SOCIEDADE DE RISCOS, TRANSPOSIÇÃO DO RIO SÃO
FRANCISCO E PARTICIPAÇÃO DEMOCRÁTICA.
Franklim da Silva Peixinho1
RESUMO: A sociedade hodierna é marcada por riscos criados pela produção
industrial capitalista, o que, direta e/ou indiretamente, reflete na qualidade de vida dos
seres vivos. Nesse sentido, a Transposição do Rio São Francisco insere-se nesse
contexto para observação das possibilidades de participação democrática efetiva, na
medida em que se assiste um embate de estudos e pesquisas, que, por um lado,
defendem a viabilidade e a necessidade da transposição; em outra parte, advogam
que o alto custo desta obra trariam resultados mínimos a população do semiárido
brasileiro e, sobretudo, nocivos ao meio ambiente, porém, vantajosos, do ponto de
vista econômico, para o agronegócio. Debate-se a participação democrática em face
dos estudos científicos sobre a Transposição do Rio São Francisco.
PALAVRAS-CHAVE: Sociedade de Risco. Democracia. Transposição do Rio São
Francisco.
1. INTRODUÇÃO
O presente artigo acadêmico busca uma relação acerca do conceito
sociológico sobre “sociedade de risco”, com o projeto governamental de Transposição
do Rio São Francisco, tendo por base as ideias extraídas do pensamento de Ulrich
Beck.
Com esse enfoque, incialmente, se discorrerá sobre as relações estabelecidas
entre a sociedade, tecnologia, ciência, política e desenvolvimento econômico
ambientalmente responsável e sustentável na atualidade. Para tanto, apresenta-se um
panorama geral do avanço tecnológico e suas consequências na sociedade do século
XXI. Nesse ponto, assaz relevante, é considerar os conceitos de modernização e
reflexividade, como também a modernização reflexiva, no sentido diretamente traçado
por Ulrich Beck, como forma de caracterizar o que é a sociedade de risco.
O recorte político direciona-se para as possibilidades do regime democrático,
1
Mestrando em Gestão de Políticas Públicas e Segurança Social pela Universidade Federal do
Recôncavo Baiano, especialista em Ciências Criminais pela Juspodivm, e bacharel em Direito
pela Faculdade Baiana de Ciências.
em termos de participação popular, em face da tecnocracia e burocracia estatal, ou
seja, analisa-se a possibilidade de convivência entre o ambiente de deliberações
democráticas e a preponderância do conhecimento especializado na adoção de
políticas públicas. Nesse ponto, as transformações assumidas pelo Estado na
modernidade, com relação à adequação aos comandos normativos oriundos do
mercado econômico ou dos imperativos das multinacionais, se colocam na reflexão
sobre a natureza dos interesses que incidem na discussão sobre Transposição do Rio
São Francisco.
A análise acerca da política de Transposição do Rio São Francisco é
apresentada conforme os argumentos favoráveis e contra a realização de tal obra; e
por tal razão, a transposição, traz consigo um debate intensamente travado entre a
população, especialistas, estados da federação e o agronegócio, o que recomenda
uma postura cautelar. Em seguida, pelo viés da questão ambiental, aspectos do
Direito ao Meio Ambiente equilibrado e a Transposição do Rio São Francisco são
apresentados diante da pertinência dos riscos para a população, a flora e a fauna, que
tal obra pode trazer.
Na elaboração deste artigo recorreu-se a alguns trabalhos publicados em meio
eletrônicos e a obras doutrinárias para embasamentos das ideias a seguir
apresentadas.
A análise das imperfeições que a democracia apresenta na atualidade é
debatida para a reformulação de um novo regime, adequado aos ditames hodierno e
essencial para um contraponto ético e responsável no interior de uma sociedade, cuja
previsibilidade dos danos reside na possibilidade desconhecida de um iminente
infortúnio. Expõem-se, por derradeiro, breves conclusões acerca dos argumentos
discorridos neste espaço, ressaltando a importância de uma politica pública de
assistência social a população do semiárido nordestino, que necessita de água para a
sobrevivência digna, com a efetiva necessidade de preservação ambiental em face do
contexto atual do neoliberalismo.
2. A SOCIEDADE DE RISCO
O mundo pós-moderno dialoga com uma nova realidade gestada no século XX,
dentro do bojo do fenômeno da globalização, que resultou em diversos significantes
informadores de uma ordem social em que ciência e tecnologia são marcas distintivas.
Estes significantes, em verdades, são palavras chaves, inexoravelmente, conectadas
as nossas expressões culturais, instituições políticas e jurídicas, como também as
atividades econômicas, ambientada na sociedade de risco.
A expansão do aparato tecnológico conduziu a um espaço, cuja amplitude de
conhecimento do futuro reside no desconhecido, que por sua vez, impulsiona
inelutavelmente ao progresso científico, palmeado pela noção de risco. O debate,
então, inclina-se sobre as possibilidades de conciliação entre o desenvolvimento
econômico sustentável e tecnológico com a preservação da qualidade de vida das
pessoas, a previsibilidade das intempéries naturais, tendo em vista a intervenção
humana nas condições climáticas do planeta, as questões mundiais de segurança que
envolve as armas químicas, a pirataria eletrônica, entre outras formas de relações
sociais que se originam do progresso pós-moderno, descortinado na velocidade
galopante das informações que vive a humanidade.
