SOCIOLOGIA E EDUCAÇÃO 1. TEORIAS CLÁSSICAS E AS MATRIZES BÁSICAS DA SOCIOLOGIA DA EDUCAÇÃO O francês Émile Durkheim tem uma preocupação constante com a ordem social e cria conceitos importantes, como fato social, coerção social, normalidade e anomia social. É considerado por muitos como discípulo de Comte (o teórico criador da teoria positivista), escreveu e pesquisou sobre temas como educação e suicídio, sempre preocupado em restabelecer a “saúde” de uma sociedade que, em muitos aspectos, parecia para ele doente e em desequilíbrio. Seguem as definições e os exemplos dos conceitos de Durkheim: Fato social: “Os fatos sociais devem ser tratados como coisa”. Essa é a frase criada por Durkheim para definir a relação do sociólogo com os fenômenos sociais investigados. Para ele, o pesquisador deve manter uma relação de distanciamento, jamais julgando se o fato estudado é certo ou errado. Segundo Durkheim, o fato social tem algumas características: generalidade (representa o consenso social e a vontade coletiva), exterioridade (possui existência exterior às consciências individuais) e coerção (pressão exercida pelo grupo social sobre o indivíduo). Coerção social: todo indivíduo, ao viver em sociedade, sofre pressão do grupo, e todas as ações que praticamos são julgadas pelos outros. Podemos sofrer desde reprovações leves até sanções legais, como prisão, dependendo do ato praticado. Normalidade e anomalia social: para Durkheim, todo fato social é considerado normal, e passa a ser considerado patológico ou uma anomalia se ameaça a sobrevivência da sociedade. Por exemplo: para Durkheim, o crime é um fato social normal; em todos os tempos e em qualquer tipo de sociedade ele existe. Segundo o sociólogo francês, o crime é benéfico para a sociedade, pois, quando é punido adequadamente, reforça os valores do grupo. Porém, quando o crime foge ao controle social e passa a ser regra, ou mais forte que as instituições sociais, está configurada a anomalia social ou a patologia. Exemplos: ações de facções criminosas, terrorismo, massacres, genocídios. O teórico alemão Max Weber (1864-1920) não propunha nem a manutenção da ordem social, nem a revolução. Sua visão da sociedade era realista. Apesar de entender que as formas de organização tinham problemas, observava que muitas estruturas se mantinham e se consolidavam por meio de articulações de poder e burocratização e que os próprios cientistas, como todo indivíduo em ação, agem guiados por seus motivos, sua cultura e tradição. Seu principal conceito é o da ação social. Segundo Weber, a função do sociólogo é compreender o sentido da ação dos sujeitos. Max Weber identificou três distinções de classe, de acordo com três dimensões de desigualdade: 1) Classe: baseada na dimensão econômica; 2) Poder: baseada na dimensão política; 3) Prestígio: baseada na ordem social, status. Weber utilizou o termo classe para referir-se a oportunidades de vida, ou à capacidade das pessoas de conseguir o que querem e necessitam no mercado: comprar bens e serviços, proteger-se dos demais, e assim por diante. Desse ponto de vista, a posição de classe repousa em um número muito maior de fatores do que sobre relações com meios de produção — como prestígio ocupacional, educação, experiência, níveis de qualificação e inteligência, herança e meio formativo familiar. A segunda dimensão da desigualdade é a distribuição do poder, em especial com relação a organizações complexas como empresas, governos, sindicatos e outras instituições. Segundo ele, o poder é burocraticamente organizado nas sociedades industriais, tornando os indivíduos relativamente impotentes, a menos que tenham acesso a essas organizações. Alguns sociólogos argumentam que a localização na distribuição do poder é a principal determinante na posição de classe, e não a posição econômica ou o prestígio. Embora poder, prestígio e riqueza frequentemente apareçam juntos, eles, até certo ponto, variam de forma independente. Um líder, por exemplo, pode classificar-se alto em matéria de poder e prestígio, mas relativamente baixo em riqueza, da mesma maneira que riqueza não traz automaticamente prestígio. A terceira dimensão é a distribuição de prestígio, ou grau de honraria social, status ou deferência que as pessoas desfrutam em relação a outras. Essa dimensão foi estudada principalmente nos Estados Unidos, sobretudo no tocante ao prestígio ocupacional como dimensão para medir a mobilidade social. Existem abordagens que tendem a considerar as classes como simples estratos ou camadas hierarquizadas. A maioria dos investigadores norteamericanos tem encontrado cinco ou seis classes sociais na sociedade americana, porém sempre mimetizando o esquema ternário das classes alta, média e baixa. Como conceito analítico, a classe média é um termo problemático. Wright Mills traz o conceito da nova classe média: os funcionários de colarinho branco, trabalhadores burocráticos, de escritório, funcionários públicos, profissionais liberais, professores. A linha que a separa da classe operária está cada vez mais obscura, à medida que empregos administrativos são cada vez mais rotinizados, fragmentados e automatizados. Embora a classe média seja considerada como a maior classe isolada, há provas de que está diminuindo em número. Nos Estados Unidos em 1964, 61% da população americana se considerava de classe média; em 1993, 45%. A teoria comunista criada pelos pensadores alemães Karl Marx (1818-1883) e Friedrich Engels (1820-1903) propunha uma crítica e a ruptura radical com a sociedade capitalista. Suas obras, que a princípio não tinham a preocupação de sistematizar uma disciplina acadêmica, mas explicar a