Aprender a programar: brincadeira ou bixo-papão
Adão Caron Cambraia1, Maria Angélica Figueiredo Oliveira 2
1
Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia Farroupilha (IFF) – Campus Santo
Augusto – 98590-000 – Santo Augusto
2
Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia Farroupilha (IFF) – Campus Julio
de Castilhos – 98130-000 – Julio de Castilhos
[email protected], [email protected]
Resumo: Este artigo apresenta a problemática da aprendizagem da
programação e propõe o uso da linguagem de programação Scratch para
facilitar o processo do aprender a programar, vinculada a produção do
conhecimento das demais áreas do saber, empregando Piaget como pano de
fundo para as reflexões. A utilização do Scratch foi inserida na disciplina de
programação I do curso Integrado em Informática do Instituto Federal
Farroupilha- Campus Santo Augusto e como resultado inicial do trabalho
percebe-se um envolvimento maior dos alunos, tornando a aprendizagem mais
envolvente, mudando gradativamente o olhar de “bixo papão”da
programação.
1 Introdução
O ensino-aprendizagem da programação é visto por muitos alunos da informática como
o “bixo papão”, por ser uma disciplina que exige raciocínio lógico, pensamento crítico e
concentração, o que torna o seu aprendizado cansativo, difícil e frustrante por parte de
alguns alunos.
No Instituto Federal Farroupilha- Campus Santo Augusto, o Curso Integrado de
Informática é um curso com disciplinas técnicas de informática e do núcleo comum. De
acordo, com o Plano de Desenvolvimento Institucional (PDI) da instituição, para
desenvolver o currículo integrado, faz-se necessária a articulação entre os campos do
conhecimento da educação básica e do profissionalizante e estes por sua vez, com a
pesquisa e extensão. “A integração exige que a relação entre conhecimentos gerais e
específicos seja construída continuamente ao longo da formação, sob os eixos do
trabalho, da ciência e da cultura”(RAMOS, 2005).
A integração entre as áreas do conhecimento não é algo fácil no que se refere as
áreas do núcleo comum, como por exemplo, português, matemática, física. Imagina-se
uma efetiva integração dessas com a área da computação. Na parte técnica, o ensinoaprendizagem da programação apresenta dificuldades: a) por parte dos alunos - em
compreender uma linguagem nova, em interpretar os problemas; em perceber uma
relação entre o abstrato e o concreto (geralmente, utiliza-se a matemática para a
introdução à programação); b) por parte dos professores: as linguagens utilizadas são
genuinamente voltadas para um trabalho vinculado com a matemática, o que torna
difícil sua relação com o concreto. Acaba-se caindo em um ciclo vicioso: de um lado, o
professor impotente ao trabalhar, por mais que aumente e diversifique as formas de
ensinar; de outro, o aluno impotente em compreender. Esses aspectos são responsáveis
por um alto índice de reprovação e evasão dos cursos técnicos de informática,
principalmente dos cursos subsequentes1.
Na busca de uma solução para a complexidade da situação, desenvolveu-se uma
pesquisa, na disciplina de Programação I, no 2º ano do Integrado de Informática, no
qual se pretende conhecer e viabilizar alternativas para tornar o ensino da programação
mais envolvente para o aluno, e desta forma mais eficiente o seu entendimento. Neste
sentido, o trabalho propõe o uso da linguagem de programação Scratch para alcançar o
objetivo, facilitando a organização dos conceitos, permitindo ao aluno a visualização do
resultado à medida que avança sua programação. Sendo assim, passamos a discutir
alguns pontos importantes em nossa pesquisa.
2 O Ensino da Programação
O ensino da programação tem como foco oportunizar aos alunos, o conhecimento para
desenvolvimento de programas e soluções para problemas algorítmicos do cotidiano.
