ENTRE IPÊS E EUCALIPTOS* PÁGS.: 74-85 Regina Horta Duarte* Natascha Stefania C. Ostos** El presente trabajo enfoca los eventos, prácticas y discursos en torno a las celebraciones del Día del Árbol entre el comienzo del siglo XX y la década de 1970, explorando los diferentes significados atribuidos al evento, en distintos momentos históricos de la sociedad brasileña. Para tanto, privilegiará un estudio de caso, la ciudad brasileña de Belo Horizonte, idealizada desde su construcción, en 1897, como “ciudad jardín”. Palabras clave: historia ambiental urbana, Brasil republicano, árboles urbanos, Ciudad Jardín, historia de las ciudades, día del árbol. O presente trabalho enfoca os eventos, práticas e discursos ao redor das celebrações do Dia da Árvore entre o começo do século XX e a década de 1970, explorando os diferentes significados atribuídos ao evento, em diferentes momentos históricos da sociedade brasileira. Para tanto, privilegiará um estudo de caso, a cidade brasileira de Belo Horizonte, idealizada desde a sua construção, en 1897, como “cidade jardim”. Palavras-chaves: história ambiental urbana, Brasil republicano, árvores urbanas, cidade jardim, história das cidades, dia da árvore. The present study focuses on facts, practices and discourses about the Arbor Day celebrations, from the beginning of the 20th century to the Seventies, exploring different meanings of this event in different historical moments of the Brazilian society. The city of Belo Horizonte, idealized since its foundation, in 1897, as a “garden city”, is the specific object of this case study. Key words: Urban environmental history, republic in Brazil, urban trees, garden city, cities’ history, arbor day. ORIGINAL RECIBIDO: 15-IX-2004 – ACEPTADO: 20-I-2005 * Agradecemos a Karina Ribeiro, apoyo CNPq, por la ayuda en la recolección de fuentes. ** Doctora profesora del departamento de Historia, Universidade Federal de Minas Gerais, Brasil, apoyo CNPq. E-mail: [email protected] * * * Alumna de graduación, Departamento de Historia, Universidade Federal de Minas Gerais, Brasil. Apoyo Prograd/CNPq. E-mail: [email protected] 74 NÓMADAS HORTA DUARTE, R.; OSTOS, N. S. C.: ENTRE IPÊS E EUCALIPTOS 1. Entre o elogio e a destruição se em franca urbanização, com abertura de avenidas, políticas públicas de higienização e combate aos conjuntos pobres de habitação, os cortiços. Em Minas Gerais –região detentora da assombrosa riqueza mineral que, no século XVIII, dade barroca de Ouro Preto, identificada com as mazelas atribuídas ao período monárquico e aos governos O Dia da Árvore foi comemoda dinastia de Bragança. A nova rado no Brasil, pela primeira vez, urbe deveria afigurar-se como mona cidade de Araras, no Estado de derna, racional, construída em liSão Paulo, em 1902. A República nhas e ângulos retos, com largas fora recentemente proavenidas, parques e clamada, em 1889, praças e uma ampla por setores militares arborização. O nome ligados às correntes escolhido para a “cidapositivistas, com o de-republicana-modeapoio das oligarquias lo” foi Belo Horizonte. cafeeiras agro-exporSeu projeto foi inspitadoras. Ao longo da rado na concepção de história da República Cidade Jardim, elabobrasileira no século rada pelo inglês XX, esse marco comeEbenezer Horward, e morativo acabaria por contava com uma se tornar uma data reavenida delimitadora pleta de conteúdos de seus contornos, políticos, culturais e para além da qual sieconômicos. A festa tuava-se uma zona apresenta-se como rural, destinada à lamomento privilegiado voura e produção de para o estudo das rebens de subsistência lações entre as cidades para provisão de ali–em pleno processo de mentos da nova capiurbanização– e suas tal (Silva & Silveira, árvores, pois nela se 1994: 13-34; Julião, evidenciam diversos 1997: 34-39; Mumdiscursos e concepford, 1965: 654-667). ções do que elas reNo interior desses lipresentavam para os mites, idealizavam-se citadinos, além do surmuitas praças e jardins gimento de práticas que garantissem conclaramente intenciodições higiênicas , “um nais de estímulo a verdadeiro laboratório novas atitudes em re- Sierra de la Macarena, Caño Cristales. Colombia secreta, Villegas Editores. de oxigênio” (DM/09/ Foto: Andrés Hurtado lação à vegetação 29/1912), gerando um urbana. No caso espeequilíbrio orgânico e cífico do Brasil, os festejos sempre locupletou de ouro e diamantes o racional, numa cidade cujo ar seria ocorreram no mês de setembro, iní- carregamento de vários navios em puro, o sol e a beleza da paisagem cio da primavera no país. direção à Europa– as elites busca- seriam mantidos em prol do bem vam dinamizar a economia através estar dos habitantes e do seu apriNo sudeste, região mais rica e de mudanças estruturais e moder- moramento moral e estético, civiintegrada aos setores agro-exporta- nizadoras. Nesse contexto, forjou- lizando-os: as árvores passavam a dores de café, cidades como Rio de se o projeto de construção de uma ser parte essencial do cenário Janeiro e São Paulo apresentavam- nova capital, em substituição à ci- arquitetônico (Thomas, 1996: NO. 22. ABRIL 2005. UNIVERSIDAD CENTRAL – COLOMBIA NÓMADAS 75 