sociedade como um todo, transitaram pela filosofia, economia, antropologia, ciência política e sociologia. O marxismo tornou-se uma teoria e uma proposta política de transformação da sociedade. Por meio de uma revolução, o proletariado chegaria ao poder, acabando com a exploração que a burguesia exerce sobre o trabalhador, o que para Marx e Engels seria a causa de todos os problemas da sociedade. Segundo eles, dentre os diversos tipos de violência, há a chamada violência estrutural ou branca, que tem ligação com as relações de exploração dos sistemas injustos e que tem nas crianças suas maiores vítimas. Infelizmente, são uma realidade em muitos países, ainda nos dias de hoje, a falta de saneamento básico e a alimentação insuficiente ou inadequada, como também a carência de educação para as crianças, que, por serem mais frágeis, são condenadas à morte e à marginalidade. Uma importante contribuição teórica de Marx é a discussão do conceito de classe social, que pode ser compreendida a partir de alguns pressupostos: Karl Marx argumentava que as divisões de classe se baseiam em diferenças nas relações entre os indivíduos e o processo de produção, em especial na propriedade e no controle dos meios de produção. No capitalismo, esses meios são possuídos e controlados por uma única classe — a classe burguesa — cujos membros, porém, não os usam concretamente a fim de produzir a riqueza. Esse trabalho é feito pela classe operária ou proletária, que produz riqueza mas nem possui nem controla os meios de produção. Uma vez que os capitalistas tampouco produzem riqueza de fato, sua prosperidade depende necessariamente do trabalho de outras pessoas. Aos trabalhadores resta tentar suprir as suas necessidades por meio da venda da sua força de trabalho em troca de salários, que, do ponto de vista marxista, representam apenas uma parte do valor da riqueza que eles produzem (extração da mais valia). Daí, classe e relações de classe baseiam-se em tensão e luta sobre interesses conflitantes, numa relação de oposição e complementaridade. Segundo Rodolfo Stavenhagen (1977), a análise das estruturas de classes é um instrumento metodológico que foi desenvolvido pelos sociólogos dos países ocidentais nos estudos de suas próprias sociedades. As sociedades não ocidentais, dos países subdesenvolvidos e as sociedades agrárias têm especificidades na estrutura de classes e estratificação. Marilena Chauí, em seu livro O que é ideologia?, discute a relação entre os modelos de família, classes sociais e educação que foram se configurando na sociedade moderna. Para ela, no capitalismo existem três tipos de família relacionados às classes: a burguesa, a pequeno-burguesa e a proletária. Família burguesa: na maioria das vezes, não passa de um contrato econômico entre famílias para conservar o patrimônio familiar e assegurar a transmissão da herança. Por isso, o adultério feminino é uma falta grave. Família proletária: existe quase que exclusivamente para reproduzir a força de trabalho por meio da procriação de filhos. Por isso, a mulher não tem direito ao aborto decente e ao anticoncepcional. Entretanto, quando existem mudanças tecnológicas no processo produtivo, necessitando que se diminua a oferta de mão-de-obra, a classe dominante, por meio do Estado, cria programas de planejamento familiar, ou então esterilização em massa, afirmando que está contribuindo para o desenvolvimento nacional, diminuindo o número de filhos dos pobres. Família pequeno-burguesa: tem a função fundamental de reproduzir os ideais e os valores burgueses para toda a sociedade. O pai tem a autoridade reforçada para compensar a falta de poder que ele tem na sociedade. A mãe tem o lugar honroso da domesticidade, para que fique fora do mercado de trabalho e não vá competir com o pai e lhe roubar a autoridade ilusória. Os filhos desse casamento tem retardada a entrada no mercado de trabalho e o casamento. Conjuga-se a isso a defesa de dois ideais: a virgindade para as meninas e a condenação do homossexualismo (pois neste não há reprodução, nem vínculo familiar). Uma visão muito prestigiada na segunda metade do século XX foi a chamada interpretação reprodutivista, da escola criada pelos pensadores franceses Bourdieu e Passeron (que se declaram marxistas), no livro A reprodução, que destaca a violência simbólica na transmissão do saber nas escolas. Para Pierre Bourdieu, a escola exerce o papel de legitimar um capital simbólico institucionalizado e demonstra, em suas relações, que as questões de classe não se restringem à posição ocupada pelo indivíduo no processo produtivo, mas a relações ligadas a prestígio, reputação, fama e estilo de vida. Para ele, o campo social é um espaço multidimensional que se dá nas relações, nas composições, segundo o peso relativo das diferentes espécies no conjunto das posses dos indivíduos. A essa visão se juntam outros teóricos, como os citados a seguir. Louis Althusser, no livro Ideologia e aparelhos ideológicos do Estado, defende que as escolas nas sociedades capitalistas têm por função ministrar a “submissão à ideologia dominante” ou o “domínio de sua prática”. Elas se inserem no processo de reprodução ideológica e “representam a forma na qual a ideologia da classe dominante deve necessariamente realizar se”, atuando por ritos, palavras, atos ou quaisquer outros meios, fazendo com que os indivíduos sejam levados à sujeição e à submissão à ordem vigente, reproduzindo-a constantemente. O pensador e polímata (quem se destaca em vários campos, principalmente artes e ciências) Ivan Illich foi um grande crítico da educação, tendo escrito o livro A sociedade sem escolas para defender a autoeducação