Federação Nacional dos Professores www.fenprof.pt A economia portuguesa em 2005 O Banco de Portugal (BP) divulgou no passado dia 18 o Boletim Económico em que se procede a uma análise da economia portuguesa em 2005[1] e que, como habitualmente, teve um grande impacto na comunicação social. Este documento justifica um comentário da CGTP-IN. A sua importância intrínseca, o conhecimento profundo que a instituição tem da economia portuguesa, o poder de decisão que detém, a capacidade de influência sobre os decisores económicos e sobre a formação da opinião, justificam-no. Com a sua publicação, subiram de tom as vozes que vêm a reclamar mais cortes na despesa pública e mais flexibilidade no mercado de trabalho (o que foi reforçado com a publicação do relatório da OCDE sobre Portugal). Entendemos pois dever ser feita uma análise crítica ao seu conteúdo. I. APRECIAÇÃO DA ANÁLISE DA SITUAÇÃO DA ECONOMIA PORTUGUESA EM 2005 FEITA PELO BANCO DE PORTUGAL O banco central traça um quadro negro da situação económica no ano de 2005: fraco crescimento económico (0,3%), estagnação do emprego, aumento do desemprego e aumento dos défices, público e externo. As principais apreciações feitas pelo Banco de Portugal podem ser assim sintetizadas: - O abrandamento da actividade reflectiu sobretudo a queda do investimento e das exportações; - A situação orçamental deteriorou-se apesar do aumento dos impostos; - Os custos com o trabalho mantiveram-se altos, o que deteriorou a competitividade-preço das exportações, dado o fraco aumento da produtividade; - O emprego estagnou e a taxa de desemprego aumentou; - A inflação diminuiu apesar do aumento do preço do petróleo e dos impostos indirectos - O défice externo agravou-se. Vejamos em cada um destes pontos a análise feita pelo banco central e a posição da CGTP-IN. O abrandamento da actividade reflectiu sobretudo a queda do investimento e das exportações O investimento estagnou em 2004 e caiu em 2005 enquanto as exportações cresceram menos de 1%, apesar dum contexto externo favorável. O fraco crescimento resultou sobretudo do consumo (público e privado), mas este está ameaçado pelo endividamento. Este teve um forte aumento, apesar da crise, ou devido a esta. A análise feita é de que é o sistema financeiro que está a aguentar esta expansão, através da redução das margens e do alongamento dos prazos de amortização dos empréstimos. As empresas apontam como principal razão para a redução do investimento (este diminui 15% entre 2002 e 2005) a deterioração das perspectivas de vendas. A evolução desfavorável em 2005 resulta sobretudo da contracção no sector de construção. A nosso ver, um dos problemas reside no facto deste sector não se ter direccionado para a conservação e reparação (em vez da construção) de edifícios. As exportações cresceram apenas 0,9% (face a 5,3% em 2004), apesar de um crescimento significativo das importações dos nossos principais parceiros comerciais. Daqui resulta a perda de quotas de mercado. Estas perdas são imputadas à apreciação do euro, à evolução dos custos unitários do trabalho e à estrutura das exportações. O Banco continua a responsabilizar os custos com o trabalho, apesar de reconhecer que "a evolução das exportações tem sido afectada pelo respectivo padrão de especialização, caracterizado por um peso ainda elevado de produtos com baixos conteúdos tecnológicos e de capital humano, como os têxteis, vestuário e calçado". O alargamento da UE e a globalização explicarão também a evolução desfavorável (por exemplo, a perda de exportações para a Alemanha). O quadro com a indicação do produto por sectores ilustra as dificuldades no tecido produtivo. Antes da recessão de 2003, o crescimento era sobretudo alimentado pela construção e pelos serviços e menos pela indústria, com excepção do sector de energia. Já no período de 2003 a 2005 a economia é quase só puxada pelos serviços (o sector de energia cresce mais, mas a sua influência é menor); a indústria está em estagnação desde finais dos anos 90; a construção entrou em crise (desde 2002). Produto por sectores (variação em %) 2003 a 2005 1996 a 2002 Agricultura, silvicultura e pesca -3,5 0,2 Indústria -0,7 2,0 5,9 3,9 -6,6 3,8 Serviços 1,3 3,5 PIB 0,1 3,1 Electricidade, gás, água Construção Fonte: Calculado a partir de dados do INE e do BP A situação orçamental deteriorou-se apesar do aumento dos impostos O BP conclui que a situação orçamental se deteriorou - o défice passou de 5,3% em 2004, sem as medidas temporárias, para 6% em 2005. O mesmo ocorre quando se retira ao défice a influência dos juros, das medidas temporárias e do abrandamento da economia. O banco central, situando-se na linha das críticas da Comissão Europeia, lança assim dúvidas sobre a eficácia da política orçamental do Governo e, implicitamente, sobre o cumprimento do Programa de Estabilidade e de Crescimento. Vários analistas retiraram logo a conclusão de que o aperto do cinto não foi suficiente. E que o problema