UNIVERSIDADE TUIUTI DO PARANÁ José Paulo A CONFISSÃO NO INQUÉRITO POLICIAL E SUA POSTERIOR RETRATAÇÃO EM JUÍZO CURITIBA 2010 José Paulo A CONFISSÃO NO INQUÉRITO POLICIAL E SUA POSTERIOR RETRATAÇÃO EM JUÍZO Trabalho de Conclusão de Curso apresentada ao Curso de Direito da Faculdade de Ciências Jurídicas da Universidade Tuiuti do Paraná, como requisito parcial para a obtenção do título de Bacharel em Direito. Orientador: Dálio Zippin Filho. CURITIBA 2010 TERMO DE APROVAÇÃO José Paulo A CONFISSÃO NO INQUÉRITO POLICIAL E SUA POSTERIOR RETRATAÇÃO NO JUDICIÁRIO Esta monografia foi julgada e aprovada para a obtenção do título de Bacharel em Direito da Universidade Tuiuti do Paraná Curitiba, 30 de agosto de 2010. Professor Doutor Eduardo de Oliveira Leite Coordenador do Núcleo de Monografias da Faculdade de Ciências Jurídicas da Universidade Tuiuti do Paraná Orientador: Professor Dr. Dálio Zippin Filho Universidade Tuiuti do Paraná /Direito Professor Dr. Universidade Tuiuti do Paraná/Direito Professor Dr. Universidade Tuiuti do Paraná/Direito A DEUS, Aos professores da UTP-PR, que me ensinaram muito mais do que Direito. Para meu pai, Antônio Paulo (in memoriam) presente em minhas lembranças durante todo tempo da minha formação. o É preciso convir primeiro que, quanto mais violentas são as paixões, mais necessárias são as leis para contê-las. Porém, além do que nos mostram as desordens e crimes causados por tais paixões em relação à insuficiência das leis no sentido de reprimi-las, também seria bom examinar se essas desordens não nasceram com as próprias leis, porque então, ainda que estas fossem capaz de contê-las, o menos que se deveria exigir é que fizessem cessar um mal que existiria sem elas”. (JEAN JACQUES ROUSSEAU. Discurso sobre a origem e os fundamentos da desigualdade entre os homens) RESUMO O presente trabalho, objetiva explicar melhor algumas posições adotadas por grandes juristas e doutrinadores da atualidade acerca da confissão. Resume-se na análise da confissão do acusado diante da autoridade policial e suas posterior retratação em juízo. Discute qual verdade se busca no processo. Explica os diversos motivos pelos quais se confessa um ato delituoso. Fala do direito ao silêncio e de suas diferentes conseqüências no processo penal e no processo civil. Como fonte, utilizou-se a pesquisa bibliográfica. É de grande importância porque, busca-se por esta análise, apurar a verdade processual, a certeza jurídica, para punir o verdadeiro criminoso com justiça e imparcialidade. Palavras-chave: confissão, retratação, silêncio do acusado, verdades 7 SUMÁRIO 1 INTRODUÇÃO .............................................................................................. 07 2 O MITO DA VERDADE REAL NO PROCESSO PENAL .............................. 08 2.1 A PROVA TARIFADA OU LEGAL ................................................................ 09 2.2 MEIOS DE PROVA ..................................................................................... 10 2.2.1 Confissão em vantagem própria .............................................................. 11 2.2.2 Confissão em desvantagem própria ........................................................ 12 2.2.3 Confissão qualificada ............................................................................... 13 2.3 CARACTERÍSTICAS DA CONFISSÃO ...................................................... 14 2.4 CONFISSÃO EXTRAJUDICIAL E RETRATAÇÃO JUDICIAL...................... 21 3 O INTERROGATÓRIO DO RÉU E O DIREITO AO SILÊNCIO ..................... 32 3.1 A REVOGAÇÃO TÁCITA DO ARTIGO 198 DO CPP .................................. 36 3.2 A CONFISSÃO FICTA OU PRESUMIDA ................................................... 37 4 CONCLUSÃO ................................................................................................ 39 REFERÊNCIAS ................................................................................................. 40 7 1 INTRODUÇÃO Primeiramente, a dúvida, a discordância com algumas posições adotadas pela Constituição Federal e pelo Código de Processo Penal Brasileiro. Após, a procura por outras fontes que confirmassem nossas posições desconexas. Assim, iniciamos nosso trabalho. Sempre me chamou a atenção o comportamento do interrogado, o uso do seu direito ao silêncio, sua confissão no Inquérito Policial e sua posterior retratação no Judiciário. Também merece análise a impressão que esse silêncio causa ao juiz, porque não basta o CPP e a CF/88 dizerem que o silêncio não importará em confissão e que não poderá ser valorado pelo juiz... Em alguns casos de homicídio, dizem os especialistas “os mortos gritam as circunstâncias de suas mortes”. Se mesmo um morto fornece indícios de como foi morto, o que dirá de um acusado que tem no interrogatório um meio para defenderse e não o faz? Estaria o juiz condenado a seguir uma fórmula preestabelecida para apurar a verdade, dizendo-lhe a norma o que deve ou não deve valorar? Não seria desobediência ao princípio do livre convencimento motivado e o da verdade objetiva no processo penal? Durante nossas consultas, descobrimos para nosso conforto interior que muitos doutrinadores entendem da mesma forma. Também encontramos muitas jurisprudências que confirmam as idéias expostas. Chegamos à convicção de que o homem tende a agir conforme suas convicções, e a lei ao mudar a natureza das coisas encontrará sempre alguém que fará “manobras” para prevalecer seu senso de justiça e a certeza de suas convicções. 8 2 O MITO DA VERDADE REAL NO PROCESSO PENAL A verdade real, forjada na inquisição acabava, quase sempre, servindo de fundamento para justificar os atos abusivos e o autoritarismo do Estado, que acabava admitindo a busca da verdade a qualquer custo, legitimava todos os abusos desde que eficientes para “revelar” a verdade que para eles, está ao alcance do Estado. Na ótica de Eugênio Pacelli Oliveira: Não só é inteiramente inadequado falar-se em verdade real, pois que esta diz respeito à realidade do já ocorrido, da realidade histórica, como pode revelar uma aproximação muito pouco recomendável com um passado que deixou marcas indeléveis no processo penal antigo, particularmente no sistema inquisitório da Idade Média, quando a excessiva preocupação com a sua realização (da verdade real) legitimou inúmeras técnicas de obtenção da confissão do acusado e de intimidação da defesa. (2009, p. 294). Contrapondo-se a esta teoria, nasce a teoria da verdade processual ou formal, que busca uma verdade fundamentada em uma sentença que só ocorreria depois de respeitado o devido processo legal e com o devido respeito às regras legais. Segundo Eugênio Pacelli Oliveira (2009, p. 294): “Toda verdade judicial é sempre uma verdade processual. E não somente pelo fato de ser produzida no curso do processo, mas, sobretudo, por tratar-se de uma certeza de natureza exclusivamente jurídica.”. Neste processo, a busca pela verdade se dá de forma democrática, seu método de aquisição exige o respeito aos procedimentos e garantias de defesa. Verdade processual, porque de fato, trata-se de uma verdade aproximada, não é a verdade absoluta, pois que esta aconteceu no passado, dependendo 9 portanto de dados da memória, depoimentos buscados na memória e muitas vezes no imaginário das pessoas, logo falível, porém em consonância com outros elementos do processo, inexistindo, porém a verdade absoluta. A função do processo, não é buscar a verdade absoluta e sim dar paridade de armas, isonomia processual oferecer o contraditório e a ampla defesa e deste devido processo, oferecido às partes, saíra uma sentença legítima e em muitas vezes, coincidente com a verdade. Porém em matéria penal, não basta à verdade formal, o respeito às normas, busca-se, sobretudo, a verdade objetiva, que muitas vezes não é trazida ao processo. Seguindo o entendimento de Nicola Framarino dei Malatesta (2009) “não se trata de uma verdade formal, que resulta do estado das provas, suficientes ou insuficientes que sejam, mas de uma verdade substancial, extrassubjetiva, da qual se chega à verificação por meio de provas suficientes ”. 