e denunciar a natureza ineficaz da educação institucionalizada. C. Baudelot e R. Establet, no livro A escola capitalista na França, utilizaram o instrumental teórico de Althusser a fim de analisar o sistema escolar francês e concluíram que a escola é o principal lugar da reprodução ideológica e desempenha um importante papel na reprodução das condições materiais de vida. Para eles, os demais aparatos ideológicos exercem sua função somente sobre a base da inculcação primária realizada pelo aparato escolar. Nos Estados Unidos, Bowles e Gintis, no livro Schooling in capitalist America, aplicam a teoria reprodutivista, partindo da mesma ideia de que a escola reproduz a divisão social do trabalho. Segundo eles, as instituições educacionais se estruturam para alcançar alguns objetivos: 1) produzir qualificações técnicas e cognitivas exigidas para um bom desempenho nos empregos; 2) legitimar a desigualdade econômica, reduzindo o descontentamento à divisão hierárquica do trabalho e afirmando um escalonamento objetivo e meritocrático; 3) incentivar o individualismo, realçando as características pessoais, recompensando-as e enaltecendo-as como o fundamental para ocupar postos nas hierarquias; 4) criar um padrão de distinções de status que fomenta e reforça a consciência fragmentada em que se baseia a fragmentação das classes economicamente subordinadas. Isso só é possível porque a estrutura e as relações sociais no interior da escola reproduzem as relações sociais da produção capitalista. Em O capital (1867), Marx comenta a legislação trabalhista anterior a 1844, que permitia a contratação de crianças para trabalhar nas fábricas, com a condição de que os patrões apresentassem um atestado de que os meninos frequentavam a escola. Marx concluiu que o tipo de educação dado às crianças era tão precário que só poderia servir para perpetuar as relações de opressão às quais essas crianças e seus pais operários estavam sujeitos. Relato de um inspetor do trabalho da época, citado por Marx: “A sala de aula tinha 15 pés de comprimento por 10 pés de largura e continha 75 crianças que grunhiam algo ininteligível. (...) Além disso, o mobiliário escolar é pobre, há falta de livros e de material de ensino e uma atmosfera viciada e fétida exerce efeito deprimente sobre as infelizes crianças. Estive em muitas escolas e nelas vi filas inteiras de crianças que não faziam absolutamente nada, e a isso se dá o atestado de frequência escolar; e esses meninos figuram na categoria de instruídos de nossas estatísticas oficiais” (O capital, cap. XIII, item 9). A legislação inglesa de 1844 mudou as regras. A partir de então só poderiam ser contratadas para as fábricas crianças que já tivessem pelo menos a instrução primária. Marx, num texto intitulado Instrução aos delegados do Conselho Geral da Internacional Comunista (1866), defende: “Consideramos que é progressista, sã e legítima a tendência da indústria moderna de incorporar as crianças e os jovens para que cooperem no grande trabalho da produção social, embora sob o regime capitalista ela tenha sido deformada até chegar a uma abominação. Em todo regime social razoável, qualquer criança de 9 anos de idade deve ser um trabalhador produtivo, do mesmo modo que todo adulto apto para o trabalho deve obedecer à lei geral da natureza, a saber: trabalhar para poder comer, e trabalhar não só com a cabeça, mas com as mãos”. E propõe que os militantes do partido comunista lutem para que a lei estabeleça tratamento diferenciado conforme a faixa etária, prevendo jornadas de trabalho diferenciadas para crianças e jovens: • de 9 a 12 anos, eles deveriam trabalhar 2 horas por dia; • de 13 a 15 anos, 4 horas; • de 16 a 17 anos, 6 horas. Segundo ele, “não se deve permitir em nenhum caso que o trabalho de crianças e jovens não esteja conjugado com a educação”. Para ele, os conteúdos educacionais devem contemplar três dimensões: educação mental (educação elementar para o trabalho intelectual), física (oferecida nos ginásios esportivos e no treinamento militar) e tecnológica (manejo de instrumentos e máquinas dos diferentes ramos da indústria, conjugada com o trabalho nas fábricas). Num texto chamado Crítica ao Programa de Gotha, de 1875, Marx, debatendo com adversários internos do Partido Comunista, diz: “Isso de uma educação popular a cargo do ‘Estado’ é absolutamente inadmissível. (...) É preciso livrar a escola de toda influência por parte do governo e da igreja. (...) É, ao contrário, o Estado que necessita receber do povo uma educação muito severa”. Quase trinta anos antes, Engels, no texto Princípios do comunismo, de 1847, defende ser a “educação de todas as crianças em estabelecimentos estatais e a cargo do Estado, a partir do momento em que possam prescindir do cuidado da mãe”. Defende a supressão da educação doméstica (compartilhada com a família) pela educação social para eliminar a reprodução da ideologia capitalista, que parte de alguns princípios: • progresso (estudar para “vencer na vida”); • individualismo (não existe possibilidade de felicidade coletiva, apenas individual); • soberania popular (todo poder emana do povo e em seu nome será exercido); • igualdade perante a lei (discurso ideológico que procura ocultar a desigualdade no cumprimento da própria lei); • ideal de família harmônica (sem contradições e diversidades). Existem outros pensadores marxistas que veem a educação de outra maneira: Antonio Gramsci (1831-1937) Assim como Marx, vê o trabalho como princípio educativo e acredita no potencial transformador da educação. Para ele, hegemonia sempre é uma relação pedagógica, na medida em que envolve uma relação de convencimento, de