UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO SUL INSTITUTO DE MATEMÁTICA PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ENSINO DE MATEMÁTICA Pensamento Genérico E Expressões Algébricas No Ensino Fundamental PRODUTO DA DISSERTAÇÃO – SEQUÊNCIA DIDÁTICA SANDRO AZEVEDO CARVALHO 2010 233 5 ENCAMINHAMENTOS EM EXPRESSÕES ALGÉBRICAS Os encaminhamentos que apresentaremos a seguir não devem ser encarados como uma sequência didática para o ensino das operações com expressões algébricas polinomiais. Pretendemos, com tais encaminhamentos, apenas proporcionar ao leitor deste texto as linhas gerais do trabalho que foi feito após o período de familiarização com o pensamento genérico, tendo nas propriedades das operações com números a base matemática sobre a qual as operações com expressões algébricas polinomiais foram construídas. Salientamos que tais encaminhamentos não excluem outros procedimentos como o uso do contexto de Geometria, de jogos ou de tecnologia para o tratamento das expressões algébricas polinomiais e suas operações. O uso conjunto de todas essas estratégias pode contribuir, por exemplo, como motivação ou ponto de partida, para que os alunos compreendam melhor o assunto. Contudo, o uso de outros contextos diversos do que aqui apresentamos procuram, muitas vezes, justificar as operações com expressões algébricas polinomiais com argumentos não-matemáticos (por exemplo, com regras de um jogo), o que, em nossa opinião, induz o aluno a procurar justificativas não-matemáticas para os resultados e procedimentos. É importante também ressaltar a reação dos alunos diante de nossa proposta, depois do período de familiarização com o pensamento genérico, por exemplo, no caso da adição expressões algébricas polinomiais, onde não utilizamos o conceito de termos semelhantes. Depois de feitos os encaminhamentos que descreveremos resumidamente a seguir, os próprios alunos chegaram à conclusão de que só é possível somar duas expressões, obtendo outra expressão que não envolva o sinal de adição, quando as variáveis envolvidas são as mesmas e com os mesmos expoentes. A partir daí, introduzimos a nomenclatura termos semelhantes para facilitar a comunicação e, também, porque, afinal, é essa a terminologia encontrada nos livros didáticos. Recomendamos, no entanto, que sempre seja relembrada a justificativa matemática para a regra "agrupar termos semelhantes, somar ou subtrair os coeficientes e manter a parte literal". 5.1 ADIÇÃO DE EXPRESSÕES ALGÉBRICAS POLINOMIAIS Inicialmente, definimos identidade algébrica como uma igualdade entre duas expressões algébricas verdadeira para quaisquer valores das variáveis pertencentes ao universo numérico que está sendo utilizado naquele momento para cada uma delas. 234 Situação 1: Motivado, por exemplo, pela resposta recorrente 8 xy à soma 5 x 3 y foi discutida com a turma a seguinte situação: Consideremos a igualdade entre expressões algébricas polinomiais 5 x 3 y 8 xy . Vamos verificar se essa igualdade é verdadeira para todos os números reais1 x e y, calculando separadamente as expressões dos dois membros da igualdade, substituindo-se x e y por valores conhecidos: Fazendo x 0 e y 0 , obtemos 5 0 3 0 0 e 8 0 0 0 . Portanto, a igualdade é verdadeira para esses valores de x e de y; Fazendo x 1 e y 1 , obtemos 5 1 3 1 8 e 8 1 1 8 . Portanto, a igualdade é verdadeira para esses valores de x e de y; Fazendo