Os riscos da atividade humana na exploração industrial ganha uma nova
conotação semântica, pois outrora, na Idade Moderna, por exemplo, residia seu
sentido na apreciação dos percalços que aguardavam o homem na expansão
ultramarina, quando da procura de uma nova rota para Índias. O medo do
desconhecido, a possibilidade do infortúnio ao desbravar um espaço permeado por
lendas, repletas de descrições de seres monstruosos, índios canibais, constituíam a
vaga noção de risco. Diferentemente, o risco, na sociedade atual, reside numa esfera
de probabilidade calculada, que, contudo, gravita em torno do imprevisível, diante de
vários fatores de ordem antrópica a interferir no curso da natureza, precisamente, em
seu sistema de organização climática e recursos naturais, como a água e o petróleo.
Os riscos e ameaças atuais “são o produto global da maquinaria do progresso,
e são sistematicamente ampliados pela continuação de seu desenvolvimento” (grifos
no original) (BECK, 2001, p. 40, apud BOSCO, 2011. p. 13).
Os efeitos desta nova realidade se fazem sentir a cada evento que desafia o
homem em sua presunção de previsibilidades dos acontecimentos. O aquecimento
global, por exemplo, tem gerado inversões no clima do planeta, alterando toda uma
ordem natural, que depende de certa regularidade para manter o equilíbrio no meio
ambiente. Por sua vez, a atividade industrial absorve muitos dos benefícios da
expansão do saber tecnológico, de modo que os resultados são aplicados com vistas o
aumento do lucro e da produtividade. Porém, a equação não se resume em ganhos
econômicos, meramente, ela estende-se para as consequências que estão sendo
vivenciada pela humanidade, com os acidentes atômicos, poluição ambiental,
escassez de água e alimentos, ondas de calor, derretimentos das geleiras, um preço
que está sendo pago em troca da expansão da produção industrial sem
responsabilidade ambiental.
As representações sociais sobre o risco experimentado gera uma instabilidade
emocional presente na população, afetada por acontecimentos imprevistos, que
sucedem com certa e anormal regularidade, sem que haja prévia ciência, pelo menos
no patamar do senso comum, tampouco, o controle dos efeitos que podem ser
suportados por gerações vindouras, que sequer deram causa as atividades geradoras
dos danos deflagrados. Sociologicamente, um quadro anômico se faz presente em
algumas manifestações sociais hodiernas, no sentido de descrenças e perdas de
referenciais normativos com relação à crença de legitimidade sobre o poder político
que se apresenta. A falta de capacidade para controle de crises econômicas, por
exemplo, tendo em vista a atuação neoliberal consentida pelo Estado, principalmente,
quando se refere à expansão tecnológica-industrial, as margens dos resultados que se
poderá obter no sentido de danos, ou mesmo diante de alguns diagnósticos não
socializados, conduz a uma falta de credibilidade do sistema político como promotor
do bem comum.
[...] risco carrega uma acepção existencial que é sentida na vida
quotidiana como sofrimento (insegurança, tabagismo, intoxicação por
alimento, ameaça de atentado terrorista, desemprego, etc.). A difusão
midiática da morte, por exemplo, contribui sensivelmente para que ele
penetre na vida quotidiana (Beck, 2008, p. 31). Falar em “catástrofe”
significa então dizer que a evolução vivida ou projetada não é desejada
(Beck, 2001b, p. 52-54). (BOSCO, 2011, p. 15).
A produção científica voltada para a industrialização está pautada no que
convém denominar de “racionalidade dedutiva”, isto é, a gama dos recursos
tecnológicos alcançados na sociedade de risco permitem tatear o que se pode derivar
da introdução de certa tecnologia no mercado, mas não se tem o controle, a priori, dos
efeitos colaterais, por assim dizer. Nesse sentido, a biotecnologia tem feito avanços
extraordinários, mas o que se fará destas conquistas da ciência, em termos políticos e
sociais, a grande massa da população global desconhece. Divaga-se desde as teorias
da conspiração acerca do controle da população pela manipulação de material
genético, até em deformações morfológicas dos seres humanos, em virtude das
exposições a certas tecnologias que surge como panaceia para os problemas
quotidianos do século XXI.
As radiações da telefonia celular desencadeiam a predisposição ao câncer?
Que implicações trarão ao ser humano a produção e o consumo de produtos
transgênicos? O uso de pesticidas nas grandes plantações trará que resultados para a
saúde humana, como também para o meio ambiente? A exacerbada e crescente
produção de lixo produção afetarão os lençóis freáticos?
A discussão sobre o meio ambiente e sua preservação atrelado à produção
industrial, data da década de 70 do século XX, quando da Convenção de Estocolmo.
Naquele momento já se propunha uma reflexão sobre a expansão da atividade
econômica, o uso das fontes de recursos não renováveis, e a menor intervenção
possível na natureza. O Protocolo de Kioto, como tantos outros pactos, traz esta razão
teleológica pautada na necessária preservação ambiental, segundo os nortes do
desenvolvimento sustentável.
“A perda do monopólio da racionalidade científica sobre a definição do risco
permite analisar uma crise institucional de proporções maiores, que atinge a política e
o modo de produção capitalista industrial (cf. Cap. III e 101-112)” (BOSCO, 2011,
p.32).
São inúmeros questionamentos como estes que se inserem na vida particular
de cada cidadão, envolto no complexo de inovações tecnológicas, que estão
melhorando a expectativa de vida, principalmente, quando se transcende para áreas
como
a
medicina,
mas,
que,
em
contrapartida,
oferece
danos
e
riscos
incomensuráveis quando se analisa o saber-poder a serviço da industrialização, na
produção de energia e exploração desenfreada dos recursos naturais.
Em outro norte e para além da dicotomia entre comunismo e socialismo, é bem
certo que “as riquezas produzem situações sociais de classe, os riscos, situações
sociais de ameaça” (grifos no original) (BOSCO, 2011, p, 102). Hodiernamente, a
temática
de
debate
gravita
em
torno
das
possibilidades
de
garantia
do
desenvolvimento sustentável atrelado a preservação da vida humana sobre o planeta.