ensino/aprendizagem. Para Gramsci, uma classe se torna hegemônica quando, além da dominação pelo poder coercitivo e policial, ela domina pela persuasão, pelo consenso, que é desenvolvido por meio de um sistema de ideias muito bem elaboradas por intelectuais a serviço do poder. A única maneira de romper esse ciclo é a produção de um discurso contrahegemônico, que apenas o intelectual orgânico (intelectual vinculado à classe trabalhadora) pode fazer. Karl Mannheim (1893-1947) Mannheim foi um sociólogo judeu nascido na Hungria que mescla Marx, Durkheim e Weber. Para ele, a educação escolarizada é uma técnica social e pode ser uma arma nas mãos de quem domina, podendo ser usada tanto para a manutenção quanto para a transformação de uma sociedade. Para Mannheim, mesmo sendo transformadora num primeiro momento, a educação tende a ser mantenedora da situação social. A importância da análise social da educação para ele reside em dois fatores: a) se retirarmos da educação a sua conotação social, estaremos reduzindoa a um esquema de ação arbitrário e abstrato; b) a prática educacional, na sociedade contemporânea, toma o grupo, e não o indivíduo, como unidade educativa. Ainda na década de 70 do século XX, surge na Inglaterra a chamada “Nova sociologia da Educação”, que se contrapõe aos reprodutivistas ao se preocupar com o funcionamento interno da escola e com o currículo. Michael Young Livro: Conhecimento e controle. Georges Snyders (1916-) Sociólogo francês, escreve em 1976 um livro criticando os reprodutivistas, Escola, classe e luta de classes, ressaltando que o professor encontra resistência dos alunos e que a realidade de cada escola e de cada professor interfere no processo educacional. 2. EDUCAÇÃO, CULTURA E IDEOLOGIA Segundo Allan Johnson, em seu Dicionário de Sociologia, cultura é “o conjunto acumulado de símbolos, ideias e produtos materiais associados a um sistema social, seja ele uma sociedade inteira ou uma família”. A cultura possui o aspecto material, que são as ferramentas, utensílios e técnicas de trabalho criados pelo homem, e o aspecto não-material, ou seja, as atitudes, valores, crenças e normas que são todos expressão da linguagem. Portanto, podemos concluir que a linguagem faz parte da cultura e ambas são importantes manifestações sociais, pois o homem só as adquire vivendo em grupo, ou seja, no processo de socialização. O conceito de ideologia na concepção marxista designa uma construção simbólica valorativa, que expressa uma visão de mundo relativa aos interesses da classe dominante e que acaba sendo compartilhada pela sociedade como um todo, porém essas ideia só servem para o aprisionamento do proletariado ao sistema de exploração que fortalece o poder da burguesia. No Brasil, cultura e ideologia sempre estiveram na base de uma sociedade construída pela desigualdade e pelas injustiças sociais. Apesar de intelectuais e escritores desde o século XIX terem preocupação com as questões sociais a até discutirem aspectos sociológicos da cultura nacional, a Sociologia como ramo do conhecimento tem seu início no Brasil na década de 1930. Despontam nesse período intelectuais da chamada geração de 30, cujos expoentes foram Caio Prado Júnior, Gilberto Freyre, Sérgio Buarque de Holanda e Fernando de Azevedo. Fernando de Azevedo (1894-1974) se dedica especialmente a pensar a educação tendo como influência direta o livro de Durkheim Educação e sociedade, que é publicado no Brasil em 1939. Azevedo vai além do teórico francês quando defende que o aluno não recebe passivamente as informações e comportamentos dados pelos professores, mas reage a eles dependendo de sua história de vida e contexto cultural. Juntamente com Fernando de Azevedo, Anísio Teixeira (1900-1971) foi um pioneiro do movimento da Escola Nova, que rompeu com o método tradicional de ensino baseado na memorização. Participou da elaboração do Manifesto da Escola Nova em defesa do ensino público, gratuito, laico e obrigatório, divulgado em 1932. Promoveu a reforma do sistema educacional na Bahia e no Rio de Janeiro que viria a influenciar toda a educação nacional. Florestan Fernandes (1920-1995) fez parte da primeira turma de sociólogos formados pela Universidade de São Paulo e passou a desenvolver pesquisa e docência, produzindo uma obra que viria a firmar o seu nome como um dos principais da sociologia brasileira. Foi um defensor ferrenho do direito à educação, participou ativamente, como deputado federal, da redação do novo texto constitucional de 1988, sobretudo nos artigos relativos a esse tema. A visão educacional de Florestan é marcada pela crítica aos reprodutivistas e às teorias de Ivan Illich a partir da leitura de autores como Georges Snyders. 3. A IMAGINAÇÃO E OS FUTUROS POSSÍVEIS: TRÊS CENÁRIOS RECORRENTES QUANDO SE DISCUTE A SOCIEDADE DO FUTURO, GLOBALIZAÇÃO E DIVERSIDADE CULTURAL Quando um jovem estudante se vê diante do desafio da escolha de uma carreira profissional, muitas perguntas passam pela sua cabeça: Qual a carreira mais promissora? O que vai me render mais dinheiro e prestígio social? Qual carreira me trará mais realização pessoal e felicidade? De quais profissionais o mercado está precisando? Quais são as carreiras do futuro? Quando pensamos na Educação, fazemos os mesmos tipos de pergunta: Que tipo de ser humano estamos querendo formar para o futuro? Como será esse futuro? Portanto, quando falamos em Educação, estamos falando sempre numa visão de futuro que projetamos. O texto da professora Dulce Whitaker “Imaginação: elemento fundamental na escolha” discute as visões de futuro que influenciam na escolha profissional de um jovem quando vai prestar vestibular. Hoje