2.1 A PROVA TARIFADA OU LEGAL Embora com muitos inconvenientes, este sistema procurou reduzir o excesso de poderes conferidos ao juiz no sistema inquisitivo. Foi um grande avanço para a época. O sistema das provas, segundo entendimento de Eugênio Pacelli Oliveira, surgiu: Como superação do excesso de poderes atribuídos ao juiz ao tempo do sistema inquisitivo, o que ocorreu de forma mais intensa a partir do século XIII até o século XVII, o sistema das provas legais surgiu com o objetivo declarado de reduzir tais poderes, instituindo um modelo rígido de apreciação da prova, no qual não só se estabeleciam certos meios de prova para determinados delitos, como também se valorava cada prova antes do julgamento. (2009, p. 299). A valoração da prova era feita em momento anterior pelo legislador, ou seja, 10 sabia-se previamente, quanto valia cada prova, assim a um testemunho conferia-se certo número de pontos, a uma perícia outro. Neste sistema vigorava a Regina Probationum, onde a confissão era tida como a rainha das provas, fazendo com que para obtê-la, algumas autoridades usassem de torturas e demais intimidações à defesa, para a sua obtenção. Procurando fugir dos inconvenientes dos sistemas antigos, criou-se a teoria da verdade processual, buscada pelo livre convencimento motivado ou persuasão racional. Por este sistema, o juiz é livre para valorar todas as provas trazidas no processo. Deve, porém fundamentar suas decisões baseadas nas provas trazidas ao processo. É sobre seus fundamentos que se analisarão se a sentença está ou não de acordo com o ordenamento adotado. Importante: Nosso sistema adotou o sistema misto, vige o da persuasão racional (para o juiz singular ou togado) e o sistema da íntima convicção em que os juízes não precisam fundamentar suas decisões (Tribunal do Júri). 2.2 MEIOS DE PROVA Provar é demonstrar a verdade dos fatos alegados, é provar aos outros, e principalmente ao juiz, a verdade que se conhece. Meio de prova, é a forma de como esta verdade foi demonstrada (pela confissão, por perícias, testemunhos etc.), ou seja, são todos os meios utilizados para alcançar a verdade dos fatos no processo. As conclusões, tiradas das provas trazidas ao processo, servirão para fundamentar o julgamento do juiz, ou seja, o objetivo de toda prova é servir de fundamentação para a sentença judicial, conforme ensina Nucci (2008, p. 388). 11 Neste último senso, pode dizer o juiz, ao chegar à sentença: “Fez-se prova de que o réu é autor do crime”. Portanto, é o clímax do processo. A confissão, para o processo penal, e para a doutrina dominante, é um desses meios utilizados para provar a autoria de um crime. E um dos meios de prova mais desejados no processo penal. Para Sérgio Ricardo de Souza, A confissão, quando apresentada em um devido processo penal, serve até mesmo de conforto não só para quem vai julgar, mas também para o acusador (que se sente mais confortável em sua missão) e até mesmo para o defensor, o qual, em caso de condenação, tem a convicção pessoal de que esta não decorreu da ineficiência de seu trabalho. (2008, p. 168-169). A confissão do réu é assim; o testemunho do próprio réu sobre um fato próprio, por isso, o acusado, querendo estará sempre em melhores condições de contribuir para a verdade, pois além de ter executado a ação delituosa, terá planejado o resultado, querido em seu íntimo, mesmo que depois tenha vindo a arrepender-se. Neste sentido o testemunho do acusado prevalece em termos de convencimento frente a outros testemunhos. Segundo Nicola Framarino dei Malatesta existem vários tipos de confissão: O testemunho do acusado sobre o próprio fato pode ter um conteúdo diverso: pode ser em vantagem própria, pode ser em desvantagem própria; e pode ser, enfim, parte em vantagem própria e parte em própria desvantagem, considerando as várias partes em si mesmas, separadamente, abstraída uma da outra. O testemunho em vantagem própria, numa só palavra, é chamado desculpa; o testemunho em desvantagem própria se chama confissão; o testemunho parte em vantagem e parte em desvantagem própria, chama-se confissão qualificada. (2009, p. 401). 2.2.1 Confissão em vantagem própria O testemunho em vantagem própria tem contra si uma suspeita de ser mentira. Existe um ceticismo de que o acusado ao tentar beneficiar-se em um 12 interrogatório, estará na verdade exercendo uma autodefesa que é natural do ser humano frente às situações de perigo. É fácil presumir que o acusado verá no interrogatório um momento para exercer sua defesa (na verdade o interrogatório é um meio para a defesa do acusado), onde ele, podendo usar do direito ao silêncio, só falará o que lhe for conveniente. Uma pessoa normal tentaria afastar o mal que a confissão de um delito traz para si, e não atraí-lo, por isso, a palavra do acusado sobre vantagem própria, perde fé. Esta presunção de mentira do acusado, porém, não deve prevalecer sobre o princípio da presunção de inocência, que é um dos princípios norteadores da nossa constituição, pois por trás do cidadão sub judice está o direito à liberdade que é sagrado, até que as provas demonstrem seja ele culpado. 2.2.2 Confissão em desvantagem própria É o tipo de confissão mais desejado, ninguém melhor que o autor de um crime, sabe se é culpado ou não. Quando se admite um ilícito, no entanto esta confissão deve ser ponderada, pois não há mais o valor absoluto da confissão, e esta deverá estar em sintonia com outros elementos do processo, pois como se sabe, por diversos motivos se confessa, e nem sempre essas confissões são verdadeiras. Há autores que atribuem pouco valor a confissão do acusado, dizendo tratarse de uma falta de defesa, o que é ilegal no processo penal, e também por ser antinatural este tipo de confissão. Uma tese, combatida por Nicola Framarino dei Malatesta, diz que: O juízo penal é um duelo judiciário, entre acusador e acusado. Ora, o acusado que confessa é um combatente desarmado, contra o qual não é lícito enfurecer-se, abusando de sua fraqueza; a palavra do acusado é 13 destinada a aparar os golpes da acusação e não se pode, sem barbárie, volver contra seu peito a própria arma: ele está em juízo para se defender e não para se acusar e, por isso, sua confissão, quando ocorre, não deve pesar sobre si. (2009, p. 413). Outros explicam que a finalidade do juízo penal é a verdade substancial, a verdade mais próxima possível da realidade, dizendo que por todos os meios legais deve ser buscada, pois mesmo sendo improvável, ela poderá sim, vir da confissão do próprio acusado. Nicola Framarino dei Malatesta atesta que: Por isso, fim supremo e interrogável de todo juízo penal é a descoberta e verificação da verdade quanto à acusação. E, por isso, esta verdade, donde quer que venha vem de provas reais, ou da voz de um terceiro, do ofendido ou do próprio acusado, deve sempre impor-se ao espírito dos juízes. (2009, p. 414). 2.2.3 Confissão qualificada É aquela confissão que na verdade padece de punibilidade, é uma confissão acompanhada de uma desculpa, o confidente, assume alguns elementos do delito, mas nega, porém outros elementos, fazendo com que a conduta assumida seja atípica, excluindo desta forma a culpabilidade, por exemplo: a confissão de um homicídio alegando-se como motivo a legítima defesa. Analisando-se separadamente, houve uma conduta típica punível, o homicídio, mas analisando-se o motivo, a conduta deixa de ser punível, pois a legítima defesa exclui a ilicitude. Quem faz este tipo de confissão objetiva afastar a punibilidade, justificando a conduta, alega na verdade não ter tido outra opção, a não ser o homicídio. Segundo entendimento de Enio Luiz Rossetto: Assim, quem, embora afirmando a materialidade da ação homicida, negue a criminalidade está pela alegação da legítima defesa, não faz mais que desculpar-se de modo absoluto, do ponto de vista da substância; mas se considerarmos separadamente as duas partes deste testemunho, isto é, a materialidade da ação e legítima defesa, e com um critério formal 14 prevalente, ela é considerada como confissão qualificada. (2001, p. 75). 