inteiros x pode ser escrito como uma diferença dos números m n e x m' n ' são o mesmo se, e somente se, m n ' m ' n , onde temos em ambos os lados da equação números naturais. Definição 1.1: Seja A um conjunto. Uma relação ~ no conjunto A é dita relação de equivalência se é reflexiva, simétrica e transitiva, ou seja: (i) x ~ x, x A (ii) x ~ y y ~ x, x, y A (iii) x ~ y, y ~ z x ~ z, x, y, z A Vamos definir a relação ~ no conjunto m, n ~ m', n ' por m n ' m' n . Teorema 1.2: A relação ~ definida acima é uma relação de equivalência em . A demonstração deste teorema é bastante trivial e requer apenas a utilização das propriedades da adição para números naturais. Definição 1.3: O conjunto dos números inteiros é o conjunto das classes de equivalência / ~. Anais do X Encontro Nacional de Educação Matemática Relato de Experiência 1 X Encontro Nacional de Educação Matemática Educação Matemática, Cultura e Diversidade Salvador – BA, 7 a 9 de Julho de 2010 Como exemplos de classes de equivalência em 0, 0 Os elementos de m, m ; m 1, 0 m 1, m ; m 0,1 m, m 1 ; m temos: 0 1 1 serão chamados de números inteiros. A construção precisa dos números inteiros é importante, pois auxilia na atribuição de outros significados para os esses números como definição de sentido, que é importante para escalas de temperatura e altitude, por exemplo. Além disso, favorece a definição das operações elementares de adição e multiplicação. Usualmente, esta apresentação dos números inteiros restringe-se a disciplinas específicas em cursos de licenciatura em matemática e não chega a aparecer nas salas de aula do ensino básico. Podemos evidenciar este fato analisando alguns livros didáticos, como (SPINELLI e SOUZA, 2002, 9-11) e (MORI e ONAGA, 2007, 22-24), que preocupam-se em enfatizar a apresentação dos números negativos, e não os números inteiros em sua totalidade, na maioria das vezes apresentando algumas aplicações para os esses números como escalas de temperatura e altitude e saldo bancário. Para possibilitar o aprendizado desta construção pelos alunos, pensei em um jogo que a tornasse “natural”. Chamei este jogo de Jogo do Vai-vem. O jogo é composto de um tabuleiro e dois dados de cores diferentes, digamos branco e azul. O tabuleiro consiste em uma sequência de casas, com uma casa central, chamada Início, uma casa Ganhou, distante 6 casas da casa Início e uma casa Perdeu, distante às mesmas 6 casas da casa Início, porém no sentido contrário, conforme figura 1.4. Anais do X Encontro Nacional de Educação Matemática Relato de Experiência 2 X Encontro Nacional de Educação Matemática Educação Matemática, Cultura e Diversidade Salvador – BA, 7 a 9 de Julho de 2010 Figura 1.4: Tabuleiro do jogo do Vai-vem. Regras do Jogo do Vai-vem: O número mínimo de jogadores é dois. Todos os jogadores iniciam na casa Início. Cada jogador, na sua vez, deve lançar os dois dados simultaneamente, o dado branco representa quantas casas em direção a casa Ganhou o jogador deve Anais do X Encontro Nacional de Educação Matemática Relato de Experiência 3 X Encontro Nacional de Educação Matemática Educação Matemática, Cultura e Diversidade Salvador – BA, 7 a 9 de Julho de 2010 movimentar-se e o dado azul representa quantas casas em direção a casa Perdeu o jogador deve movimentar-se. Para facilitar, convenciona-se que o movimento em direção a casa Ganhou é “para frente” e que o movimento em direção a casa Perdeu é “para trás”. O jogador que parar na casa Ganhou, ou em qualquer outra após a casa Ganhou em relação à casa Início, ganha o jogo e o jogo termina. O jogador que parar na casa Perdeu, ou em qualquer outra após a casa Perdeu em relação à casa Início, sai do jogo. Se sobrar apenas um jogador no tabuleiro, este ganha o jogo e o jogo termina. A vez de cada jogador só termina após executar o movimento