Dessa forma, o aumento do poderio econômico das grandes empresas não pode estar
dissociado da responsabilidade ambiental em sentido amplo, seja no controle dos
produtos e serviços despejados no mercado, como também na concepção e
elaboração destes, levando em consideração as possíveis problemáticas que daí
resulta.
A distinção da atual conjuntura no sentido de dinâmica social se refere que “nas
situações de classes ou de camadas sociais, é o ser que determina a consciência, ao
passo que nas situações de ameaça, é a consciência que determina o ser. Uma nova
importância política é dedicada ao conhecimento” (grifos no original) (BECK, 2001, p.
51, apud BOSCO, 2011. p.18). Nesse sentido, o conhecimento constitui a mola mestra
da produção industrial, altamente tecnológica, graças aos avanços da ciência,
contudo, este desenvolvimento tende a criar ilhas de poder do conhecimento,
centralizadas na sua produção e restrita na divulgação, o que se pode chamar
“despotismo técnico-científico”.
A produção científica ao lado das politicas públicas estatais passa a ter um
intimo relacionamento voltado para a construção do futuro. Os investimentos em
produção de energia, como a extração de petróleo, constitui a base econômica para o
deslinde da riqueza de uma nação, tendo por diretriz a atuação das multinacionais. No
entanto, tal postura estatal deve considerar as variáveis sociais que se manifestam em
longo prazo, quando tais acidentes de percurso, por assim dizer, em certa medida
previsíveis, se fazem sentir ou abatem a parcela do sistema social que compartilha –
principalmente como massa consumidora - os avanços tecnológicos, mas não usufrui
em escalas exponenciais os ganhos econômicos, refletidos nos lucros, que auferem as
grandes empresas transnacionais.
[...] sua ética interna de investigação e lógica de funcionamento no seio
da tecnocracia dos perigos carregam implicações políticas, uma vez
que competem decisivamente no cálculo dos riscos, cujos patamares
gerais de segurança são institucionalizados com base no crivo de
especialistas (cf. 115-125); patamares estes que nem sempre condizem
com patamares socialmente estabelecidos, figurando, desta maneira,
como motivações de conflitos. (BOSCO, 2011, p. 33).
Nesse ponto, a sociedade passa a ser o ambiente de observação dos
resultados advindo das pesquisas científicas, ou seja, há certa inversão, pois “a
sociedade se tornou seu laboratório, e a liberdade de investigação finalmente passa a
ser mediada pela liberdade de aplicação” (BOSCO, 2011, p. 33). A necessária
interferência do Estado com fito de perseguição do bem comum da coletividade entra
em contradição com sua praxe atual, dentro da ótica capitalista neoliberal, pois sob o
estandarte do desenvolvimento econômico, observa-se um “liberalismo científico” –
termo cunhado neste trabalho - sem amarras ou limites visíveis e/ou cognoscíveis,
sobretudo, para a população a margem das decisões políticas e da tecnocracia
cientifica, ainda que se esteja sob a ordem democrática, em que o trato da coisa
pública é do interesse de todos. Pode-se dizer, ainda, que se instaura uma “a divisão
do trabalho entre ciência, política e economia”.
Assim, o poder político e econômico está no mesmo compasso do poder
expresso pelo conhecimento científico, uma marca da modernização da sociedade do
século XXI.
Em torno destes contornos característicos da sociedade de risco, entende-se
tal – o risco - como “uma forma de reflexividade institucionalizada” (BOSCO, 2011, p.
36). Inserem-se diversos questionamentos no que se referem à responsabilidade pelos
danos causados no ambiente modelado pela modernização.
A imputação de
responsabilidades torna-se cada vez mais impessoal, isto é, entes de criação abstrata
passa a assumir os encargos oriundos das ações humanas negligentes, imprudentes e
imperitas, fato juridicamente denominado de responsabilidade objetiva da pessoa
jurídica. A punição, em regra, restringe-se a multa pecuniária, sem, contudo, possuir o
condão de restauração em totum do patrimônio cultural e ambiental destruído, como
ocorre, por exemplo, nos acidentes ambientais que aniquilam modo de vidas de
comunidades a reboque do dano a natureza.
A modernização da sociedade de riscos significa:
[...] progressos tecnológicos efetuados na racionalização e nas
transformações do trabalho, transformação das características sociais
e das biografias padronizadas, dos estilos de vida e das formas de
amar, das estruturas de influência e de poder, das formas de
participação política, das concepções de realidade e das normas de
conhecimento (BECK, 2001, p. 35-36 apud BOSCO, 2011. p.43).
Nesse ponto, a reflexividade aplicada à modernização implica no “autoconfrontado própria modernização” (grifo no original), com o compromisso na
resolução dos problemas por ela mesma gerados. Esta postura reflexiva se revela em
três dimensões: “a relação da sociedade industrial com os recursos da natureza e da
cultura, a relação da sociedade com os danos que ela mesma produz e o
desencantamento perante significados coletivos da sociedade industrial, como a
classe social e o progresso” (BOSCO, 2011, p.43).
Tais conceitos, qual seja a reflexividade e a modernização, aquele como atitude
de confrontação deste, são peças chaves para a compreensão das transformações
trazidas pela sociedade de risco. Doravante, se faz necessária a dupla reflexão sobre
o processo de modernização e os produtos que podem ser legados para a
humanidade, no tocante as reestruturações dos arquétipos sociais, científicos,
econômicos e políticos, com fito na compreensão dos sistemas sociais atuais para a
emergência de um contraponto massivamente democrático.