só se resolve com medidas drásticas de redução da despesa. O que é reforçado pelo objectivo, constante do Programa de Estabilidade e de Crescimento, de reduzir este ano o défice de 6% para 4,6%. A CGTP-IN considera que esta análise, que irá reforçar a obsessão pela redução do défice público, não tem em conta que: - Algumas das medidas tomadas de contenção de despesas e de aumentos de receitas, independentemente da análise que sobre elas fizermos, não produzirão efeitos de imediato, isto é, no próprio ano em que foram tomadas; - Um maior aperto orçamental pode reforçar a tendência de estagnação económica ou lançar mesmo o país numa nova recessão; - Um apertar do cinto tem efeitos na capacidade de recuperação económica (o Estado, para apoiar o desenvolvimento, tem de ter meios), e na criação de condições para o crescimento tendencial da produtividade; - O grosso das despesas com transferências sociais (ou pagamentos sociais) estão relacionadas com o envelhecimento da população (segurança social e saúde, principalmente), sendo inevitável o seu crescimento, a menos que se pretendam aplicar políticas radicais que as transfiram para as famílias, com consequências no agravamento das desigualdades sociais e da pobreza. Os custos com o trabalho mantiveram-se altos, o que deteriorou a competitividade-preço das exportações dado o fraco aumento da produtividade, segundo o Banco de Portugal Afirma-se que "o aumento do preço das matérias-primas e da energia e a manutenção de um crescimento sustentado dos custos de trabalho, num contexto em que a deterioração das condições do mercado de trabalho parece não se traduzir num ajustamento significativo dos salários reais, terão afectado negativamente a produção nacional". Como a melhoria da produtividade foi baixa, os custos do trabalho quando se tem esta em conta (ou seja, calculando os custos unitários), cresceram o que fez diminuir a competitividade-preço das exportações. Porém, é preciso notar o seguinte: - Os salários reais tiveram uma evolução moderada, tendo crescido apenas 0,6%. Esta variação foi superior ao da UE15 (0,2%), mas o país tem um nível salarial mais baixo pelo que houve uma pequena aproximação, ainda assim inferior à verificada na generalidade dos países do alargamento, bem como na Grécia; - Os custos unitários são mais baixos porque a produtividade deixou de se aproximar à média comunitária no período 2001 a 2005 (ver gráfico). Esta baixa variação não pode ser atribuída aos trabalhadores, como é generalizadamente reconhecido. Ela está associada à própria evolução do produto, isto é a produtividade aumenta quando cresce a actividade económica; Fonte: Comissão Europeia - Apesar da evolução desfavorável da produtividade, ainda assim observa-se que os salários reais cresceram menos que a produtividade horária (o indicador mais adequado para medir a produtividade, como o reconhece a OCDE) no conjunto dos três últimos anos: Salários reais e produtividade (variação em %) Salário real Produtividade horária 2003 2004 2005 -1,5 0,5 0,5 0,0 1,0 0,2 Fonte: Banco de Portugal; Nota: o valor da produtividade horária de 2005 é inferido do gráfico 5.6, na pág. 35, do Boletim Económico - A competitividade não pode ser vista somente sob o ângulo dos custos salariais, sendo preciso considerar outras dimensões, como a qualidade, a apresentação (o design) e a sofisticação dos produtos. Não foi pelo facto de Portugal ter um nível de custos com o trabalho dos mais baixos na União Europeia que se desenvolveu. Nem será comprimindo mais os salários que melhora a competitividade e a produtividade melhoram. A inflação diminuiu apesar do aumento do preço do petróleo e dos impostos indirectos A inflação diminuiu, ainda que pouco significativamente (de 2,4% em 2004 para 2,3% em 2005), apesar de existirem elementos de pressão para a subida do nível geral de preços no consumidor. Os três principais factores que contiveram a inflação foram: - A estagnação económica em si mesmo, o que significa que uma inflação moderada não traduz necessariamente algo de bom para a economia portuguesa; - A compressão das margens de lucro de uma parte das empresas, já que estas estão apertadas pelas fracas perspectivas de vendas (este factor terá também impedido um maior impacto do aumento do IVA); - A descida dos preços internacionais, com excepção do petróleo, o que, nalguns casos, se traduz em dificuldades para o sector produtivo, como nas importações de têxteis, vestuário e calçado. Porém, uma contenção de preços não é em si boa se não estiver associada à resolução de problemas estruturais: - Uma maior eficiência do sistema produtivo, a qual se não está a verificar, atendendo à evolução desfavorável da produtividade. O que torna mais decisivo aspectos como: a capacidade do Plano Tecnológico para modernizar a economia; a qualidade do emprego e a elevação das qualificações; as orientações para o Quadro de Referência Estratégica Nacional; - Uma estratégia nacional para