advindo dos dois dados, mesmo que durante a movimentação ultrapasse a casa Ganhou ou a casa Perdeu. Então, por exemplo, se o jogador está a uma casa da casa Ganhou e tira dois no dado branco e três no dado azul, ele pára a duas casas da casa Ganhou e não ganha o jogo. Com este tabuleiro e com estas regras fica evidente uma identificação imediata com as classes de equivalência que definem os números inteiros. O número do dado branco corresponde à primeira posição do par ordenado e o número do dado azul corresponde à segunda. O número inteiro definido por esse representante da classe de equivalência aparece no movimento final do jogador. No início é introduzida apenas a noção de “para frente” ou “para trás”, os sinais + e – são introduzidos na realização de tarefas posteriores. O zero aparece “naturalmente” quando os números dos dois dados são iguais, primeiramente com a noção “não sai do lugar” e após, durante a realização de tarefas posteriores, com o símbolo 0. 2 A aplicação do jogo em sala de aula Este jogo foi aplicado em uma turma da Totalidade 4, da qual eu era a professora, na Escola Municipal de Ensino Fundamental Leocádia Felizardo Prestes no município de Porto Alegre no ano de 2009. A Totalidade 4 é uma “etapa” na Educação de Jovens e Adultos (EJA) prevista na organização das escolas municipais de Porto Alegre e corresponde, aproximadamente, ao sexto ou sétimo ano da escola regular. A legislação no estado do Rio Grande do Sul permite que jovens a partir de 15 anos ingressem em turmas Anais do X Encontro Nacional de Educação Matemática Relato de Experiência 4 X Encontro Nacional de Educação Matemática Educação Matemática, Cultura e Diversidade Salvador – BA, 7 a 9 de Julho de 2010 de EJA. Desta forma, os alunos da turma tinham idades entre 15 e 65 anos. Treze alunos participaram da realização desta atividade. A realização da atividade foi feita através da aplicação do jogo e da realização de tarefas propostas a partir da aplicação do jogo. Estas tarefas eram seqüenciais, ou seja, o aluno precisava terminar uma para começar a seguinte. Além disso, cada aluno realizava as tarefas em seu ritmo, ou seja, se o aluno terminasse a tarefa corretamente, poderia passar para a seguinte, não precisaria esperar que seus colegas terminassem ou esperar pela próxima aula. Da mesma forma, se algum aluno demorasse para terminar uma tarefa, ele poderia continuar em casa ou na aula seguinte. Como realização de tarefas, foi proposto que os alunos completassem as tabelas a seguir, tabelas, 2.1, 2.2, 2.3 e 2.4, na ordem em que estão colocadas no texto e realizassem a atividade 1 do anexo I. Após a realização destas 5 tarefas, foi pedido para os alunos lerem o texto no anexo II, a fim de formalizar os conceitos aprendidos. Tabela 2.1 Dado branco (para frente) Dado azul (para trás) 3 1 2 5 4 4 Movimento Final Tabela 2.2 Dado branco (para frente) Dado azul (para trás) 3 4 1 Movimento Final 1 para trás 5 não sai do lugar Dado branco (+) Dado azul (–) Movimento Final 3 3 1 4 5 4 Tabela 2.3 Tabela 2.4 Dado branco (+) Dado azul (–) 2 1 Movimento Final Anais do X Encontro Nacional de Educação Matemática Relato de Experiência 5 X Encontro Nacional de Educação Matemática Educação Matemática, Cultura e Diversidade Salvador – BA, 7 a 9 de Julho de 2010 2 2 +3 –4 Dos treze alunos que participaram da atividade, sete conseguiram realizar todas as tarefas propostas, alguns, inclusive avançaram no conteúdo e realizaram tarefas extras versando sobre comparação e adição de números inteiros. Os outros seis não cumpriram as tarefas, pois faltaram a muitas aulas. Durante o período de “jogar o jogo” já pude fazer algumas observações. Quando pensei nesta atividade, ponderei que as dificuldades viriam apenas durante a realização das tarefas, mas o próprio jogo já causou algumas