3. A TRANSPOSIÇÃO DO RIO SÃO FRANCISCO E OS RISCOS CONFROTADOS.
O projeto de transposição do Rio São Francisco é uma pretensão política
historicamente antiga. Denominado também por Rio da Integração, O São Francisco
possui sua nascente em Minas Gerais, desembocando no mar da divisa entre o estado
das Alagoas e de Sergipe2. A imensa bacia hidrográfica que compõe o Rio São
Francisco tem suscitado debates diversos devido ao seu potencial hídrico e a possível
extensão aos outros estados da federação, por meio da construção de canais para
afluir parte da água despejada no mar.
No entanto, alternativas para o abastecimento de água no semiárido nordestino
estão sendo olvidadas, de modo que se põe como bandeira principal a transposição
do Rio São Francisco, a soar como única solução viável. Há, contudo, estudos que
apontam que a transposição, de fato, ajudará no abastecimento de comunidades
afetadas pela escassez de água, mas, o alto investimento na obra, talvez não
justifique tal empreitada, tendo em vista que outras formas de equacionamento social,
mais simples, econômicas e eficazes atenderiam ao pleno suprimento das
necessidades humana com a relação à água.
Para Manoel Bomfim (2008, p.1) a capacidade de abastecimento da população
do semiárido nordestino, via redes subterrâneas de captação, seria um exemplo de
alternativa bem mais vantajosa, consoante os seguintes argumentos:
[...] Comparemos, agora, com a fantástica rede de açudagem do
Semiárido. O Nordeste, mais precisamente o Semiárido brasileiro, é
a região mais açudada do Planeta. Mais que a Índia, mais que o
Egito, mais que os E.U.A. Os nossos açudes são os melhores do
Mundo, melhores projetos, melhores construções. Os engenheiros do
DNOCS-,Departamento Nacional de Obras contra as Secas- foram e
são os melhores barrageiros do Globo, só comparados aos grandes
hidrólogos do Egito. Açude do DNOCS não se arromba. O século XX,
foi o século da açudagem no Semiárido.
Em mesmo sentido se defende que os “planos estaduais de recursos hídricos
do Ceará e do Rio Grande do Norte indicam que é possível suprir a população com a
água disponível atualmente, a partir das adutoras da integração de bacias dos rios
locais, por meio de obras executadas ou previstas” (SILVA e DIAS, 2012).
Outra importante observação a ser realizada é a respeito da forma como está
se gestando o processo de transposição do Rio São Francisco, pois se trata de um
2
http://www.mi.gov.br/saofrancisco/rio/index.asp
programa politico, em que interesses diversos estão sob a órbita desta obra, por
muitos, alcunhada de faraônica, em virtude de sua imensidão arquitetônica. O principal
argumento que sustenta a viabilidade e a necessidade desta obra é a carência do
povo nordestino, que por razões climáticas, convivem com as secas e a pobreza,
fenômenos naturais e sociais, por vezes explorado, politicamente, pelos poderes
locais, na expressão do coronelismo familiar. Nesse sentido, ainda é lugar comum no
sertão nordestino, políticas emergenciais de socorro nos períodos mais drásticos de
penúria no nordeste brasileiro.
Por ser uma obra política de grande vulto financeiro, a transposição do Rio São
Francisco atrai muitos interesses, sobretudo, econômicos, o que pode desvirtua, de
certa forma, a intenção manifesta de ajuda aos mais necessitados. Ou seja, a função
latente, que em verdade estaria por detrás de uma obra de tamanha envergadura,
seria o benefício aos grandes setores produtivos do capitalismo, que diretamente
participarão ou se beneficiarão da Transposição do Rio São Francisco, como as
grandes construtoras e as fazendas que exploram o agronegócio para exportação.
Inserem-se nesta disputa de interesses, os debates travados pelos estados
nordestino da federação, tanto os possíveis receptores e os doadores pluviais. Estes
defendem a não transposição, com fulcro na perda de lucratividade, em virtude do
impacto econômico que pode resulta em perdas para os estados doadores. Aqueles
atentam para os benefícios da que resultarão da transposição tanto em termos sociais,
quanto econômico, com o favorecimento para o agronegócio por conta irrigação.
Nesse sentido, que Bahia, Pernambuco, Sergipe e Alagoas, com a justificativa de
pretender irrigar três milhões de hectares de terra nos próximos anos digladia com
Ceará, Rio Grande do Norte e Paraíba, estados não margeados pelo São Francisco,
que, em face de tal embate, estrutura suas estratégias defesa do projeto de
transposição de águas (PAGANO, 2012, p. 12).
É preciso entender que, mesmo considerando vantajosa comparação
entre o ‘o ganho potencial da região receptora’ e a ‘perda da região
doadora’, pode-se prever que os estados doadores vejam tal retirada
como uma renuncia hídrica, que poderá vir a ser uma renúncia a
lucratividade futuras.(MAGALHÃES, 2012).
“Argumenta-se que essa transposição só vai ajudar os grandes latifundiários
nordestinos, pois grande parte do projeto passa por grandes fazendas, onde os
problemas nordestinos não serão solucionados, segundo Aziz Ab'Saber (2005) em ‘A
quem serve a transposição do São Francisco?’”.
Pagano (2012, p.21) afirma que nem todas as pessoas que necessitam de
água no semiárido serão atendidas com a transposição, mais sim um número reduzido
em cotejo com a imensa infraestrutura do projeto. Além disso, é de vital importância a
questão de degradação ambiental do Rio São Francisco, com relação ao processo de
assoreamento, devastação das arvores ciliares que tem contribuído para diminuir a
profundidade do rio em alguns trechos, o que afeta sua capacidade de navegação de
embarcações maiores.