2.3 CARACTERÍSTICAS DA CONFISSÃO CPP, art. 200. A confissão será divisível e retratável, sem prejuízo do livre convencimento do juiz, fundado no exame das provas em conjunto. Significa dizer que: tudo o quê o réu confessa, pode ser retratado, modificado, negado, aumentado etc. Também que o confidente pode manter uma parte da confissão e negar ou modificar outra, cabendo ao juiz, valorar a retratação em conjunto com outros elementos colhidos no processo, podendo acreditar na confissão e rejeitar a retratação ou aceitar a retratação e desacreditar na confissão. Este direito de o réu se retratar, advêm do fato de que a acusação não adquire direitos na confissão do réu, devendo o juiz apurar os fatos livremente. Porque no processo penal, busca-se a verdade, esta, está acima do interesse das partes, daí porque o acusado pode retratar-se em qualquer fase do processo, é uma oportunidade que se tem de analisar o novo depoimento para se chegar à verdade substancial, que é o objetivo do processo penal. Para Enio Luiz Rossetto: Reconhece-se, tradicionalmente, como postulado do direito processual penal, a faculdade de retratação da confissão, pois, a esta (a confissão), no plano criminal não se lhe dá o caráter absoluto que tem na esfera civil, ademais no processo penal, a finalidade é a investigação da verdade, a acusação não pode pretender direito adquirido com a confissão do acusado, daí resultando a possibilidade de sua retratação, em qualquer estado do processo, antes de haver transitado em julgado a respectiva sentença. (2001, p. 75). Quem se retrata da confissão, está negando o seu valor, está dizendo que esta padece de vícios, que foi obtida sob abuso de autoridade, mediante tortura, na ausência de advogados etc. 15 A confissão também é divisível, é uma forma de preservar o livre convencimento do juiz, que pode por este princípio, aceitar uma parte do que foi dito e rejeitar outra ou rejeitar tudo o que foi confessado, ou aceitar tudo, de acordo com a sua convicção. Para Enio Luiz Rossetto: A divisibilidade da confissão é o corolário do princípio da livre convicção do juiz; deixa-se ao juiz a apreciação do valor da confissão qualificada. A ele é que cabe, com regras da crítica racional, aceitar ou recusar, em parte ou em bloco, o que consta das declarações do confesso, tendo em vista as circunstâncias do caso concreto e demais provas dos autos. (2001, p. 81). Seguindo a idéia de Enio Luiz Rossetto, na Idade Média, a confissão era considerada prova plena, por si só, já autorizava a condenação, era o sistema da prova legal, ou prova tarifada em que a confissão tinha valor absoluto, obtida a confissão a qualquer custo, estava livre o juiz para dar a sentença, as torturas eram comuns, e muitas vezes eram mais penosas que as próprias penas, por isso mediante a possibilidade de ser torturado, o acusado, muitas vezes confessava logo, mesmo que não tivesse praticado tal crime. Os juízes sentiam-se com a consciência apaziguada, e com sua tarefa pronta e perfeita, quando podiam proclamar o habemus confitentem reum. A confissão do acusado chegou a equiparar-se, por isso, à própria coisa julgada: confessio habet vim rei judicatae. (2001, p. 82). Hoje, a confissão não tem mais este valor absoluto, seu valor é relativo, ou seja, dependerá de outros elementos colhidos no processo, conforme o artigo197 do Código de Processo Penal brasileiro: Art. 197. O valor da confissão se aferirá pelos critérios adotados para os outros elementos de prova, e para a sua apreciação o juiz deverá confrontá-la com as demais provas do processo, verificando se entre ela e estas existe compatibilidade ou concordância. 16 Este artigo quer dizer o seguinte: que a confissão que aparentemente resolve a investigação, e põe fim ao interrogatório (aparentemente), na verdade pode não ter tanto valor, tem que se analisar o porquê da confissão, se existe nexo entre o confessado e o crime, se está de acordo com as outras evidências demonstradas no processo. Observar o comportamento, a índole e a saúde mental do confidente. Porque confessar um crime, não é natural do ser humano, este se vendo em perigo tende a defender-se e não a imputar contra si, uma atitude que sabe será prejudicial, coincidindo muitas vezes no seu encarceramento. Observando-se tudo isso, chega-se a conclusão que a confissão tem valor relativo, ou seja, seu valor dependerá de todas estas análises a serem feita, pois não tida mais como a rainha das provas regina probationum, ou a melhor prova omnium probationum maxima, também não põe mais fim ao processo, ou seja, não pode ser interpretada isoladamente, sem levar em consideração outras evidências trazidas ao processo. Para Enio Luiz Rossetto: Não existe qualquer hierarquia entre as provas, devendo, por isso, apenas se observar determinadas regras na avaliação de certas provas, cuja peculiaridade a lei procura resguardar. É o que acontece com a confissão, que nunca poderá ser interpretada isoladamente. (2001, p. 83). Quem confessa, alega ser verdade a acusação imputada contra si. Devido à natureza de autodefender-se do homem, alguns doutrinadores alegam ser a confissão, um ato atípico, por ir contra a natureza defensiva do homem. Mesmo estando errado, um homem tende a defender-se e não a autoincriminar-se. Por ser incomum, reclama maiores cuidados em sua avaliação, torna-se necessário uma investigação do por que alguém confessaria um crime que lhe trará consequências 17 indesejáveis pela maioria dos homens em normal estado de consciência. Neste sentido é a lição de Enio Luiz Rossetto citando Mittermaier: O povo nutre respeito pela confissão, nunca se convence melhor da culpabilidade do acusado do que quando sabe que fizera uma confissão completa. Contudo, para ter poder de convencimento, precisa reunir certas condições, afinal, é um fenômeno antinatural. A natureza, dizem, cerra os lábios do culpado; todo homem de espírito são esforça-se por evitar o que possa prejudicá-lo. (2001, p. 89). No mesmo sentido, Guilherme de Souza Nucci: Levando-se em conta que a confissão acarretará ao acusado um resultado normalmente adverso e que existe o natural instinto de defesa do homem (a natureza cerra os lábios do culpado), negando a prática de algo errado que tenha praticado, é fato que os fundamentos de uma confissão merecem ser estudados com especial relevo. (1999, p. 93). Ainda: A confissão, enquanto rainha das provas no passado, de valor probatório absoluto, ou a prova por excelência (a probatio probatissima) dos tempos obscuros do regime da prova legal, caracteriza-se, atualmente, por ter valor relativo. Isso implica que o juiz não está obrigado a aceitá-la, devendo sempre confrontá-la com as demais provas constantes dos autos e, ademais, que ela não exclui a necessidade de que outras provas sejam colhidas a respeito do fato e de sua autoria. No processo civil, a confissão relativa a ações cujo objeto são direitos disponíveis elimina a controvérsia, permitindo o julgamento antecipado da lide. No processo penal, mesmo havendo confissão, o juiz deve determinar a produção das demais provas. (1999, p. 89). Nucci (1999, p. 95-114), elenca ainda os principais motivos que levam uma pessoa a confessar um delito: Por remorso: Salvo exceções doentias, a confissão tida pelo remorso, pela inquietação da consciência, tende a ser verdadeira. Por arrependimento: O sujeito fica triste e insatisfeito consigo mesmo e 18 passa a aceitar o castigo. Difere do remorso que é uma sensibilidade emotiva enquanto o arrependimento é uma sensibilidade ética. A confissão por arrependimento tende também a ser verdadeira. Para alívio interior: Sente-se cansado de lutar com o Estado, a confissão o liberta dessa luta, sente paz, é uma rendição no duelo com o judiciário, é entregar os pontos. Pode ser verdadeira ou falsa esta confissão. Pela necessidade de se explicar: Quer expor os motivos pelos quais cometeu tal crime, deseja obter uma aceitação pelo que fez, quer demonstrar que era necessária tal atitude, que não havia outra escolha, busca a aceitação social, quer expor os motivos pelo acontecido. Normalmente, este tipo de confissão é verdadeiro. Por interesse: Para receber algum benefício, dinheiro, prestígio, respeito. Tende a ser falsa este tipo de confissão. Por lógica: Quando percebe que a verdade virá à tona de qualquer jeito, que as evidências são muito fortes, por inteligência, confessa logo o delito por saber que será inútil negar o óbvio. Se confessar por este motivo, tende a ser verdadeira a confissão. Por orgulho ou vaidade: Quando o confitente vê no seu ato, motivo de orgulho e enaltecimento, acha que terá o respeito das autoridades, pelo crime cometido, que obterá reconhecimento público. Acredita ter feito algo que a própria polícia não conseguiria fazer, que estão resolvendo um problema para a comunidade e por isto, legitimados por ela (justiceiros, vigilantes privados). Por vaidade incluem-se também aqueles que querem superar seus parceiros de crime, ou desejam obter o respeito entre os marginais, vê suas façanhas como legítimos troféus. 