dificuldades, principalmente aos alunos mais velhos. Para fazer o movimento, os alunos contavam a casa em que estavam ao invés de contar a partir da casa seguinte. É importante salientar que, se o movimento for realizado contanto a casa em que se está, ele não corresponde às classes de equivalência que definem os números inteiros. Após uma intervenção, os alunos conseguiram entender o movimento do jogo e jogá-lo de forma correta. Em certo momento, após a realização de algumas rodadas, foi solicitado que cada jogador somente executasse o movimento resultante da combinação dos dois dados. Esta etapa proporcionou o desenvolvimento de algumas técnicas próprias para calcular o movimento final sem executar cada etapa concretamente. Uma técnica bastante apurada que apareceu foi subtrair o valor do dado menor do valor do dado maior e “andar” no sentido do dado maior. A interação foi muito interessante, pois os alunos queriam compartilhar sua própria técnica com os colegas, especialmente os alunos mais velhos. Estes mesmos alunos mais velhos mostraram muito interesse em jogar o jogo e permaneceram algumas aulas jogando antes de se sentirem seguros e começarem a realizar as tarefas, já os alunos mais jovens, adolescentes, ficavam entediados após algumas rodadas e solicitavam as tarefas. Este maior tempo de contato com o material concreto pelos alunos mais velhos permitiu um aprendizado mais significativo evidenciado na realização das tarefas. Eles tinham mais autonomia ao preencher as tabelas, não precisavam voltar ao material concreto. Já os alunos mais jovens eram afoitos e queriam terminar as tarefas depressa, inclusive competindo entre si para ver quem completava antes, mas tinham mais dúvidas e precisavam retornar ao tabuleiro, às vezes diziam que não precisavam mais, porém desenhavam um esquema imitando o tabuleiro. Pude observar também que os alunos que jogaram por mais tempo no início da atividade cometiam menos Anais do X Encontro Nacional de Educação Matemática Relato de Experiência 6 X Encontro Nacional de Educação Matemática Educação Matemática, Cultura e Diversidade Salvador – BA, 7 a 9 de Julho de 2010 erros ao realizar as tarefas. Além disso, os alunos que faltavam a muitas aulas também precisavam retornar ao material concreto para conseguir concluir as tarefas. Além dessas observações gerais sobre a realização das tarefas propostas, pude perceber que as tabelas 1 e 3 foram mais fáceis de preencher do que as tabelas 2 e 4. O raciocínio necessário para preencher as tabelas 2 e 4 não se dava de forma direta como na realização do jogo, tornando seu preenchimento mais difícil. Já o sinal menos (–) foi assimilado muito facilmente. Alguns alunos empregaram os sinais mais (+) e menos (–) para facilitar a escrita da tarefa 5. No final da tarefa 5 já havia uma extensão aos pares formados pelos dados, imaginou-se um dado de 10 faces. E no texto seguinte a esta atividade, foram definidos os números inteiros formando pares com todos os números naturais. Esta extensão se deu de forma “natural”, o que foi percebido naqueles alunos que avançaram um pouco mais e resolveram tarefas de comparação e adição de números inteiros. Considerações finais Primeiramente, ponderei que os alunos mais velhos estavam usando o material concreto por mais tempo que deveriam, pois tinham ultrapassado o tempo esperado. Mas com a realização das tarefas, percebi que tinham usado o tempo necessário para seu aprendizado. Além disso, mesmo que os alunos mais jovens tenham precisado retornar ao material concreto mais vezes, seu aprendizado também foi observado durante a realização da tarefa 5. Considero bastante relevante a aplicação da atividade descrita, pois pude perceber que a utilização do material concreto possibilitou aos alunos que nunca tinham estudado os números