O projeto de transposição, argumentam os técnicos, só atenderá às
necessidades de água para consumo humano e animal das cidades e
distritos próximos a estas, já que não há como, tecnicamente, fazer
chegar a água a toda população dispersa no semiárido. Essas
pessoas continuarão a depender das formas tradicionais de
convivência com o semiárido (cisternas, poços, dessalinização,
pequenos açudes etc.) ou de ações inovadoras que evitem elevadas
perdas por evaporação. (SILVA e DIAS, 2012).
A polêmica do debate ascende em torno deste projeto, principalmente, quando
se fala das questões ambientais em termos de impactos que causará a flora e a fauna
da região, como um todo, isto é, de que maneira este desvio das águas do “Velho
Chico” exercerá mudanças no sistema natural dos ecossistemas direta e indiretamente
relacionado com o regime fluvial da bacia do São Francisco. Este questionamento é
totalmente pertinente, quando se fala na categoria conceitual do risco, uma marca da
sociedade moderna, pois há uma conexão intima entre os eventos naturais,
econômicos, políticos e científicos, de modo que uma politica de marca tão extensiva,
territorialmente falando, certamente legará consequências deveras marcantes, sejam
positivas ou negativas.
Argumenta Paulo Canedo Magalhães (2012) que o volume necessário para
transposição, cerca de 26 m³ ou 1,5% da vazão disponível, não afetaria
substancialmente o regime fluvial do São Francisco, pois estaria dentro de um nível
aceitável de impacto. Geraria benefícios para cerca de 12 milhões de pessoas. Afirma
ainda, que com relação aos riscos para o investimento privado é fundamental “que
fiquem limitados aos riscos conhecidos pelo mercado. Qualquer risco extra, fora do
controle dos investidores, seriam altamente inibidor”.
A par destes vieses discursivos que estão no entorno da transposição do Rio
São Francisco, o ponto chave deste artigo, é o real benefício para as populações
carentes de recurso hídricos do semiárido nordestino. Nesse ponto, há trabalhos que
apontam no sentido de que não estão claros os resultados gerados em termos de
melhor abastecimento hídrico para população nordestina, como também com relação
ao estudo de cenários no tocante a demanda após transposição do Rio São Francisco.
Os dois eixos pelos quais a obra se estenderá pelo solo do sertão nordestino os eixos leste e norte – somam juntos 600 km. Quanto a o eixo norte – localizado entre
Ceará, Rio Grande do Norte e Paraíba - “a viabilidade econômica é incerta e não há
clareza quanto ao benefício social e à distribuição de renda que poderá trazer” (SILVA
e DIAS, 2012). Raciocínio que não se aplica ao eixo leste, que vai de Pernambuco a
Paraíba, onde se estudos apontam que transposição nesta área pode intervir em
situações graves de falta de água.
Figura 1. - Projeto de Transposição do Rio São Francisco
Fonte: CODEVASF
As exposições são diversas em torno de posturas favoráveis ou contrárias a
transposição do Rio São Francisco. Contudo, não se pode desconsiderar o fato
importante de que tal obra, pela sua magnitude, impõe um exaustivo debate com a
comunidade ribeirinha, que será afetada diretamente com os efeitos desta obra. Para
além, da política de estado que pretende transformar este empreendimento em um
marco, faz-se mister a precaução necessária antes de um posicionamento definitivo
sobre a transposição do Velho Chico.
4. O PRINCÍPIO DA PRECAUÇÃO EM FACE DOS RISCOS APRESENTADOS NA
TRANSPOSIÇÃO DO RIO SÃO FRANCISCO
A intervenção que se dará com esta obra resulta, indubitavelmente, em
impactos ambientais, que podem ser estimados pelo Estudo de Impacto Ambiental e o
Relatório de Impacto Ambiental - EIA/RIMA. Um estudo técnico que aponta a
viabilidade ou não da intervenção do homem no espaço natural, informando os
possíveis resultados danosos e sua gradação, necessários para se mensurar até que
ponto uma obra, como a Transposição do Rio São Francisco, trará benefícios, como
também prejuízos ao meio ambiente e ao homem.
Esta ferramenta - EIA/RIMA - prevista na legislação brasileira permite ao
cidadão inserir-se na pauta na discussão política, empoderado por dados científicos
que lhe permite dentro certos limites, uma tomada de ciência acerca dos rumos que
podem afetam a vida de toda sociedade. O direito ao meio ambiente equilibrado e sua
garantia para futuras gerações, é um direito de terceira dimensão, isto é, que requer a
atuação positiva estatal, por conta da natureza difusa e transindividual, para sua
preservação Estudo de Impacto Ambiental e o Relatório de Impacto Ambiental e tutela.
Pode-se dizer, ainda, que é uma garantia constitucional, cuja efetividade se concretiza
com a conduta cidadã de cada membro do corpo político.
Toda e qualquer intervenção política requer a necessária participação popular,
como corolário do regime democrático. A sociedade atual é marcada pela incisiva
influência do neoliberalismo nas políticas estatais. Diversos acontecimentos no mundo
evidenciam como a ação desordenada e indisciplinada do homem, com o foco na
lucratividade, tem afetado o equilíbrio ambiental, com desastres e acidentes
ecológicos, por vezes irreversíveis, que, por sua vez, afeta a vida de diversas pessoas
titulares do direito ao meio ambiente equilibrado.