este questionamento se repete muito na mídia e nas conversas entre pais e professores: Que mundo você quer deixar para seus filhos? Portanto, quando falamos em Educação, estamos falando sempre numa visão de futuro que projetamos para um filho, quando a pergunta mais adequada seria: Que tipo de pessoa você vai deixar para o mundo? Na verdade, o que estamos querendo dizer é que, se o ser humano não for ético, consciente e solidário, de nada adianta a sociedade produzir reservas de riqueza, ciência, tecnologia e recursos naturais que não serão utilizados para o bem comum. Portanto, quando falamos em Educação, estamos falando sempre numa visão de futuro que projetamos. Dulce Whitaker diz em seu texto que todas as visões de futuro projetadas pela imaginação humana recaem sobre três visões, a saber: caos apocalíptico, utopia tecnológica e utopia verde. A visão do caos apocalíptico É uma visão de futuro pautada na desesperança e no pessimismo, a ideia de que o fim está próximo e que nada adianta. Modelos muito comuns de comentários nas salas de professores do Brasil afora: — Os alunos não querem saber de nada! — Não adianta ensinar nada, pois os alunos não aprendem mesmo... — A escola e a educação estão falidas! — O aquecimento global vai acabar com tudo, a água está acabando, não há futuro! Essa postura aterrorizada e aterrorizante é muito conveniente para a manutenção do sistema, pois o medo do caos gera a paralisia das pessoas, a sensação de que nada pode ser feito para melhorar as condições de vida das pessoas; gera um conformismo e uma acomodação que são péssimas em toda a vida social e sobretudo no cotidiano escolar, que fica numa situação de terra arrasada: indisciplina, depredação do espaço físico e do material pedagógico, e nada de ensino nem de aprendizagem... A visão da utopia tecnológica Por outro lado, o discurso da utopia tecnológica padece de um otimismo exacerbado e ingênuo com a tecnologia, como se todos os problemas da escola desaparecessem com o emprego de tecnologia e computadores nas escolas. A tecnologia de pouco ou de nada adianta se não tivermos professores bem formados, bem remunerados e com a autoestima em dia atuando nas escolas. Um exemplo dessa visão é o desenho animado Os Jetsons, que mostra um futuro harmônico entre seres humanos e tecnologia, sem alienação, sem desemprego, sem poluição, sem esgotamento dos recursos naturais e catástrofes ambientais, sem problemas de trânsito, contrariando todos os prognósticos e efeitos já observados na realidade. A empregada da família é um robô chamado Rose, que tem sentimentos e jamais requer direitos trabalhistas. Não é o sonho de todo patrão ter um funcionário que não ganha salário, trabalha de domingo a domingo, 24 horas por dia, e no máximo precisa de algumas gotas de óleo para as engrenagens? A visão da utopia verde Por fim, a utopia verde, que é um discurso até há pouco tempo considerado delírio de hippies e exotéricos, faz parte do importante processo de conscientização do homem moderno de que temos de nos desenvolver enquanto civilização tecnocientífica, porém em equilíbrio com o meio ambiente. Mas essa relação não se resume a plantar árvores com os alunos e admirar o marketing de empresas que se dizem “verdes” ou preocupadas com o meio ambiente, e sim questionar o modelo de desenvolvimento adotado pela nossa sociedade urbanocêntrica, pautada da acumulação e exploração desenfreada da natureza e das pessoas. Hoje alguns governos e instituições internacionais estão tentando pensar e implementar modelos que sejam menos agressivos ao meio ambiente e que re-humanizem o ser humano, como por exemplo o governo do Butão, pequeno país da Ásia (do tamanho do estado de Santa Catarina) que a partir de 1972 adotou um indicador diferente de riqueza e desenvolvimento: o FIB (Felicidade Interna Bruta) em vez do PIB (Produto Interno Bruto). Sobre esse tema, segue um artigo do jornal O Estado de São Paulo de 29/10/2008: “A ideia do FIB é incorporar a felicidade, medida por critérios técnicos em questionários de até 150 perguntas, aos índices de desenvolvimento de uma cidade, estado ou país”, explica a psicóloga e antropóloga Susan Andrews, organizadora da 1ª Conferência Nacional sobre FIB no Brasil (realizada em outubro de 2008). Para medir o FIB, a percepção dos cidadãos em relação a sua felicidade é analisada em nove dimensões: padrão de vida econômica, critérios de governança, educação de qualidade, saúde, vitalidade comunitária, proteção ambiental, acesso à cultura, gerenciamento equilibrado do tempo e bem-estar psicológico. “O FIB situa a felicidade como pivô do desenvolvimento, em oposição ao PIB (Produto Interno Bruto, que é a soma das transações econômicas de uma nação), que falha em contabilizar os custos ambientais e inclui formas de crescimento econômico prejudiciais ao bem-estar da sociedade, como o corte de árvores”, afirma Susan. “Os bons resultados no Butão chamaram a atenção da ONU (Organização das Nações Unidas), que passou a estudar a implementação do exemplo butanês em outros países”, afirma. Uma versão internacional está sendo elaborada no Canadá, com aplicação prática prevista para este ano. Até o início da década de 1970, uma brutal política de isolamento levou o Butão a concentrar os mais altos índices de pobreza, analfabetismo e mortalidade infantil do planeta. Em 1972, juntamente com a abertura econômica, o recém-empossado rei Jigme Singye Wangchuck criou o conceito de Felicidade Interna Bruta, para redefinir o significado de desenvolvimento social e econômico. Hoje o Butão — cuja capital, Thimphu, com 50 mil habitantes, não possui semáforos e só conheceu televisão e internet em 1999 —, vê os índices de analfabetismo e mortalidade infantil despencarem, a economia se recuperar e as belezas naturais continuarem intactas, com 25% de seu território delimitado por parques nacionais. Desde o fim da década de 1990, observadores da ONU viajam ao país anualmente para estudar o jeito butanês de levar a vida. “As mudanças foram reflexo da maneira como os butaneses passaram a observar a vida, valorizando somente o que realmente interessa”, afirma Susan. “Eles se dizem, hoje, o povo mais feliz do planeta.” 