x 1 5 1 5 1 5 e y , obtemos 5 3 10 e 8 10 . Portanto, a 2 2 2 2 2 2 igualdade é verdadeira para esses valores de x e de y; A partir desses três casos apenas, podemos afirmar que a igualdade 5 x 3 y 8 xy é verdadeira para todos os valores reais de x e de y? A resposta da questão acima é negativa, pois a verificação de alguns casos particulares não garante o resultado para os infinitos valores possíveis de x e de y. Tanto é que, fazendo, por exemplo, x 1 e y 0 , obtemos 5 1 3 0 5 e 8 1 0 0 . Portanto, para esses valores de x e de y, a igualdade é falsa. Como há pelo menos um valor de x e um valor de y para os quais a igualdade não é verdadeira, ou seja, um contraexemplo para a referida igualdade, concluímos que é falso que 5 x 3 y 8 xy , para quaisquer valores reais de x e y. Situação 2: Consideremos a igualdade entre expressões algébricas polinomiais 5 xy 3 xy 8 xy . Essa igualdade é verdadeira para todos os números reais x e y? Fazendo x 0 e y 0 , obtemos 5 0 0 3 0 0 0 e 8 0 0 0 . Portanto, para esses valores de x e de y, a igualdade é verdadeira; 1 Ou qualquer outro universo numérico pré-estabelecido para as variáveis. 235 Fazendo x 1 e y 1 , obtemos 5 1 1 3 1 1 8 e 8 1 1 8 . Portanto, para esses valores de x e de y, a igualdade é verdadeira; Fazendo x 1 5 1 5 1 5 1 5 e y , obtemos 5 3 10 e 8 10 . Portanto, 2 2 2 2 2 2 2 2 para esses valores de x e de y, a igualdade é verdadeira; Fazendo x 1 e y 0 , obtemos 5 1 0 3 1 0 0 e 8 1 0 0 . Portanto, para esses valores de x e de y, a igualdade é verdadeira; Fazendo x 2 e y 5, obtemos 5 2 5 3 2 5 8 10 e 8 2 5 8 10 . Portanto, para esses valores de x e de y, a igualdade é verdadeira; A partir desses cinco casos apenas, podemos afirmar que a igualdade 5 xy 3 xy 8 xy é verdadeira para todos os valores reais de x e de y? Observe que até agora não conseguimos encontrar valores reais de x e de y para os quais a igualdade não se verifica, ou seja, não encontramos um contraexemplo para a referida igualdade. Porém, somente a partir desses valores, não podemos afirmar que a igualdade se verifica sempre. Como temos aqui infinitos casos para testar, precisamos fazer uso de outra estratégia para decidirmos o valor lógico desta igualdade: vamos recorrer às propriedades das operações com números reais. Pela propriedade distributiva da multiplicação, podemos escrever 5xy 3xy 5 3xy 8 xy , para quaisquer números reais x e y. Note aqui que estamos utilizando um argumento válido para todos os números reais x e y. Portanto, a igualdade 5 xy 3 xy 8 xy é uma identidade.2 Situação 3: A igualdade 5 xy 3 yx 8 xy é verdadeira para todos os valores reais de x e de y? Observamos que há uma inversão na ordem dos fatores x e y. Porém, pela propriedade comutativa da multiplicação de números reais, xy yx para quaisquer números reais x e y. Assim, 5xy 3 yx 5 xy 3xy 5 3xy 8 xy , para quaisquer números reais x e y. 2 Chamamos a atenção do leitor sobre o mesmo encaminhamento inicial dado às Situações 1 e 2. No entanto, não podemos parar nosso argumento antes da pergunta “apenas estes exemplos são suficientes para garantir a veracidade da igualdade?” Reiterando o método de argumentação matemática, reforçamos a necessidade de ir-se adiante no argumento; tanto que a primeira afirmação revelou-se falsa e a segunda, verdadeira. 