Para Pimentel et al. (2003) aprender a programar é um processo difícil para muitos
alunos, sendo esta constatação demonstrada com as disciplinas que introduzem o ensino
da programação, como por exemplo, Algoritmos, onde se percebe que muitos não
entendem e não conseguem compreender conceitos abstratos simples. Diante dos
problemas propostos não conseguem chegar a resolução, quando o professor propõe
uma solução seguida da explicação declaram que entenderam. No entanto, a dificuldade
retorna no próximo exercício. Para França (2010), esta ineficiência no processo gera
desmotivação que pode acarretar desistência por parte dos alunos. No entanto, a
realidade do Instituto Federal Farroupilha ocasiona outra situação, isto por que o curso
de informática é integrado ao ensino médio, e por esta razão o aluno não evade,
continua no curso apenas em razão do ensino médio. Neste sentido se observa que esta
desmotivação demonstrada com a programação é também sentida e refletida nas demais
disciplinas técnicas, prejudicando o desempenho do aluno no curso.
Por si só a disciplina de programação é considerada o “bicho papão” pela grande
maioria dos alunos da área de informática. Autores como Rocha (1991), Gomes e
Mendes (2000) ressaltam o insucesso no ensino da programação da qual tem sido um
recorrente em muitas instituições. Diante desta realidade, iniciativas vêm sendo
desenvolvidas no intuito de amenizar este problema, o que reforça as deficiências
mencionadas, apresentando propostas de reversão deste cenário (PIMENTEL et al.2003;
FRANÇA et al. 2010). Contudo há poucos resultados positivos e efetivos na solução
destes problemas.
Mesmo diante da complexidade do aprendizado de uma linguagem de
programação, Seymour Papert, em seu livro “Logo: computadores e educação” já
idealizava a programação para crianças. O autor escreve que, quando criança brincava
com engrenagens na oficina mecânica de seu avô, facilmente montava e desmontava
diferenciais. Na escola tinha uma maior facilidade com a matemática do que seus
colegas. Mais tarde, ao estudar com Piaget e entender como as crianças aprendem,
1
Subsequentes são cursos técnicos para quem já possui ou está fazendo o Ensino Médio. Sua
grade curricular é composta apenas por disciplinas da área técnica.
compreendeu porque tinha maior facilidade na escola. Ele entendeu que recebia, por
exemplo, uma tarefa de matemática, fazia uma transposição para o sistema de
engrenagens e conseguia perceber o significado da disciplina, resolvendo-a com grande
facilidade. De acordo com o autor, para que as crianças aprendam basta elas utilizarem
um sistema de engrenagens. No entanto, esse sistema tinha significado e relações
afetivas para Papert e não para qualquer outro jovem. Nesse ponto, o autor lança a
proposta de que todas as crianças quanto mais cedo brincarem nos computadores com
LOGO, maior é a possibilidade de elaborar conhecimento nesse ambiente. O Logo seria
a engrenagem das crianças.
Ao escrever sobre o Logo, uma versão mais primitiva do Scratch, Papert (1986)
afirma que a motivação não é a criação de um produto final, mas sim o processo: o erro
encontrado pode servir como desafio para alcançarmos o desejado. Assim, é permitido
que pessoas com habilidades e interesses diferentes possam discutir entre si sobre o
erro. A idéia é questionar o porquê da ocorrência do erro, e não deixá-lo de lado e
esquecê-lo. Dependendo de como o computador for utilizado, as pessoas ficam
contentes em poder usar a sua capacidade para apagar os erros sem deixar vestígios. No
caso do Scratch é sugerida uma atitude oposta. Os erros são encarados como parte
integrante do processo, porque nos impulsionam a compreender o que aconteceu. Ao
ensinar o computador a “pensar”, a criança embarca numa exploração sobre a maneira
como ela própria pensa. Pensar sobre modos de pensar faz a criança tornar-se um
epistemólogo, uma experiência que poucos adultos tiveram.
3 Proposta do Scratch no Curso Integrado em Informática : Primeiros Resultados
A partir dos estudos realizados com a linguagem Scratch e os efeitos positivos que
podem ser atingidos com a programação, como por exemplo, a frustração em não
conseguir avançar na implementação de programas é substituída pela motivação de
construir seus primeiros programas. Por mais simples que sejam é possível visualizar os
resultados. Aplica-se o comando, por exemplo, efeito, em uma fotografia, seguido de
algumas instruções de interação com mouse, obtêm-se efeitos conforme o usuário
movimenta o mouse.