4. PÓS-MODERNIDADE E EDUCAÇÃO Globalização, pós-modernidade e educação A globalização é um fenômeno econômico que, inicialmente, compreende a internacionalização dos mercados, passando consequentemente a um fenômeno político, social e cultural que vem modificando substancialmente a vida dos indivíduos nos mais diversos lugares do planeta. Do ponto de vista histórico, um dos maiores estudiosos brasileiros sobre o assunto foi o professor Octavio Ianni. Consultando sua obra, chegamos à conclusão de que só podemos falar em globalização após a queda do muro de Berlim em 1989, pois desde a Revolução Russa de 1917 o mundo se dividiu em dois blocos econômicos, o capitalista e o socialista, que estabeleceram dois sistemas econômicos operando em separado, tendo como centro do capitalismo os Estados Unidos da América e como seu antagonista a União Soviética, nações que criaram em torno de si um círculo de influência e confiança que só comercializava entre si. Dos antigos países do bloco comunista, a China pode ser considerada um caso a parte, pois surpreende desde a queda do muro de Berlim, aparecendo como potência emergente, que cresce num ritmo acelerado, muito acima das outras economias. Esse fato se deve ao processo de implantação de um tipo de regime que é capitalista do ponto de vista do sistema produtivo e comunista na política e administração interna. O governo Deng Xiaoping, nos anos 70, implantou na China a “Política da porta aberta”, que viabilizou a criação de núcleos industriais que produziam exclusivamente para exportação, e geraram líderes empreendedores e competitivos, capazes de colocar no mercado os produtos mais baratos, por conta da utilização de matéria-prima barata e de baixa qualidade e de mãode-obra que vive em regime praticamente semiescravo, uma classe trabalhadora que não reivindica melhorias, por viver num sistema político autoritário e extremamente repressor. Pode-se dizer que, do ponto de vista do proletariado, a China alia o que há de pior do sistema socialista com o que há de pior do capitalista, dessa maneira enriquecendo o Estado chinês, que se torna, a cada dia, uma potência militar e bélica, com pleno domínio da energia nuclear e que, por viver fechada para o Ocidente, representa uma ameaça de potencial incalculável. O sucesso do modelo econômico chinês se deve, em grande parte, ao estágio em que se encontrava o capitalismo mundial nos anos 80. Como se sabe, o capitalismo é um modelo que vive de crises cíclicas, e a internacionalização dos mercados foi um arranjo para a sobrevivência do sistema, que desde os anos 70 (crise do petróleo) se encontrava num período de crescente recessão. Portanto, os produtos que ganharam a concorrência no mercado internacional foram os mais baratos (não importando a qualidade). Aliando-se a isso o processo de “desindustrialização” dos países ricos, os produtos chineses ganharam o mundo. As implicações econômicas e políticas da globalização da economia têm gerado impacto em todos os aspectos da vida, sobretudo no que diz respeito ao modo de vida, aos valores e à cultura dos povos, que entraram num sistema de intercâmbio e comunicação cada vez mais rápido e direto com o crescimento da internet e a sofisticação dos recursos dos meios de comunicação de massa. O que se discute, do ponto de vista cultural, é que a sociedade global gerou uma “crise de identidade”: “as velhas identidades que por tanto tempo estabilizaram o mundo social estão em declínio, fazendo surgir novas identidades e fragmentando o indivíduo moderno, até aqui visto como um sujeito unificado” 1 . A ideia de “pertencimento” a um grupo étnico, religioso, cultural e sobretudo nacional dava um “sentido em si” à vida dos indivíduos e ao lugar que ocupavam na sociedade, fato que hoje não ocorre, pois essa identidade se constrói em função de valores que estão o tempo todo se deslocando e se fragmentando, tornando as identidades “descentradas”. A investigação da identidade para a sociologia está diretamente ligada à concepção de sujeito expressa nas diferentes épocas históricas. Para entender como chegamos a essa crise do sujeito contemporâneo, devemos observar as concepções pelas quais passamos desde o advento do Estado Moderno: a) o sujeito do Iluminismo; b) o sujeito sociológico; c) o sujeito pós-moderno. O sujeito iluminista era um indivíduo totalmente centrado, unificado, dotado das capacidades da razão, que emerge com o nascimento da ideia de sujeito, ideia esta que é bastante individualista e cartesiana, baseada numa ciência e num estado “machocêntricos”. O sujeito sociológico já é uma abordagem que admite a multiplicidade gerada pela complexidade crescente do mundo moderno. Segundo essa concepção, a identidade é gerada a partir da interação do eu com o outro. 1 HALL, Stuart. A identidade cultural na pós-modernidade. 