236 Situação 4: A igualdade 5 x 3 y 2 x 5 y 7 x 2 y é verdadeira para todos os valores reais de x e de y? Utilizando a propriedade comutativa da adição, podemos reescrever a expressão do membro esquerdo da igualdade como 5 x 2 x 3 y 5 y . Essa, por sua vez, pode ser reescrita como 5 2x 3 5 y 7 x 2 y aplicando-se a propriedade distributiva da multiplicação de números reais. Portanto, 5 x 3 y 2 x 5 y 7 x 2 y , para quaisquer números reais x e y. 5.2 MULTIPLICAÇÃO DE EXPRESSÕES ALGÉBRICAS POLINOMIAIS Aplicando-se as propriedades da multiplicação de números reais, juntamente com as propriedades das potências de base real e expoente natural e, lembrando que uma multiplicação entre variáveis ou entre variáveis e constantes pode ser indicado por ∙, × ou pela simples justaposição, podemos multiplicar expressões algébricas polinomiais. Exemplo 1: Sendo x e y números reais quaisquer, calcule 3x 2 y 5x 3 y . Aplicando-se sucessivamente as propriedades comutativa e associativa da multiplicação de números reais, bem como a propriedade da multiplicação de potências de base real e expoente natural, e como as expressões 3x 2 y e 5x 3 y também envolvem multiplicações, podemos fazer 3x 2 y 5x 3 y 3 5x 2 x 3 yy 15 x 5 y 2 , para quaisquer números reais x e y. Exemplo 2: Sendo x e y números reais quaisquer, calcule 3 2 x y x y . 2 2 3 Aplicando-se a propriedade distributiva da multiplicação em relação à adição de números reais, temos 3 2 x y 3 2 x 3 y x y x y x2 y . 2 2 3 2 2 2 3 Agora, aplicamos as propriedades comutativa e associativa da multiplicação de números reais a cada parcela podemos fazer 3 2 x 3 y 3 1 3 1 x y x 2 y x 2 xy x 2 yy . 2 2 2 3 2 2 2 3 237 Agora, aplicando a propriedade da multiplicação de potências de mesma base real e expoente natural em cada parcela, obtemos 3 1 2 3 1 3 1 x xy x 2 yy x 3 y x 2 y 2 . 2 2 2 3 4 2 Assim, 3 2 x y 3 3 1 x y x y x2 y2 , 2 2 2 3 4 para quaisquer números reais x e y. Exemplo 3: Sendo x e y números reais quaisquer, calcule 2 x y x 2 y . Aplicando-se a propriedade distributiva da multiplicação de números reais à esquerda, temos 2 x y x 2 y 2 x y x 2 x y 2 y . Agora, aplicando-se a propriedade distributiva da multiplicação de números reais à direita a cada termo da subtração (que equivale à adição pelo oposto), obtemos 2 x y x 2 x y 2 y 2 x x y x 2 x 2 y y 2 y . Aplicando a propriedade da multiplicação de potências de mesma base real e expoente natural em cada parcela e pelo que já sabemos da adição de expressões algébricas polinomiais, obtemos 2 x x y x 2 x 2 y y 2 y 2 x 2 yx 4 xy 2 y 2 2 x 2 yx 4 xy 2 y 2 2 x 2 3 xy 2 y 2 . Portanto, 2 x y x 2 y 2 x 2 3xy 2 y 2 , para quaisquer números reais x e y. 5.3 FATORAÇÃO DE EXPRESSÕES ALGÉBRICAS POLINOMIAIS 3 3 Na turma em que foi aplicada a experiência, só trabalhamos o caso fator comum e agrupamento. Mais precisamente, não foram tratados os casos “trinômio” quadrado perfeito e diferença de dois quadrados. 238 Fatorar uma expressão algébrica polinomial é reescrevê-la na forma de uma multiplicação. Exemplo 1: Fatore a expressão 2 x 2 y , onde x e y são números reais quaisquer. Aplicando a propriedade distributiva da multiplicação, podemos reescrever a expressão como 2 x 2 y 2 x y . Essa é uma possível fatoração da expressão 2 x 2 y . Porém, como estamos trabalhando no campo numérico dos reais4, podemos também escrever, por exemplo, 2x 2 y 1 4 x y 2 Exemplo 2: Fatore a expressão algébrica polinomial 18m 4 n 24mn 2 12m 2 n , onde m e n são números reais5, obtendo um fator igual a: a) 2 Uma possível resposta é 2 9m 4 n 12mn 2 6m 2 n . Outra possível resposta é 2 m 9m3 n 12n 2 6mn . b) 6 Uma possível resposta é 6 3m 4 n 4 mn 2 2m 2 n . Outra possível resposta é 6 n 3m 4 4mn 2m 2 . c) 2m Uma possível resposta é 2m 9m 3 n 12n 2 6mn . Outra possível resposta é 2m n 9m 3 12n 6m . d) 6n Uma possível resposta é 6 n 3m 4 4mn 2m 2 . Outra possível resposta é 6n m 3m 3 4n 2m . 