o sector energético tendo em conta que a subida do preço do petróleo reflecte a indisponibilidade a prazo de hidrocarbonetos a nível mundial (aspecto este que é ignorado na Estratégia Nacional para a Energia, definida pelo Governo em Outubro passado). O fomento da introdução de formas de transporte menos consumidoras de energia, a prioridade à utilização dos transportes públicos, uma política nacional de poupança energética, o reconhecimento das potencialidades do gás natural como carburante, são vectores essenciais a considerar. O emprego estagnou e a taxa de desemprego aumentou O emprego estagnou e a taxa de desemprego alcançou 7,6% em termos anuais. A economia mostra-se incapaz de criar empregos - num período de quatro anos, entre 2002 e 2005, é praticamente nula a criação de empregos. Salienta-se a subida de quase 10 pontos percentuais na percentagem do desemprego de longa duração (DLD), que agora representa metade do total. O banco central relaciona de um modo ambíguo este aumento com a "generalidade das regras que determinam a atribuição e o montante do subsídio de desemprego" ignorando a relação clara entre agravamento do desemprego (a taxa passa de 4% em 2001 para 7,6% em 2005) e aumento da proporção do desemprego de longa duração (de 40% para 49,9% nestes mesmos anos). Fonte: Banco de Portugal Nota: O desemprego de longa duração (DLD) lê-se no eixo da esquerda e a taxa de desemprego no da direita. O défice externo agravou-se O desequilibro externo (défice da balança corrente e de capital) agravou-se, passando de 5,7% em 2004 para 8,1% do produto em 2005. Esta deterioração constitui o resultado conjugado de três factores: - O aprofundamento do défice de mercadorias (11,4% do produto). Mesmo que a responsabilidade pelo aumento seja devida ao aumento dos combustíveis importados, ainda assim é de reter que nos últimos 10 anos o défice foi em média superior a 10%, o que é excessivamente elevado traduzindo o debilitamento do aparelho produtivo. - As remessas de emigrantes têm uma clara tendência de redução, sendo de 1,2% do produto; - A redução nas transferências da União Europeia, tanto correntes como de capital. II. QUE PERSPECTIVAS? Para o banco central, a questão fundamental está no aumento da produtividade do trabalho. Admite que a evolução da produtividade é um fenómeno complexo que está associada a choques importantes que estão a afectar o crescimento. Alguns são comuns à área do euro (globalização e alargamento, desaceleração da economia depois de 2000, aumento do preço do petróleo), outros específicos a Portugal (descida das taxas de juro, aumento da carga fiscal e aumento da incerteza Mas pouco diz sobre os factores que podem a curto prazo fazer subir a produtividade, a não ser o que chama "as distorções no funcionamento dos mercados de trabalho e do produto". Entende que as medidas para o aumento tendencial da produtividade são cruciais mas considera que as medidas no domínio do "capital humano" só no médio e longo prazo produzem resultados visíveis, o que, na opinião da CGTP-IN, acaba por as desvalorizar. Recordamos que em Dezembro de 2000, o Governador do Banco de Portugal teve uma posição análoga remetendo para o médio e longo prazo e para a iniciativa empresarial o processo de melhoria da produtividade[2]. Não deixa de ser significativo o silêncio do banco central face a factores que são cruciais para elevar a produtividade, como a elevação da qualificação do trabalho, expressão que não aparece uma só vez no documento. Seria também de referir, na apreciação do Banco de Portugal, o elevado volume de economia não declarada (estimada em 22,1% do produto num artigo publicado no Boletim Trimestral), o qual torna Portugal, a este respeito, num país terceiro-mundista. Ora há uma forte relação entre economia não declarada (ou informalidade) com a baixa produtividade. E parece ainda relevante assinalar a ausência de qualquer apreciação a políticas do Governo que têm uma maior repercussão nesta área, como o Plano Nacional de Emprego, o Plano Tecnológico, ou as orientações para a aplicação dos fundos comunitários (Quadro de Referência Estratégica Nacional). Em contrapartida, o banco central é específico em relação à da política orçamental. A mensagem essencial é a da necessidade de um ajustamento orçamental por via de cortes da despesa pública. A CGTP-IN não pode deixar de interrogar-se se um documento do banco central com este conteúdo, tão arrasador em termos de apreciação da situação económica, e aparentemente tão crítico em relação às políticas governamentais, não visa precisamente ajudar a criar condições para o Governo intensificar uma política de cortes drásticos em despesas sociais e promover uma maior flexibilidade do mercado de trabalho. 21-04-2006 CGTP-IN [1] O BP publica uma análise mais detalhada no seu Relatório Anual, que é divulgado a meio do ano. [2] Banco de Portugal, Boletim Económico, Dezembro de 2000, Nota introdutória do Governador, pág. 7.