10 ed., p.7. Rio de Janeiro: DP&A, 2005. O sujeito pós-moderno se caracteriza como não tendo uma identidade fixa, essencial ou permanente, pois as transformações sociais são muito rápidas. As formas pelas quais somos representados ou interpelados nos sistemas culturais que nos rodeiam mudam e se reorganizam ininterruptamente, fazendo com que dentro de nós convivam identidades contraditórias, empurrando em diferentes direções, de tal modo que nossas identificações estejam sendo continuamente deslocadas. O fenômeno do sujeito pós-moderno gera uma política de “pluralização” de identidades, fazendo com que as pessoas não identifiquem mais seus interesses sociais exclusivamente em termos de classe, mas de movimentos sociais: o feminismo, as lutas pela valorização das mais diversas minorias (étnicas, sexuais), de estilos de vida alternativos como os ecologistas, os vegetarianos, os antibelicistas e pacifistas, os movimentos de libertação nacional, etc. Stuart Hall adverte para o fato de que esse descentramento do sujeito é um processo bastante complexo que leva à discussão acerca da “morte do sujeito” na sociedade contemporânea. Hall lembra que a identidade era fixa e unificada nas sociedades tradicionais pelo fato de estas serem organizadas a partir de sistemas religiosos, ou seja, cada indivíduo estava na terra para cumprir o seu papel divinamente pré-determinado. Não havia possibilidade de mudança de papel social e, consequentemente, de identidade. Com a emergência do Humanismo renascentista, que colocou o homem no centro do universo, com a Reforma e o Protestantismo, que liberaram a consciência individual das instituições religiosas da Igreja, o homem pôde desenvolver a capacidade de investigar, inquirir e decifrar a natureza e, por meio do conhecimento e da ciência, dominá-la. É nesse contexto que surge o sujeito iluminista, o cidadão da democracia representativa, gerido a partir dos lemas da Revolução Francesa: liberdade, igualdade e fraternidade. Porém, toda promessa de liberdade e emancipação do ser humano esbarra num sistema capitalista industrial extremamente burocratizado e complexo, que enreda o homem em sua maquinaria produtiva e administrativa submetida ao mercado, a circulação dos objetos que alimentam o lucro. Nas grandes cidades modernas do sistema de produção urbano-industrial, o homem se torna uma engrenagem da multidão. Durante o século XX, alguns teóricos demonstram os elementos que contribuem com o descentramento do sujeito, revelando a fragilidade da suposta racionalidade e da sensação de controle do homem sobre a realidade e a natureza. A teoria de Karl Marx (que é do século XIX) é reinterpretada sob a ótica de que o homem está condicionado às condições objetivas da sociedade em que vive, portanto é um ser que faz a história, mas apenas sob as condições que lhe são dadas. Além disso, a teoria marxista tem com um de seus principais conceitos a alienação, ou seja, a ideia de que os indivíduos creem em falsas noções e valores que são criados pela burguesia apenas para dominar a sociedade, e que essa alienação também se reproduz na forma como é feita a divisão do trabalho. A alienação gera uma prisão mental, o ser humano acaba por ser refém de ideias distorcidas disseminadas por aqueles que querem se perpetuar no poder. A segunda teoria que representa um choque para a noção de sujeito e identidade unificada é a descoberta do inconsciente por Freud. Segundo ele, nossas identidades, nossa sexualidade e a estrutura de nossos desejos são formadas com base em processos psíquicos e simbólicos do inconsciente, que funciona de acordo com uma lógica muito diferente daquela da razão iluminista. O terceiro descentramento examinado por Stuart Hall está relacionado aos estudos de linguística estrutural de Ferdinand de Saussure, que argumenta que não somos os “autores” das afirmações que fazemos, ou dos significados que expressamos na língua, pois esta é um sistema social, e não individual. Além disso, segundo Saussure, o significado das palavras não é fixo, as palavras são “multimoduladas”, mudam através do tempo e do espaço, adquirindo outros significados. O quarto descentramento é produto do pensamento do filósofo francês Michel Foucault. Este produziu uma série de estudos sobre um novo tipo de poder que emerge nas sociedades modernas: o “poder disciplinar”, que consiste numa entidade de controle invisível representada pela vigilância das instituições disciplinares clássicas, como oficinas, quartéis, escolas, prisões, hospitais, manicômios, etc. Segundo Foucault, o objetivo do “poder disciplinar” é manter as vidas, as atividades, o trabalho, as práticas sexuais e familiares sob estrito controle e disciplina, com base no poder dos regimes administrativos, do conhecimento especializado dos profissionais. Então, para criar o indivíduo “ajustado” ao sistema, existem pedagogos, sociólogos, psicólogos, administradores que criariam um corpo e uma mente dóceis, produtivos, que contribuiriam para um bom funcionamento do sistema social. O quinto e último fator do descentramento é o impacto do feminismo tanto como uma crítica teórica quanto como movimento social. Uma das grandes militantes e teóricas do movimento feminista foi a filósofa e escritora Simone de Beauvoir. A sensibilidade e o humanismo femininos questionam tanto os modelos políticos socialistas quanto os capitalistas, todas as formas de opressão e exploração humana, e criaram arenas inteiramente novas de contestação social, como os modelos familiares, sexuais, o trabalho doméstico, a divisão doméstica do trabalho, o cuidado e a responsabilidade da educação dos filhos e sobretudo o questionamento de uma civilização que se produziu a partir da dicotomia homem/ mulher. Para aprofundar a questão das mudanças do papel da mulher em nossa sociedade, vale a pena pensar nos usos do corpo e do vestuário no cotidiano das mulheres e especificamente das professoras ao longo do tempo. Faremos um breve