19 O homem é sempre um ser social, somente acontece que, algumas vezes, acaba por fazer parte de um pequeno agregado social, que está em oposição com o resto da sociedade. Mas, nos limites do acanhado grupo social em que vive, ele sente e pensa e age de maneira igual aos outros homens; e se, para este, é razão de orgulho e de supremacia ser laborioso ou genial, para ele é a fria e cruel coragem, a astúcia felina, o que cria a tendência para contar os seus crimes e até, porventura, para se gabar de outros nunca praticados. (1999, p. 93). É difícil perceber se são confissões verídicas ou fantasiosas. Por esperança ou medo: Acha que confessando, parecerá simpático a opinião alheia e ao juiz, que ficará mais fácil obter uma atenuante por estar “cooperando com o processo”, ou porque tem medo de receber uma pena maior por estar mentindo. Via de regra, trata-se de confissão verdadeira. Por expiação ou masoquismo: Normalmente, este desejo de sofrer, de ser penalizado, advém da consequência de alguma patologia ou perturbação mental, embora possa ser verdadeiro este tipo de confissão. Por altruísmo: Por caráter, para evitar sofrimento de preso inocente. Confessa porque não quer que outros paguem por seu crime. Normalmente é verdadeira. Por forte poder de sugestão de terceiros: Quando pessoa de personalidade fraca sofre influência de personalidade mais forte, levando-a a acreditar que cometeu tal crime. Normalmente são confissões falsas. Por erro: O confitente pensa que praticou um crime, mas, na verdade foi só uma tentativa, pensa ter acertado um tiro em alguém, mas na verdade seu alvo se jogou no chão e ele assustado, saí correndo com a plena convicção de ter matado o desafeto. É uma confissão falsa por erro. Por loucura ou qualquer desequilíbrio mental: Fácil, verificar que são confissões falsas por advirem de doenças mentais notórias. 20 Por coação psicológica: Quando se seqüestra o familiar de alguém para que este confesse algo que não cometeu. Para evitar o sofrimento de seu ente querido, vê-se coagido psicologicamente a confessar um crime que não cometeu. Obviamente, são confissões falsas. Por tortura psicológica: A tortura diferentemente da coação, é contínua, vai minando a resistência, causando-lhe cansaço e stress excessivo, exemplo interrogatório prolongado. O desgaste causado pela tortura psicológica o obriga a confessar para se ver livre do interrogatório. São confissões falsas. Por insensibilidade: Criminosos, frios e desprovidos de afeto, amor ou sociabilidade para com seus iguais, não têm nenhum sentimento para com os outros, de regra, são confissões verdadeiras. Por instinto de proteção ou afeto a terceiros: É o contrário do item anterior, são pessoas que confessam falsamente para proteger alguém que gosta muito. Por ódio a terceiros: Pessoas que confessam porque julgam com isso poder prejudicar terceiros: pensam assim, se eu disser que participei de tal crime, pensarão que ninguém melhor do que eu para indicar um co-autor, neste caso o objetivo é fazer uma delação igualmente falsa para arrastar um desafeto. Por fatores ligados à religião: Por temor espiritual, por obediência a um líder religioso, por achar que a confissão expia os pecados. De regra, são confissões verdadeiras. Estes são alguns dos principais motivos notados nas doutrinas e jurisprudências consultados por este autor (NUCCI, 1999, p. 95-114) que comprometem a confissão livre e espontânea. Neste sentido a lição de Rossetto: 21 A confissão deve ser o produto da vontade livre do acusado, desprovida de erro, temor, sugestões e violência; é preciso “que nem o temor, nem o constrangimento, nem a astúcia, nem alguma inspiração estranha pareça ditar-lhe os termos. (2001, p. 112). Por este rol, evidencia-se a importância de se dispensar uma melhor análise e ponderação acerca da confissão obtida, pois, como exposto acima, motivos não faltam para que uma confissão venha contaminada, prejudicando assim os seus requisitos de admissibilidades intrínsecos (como a verossimilhança dos fatos confessados, a clareza, a certeza, persistência, coincidência e sinceridade dos fatos confessados). O objetivo maior de todos os interrogatórios é obter a confissão, o processo existe para apurar a verdade, e esta pode vir através da confissão, embora não seja este o único meio de buscá-la. O processo deve possuir outras formas que não seja a palavra do acusado para se apurar a verdade, uma vez que o acusado não é obrigado a confessar, não é obrigado a produzir provas contra ele mesmo, a se autoincriminar, é o princípio nemo tenetur se detegere. O privilégio contra a auto incriminação – que é plenamente invocável perante as Comissões Parlamentares de Inquérito – traduz direito público subjetivo assegurado a qualquer pessoa, que, na condição de testemunha, de indiciado ou de réu, deva prestar depoimento perante órgãos do Poder Legislativo, do Poder Executivo ou do Poder Judiciário (…). O direito ao silêncio – enquanto poder jurídico reconhecido a qualquer pessoa relativamente a perguntas cujas respostas possam incriminá-la (nemo tenetur se detegere) – impede, quando concretamente exercido, que aquele que o invocou venha, por tal específica razão, a ser preso, ou ameaçado de prisão, pelos agentes ou pelas autoridades do Estado. (STF – HC 79.812/SP – Rel. Min. Celso de Mello – DJ 16.02.2001, p. 21) 2.4 CONFISSÃO EXTRAJUDICIAL E RETRATAÇÃO JUDICIAL Entenda-se, a confissão obtida no Inquérito Policial. Outras modalidades de 22 confissões extrajudiciais existem, mas falaremos aqui da confissão obtida no Inquérito Policial. Um Projeto elaborado pelo então Ministro da Justiça Vicente Rao, em 1930 (publicado oficialmente em 1935), já tentava suprimir o Inquérito Policial por achar que era improdutivo, desprovido de contraditório e de valor judicial, uma vez que as provas ali obtidas deveriam ser repetidas no Judiciário, tentava o Projeto instituir em seu julgar um Juizado de Instrução, explicando que as provas colhidas com contraditório, perante juiz singular, conferiam as mais seguras garantias de defesa. O projeto procurou afastar a confissão extrajudicial com os seguintes argumentos: Retira-se da Polícia, por essa forma, a função que não é sua, de interrogar o acusado, tomar o depoimento de testemunhas, enfim, colher prova de valor legal; conserva-se-lhe, porém, a função investigadora, que lhe é inerente, posta em harmonia e legalizada pela co-participação do juiz, sem o que o resultado das diligências não pode nem deve ter valor probatório. Em sentido contrário, a lição de José Frederico Marques: “Transferir as funções policiais para um juiz de carreira, na investigação dos crimes graves, é sugestão que só impressiona quem está alheio à realidade e desconhece por completo os meandros difíceis que apresenta a criminalidade” (1965, p. 78). Críticas atuais, ora o legitimam, ora o dispensam, embora sobrevivido às mais duras críticas no passado, o inquérito policial continua sendo alvo de duras críticas e de calorosas discussões, da doutrina atual. Neste sentido a crítica de Tovo: A história de todos os tempos comprova à sociedade que o inquérito policial ou qualquer outro nome que lhe pudesse atribuir no passado longínquo é o sistema mais condizente com os regimes autoritários. Nele, a pessoa humana é tratada como objeto de uma investigação e não como sujeito de direitos. Eis aí ranço mediavalesco que não pode mais subsistir no ar puro da plenitude democrática. (1982, p. 123-124). 