4 Na turma em que foi aplicado esse encaminhamento o universo numérico era o conjunto dos números racionais. 5 Se restringirmos o universo das variáveis para ℤ, as duas últimas fatorações não são possíveis de serem realizadas (item f). 239 e) 6mn Uma possível resposta é 6mn 3m 3 4n 2m . Outra possível resposta é 3 6mn 2 m 3 2n m . 2 f) 18mn 4 2 Uma possível resposta é 18mn m 3 n m . Outra possível resposta é 3 3 2 1 1 18mn 2 m 3 n m . 3 3 2 5.4 APLICAÇÃO DAS OPERAÇÕES COM EXPRESSÕES ALGÉBRICAS EM SEQUÊNCIAS DE FIGURAS E IDENTIFICAÇÃO DE PADRÕES Descreveremos aqui uma interessante aplicação das operações com expressões algébricas. Observe a sequência de figuras abaixo: a) Encontre um padrão para a construção desta sequência e desenhe as figuras 5 e 6, de acordo com este padrão. b) Explicite o padrão que você encontrou, explicando como contar o número de quadrados em branco de uma figura. c) Se a sequência continuar com este mesmo padrão, quantos quadrados em branco terá a figura 10? E a figura 20? d) Determine uma expressão algébrica para o número de quadrados em branco da figura n. e) Se uma figura construída com este padrão por você especificado tem 208 quadrados em branco, qual é a posição desta figura na sequência? O objetivo do item (a) é familiarização com a construção da figura. No item (b), o objetivo é que os alunos verbalizem o padrão que encontraram. O item (c) objetiva que os 240 alunos contem o número de quadrados em branco, utilizando o padrão que verbalizaram em (b). Pulamos da figura 6 para a figura 10 e depois para a figura 20 a fim de desencorajar os alunos a desenharem essas figuras. Para responder o item (d) é provável que os alunos encontrem padrões diferentes na contagem dos quadrados em branco, gerando expressões algébricas distintas. Porém, após efetuarem as operações com as expressões encontradas, chegarão à mesma expressão algébrica polinomial em n. Por exemplo, alguém poderia contar assim: 1 2 3 4 … n 3+3+2 5+5+3 7 +7 + 4 9+9+5 … 2n 1 2n 1 n 1 Outro aluno poderia contar assim: 1 2 3 4 … n 3×3-1 3×5-2 3×7-3 3×9-4 … 3 2n 1 n Um terceiro poderia contar assim: 1 2 2×3+1×2 3 3×3+2×2 4×3+3×2 4 … n 5×3+4×2 … n 1 3 n 2 Poderiam, ainda, aparecer outras formas de contar, ou seja, outros padrões. Chega-se aqui a um importante momento para o professor explorar a igualdade de tais expressões ou: “Será que alguém está errado?” Ao efetuarmos as operações indicadas nas expressões algébricas polinomiais em n, verifica-se se chegamos todos à mesma expressão: 2n 1 2n 1 n 1 5n 3 3 2n 1 n 6n 3 n 5n 3 n 1 3 n 2 3n 3 2n 5n 3 O item (e) objetiva a resolução de equações a partir da expressão algébrica encontrada em (d). Com os mesmos objetivos anteriores, apresentamos as seguintes sequências, todas elas gerando diferentes respostas dos alunos, revelando-se uma interessante atividade lúdica, onde os alunos, para corrigir os colegas, terão que demonstrar que a sua fórmula pode ser obtida a partir da do colega e vice-versa. 241 1 2 3 4 5 1 2 3 4