inteiros uma aprendizagem bastante significativa e precisa sob o ponto de vista matemático. E mesmo os alunos que já haviam estudado o assunto em cursos regulares anteriormente adicionaram novos entendimentos às suas pré-concepções e seu entendimento prévio acerca dos números inteiros. O jogo ainda mostrou sua versatilidade quando alguns alunos realizaram tarefas extras sobre comparação e adição de números inteiros. Este trabalho poderia ser ampliado a fim de definir as operações de adição e multiplicação com os números inteiros usando o jogo do Vai-vem. Anais do X Encontro Nacional de Educação Matemática Relato de Experiência 7 X Encontro Nacional de Educação Matemática Educação Matemática, Cultura e Diversidade Salvador – BA, 7 a 9 de Julho de 2010 REFERÊNCIAS FLUCH, M. Construction of real numbers from the natural numbers. Disponível em: < http://mathstat.helsinki.fi/~fluch/docs/2007-01.pdf>. Acesso em 20/03/2010. MORI, I. e ONAGA, D. S. Matemática: Idéias e Desafios, 6ª. série. São Paulo: Saraiva, 2007. SPINELLI,W. e SOUZA, M. H. Matemática, 6ª. série. São Paulo: Ática, 2002. Anais do X Encontro Nacional de Educação Matemática Relato de Experiência 8 X Encontro Nacional de Educação Matemática Educação Matemática, Cultura e Diversidade Salvador – BA, 7 a 9 de Julho de 2010 ANEXO I Atividade 1 Responda as perguntas com base no jogo do Vai-vem. 1) Se você tirou 3 no dado branco (para frente) e 1 no dado azul (para trás), então o movimento final foi 2 para frente. Há outras combinações de dados que também resultam no movimento final 2 para frente? Quais? 2) Quais são as combinações de dados que resultam no movimento final 4 para frente? 3) Quais são as combinações de dados que resultam no movimento final 3 para trás? 4) Quais são as combinações de dados que resultam no movimento final não sai do lugar? 5) Imagine que você está jogando o jogo do Vai-vem, porém com dados diferentes, que possuem dez faces (isso significa que você pode tirar os números 1, 2, 3, 4, 5, 6, 7, 8, 9 ou 10 em cada um dos dados). Nesse caso, quais seriam as combinações de dados que resultariam no movimento final 4 para frente? 6) Ainda com o dado de dez faces, quais seriam as combinações de dados que resultariam no movimento final 3 pra trás? Anais do X Encontro Nacional de Educação Matemática Relato de Experiência 9 X Encontro Nacional de Educação Matemática Educação Matemática, Cultura e Diversidade Salvador – BA, 7 a 9 de Julho de 2010 ANEXO II O conjunto dos Números Inteiros No jogo do Vai-vem, tínhamos que combinar os dois dados para descobrir qual seria o movimento final de cada jogada. Assim, se um jogador tirasse 5 no dado branco (para frente) e 2 no dado azul (para trás), seu movimento final seria 3 para frente e se um jogador tirasse 2 no dado branco (para frente) e 5 no dado azul (para trás), seu movimento final seria 3 para trás. Para simplificar, podemos dizer 5, 2 3 para o primeiro caso e 3 para o segundo caso. Se usarmos o “0” (zero) para os movimentos resultantes 2,5 de dados iguais, como 2, 2 0 , podemos listar todos os movimentos possíveis do jogo: 5, 4, 3, 2, 1, 0, 1, 2, 3, 4, 5 . Os Números Inteiros são obtidos de maneira parecida com os movimentos do jogo do Vai-vem, porém são combinados todos os Números Naturais (1, 2, 3, 4, 5, 6, 7, 8, 9, 10, 11, 12, 13, 14, 15, ...), não só os que aparecem nos dados. Assim, podemos escrever, por exemplo: 8,10 2, 15,12 3, 12,3 9, 60,60 0, 10, 25 15 . Note que há inúmeras combinações que resultam em cada número inteiro: 2, 4 8,10 5,7 50,52 123,125 36,38 2. Quando reunimos todos os números inteiros, obtemos o que chamamos de conjunto dos Números Inteiros e o representamos pela letra . ..., 7, 6, 5, 4, 3, 2, 1,0, 1, 2, 3, 4, 5, 6, 7,... . Anais do X Encontro Nacional de Educação Matemática Relato de Experiência 10