23 Seguindo o tom dos discursos acima, analisaremos a confissão obtida no Inquérito Policial. É inegável que a preocupação da Polícia Judiciária, é em obter a confissão através do interrogatório policial. Embora não seja mais considerada a rainha das provas e tenha valor relativo, devendo ser comparada com outros elementos colhidos no processo, conforme o artigo 197 do CPP: CPP, art. 197. O valor da confissão se aferirá pelos critérios adotados para os outros elementos de prova, e para a sua apreciação o juiz deverá confrontá-la com as demais provas do processo, verificando se entre ela e estas existe compatibilidade ou concordância. Mesmo com a norma do artigo 197 do CPP, a confissão, continua sendo o meio de prova mais desejado tanto no inquérito como na fase judicial. Dá-se mais credibilidade a alguém que confessa um crime, embora, vários são os motivos ilícitos pelos quais uma pessoa pode ser levada a confessar algo que não tenha feito. Segundo Fernando da Costa Tourinho Filho: A experiência tem demonstrado que à confissão não se pode nem se deve atribuir absoluto valor probatório. É certo que, se um indivíduo confessa haver praticado uma infração penal, em princípio tal reconhecimento de culpa deve ser tido como verdadeiro, porque ninguém melhor do que o autor da infração pode saber se é ou não culpado da imputação que se lhe faz. Todavia todos aqueles que se dedicaram e se dedicam ao estudo das provas no campo do Processo Penal salientam que, muitas vezes, circunstâncias várias podem levar um indivíduo a reconhecer-se culpado de uma infração que realmente não praticou. (2009, p. 300). O artigo 197 do CPP ao afirmar que “O valor da confissão se aferirá pelos critérios adotados para os outros elementos de prova, e para a sua apreciação o juiz deverá confrontá-la com as demais provas do processo, verificando se entre ela e estas existe compatibilidade ou concordância”, está na verdade dizendo que há interesse público em jogo, e que o Estado não quer que um inocente pague pelo 24 verdadeiro culpado. Está dizendo que não vigora em nosso sistema a tarifação das provas onde a confissão era tida como regina probationum ou rainha das provas, negando também a máxima confessus pro judicato habetur (O confesso é tido como julgado), pois o que está em jogo são interesses públicos superiores aos interesses particulares como bem assevera Nicola Framarino dei Malatesta: Que no juízo civil o confesso se tenha por julgado, é lógico e natural, Tratase de direitos privados e alienáveis, dos quais o cidadão pode sempre dispor. O cidadão é dono dos seus interesses pecuniários e pode, por isso, mesmo com uma confissão não verdadeira, reconhecer as pretensões do adverso, renunciando a direitos próprios, embora fossem evidentes. Mas não é assim em juízo criminal. A justiça penal não atinge seus fins culpando um bode expiatório qualquer, precisa do verdadeiro delinquente, para que se torne legítima sua ação. (2009, p. 412). A discussão para avaliar a validade da confissão obtida no Inquérito Policial recai na ausência de ampla defesa e de contraditório, presume-se que o acusado sofreu algum tipo de constrangimento, facilitado pela ausência de defensor, por conta disso, a confissão obtida nesta fase inquisitorial, será sempre duvidosa. E o tipo de depoimento que padece de transparência e de contraditório, pode até não ter havido violência policial, mas o simples fato de o réu não ter tido seus direitos informados, constitui em nulidade a sua confissão, pois esta tem que ser fruto da vontade livre e consciente do acusado. Não se nega que, após a ocorrência de um crime, é possível à polícia obter do réu uma confissão ampla, tanto porque ele ainda não consultou devidamente seu advogado, como porque ainda não teve condições de pacificar o seu estado emocional, sempre alterado pela prática delituosa, equilibrando o raciocínio. Essa admissão de culpa pode até ser extraída de modo legítimo, sem coerção e sem tortura. Entretanto, levando-se em conta que pode ter sido feita sem qualquer garantia processual ao acusado, jamais se poderia asseverar que essa seria a real intenção do réu, qual seja a de confessar, nem mesmo se conseguiria assegurar que não teria havido qualquer pressão ou sugestionabilidade no interrogatório policial. (1999, p. 205). 25 Mesmo ciente destas possibilidades, de desprezo dos direitos e garantias do acusado, muitos juízes acabam deixando-se influenciar pelo exposto no inquérito, vindo a basear suas decisões em informações colhidas nesta fase inquisitorial. Enio Luiz Rossetto citando Carnelutti, afirma: Ser recorrente a prática coercitiva de extorquir a confissão na fase preliminar, esta confiada à Polícia Judiciária; depois, em juízo, grande parte dos acusados retrata-se em vão, porque o juiz, embora acreditando nas violências, utiliza a confissão como fundamento de sua convicção. (2001, p. 225). Nota-se aqui, verdadeira contradição entre o Ordenamento Jurídico e a Jurisprudência, que muitas vezes utiliza as provas produzidas no inquérito para fundamentar suas decisões, depois em grau de recursos, essas decisões acabam sendo reformadas, mas deixa claro que a confissão obtida na fase extrajudicial embasa muitas vezes as sentenças judiciais. Guilherme de Souza Nucci, citando Gisli Gudjonson, chegou à seguinte conclusão: É difícil detectar uma confissão falsa, mas uma dessas dificuldades está concentrada no fato de que, como a maioria das confissões feitas na polícia são posteriormente retratadas em juízo, existe o fenômeno de que magistrados e promotores sejam cépticos quanto à retratação verdadeira, vale dizer, tendo em vista que retratações verdadeiras são a minoria, estes profissionais do direito acabam generalizando e deduzindo que todas as confissões feitas na polícia são verdadeiras e todas as retratações em juízo, falsas. É justamente tal postura que leva ao indesejável erro judiciário. (1999, p. 95). Ou seja, presume-se a violência no interrogatório policial, mas como geralmente o acusado tende a se retratar, o magistrado acaba aceitando a prova produzida no inquérito. Sabe o magistrado que o acusado terá pensado melhor, se libertado do temor natural causado no interrogatório policial, quando via de regra é 26 pego de surpresa e sem ter adotado nenhuma língua argumentativa para a defesa, descoberto que pode mentir orientado pelo advogado de defesa a isso. Também o juiz, apesar da importância e nobreza do cargo, é um ser humano falível e mesmo sabendo que as provas devem ser repetidas sob o clivo do contraditório, já tem muitas vezes, devido suas experiências de vida, sua convicção firmada quando da leitura do inquérito. Julgar com base em provas obtidas no Inquérito Policial é o mesmo que negar ao acusado o contraditório e a ampla defesa. Pois as informações colhidas nesta fase procedimental, constituem elementos informativos, desprovidos de investigações e indagações das partes, produzidos em fase em que o investigado não é um cidadão com direitos, e sim um objeto de investigação. Aceitar as provas produzidas no inquérito, sem confrontá-las com outras provas, é o mesmo que liberar o Estado-acusação do seu dever de instrução, esta inércia do Estado, o desqualificaria como parte do processo, interessada na verdade, ao tornar-se inerte, seria apenas um espectador que não atenderia aos objetivos da sociedade. Na análise de Guilherme de Souza Nucci: O que não pode acontecer, em hipótese alguma, é partir-se do pressuposto de que a confissão extrajudicial é prova e por isso, atua contra o acusado, isoladamente considerado, de modo que eventual retratação ocorrida no interrogatório judicial é irrelevante. Isso libera o Estado-acusação de produzir qualquer outra prova contra o réu, o que é um absurdo. Aguardarse-ia que o acusado provasse sua inocência. (1999, p. 241). O papel do inquérito é fornecer ao Ministério Público, informações plausíveis de verossimilhança entre a suspeita, a acusação e o acusado, para caso haja indícios de verdade nas suspeitas, seja instaurado contra o cidadão o devido processo penal. O inquérito serve então para que o cidadão não seja perturbado 27 com acusações levianas, muitas vezes anônimas e inconsequentes, investiga-se para saber se há um mínimo de plausibilidade e coerência na acusação e/ou suspeita. Oferece então elementos informativos, destinam-se ao Ministério Público para que este instaure a devida ação penal, e não ao juiz, por isto não pode ele valer-se de provas produzidas nesta fase para embasar seu julgamento. Inquérito. Crime de assédio sexual. Recebimento de queixa-crime. Ausência de elementos mínimos de prova. Queixa-crime rejeitada. Para o recebimento de queixa-crime é necessário que as alegações estejam minimamente embasadas em provas ou, ao menos, em indícios de efetiva ocorrência dos fatos. Posição doutrinária e jurisprudencial majoritária dos fatos. Não basta que a queixa-crime se limite a narrar fatos e