Dessa forma, para o aprendizado da programação o artigo propõe a utilização
do Scratch, que além de propiciar o aprendizado de uma linguagem de programação,
permite a relação com as demais disciplinas que compõe o plano curricular do Curso
Integrado de Informática. Propõe-se aos alunos que problematizem alguns conceitos de
uma das áreas (Linguagens, Códigos e suas tecnologias; Ciências Humanas e suas
tecnologias e Ciências da natureza e suas tecnologias). A partir dessa problematização a
ideia é delineada, posteriormente passa-se a pensar nas instruções, realiza-se uma série
de testes diretamente no Scratch – como trata-se de uma linguagem intuitiva, facilita a
escolha do comando mais apropriado para a situação.
4 Considerações Finais
Sem dúvida a disciplina de programação é uma das mais temidas no curso de
informática e como tal é uma das razões dos grandes índices de reprovação e muitas
vezes de evasão do curso. Neste sentido, a insatisfação com esta realidade fez com que
professores do curso de informática fossem em busca de alternativas para mudar este
cenário. Neste contexto é que surge o Scratch.
Até o presente momento, utilizou-se o Scratch com um experimento na
disciplina de Programação I, ou seja, exclusivamente para o ensino da programação sem
a preocupação de que os professores empregassem em suas aulas. As primeiras
impressões do uso do Scratch foram positivas, o que gerou maior interesse dos alunos
pela disciplina. O envolvimento e a vontade de aprender foram visíveis, muito diferente
das expressões de frustração, anteriores aos da aplicação da nova linguagem.
Esta pesquisa para se efetivar, precisa ampliar sua utilização para os professores
das demais áreas, o que perpassa por um trabalho de informação e compreensão da
eficiência do Scratch também na produção do conhecimento das áreas. Como abordado
anteriormente, esse trabalho foi desenvolvido em uma turma de 2º ano do integrado de
informática, nossas pretensões futuras é que o Scratch seja utilizado no 1º ano desse
mesmo curso, na disciplina de algoritmos e que os professores do núcleo comum
adotem como mais um recurso para o trabalho de informática educacional. De forma
que, ao chegar no 2º ano, as disciplinas do núcleo comum dêem continuidade ao estudo
de Scratch aliado à Programação I e ao ensino de outras linguagens de programação. É
interessante ressaltar, que no curso de Licenciatura em Computação pretende-se
desenvolver trabalhos de extensão com Scratch, em escolas de Ensino Fundamental da
região com o propósito de que os alunos já ingressem nos cursos integrados com uma
cultura da produção tecnológica e científica.
Obviamente que não se trata apenas de incorporar uma tecnologia na sala de
aula e imaginar que processo de elaboração do conhecimento se tornará mais eficiente.
Trata-se de incorporar uma nova cultura no espaço educacional. Uma cultura na qual o
professor não se coloque como o único detentor do conhecimento e o aluno coloque-se
como sujeito da construção de seu conhecimento. Com o Scratch a criança programa o
computador e não o computador programa a criança.
5 Referências
DUARTE, José. (1996) O Scratch dá o que falar: dos usos domésticos aos usos na
escola. Revista Educação e Matemática. Janeiro/Fevereiro.
GOMES, A. e Mendes, A. (2000). Suporte à Aprendizagem da Programação
com o Ambiente SICAS. Actas do V Congresso Ibero-Americano de
Informática Educativa, Viña del Mar, Chile.
PIAGET, Jean. (1976) A equilibração das estruturas cognitivas: problema central
do desenvolvimento. Traduzido por: Marion Merlone dos Santos Penna. Rio de
Janeiro: Zahar Editora.
PIMENTEL, E. P.; FRANÇA,V.F; OMAR, N. A. (2003). Caminho de um ambiente
de avaliação e acompanhamento contínuo da aprendizagem em Programação de
Computadores. Workshop de Educação em Computação e Informática do Estado de
Minas Gerais - WEIMIG.
RAMOS, Marise. (2005) Possibilidades e desafios na organização do currículo
integrado. In: Ensino Médio integrado: concepções e contradições. FRIGOTTO,
CIAVATTA, RAMOS (Orgs). São Paulo: Cortez.
ROCHA, Helena. V. (1991). Representações Computacionais Auxiliares ao
Entendimento de Conceitos de Programação. Unicamp.
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