Nessa ordem de ideias é que a Transposição do Rio São Francisco, para além
de ser uma política de estado com escopo na promoção do abastecimento de água à
população necessitada do semiárido nordestino, ou, ainda, para promover os lucros do
agronegócio, com a irrigação de grandes latifúndios, tem que ser amplamente
debatidos acerca de seus custos, altamente vultosos, como também acerca dos
verdadeiros beneficiários desta obra.
Com relação ao impacto ambiental, há no Direito Ambiental brasileiro, alguns
princípios que orientam a intervenção humana no meio ambiente, de modo a causar a
menor lesão possível aos interesses da coletividade, dentre eles pode-se trazer a
baila, os princípios da precaução e da prevenção.
O princípio da precaução, portanto, tem uma finalidade ainda mais
nobre do que a própria prevenção, já que em última análise este
último estaria contido naquele. Enquanto a prevenção relaciona-se
com a adoção de medidas que corrijam ou evitem danos previsíveis,
a precaução também age prevenindo, mas antes disso, evita-se o
próprio risco ainda imprevisto (RODRIGUES, 2006, p. 207).
Estes princípios jurídicos de proteção ambiental são mais que necessários sua
observação nesta obra, ora em comento, pois se defronta o cidadão com opiniões de
especialistas, que sustentam tanto a viabilidade e os benefícios oriundos da
transposição, como também apresentam todos os argumentos que recomendam o
contrário, vale dizer, a inviabilidade da transposição. Assim, a aplicação do princípio
da precaução na seara ambiental é um imperativo necessário, até o momento em que
haja um consenso ético sobre os riscos advindos desta empreitada.
O saber científico transforma-se em uma ferramenta de poder restrito, por ser
uma categoria da epistemologia altamente especializada, o que, inexoravelmente,
permite o cidadão de modo geral a análise a partir do que foi elaborado por um grupo
de especialistas, imbuídos de interesses políticos e ideológicos, o que na história do
conhecimento humano, sobretudo, no século XX, retira a mascara da neutralidade
axiológica do cientista.
A realização de audiências públicas, com a participação de movimentos
sociais, é de suma importância neste processo deliberativo, como, por exemplo, a
atuação da Pastoral da Terra, Ong’s, Associações diversas. Estes grupos políticos
materializam o espirito democrático, ainda que se caminhe por uma dualidade de
discursos prós e contra, mas, necessários para o amadurecimento da importante
questão social e ambiental, que envolve a transposição do Rio São Francisco.
5. PARTICIPAÇÃO DEMOCRÁTICA E A TECNOCRACIA NA DISCUSSÃO DA
TRANSPOSIÇÃO.
O mundo pós-moderno apresenta dilemas que precisam ser enfrentados em
sua esfera politica, econômica e cientifica. Este tripé está associado, inexoravelmente,
ao processo de reflexão e apreensão acerca dos rumos pelos quais a humanidade irá
trilhar no século XXI. Não obstante, a democracia, como referencial do arranjo político
hodierno, ressalvando algumas exceções existentes nos países totalitários, constitui o
principal centro de debate acerca da formulação de políticas para o novo futuro que se
apresenta, seja no sentido de uma participação efetiva dos indivíduos nos rumos
políticos, que ultrapassam as fronteiras nacionais, ou na maior publicidade dos atos da
administração pública, cujo conteúdo atual é formado por matizes científicos e
econômicos, uma face do novel mundo marcado pelo risco e sua não previsibilidade.
A globalização, intensificada na década de 1980 do século passado, promoveu
uma mudança estrutural na circulação de riqueza pelo mundo, como também o
aumento de produtividade e a consequente percepção de lucro. O progresso
tecnológico deu uma grande ênfase ao capital informacional, de modo que a produção
econômica torna-se mais flexível às demandas dos consumidores. O mundo
econômico vive um cosmopolitismo no que toca uma nova divisão do trabalho, pois a
produção concentrada se pulveriza em outros centros e mercados, conforme as
nuances que cada locus apresentava em termos de vantagem para a atividade
industrial.
Estas mudanças do ponto de vista tecnológico e cientifico irá desembocar sua
influência na postura do Estado, principalmente, em seus pilares principais, como por
exemplo, o conceito de soberania. Não se pode negligenciar que o mundo se torna
mais integrado, as informações e o seu processamento ganham velocidades, que
permitem uma rede de interferência em escalas globais nas negociações comerciais.
O baixo custo, em termos de comunicação, das transações favorece este
estreitamento de laços. No bojo destas transformações, o Estado de Bem Estar Social
presencia o descortinar de uma era de transição, inquietudes diversas e incógnitas
que remete a resoluções reflexivas, éticas, nas searas política, social e econômica.
Por outro lado, encontramos aqui princípios de método que
possibilitariam – e exigem – uma reatualização sistemática das ciências
sociais, fornecendo com isso novas sendas e caminhos para lidar com
problemas típicos de nosso tempo, como, por exemplo, os relacionados
à perda de capacidade regulatória do Estado-Nacional, à avaliação e
planejamento estratégico de empreendimentos industriais e de
aplicação de novas tecnologias, à institucionalização de normas de
segurança que transformem o atual modelo de repartição de danos
gerados, com os quais quem sofre as conseqüências geralmente já são
os menos favorecidos (BOSCO, 2011, p.31).
A par disso, a democracia, uma marca dos Estados Liberais, é questionada do
ponto de vista da efetiva participação popular na condução dos interesses coletivos
tutelados pelo Estado. Tais transformações que o Estado tem experimentado com a
relação à mudança da política econômica e estrutura jurídico-normativa por pressão
econômicas das multinacionais, passa ao largo das deliberações populares, de modo
que os interesses coletivos são mitigados.