circunstâncias criminosas que são atribuídas pela querelante ao querelado, sob o risco de se admitir a instauração de ação penal temerária, em desrespeito às regras do indiciamento e ao princípio da presunção de inocência. Queixa-crime rejeitada. (STF – Inq. 2.033/DF – Tribunal Pleno – Rel. Min. Nelson Jobim – j. em 16.06.2004) Nisso reside à importância dos elementos informativos para o Processo Penal, pois fornecem indícios de plausibilidade de existência do delito e de sua autoria. Informam que existe o nexo entre autor e crime, é uma forma de respeitar o direito do acusado, e de se evitar que o poder estatal instaure ação penal baseado em notícias-crimes leviana. A doutrina é pacífica, afirmam que as provas na fase inquisitorial do Inquérito Policial, destinam-se ao convencimento do Ministério Público. No mesmo sentido o magistério de Adel El Tasse: Já quando aceita a denúncia ou queixa, tais elementos não têm o condão de fundamentar uma decisão judicial, ainda mais diante da garantia individual eleita na Carta Política: (...) aos acusados em geral, são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ele inerentes. (2008, p. 36). Também o ordenamento brasileiro, principalmente com o advento da Lei 28 11.690/2008 em seu artigo 155, caput é taxativo. Estabelecem critérios pontuais para a aferição de provas produzidas no inquérito e as produzidas na fase judicial do artigo 155 da Lei 11.690/2008 “O juiz formará sua convicção pela livre apreciação da prova produzida em contraditório judicial, não podendo fundamentar sua decisão exclusivamente nos elementos informativos colhidos na investigação, ressalvados as provas cautelares, não repetíveis e antecipadas.”. A divergência está justamente nas decisões judiciais, na jurisprudência brasileira, que continuam embasando suas decisões em provas produzidas na fase inquisitorial do inquérito, senão vejamos: Furto. Prova policial. Mera ratificação judicial dos ditos na polícia. Inadmissibilidade. Condenação exige plena convicção. Valor algum se dá à prova oral coletada na fase inquisitorial. A mera ratificação judicial do que foi dito na Polícia não faz desaparecer a mácula da falta de garantias: com os ditames do devido processo legal é que deve ser coletada qualquer prova. Condenação exige convicção plena e não qualquer convicção da prova coletada no momento judicial. Deram provimento ao apelo defensivo, com extensão ao co-réu não-apelante (unânime). (TJRS – Ap. Crim. 70009730508 – 5ª Câmara Criminal – Rel. Amilton Bueno de Carvalho – j. em 03.11.2004) O erro de tais julgamentos, baseados em provas colhidas no interrogatório policial, sem contraditória e ampla defesa, têm dado azo a inúmeras apelações e demonstram que o juiz vê-se sim contaminado pelas provas do inquérito, que tende a aceitá-la, desse convencimento errôneo e ilegal, resultam as inúmeras apelações criminais. Roubo majorado. Prova oral policial. Prova inquisitorial vale igual a zero no momento judicante ausente autoridade e eqüidistante, publicidade, contraditório, ampla defesa. Testemunhas de leitura: nem tais têm o condão de legitimar a ilegitimável ausência das garantias do devido processo legal. À unanimidade, deram provimento ao apelo. (TJRS – Ap. Crim. 70014797567 – 5ª Câmara Criminal – Rel. Amilton Bueno de Carvalho – j. em 14.06.2006) 29 Fácil compreender o porquê de tanta aceitação das provas colhidas no inquérito. Ocorre que quase todos os juízes, já foram advogados e sabem por excelência que todo réu tende a mentir em sua retratação frente ao judiciário, pois além de ser um instinto natural do ser humano, a autodefesa, embalado pelo amor próprio, o acusado, ali sub judice, estará orientado por seu advogado, a retratar-se do que disse na polícia, a alegar tortura, violências etc. O juiz espera que o acusado venha a negar tudo ou modificar o que disse, sabe também que o réu não é obrigado a falar a verdade, que o interrogatório é meio de defesa, ou seja, é uma oportunidade para o réu se defender, logo dirá tudo o que interessa à sua defesa, não hesitará, portanto em mentir. Segundo o ilustre Enio Luiz Rossetto (1999, p. 239), “é cediço que o acusado confesse na fase policial, depois, na fase judicial, logo se retrata, sob o argumento de que foram extorquidos por meio de torturas, maustratos e violências”. Sabendo disso, o magistrado receberá com cautela toda retratação, ou declarações dadas no judiciário, por isso tende muitas vezes a aceitar as provas do inquérito, mesmo que essas decisões sejam reformadas em posteriores apelações. Furto. Prova oral. Policial. Desvalor. Álibi acusado não tem ônus probatório algum. Prova oral policial se destina a instrumentalizar a denúncia e nada mais. Condenar alguém com base em prova inquisitorial é recuperar o estágio medieval do conhecimento jurídico. Acusado não tem ônus probatório algum. A carga alcança exclusivamente àquele que persegue. Negaram provimento ao apelo ministerial. (TJRS – Ap. Crim. 70009262163 – 5ª Câmara Criminal - Rel. Amilton Bueno de Carvalho – j. em 16.03.2005) Há, no entanto outra linha jurisprudencial que tende a aceitar a confissão extrajudicial, mesmo após a retratação do confitente, desde que haja outros elementos na fase judicial que forneçam indícios de veracidade dos fatos alegados no inquérito. 30 Enio Luiz Rosseto, citando Pierangelli, afirma: A verdade inquestionável é que, todos os dias, os Tribunais estão decidindo com base na prova indiciária. É o que ocorre, por exemplo, nos delitos de furto ou de roubo, onde a confissão (indício) e a apreensão da res furtiva em poder do acusado (também indício) constituem prova suficiente para a condenação, mesmo que essa confissão tenha sido feita tão-só na fase do inquérito policial e retratada em juízo. É que quase nunca se afirma que a condenação foi proferida com sustentação exclusiva na prova indiciária. Mas assim o é efetivamente. (2001, p. 245). FURTO – A falta de investigação, de maus-tratos alegados para retratar confissão, não constituem cerceamento de defesa, pois, havendo provas coincidentes, é válida a confissão policial ainda quando obtida por meios coercitivos, cumprindo, neste caso, tão-somente a apuração da responsabilidade dos autores da coação. Para comprovação material do furto não se exige auto de exame de corpo de delito na res furtiva, bastando o auto de apreensão desta. No furto, a detenção injustificada da coisa faz presumir a autoria. Condenação embasada em prova judicial coincidente com a confissão retratada. Revisão indeferida. (JTAERGS 53/27 – Revisão Criminal 284035888 – Câmaras Criminais Reunidas) Na jurisprudência acima, a sentença não podia ter sido pior. O Juiz revisor, aceita a falta de investigação, e os maus-tratos alegados pelos réus, válida também a confissão obtida por meios coercitivos (torturas...). Trata-se de verdadeira aberração jurisprudencial, fere o princípio da presunção de inocência, da paridade de armas no processo. Nega ao réu todas as garantias conferidas pelo ordenamento, retira-lhe o contraditório e a ampla defesa, tudo para manter a autoridade do inquérito, “rasga a Constituição”. CONFISSÃO. INTERROGATÓRIO – Meio de prova suficiente para a condenação, quando, realizado na presença de defensor, contenha elemento compatível com a materialidade do delito. Desprovimento ao recurso. (JTAERGS 51/143 – Apelação-Crime 284013356 – 2ª Câmara Criminal) PROVA – Confissão policial corroborada por outros elementos de convicção – condenação mantida. Confissão policial do réu, ratificada por outras provas, autoriza sua condenação. (TACRSP – v. 57/382 – Rel. Diwaldo Sampaio) PROVA – Confissão policial corroborada por outros elementos coligidos na 31 instrução. Condenação mantida. Confissão extrajudicial, embora retratada posteriormente, tem o seu valor e alicerça condenação, desde que encontre apoio nas provas colhidas em juízo. (Apelação 194.965 – TACRSP – v. 55/345) A retratação no Judiciário é vista sempre com muita desconfiança pelos magistrados e pela doutrina majoritária, pois segundo Enio Luiz Rossetto “É cediço que o acusado confessa na fase policial depois, na fase judicial, logo se retrata, com o argumento de que foram extorquidos por meio de torturas, maus-tratos e violências” (2001, p. 239). Quem está mais em dia com o meio penal, sabe que há muitas mentiras nas retratações, a ponto de muitos acusados chegarem a se ferir para alegar torturas. Enio Luiz Rossetto citando Vicente de Azevedo afirma: Se por um lado, desgraçadamente, somos forçados a admitir que nossa polícia (como, aliás, todas as polícias do mundo) às vezes pratica violência, torturando suspeitos ou indiciados, num atentado revoltante à dignidade humana – reus sacra res – a pessoa do réu é sagrada –, por outro lado é de se reconhecer que há muita mentira, muita simulação por parte de malandros escolados, que não hesitam até se ferir, ou fazem-se ao juiz exibindo o corpo de delito, as provas da violência. (2001, p. 239). Ainda, o magistrado, consciente ou inconscientemente, vê-se contaminado pelo termo de confissão juntado ao processo. Ali o juiz apreciando livremente a prova, forma sua primeira convicção antes de analisar a retratação. Na verdade o acusado, pela posição que ocupa no processo, será sempre suspeito ao falar no processo, pois, é cediça que fala em seu interesse com todo o respaldo que a lei assegura, de toda forma, a retratação deve ser analisada seguindo-se os mesmos critérios adotados para analisar a confissão extrajudicial, ou seja, desde que harmônicas com outras provas. 