balanço das mudanças do século XX, que foi um período de radicais e velozes transformações no que diz respeito ao vestuário e ao estilo de vida. Segundo a conhecida pesquisadora da história das mulheres no Brasil Guacira Lopes Louro, a sociedade do começo do século XX oferecia apenas duas possibilidades de modelo de existência para a mulher se colocar no mundo: Eva ou Maria. Segundo a visão cristã que formava as meninas, desde cedo, para o casamento e a maternidade, as mulheres deveriam ser diligentes, honestas, ordeiras, asseadas, educadas segundo as boas maneiras para fazer bela figura ao lado do marido, quando este tivesse convidados para receber em casa. Elas deveriam estar sempre vestidas sobriamente, atentando para que seus vestidos não tivessem mais de duas polegadas acima dos tornozelos, tendo como papel principal o de mãe educadora dos filhos, sempre pronta a afastálos dos distúrbios e perturbações do mundo exterior. Esse modelo fazia das “senhoras do lar” e “mães de família” a verdadeira encarnação da Virgem Maria na Terra. A outra possibilidade de modelo, que se aproximava de Eva, era o das moças de moral duvidosa, que vagavam pelas sorveterias desacompanhadas (pois as jovens casadoiras só iam ao espaço público acompanhadas do pai, do irmão ou do marido), com “pintura” no rosto, roupas coloridas e cabelos tingidos; essas teriam maior dificuldade para “arranjar marido”. Gilda de Mello e Souza, em seu livro O espírito das roupas, ressalta o importante papel desempenhado pelo vestuário na arte da sedução, na virada do século XIX para o XX. Ela lembra a grande concorrência pelos “melhores partidos” fazia com que as jovens se fizessem notar não infringindo as regras de etiqueta e a vigilância familiar e social das suas virtudes. Segundo Gilda, a vestimenta entrava no jogo do esconde-revela, do dar e negar, num velho truque de, por meio do ornamento, chamar a atenção sobre certas partes do corpo. Eram de se notar a severidade do vestido de dia e a surpresa do traje de noite, que deixava os braços e o colo nus, num ritmo erótico, num jogo de entregas parciais de que a mulher lançava mão, sem ofender a moral burguesa de guardar as aparências, oferecendo-se ao mesmo tempo a uma quantidade de homens. À medida que a mulher diversifica as suas possibilidades de entrada no mercado de trabalho, vai se libertando da crinolina, das caudas pesadas, dos excessos de renda e tecido nas mangas e saias, que limitavam os movimentos e faziam dela uma figura meramente ornamental. Uma opção de vida para a mulher nessa época era o magistério, carreira muito idealizada, que fazia das mestras verdadeiros modelos de virtude e abnegação. As “professorinhas” tinham um aspecto estético que refletia a ética que lhes era atribuída: obediência aos superiores, pontualidade, assiduidade. Vestiam-se com uniformes sóbrios, avessos à moda, que escondiam seus corpos, tornando-os praticamente assexuados, combinando com uma postura discreta e digna. A imagem das mulheres que se dedicavam ao magistério estava associada à imagem da mulher pouco graciosa, da solteirona retraída e rígida. Muitas vezes as professoras eram proibidas por lei de se casarem, como se pode constatar num contrato padronizado para docentes da escola elementar dos Estados Unidos do ano de 1923 e uma lei brasileira do ano de 1927 para o estado de Santa Catarina, que também alertava para a perda do cargo se a professora se casasse. A alegação para tal medida era: como a professora casada, que vai ser mãe, pode se apresentar dignamente ante seus alunos, despertando a curiosidade sobre a sua vida afetiva e sexual? Tal imposição absurda originou o movimento Liga do Magistério Catarinense, que articulou as professoras em torno da luta contra essa forma cruel de discriminação. Um marco do século XX, que diz respeito à mudança de vestuário e à condição feminina, é a figura de Coco Chanel (nascida Gabrielle Bonheur Chanel em 1883, falecida em 1971), estilista francesa que começou como designer de chapéus e revolucionou o estilo e o comportamento feminino. O famoso “pretinho básico”, que se transformou em símbolo de praticidade e elegância, descolando-se definitivamente do traje de viúva (na cultura ocidental, visto que em outras culturas, como a chinesa, por exemplo, a cor do traje de luto é o branco), aparece pela primeira vez numa coleção de Chanel, que estava tão deprimida com a morte de seu amante, que vestiu de luto todas as suas modelos. O detalhe importante é que esse homem era um oficial alemão, com o qual Chanel manteve relação durante a ocupação da França pelo exército nazista, na Segunda Guerra Mundial. As mulheres que se relacionavam com soldados do exército de Hitler eram repudiadas e humilhadas publicamente e tinham suas cabeças raspadas como castigo por se deixarem seduzir pelo inimigo. Chanel enfrentou todas as convenções sociais para preservar a sua individualidade e se transformou num símbolo de mulher independente, corajosa e realizadora. Vieram os anos 60, a contracultura, e, em muitos momentos, a quase falta total do vestuário significou revolução na moda e no comportamento. É inesquecível no imaginário brasileiro do século XX a foto da atriz Leila Dinis com a barriga protuberante de uma gravidez de mais de seis meses, vestindo biquíni numa praia do Rio de Janeiro numa época em que as mulheres ainda tinham vergonha desse estado, escondendo-se dentro de batas rodadas e vestidos que mais pareciam balões. Bibliografia básica HALL, Stuart. Identidade cultural na pós-modernidade. 10 ed. Rio de Janeiro: DP&A, 2005. IANNI, Octavio. A sociedade global. 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