“No que diz respeito aos sujeitos chamados a tomar (ou a colaborar para a
tomada de) decisões coletivas, um regime democrático caracteriza-se por atribuir este
poder (que estando autorizado pela lei fundamental torna-se um direito) a um número
muito elevado de membros do grupo” (BOBBIO, 1997.p. 18).
A Transposição do Rio São Francisco por suas grandiosas dimensões que
representa, deve passar inexoravelmente por estas deliberações, principalmente,
acerca no que toca os interesses da população envolvida, devendo-as a convocar e
participa-las dos círculos tecnocráticos.
Se o governo afirma que os ribeirinhos e os indígenas são os grandes
beneficiados neste projeto, então por que não deixar com eles a
palavra? Por que não ouvir dos ribeirinhos, o que eles têm para falar
sobre os lugares para onde estão sendo levados, uma vez que muitos
terão que deixar suas casas? Por que não ouvir os indígenas falarem
de sua nova reserva, visto que a atual terá que ser desapropriada?
Por que não perguntar ao povo ribeirinho e indígena se eles têm
realmente esperança de que a água chegue até suas casas?
Ouçamos os pobres”. (LOPES, 2007, p.3 apud PAGANO, 2012, p.6)
3
.
Contudo, a emergência de uma sociedade marcada pelo risco é concomitante
com o recuo do Estado em face da pressão das leis de mercado; uma tolerância para
atuação industrial, sem que se observe o binômio entre avanço tecnológico-industrial e
os interesses coletivos, como a preservação do meio ambiente, a tutela dos direitos
3
Wilson Aparecido Lopes é assessor da Pastoral do Povo da Rua - Osasco, SP e do MST -
Grande São Paulo. Esta declaração se deu no jornal Correio da Cidadania.
dos consumidores e a segurança social. Pode-se dizer que o Estado mínimo se
apresenta em oposição do Estado Social, como uma alternativa condizente a nova
ordem dos fatos, sendo uma tônica a não interferência nas regras de mercados,
exceto para fomento e incentivo da atividade industrial.
Não há dúvida de que a tecnologia e as ciências naturais, de modo
geral, se inserem em planos muito variados da existência nas
sociedades contemporâneas, da esfera privada à esfera pública, da
política à economia [grifo nosso]. Consequentemente, entender o
papel que o desenvolvimento tecnológico e das ciências naturais
desempenham na dinâmica social constitui uma dimensão fundamental
para compreender a sociedade contemporânea. E é justamente isso
que o risco permite fazer quase que espontaneamente (BOSCO, 2011,
p.32).
Para o Professor da Universidade Federal do Rio Grande do Norte João Abner
(2005, p.1, apud PAGANO, 2012, p. 5):
A defesa do projeto é capitaneada por uma forte articulação políticoempresarial, envolvendo os governos e as bancadas dos estados do
nordeste setentrional (CE, PE, PB e RN) que, como um vírus cuja
cepa mais recente, contaminou o Estado Brasileiro no governo Itamar
Franco e, cada vez mais forte, replicou no Governo FHC e, por último,
no Governo Lula envolvendo, agora, diretamente o próprio Presidente
na defesa enfática do projeto.
Para os críticos, o projeto de R$ 4,5 bilhões, que deverá comprometer
grande parte dos recursos públicos em muitos anos no Nordeste, no
mínimo não deve ser considerado prioritário porque vai manter o
quadro da seca inalterado. As águas desviadas vão passar distante
da grande maioria da população rural do sertão atingida pela seca, e,
em contrapartida, vão irrigar em condições economicamente
desfavoráveis regiões onde já se encontram os maiores reservatórios.
Ora, ter assento, por assim dizer, nas deliberações democráticas de uma
nação, requer uma consciência ética cidadã, ou melhor, uma postura atuante própria
de um ente integrante de um sistema, que tende a funcionar para o equacionamento
das necessidades gerais de um grupo político ou social. John Stuart Mill afirmava que
o cidadão passivo era mais interessante ao governo, pois “é mais fácil dominar súditos
dóceis ou indiferentes”, ou seja, a responsabilidade social do sistema político como é o
Estado, se inicia em cada subsistema - o cidadão - que esteja em atividade e
concatenado com o meio que o circunda e as suas efetivas transformações que
experimenta; isto impõe uma intermitente postura de guarda e custódia dos interesses
sociais por cada indivíduo, de modo a vedar a restrição do conhecimento, ainda que
técnico-cientifico, a um grupo seleto apto – supostamente - a decidir sobre o destino
de muitos, podendo, inclusive, direcionar decisões politicas conforme os interesses
econômicos e ideológicos de uma pequena parte da sociedade. “A tecnocracia, ao
contrário, pretende que sejam convocados para decidir apenas aqueles poucos que
detêm conhecimentos específicos” (BOBBIO, 1997, p. 31-34).
Para Délcio Rocha (2007, p.7 apud PAGANO, 2012, p. 6) “A população
indígena e ribeirinha está sendo relegada ao silêncio e, ao meio ambiente, não se está
dando a devida atenção”.
Segundo Bobbio (1997, p. 57), “De qualquer modo, uma coisa é certa: os dois
grandes blocos de poder descendente e hierárquico das sociedades complexas — a
grande empresa e a administração pública — não foram até agora sequer tocados
pelo processo de democratização”. Tal afirmação se dá em virtude da alta burocracia
existente nestas duas formas institucionais de organização administrativa, de modo
que leva a uma tecnocracia, não condizente com o conhecimento do homem comum e
com a sua participação decisiva acerca dos rumos que serão tomados pela
administração pública na consecução de politicas sociais.