32 3 O INTERROGATÓRIO DO RÉU E O DIREITO AO SILÊNCIO Antes de analisarmos o interrogatório do réu, convém lembrar, que a favor deste, vige a presunção de inocência, que tem o direito ao silêncio, consequência do princípio nemo tenetur se detegere “em que ninguém é obrigado a fornecer prova contra-si”. Para Guilherme de Souza Nucci, o processo penal deve ter instrumentos suficientes para conseguir provar a autoria de um delito que não seja as próprias palavras do acusado ou a interpretação de seu silêncio. É preciso abstrair, por completo, o silêncio do réu, caso o exerça, porque o processo penal deve ter instrumentos suficientes para comprovar a culpa do acusado, sem a menor necessidade de se valer do próprio interessado para compor o quadro probatório da acusação. (1999, p. 431). O acusado não precisa também prestar compromisso de falar a verdade, sendo evidente por estas e outras razões, tratarem-se os interrogatórios de meio de defesa do réu. Ou seja, ele só falará se achar que lhe é conveniente. Tanto tem direito ao silêncio que caso as autoridades policiais ou judiciais não advirtam o réu deste direito, todo o processo padecerá de nulidade (CPP, art. 186, caput). Embora o CPP, trate do interrogatório no capítulo destinado às provas, a doutrina majoritária o tem como meio de defesa do réu. Fernando Capez diz: O Código de Processo Penal, ao tratar do interrogatório do acusado no capítulo concernente à prova, fez clara opção por considerá-lo verdadeiro meio de prova, relegando a segundo plano sua natureza de meio de autodefesa do réu (Francisco Campos, Exposição de Motivos do Código de Processo Penal, item VII). Entretanto, a doutrina mais visada, seguida pela jurisprudência mais sensível aos novos postulados ideológicos informativos do processo penal, tem reconhecido o interrogatório como meio de defesa. (2002, p. 279). Durante o interrogatório, o acusado pode permanecer em silêncio, se este 33 lhe for conveniente, e deste silêncio não poderá advir nenhuma consequência desfavorável ao réu. No Processo Penal, o silêncio, efetivamente, não diz nada. Aqui não serve à máxima, “quem cala consente”. O fato de o juiz não poder valorar negativamente o silêncio, e do interrogatório ser feito após o réu ouvir a acusação, demonstram tratar-se o interrogatório como meio de defesa do réu. Fernando da Costa Tourinho Filho acrescenta: “No interrogatório, normalmente, o acusado dele se prevalece para contestar a acusação, e, em seguida, seu Defensor, de modo técnico, completa a resposta à peça acusatória com a „defesa prévia‟.” (2009, p. 278). Seria um paradoxo dizer que o réu tenha direito ao silêncio, e depois valorar negativamente este silêncio, condená-lo por ter ficado em silêncio. Seria o mesmo que autorizar alguém a entrar em sua casa e depois acusá-lo de violação ao domicílio. Se for um direito, não pode advir-lhe nenhuma consequência. No entendimento de Fernando da Costa Tourinho Filho: “Assim, se o acusado pode calar-se, ficando o Juiz obrigado a respeitar-lhe o silêncio, erigido à categoria de direito fundamental, não se pode dizer seja o interrogatório um meio de prova, do contrário seria obrigado a responder” (2009, p. 279). Este livre-arbítrio, porém, pode ser-lhe perigoso, pois por mais que a lei lhe faculte tal direito, os costumes, e as crenças populares, costumam ver com desconfiança o uso desta prerrogativa. A sabedoria popular costuma entender que “quem cala consente”, que se não reagiu frente a uma acusação, é porque não tinha nada em sua defesa, sabe que a imputação é verdadeira, do contrário, esboçaria alguma reação, pois, normalmente, frente a uma acusação injusta, o homem tende a defender-se, é instintivo. Mesmo o mais tímido dos homens esboça algumas reações, demonstra seu inconformismo com os fatos a ele imputados. Tende-se a 34 defender-se mesmo sendo culpados, porque silenciaria sendo inocente? Ao menos tentaria responder, pois é da natureza humana se autodefender frente a uma ameaça. Para Guilherme de Souza Nucci: O interrogado, diante do magistrado, teme que o seu silêncio possa significar uma autêntica “confissão tácita”. E mais. Diante do Tribunal Popular, como explicar devidamente aos jurados, leigos que são tal direito constitucional, fazendo-os entender o sentido amplo e profundo dessa proteção, quando poderão fazer uso do surrado dito popular “quem cala, consente”? (1999, p. 178). Ainda para Fernando da Costa Tourinho Filho: O acusado tem a faculdade de responder ou não, às perguntas que lhe forem formuladas pelo Juiz. É a consagração do direito ao silêncio que lhe foi conferido constitucionalmente como decorrência lógica do princípio do nemo tenetur se detegere e do da ampla defesa. É possível que o Magistrado tenha uma impressão desfavorável quando o acusado guarda silêncio, entretanto não se pode admitir que tal impressão se converta em indício para um decreto condenatório. (2009, p. 287). Grande parte da doutrina entende que embora ilegal, o silêncio causa uma má impressão ao juiz, porque este é um ser humano como qualquer outro e por mais que a lei dos homens diga que o réu usará o silêncio para evitar hostilizações, mal-entendidos, a verdade é que o juiz sabe que o réu usará o silêncio por medo de entregar-se em suas respostas, de entrar em contradição e acabar revelando a verdade. Se esta verdade o preocupa a ponto de preferir ficar em silêncio, é porque a verdade é desfavorável a ele, ou seja, é porque a acusação é verdadeira, do contrário, tentaria provar sua inocência, faria uso do velho ditado “quem não deve não teme”, se silencia, porque tem medo da verdade. Apesar de revogados tacitamente, muitos juízes julgam conforme o artigo 198 do CPP, que diz que o silêncio pode ser interpretado em desfavor do réu. 35 Ao dizer-se que o juiz poderá desconfiar do silêncio, ter uma má impressão está dizendo-se que o juiz o valora, mas esta valoração não pode ser externada, desta forma aconselha-se ao juiz, mesmo com a impressão negativa do silêncio, a fundamentar suas sentenças sem externar os reais motivos de sua convicção, ou seja, maquiar a sentença, chegar ao mesmo fim (condená-lo), utilizando-se de outros caminhos, de outros argumentos que não sejam aqueles obtidos pela íntima convicção revelada pelo silêncio do réu. Desta forma, o juiz preenche uma formalidade, mas em seu espírito, faz prevalecer sua íntima convicção, que não pode ser externada. Para Guilherme de Souza Nucci: Não se nega que no espírito do magistrado o silêncio invocado pelo réu pode gerar a suspeita de ser ele realmente o autor do crime, embora, ainda que tal se dê, é defeso ao magistrado externar seu pensamento na sentença. Ora, como toda decisão deve ser fundamentada, o silêncio jamais deve compor o contexto de argumentos do magistrado para sustentar a condenação do acusado. (2008, p. 431). Segundo a melhor doutrina e jurisprudências, o direito ao silêncio é para que suas palavras não sejam mal interpretadas, para que o nervosismo e a eventual falta de memória diante de um tribunal não surtam nenhum efeito negativo contra ele. O direito ao silêncio o pouparia de eventuais hostilizações e intimidações desfechadas contra o réu pelo Estado. Eugênio Pacelli de Oliveira acrescenta: Com efeito, ao permitir-se, como regra legal, o silêncio no curso da ação penal, o sistema impede a utilização, pelo(s) julgador(s), de critérios exclusivamente subjetivos na formação do convencimento judicial. Dessa maneira, procura-se evitar que eventuais hesitações, eventuais contradições, não relevantes, ou, ainda, lapsos de memória ou coisa que o valha, presentes no momento do interrogatório do réu, sirvam de motivação suficiente para o convencimento do juiz ou do tribunal. (2009, p. 341). 36 3.1 A REVOGAÇÃO TÁCITA DO ARTIGO 198 DO CPP Com a consagração do direito ao silêncio pelo art. 5º, inc. LXIII da CF/88, revogou-se o art. 198 do CPP que afirma que: “O silêncio do acusado não importará confissão, mas poderá constituir elemento para a formação do convencimento do juiz”. Apenas a primeira parte foi recepcionada pela Constituição Federal de 1988, uma vez que seria um contrassenso dizer que alguém tem o direito de ficar calado e depois valorar negativamente este silêncio. Guilherme de Souza Nucci afirma: Dizer que o silêncio do acusado pode auxiliar na formação do convencimento do magistrado é o mesmo que não lhe dar a possibilidade de ficar calado, pois ninguém se arriscaria a provocar no julgador um sentimento contrário à sua posição no processo, in limine. Ninguém seria ousado a esse ponto, sabendo que o juiz levará em conta o silêncio, logicamente, em prejuízo da defesa. (1999, p. 169). Porém não é isso o que a sabedoria popular e muitas vezes a doutrina e a jurisprudência entende. Régis Ferraz, citando Ronaldo Batista Pinto diz que: [...] não obstante o ônus da prova seja do autor, o silêncio do réu, embora a lei o permita, continua causando a impressão ao juiz de que ele cala por não ter resposta à acusação e, por conta disso, pode pesar desfavoravelmente ao imputado, sem que haja qualquer violação à norma constitucional. (2008, p. 71). Se causar esta impressão ao juiz imagine aos juízes leigos do Tribunal do Júri que sequer precisam fundamentar suas decisões, podendo até mesmo julgar com base em provas produzidas no inquérito? A lei subestima a inteligência das pessoas, quando diz que mesmo desconfiado, o juiz não poderá externar a sua convicção sobre o silêncio, está dizendo que caso esteja convencido da culpa do acusado, procure outros 37 argumentos, para condená-lo, fingindo não ter dado importância ao silêncio. Isto não resolve a situação do acusado, é um desrespeito aos seus direitos, é um faz de conta que respeitamos os seus direitos, mas na verdade, não foram respeitados. Melhor seria dizer ao acusado que quem cala consente. Desta forma saberia de antemão que ao silenciar, estaria se correndo o risco de ser condenado. Quem pergunta, ou já tem a resposta e quer só a confirmação, ou quer a resposta. Nunca o silêncio. No Processo Judicial, existe um duelo entre acusação e defesa, as perguntas são golpes que devem ser defendidas com as respostas, neste processo, a falta de resposta, se assemelha a falta de defesa, logo será atingido pela acusação, demonstrando-se assim, uma evidente inconstitucionalidade, pois não está havendo defesa. 3.2 A CONFISSÃO FICTA OU PRESUMIDA Diferentemente do processo civil, onde a falta de depoimento e a revelia, façam presumir uma confissão ficta, ou presumida, este tipo de confissão, não encontra amparo na lei processual penal. No processo penal mesmo ausente, o réu poderá ser considerado inocente, se isto for demonstrado por seu defensor. Também, como dito antes, seu silêncio não importará em confissão, isso porque vige no processo penal o sistema do livre convencimento motivado e a busca da verdade real, substancial. Para Fernando da Costa Tourinho Filho: Antigamente, nos casos de fuga, revelia, ou silêncio durante o interrogatório, aplicava-se-lhe a pena de confesso. Tais presunções, entretanto, incompatíveis com o sistema do livre convencimento e com o princípio da verdade real, não puderam nem podem subsistir. (2009, p. 305) 38 Se fosse permitido condenar alguém pela sua ausência ou silêncio durante interrogatório, estaria se condenando baseado em presunções altamente falíveis, pois não há como fundamentar uma condenação, baseado unicamente nestas situações. A não ser que haja outros elementos no processo que indiquem esta culpa, outros indícios prováveis que não sejam o silêncio e a ausência do acusado. No entendimento de Fernando Capez: A confissão ficta ou presumida, contumaz no processo civil, não se verifica no âmbito do processo penal, por falta de amparo legal. Ainda que o acusado deixe o processo correr à revelia, tal fato não importa na presunção de veracidade acerca daquilo que foi alegado pela acusação. (2002, p. 289). Confissão tácita ou presumida é a confissão inexistente, logo, insuficiente para embasar qualquer sentença, não há um depoimento, o silêncio, como dito antes, não diz nada no processo penal, logo, não existe neste processo confissão ficta. Segundo Nicola Framarino dei Malatesta: Querer considerar como confissões reais, as confissões presumidas, é faltar com todo critério de lógica criminal. Não se pode falar de uma prova determinada sem a certeza da sua subjetividade probante e, por subjetividade probante, entendemos a pessoa ou a coisa afirmante e a relativa afirmação. (2009, p. 420). 39 4 CONCLUSÃO Ao chegar ao final deste trabalho, chegamos à conclusão de que existe um abismo muito grande entre a Jurisprudência, a Doutrina e o Código de Processo Penal brasileiro. Percebemos que mesmo com o rigor e imposição da lei, os princípios e costumes recomendaram sempre o bom senso e a análise do caso concreto, mesmo em aparente contrariedade à lei. Pois, em matéria de julgamento, o homem, tende a fazer prevalecer o que acha justo, e mesmo um ordenamento, não trará respostas a todas as indagações. Não trará uma fórmula segura para obter a verdade, esta, reclama bom senso. Descobrimos que se confessa falsamente um crime por vários motivos, e que igualmente se retrata falsamente. Pois, se por um lado ninguém quer ver-se encarcerado, por outro, existem vários motivos que podem induzir alguém a assumir os crimes cometidos por outros. A satisfação ao abordar este tema, foi descobrir que o juiz, tende a buscar a verdade objetiva, substancial, que não é inerte e nem se conforma com a simples aparência de formalidade. Que embora a lei dê garantias excessivas ao acusado, o juiz analisando seus antecedentes e comportamentos, tentará sempre, “convidá-lo”, a participar do processo, pela instrução probatória, pelo interrogatório, pela exposição de outras provas. Sobretudo, percebemos na prática que o direito está em constante mutação, que o ser humano merece respeito, mas que este, não se coaduna com o deixá-lo impune, que há outras formas de buscar a verdade que não seja as formas obtidas na inquisição. 40 REFERÊNCIAS CAPEZ, Fernando. Curso de Processo Penal. São Paulo: Saraiva, 2002. FERRAZ, Régis. Processo Penal – Comentários às Recentes Alterações. Leme: Mundo Jurídico, 2008. MALATESTA, Nicola Framarino dei. A Lógica das Provas em Matéria Criminal. Tradução de Ricardo Rodrigues Gama. Campinas: Russel, 2009. MARQUES, José Frederico. Elementos de Direito Processual Penal. 2. ed. Rio de Janeiro/São Paulo: Forense, 1965. v. 1. MITTERMAIER, C. J. A. Tratado da Prova em Matéria Criminal. 3. ed. Campinas: Bookseller, 1996. NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de Processo Penal e Execução Penal. 5. ed. São Paulo: RT, 2008. . O Valor da Confissão. 2. ed. São Paulo: RT, 1999. OLIVEIRA, Eugênio Pacelli. Curso de Processo Penal. 11. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2009. ROSSETTO, Enio Luiz. A Confissão no Processo Penal. São Paulo: Atlas, 2001. SOUZA, Sérgio Ricardo de. Manual da Prova Penal Constitucional – Pós-reforma de 2008. Curitiba: Juruá, 2008. TASSE, Adel El; MILÉO, Eduardo Zanoncini; PIASECKI, Patrícia Regina. O Novo Sistema de Provas no Processo Penal – Comentários à Lei 11.690/08. Curitiba: Juruá, 2008. TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Processo Penal. São Paulo: Saraiva, 2009. TOVO, Paulo Cláudio. Abolição do Inquérito Policial – Uma Imposição Lógica e Democrática. In: TUBENCHLAK, J.; BUSTAMANTE, Ricardo S. (Coords.). Estudos Jurídicos. Rio de Janeiro: IEJ, 1982.