É bem certo que a complexidade da vida social, em que o desenvolvimento
tecnológico apresenta diversos centros de saber especializado, tende a esfacelar o
núcleo central da ideia em que reside a noção de democracia. A participação do povo,
como requer o princípio democrático, desqualificado, por assim dizer, no que toca o
conhecimento especializado, fica restrita ao papel de mero expectador dos projetos
político-científicos, postos na pauta do desenvolvimento econômico, cujas decisões
terão impacto na vida cada vez mais de inúmeras pessoas. “O conhecimento, o saber
científico passam, então, a ter nova importância política [...] de fato, a consciência do
risco não é nem consciência tradicional nem assunto de profanos, ela é, no seu
próprio fundamento, determinada e orientada pela ciência” (BOSCO, 2011, p.38).
Perante tais evidência é que tornar premente uma inversão discursiva da
participação política democrática, sobretudo, em face de uma realidade caracterizada
pelo risco compartilhado em escalas globais.
6. CONCLUSÕES
A importância da apreensão acerca das transformações que o mundo vivencia
permite um olhar mais crítico, reflexivo e, sobretudo, ético do ponto de vista
antropológico. Os danos e os riscos causados pela expansão industrial capitalista,
subsidiado pelo saber científico, legam produtos que intragavelmente estão sendo
absorvidos pela população do planeta, principalmente, aqueles que menos usufruem
das benesses oriundas dos altos ganhos da lucratividade industrial. Esse pode ser um
resultado que a Transposição do Rio São Francisco pode legar as futuras gerações.
A atuação científica tem uma grande responsabilidade política de alerta e
condução dos rumos futuros da humanidade, no entanto, o processo democrático
possui também uma necessidade emergente de restauração com escopo na maior
participação popular em termos de cidadania. Ainda que a tecnocracia, seja na
burocracia da administração pública, seja nas ilhas intransponíveis do saber
especializados da produção científica, tenha o condão de alijar a deliberação popular
dos rumos políticos de uma nação, neste momento fica evidente a necessidade global
e local da integração de cada indivíduo, enquanto subsistema, na engrenagem
múltipla da sociedade de risco, onde se percebe a relação estreita entre política,
ciência e economia.
Assim, a atuação do agronegócio é citado, indiretamente, neste artigo,
fundamento em referências citadas, como o principal beneficiário da Transposição do
Rio São Francisco. Contudo, não se pode olvidar opiniões contrárias, que discorrem
acerca das vantagens que a transposição trará para um grupo significativo de
nordestinos, como também para a irrigação na agricultura.
Trata-se de uma questão de extrema importância, pois envolve a preservação
ambiental de todo o ecossistema que circunda a bacia hidrográfica do Rio São
Francisco. No entanto, o que estão obre representa não está clara para os cidadãos;
predomina um embate de argumentos com enfoque nos atores privilegiados. As
audiências públicas realizadas sobre a transposição do Rio São Francisco, longe de
trazer o consenso da melhor forma de se realizar tal projeto político, afirmou, mais
ainda, que existem diversas controvérsias acerca os resultados que serão legados.
Haverá danos ao meio ambiente? Em que gradações as comunidades
ribeirinhas e indígenas serão afetadas? Os impactos ambientais recomendam a
transposição? Os custos desta obra não teria a mesma eficácia com obras de menor
valor?
Estas respostas ainda gravitarão no espaço político sem uma resposta
conclusiva, e talvez, não se tenha uma conclusão em face da atual sociedade de
riscos, em que não há previsibilidade acerca dos efeitos da intervenção humana no
sistema da natureza, mas sim uma probabilidade residente cada vez mais distante da
apreensão humana, por conta da sorte de vários fatores que concorrem
simultaneamente para ocorrência de um evento.
Portanto, reafirmo a necessidade do uso da precaução para a preservação
ambiental do ecossistema do Rio São Francisco, tendo em vista que a transposição
não se mostra como um programa político de benefício social, mas sim de cunho
econômico.
Mais do que transpor, mister expor na ordem das coisas públicas, de forma
clara e inequívoca, para que a população escolha o futuro com maturidade política e
segurança.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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Risco Mundial. Dissertação de Mestrado. Universidade Estadual de Campinas. São
Paulo. 2011.
BOBBIO, Noberto. O FUTURO DA DEMOCRACIA. Uma defesa das regras do jogo.
Tradução Marco Aurélio Nogueira. Rio de Janeiro: Paz e Terra. 6 ed. 1997.
BOMFIM, Manoel. Transposição e as águas do Nordeste. Disponível em:
<https://palavrastodaspalavras.wordpress.com/2008/02/19/transposicao-e-as-aguasdo-nordeste-por-manoel-bonfim-ribeiro>/ Acesso: 5/12/2012.
MAGALHÃES, Paulo Canedo. A transposição das águas do Rio São Francisco.
Disponível
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<http://vsites.unb.br/ft/enc/transposicao/Transposicao%20SFCO%20CienciaHoje%20a
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PAGANO, Luciana Maria Palma. Políticas Públicas de Poverty Alleviation e a
Transposição do Rio São Francisco: A Quem Serve a Transposição do Rio São
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Cruz das Almas. 2012.
RODRIGUES, Marcelo Abelha. A Presunção Constitucional de Degradação do Meio
Ambiente pelas Atividades Econômicas. In: Revista de Direitos Difusos – Vol. 35.
Coordenadores: Guilherme José Purvin de Figueiredo e Paulo Affonso Leme
Machado. São Paulo: IBAP e APRODAB, 2006.
SILVA e DIAS, Ascendino F; e outros. As incertezas do projeto de transposição.
Disponível
em:<http://vsites.unb.br/ft/enc/transposicao/Transposicao%20SFCO%20CienciaHoje%
20art2.pdf>. Acesso em: 02. abril. 2012.
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