249). Tal concepção foi apropriada à luz das práticas conservadoras e elitistas da República de então, com a clara exclusão das populações pobres e do alijamento das classes trabalhadoras em locais periféricos e não privilegiados pelos projetos higienistas de embelezamento urbano. Em Belo Horizonte, as primeiras notícias das comemorações do Dia da Árvore datam da década de 1910. Durante os primeiros anos, houve alguma variação no dia escolhido, mas, em 1925, um decreto federal oficializou o 21 de setembro em todo o país. Apesar da variação na freqüência e intensidade dos festejos no decorrer do século, há uma surpreendente repetição de vários temas e práticas, tais como o elogio da beleza e da utilidade das árvores, o insistente discurso da necessidade de preservá-las, o plantio e a distribuição de mudas de espécies nativas, a organização de desfiles estudantis, discursos e palestras por autoridades diversas, festas nas escolas e, especialmente, uma renitente associação entre árvores e Nação. Mas cabe ao historiador explicar tais persistências, torna-se tão ou mais relevante analisar a sua historicidade. Tais recorrências não permitem concluir uma simples continuidade das mesmas atitudes. Antes, é preciso ter em mente que, se as práticas e discursos dos vários atores históricos, ao longo das décadas, assemelham-se na superfície das palavras e das ações, “as coisas que eles dizem não são todas ditas em uma mesma modalidade de discurso” (Williams: 1989: 25). O olhar mais atento pode evidenciar como os mesmos temas foram revestidos de 76 NÓMADAS significados diferentes, em épocas de enfrentamento de valores e interesses diversos no âmbito da sociedade brasileira. Projetada como “cidade-jardim”, Belo Horizonte comemorou muito timidamente o Dia da Árvore nas primeiras três décadas do século passado. Ocorreram eventos escolares com a presença de autoridades, plantio de árvores, canto de hinos patrióticos e declamação de poemas. O Dia da Árvore era uma festa organizada por adultos –e as professoras e normalistas sempre se destacavam nas programações– mas dedicada exclusivamente ao público infantil. Estimulava-se o amor às árvores, simultaneamente aos ensinamentos de patriotismo e de respeito à família e seus valores. Até meados dos anos 1920, a comemoração do Dia das Árvores foi inúmeras vezes realizada no mesmo dia da data da Proclamação da Independência do Brasil, 07 de setembro, numa clara associação entre a Nação e a natureza de seu território.Ganharam destaque as festas do primeiro centenário, em 1922, nos jardins do Palácio da Liberdade, sede do governo do Estado de Minas, quando vozes vibrantes de crianças saudaram um ipê amarelo e um cedro, os quais foram incumbidos de levar aos brasileiros do século XXI “mensagens de fraternidade infantil e bênçãos da geração hodierna”. Elas deveriam testemunhar, “no farfalhar augusto da frondosa centenária”, o momento de seu plantio. Ao lado de autoridades políticas, alunos de escolas públicas cantaram um hino às árvores. Dentre eles, os vencedores do “Concurso do Centenário”, plantaram as mudas. Junto a cada uma das árvores-monumento, placas perpetuavam os nomes do presidente do Brasil e de Minas Gerais, além da data do centenário da Independência. (DM, 07,09,13/ 09/1922). Aos simbolismos presentes nas cores do ipê (relacionadas com a bandeira do Brasil, verde e amarelo) e na associação do cedro às florestas brasileiras, somavam-se as intenções investidas na identificação entre a nação e as árvores 1. Na idealização de um futuro para o Brasil, delineavam-se os projetos políticos então predominantes. As árvores surgiam como um verdadeiro monumento histórico, resultando do esforço daquela elite para “impor ao futuro determinada imagem de si própria” (Le Goff, 1984: 103). Apesar do destaque dado à festa em 1922, os jornais passam alguns anos sem noticiar o Dia da Árvore. Por vezes, a comemoração incluía atitudes eivadas de ambigüidade, como se evidencia na crítica de um comentarista ao plantio, nessa ocasião, de pés de café, grande produto de agroexportação do Brasil naqueles anos2. Mesmo assim, duas imagens são particularmente constantes. Uma primeira associa árvore e maternidade. Desde o berço ao esquife, os homens seriam abrigados pelas árvores, alimentando-se de seus frutos, refrescando-se em suas sombras. Generosa e abnegada, a árvore se sacrificaria pelo homem, assim como nas idealizações, na época, da mãe exemplar. Numa ideologia dominante da família como núcleo básico da organização social –e portanto numa visão claramente biológica da sociedade– tal analogia consolidava o cultivo de valores que interligavam sombra/alimento/proteção ao HORTA DUARTE, R.; OSTOS, N. S. C.: ENTRE IPÊS E EUCALIPTOS amor às árvores, à família, à sociedade e, especialmente, à Nação. Como nota um historiador inglês, Durkheim talvez se equivocou ao sugerir que, ao adorar a Deus, os homens na verdade adoravam a sociedade: “ele estaria muito mais perto da verdade se afirmasse isso a respeito do culto às árvores”. (Thomas, 1906: 266). Assim, se as árvores foram monumentos das festas do Centenário, também foram investidas de associações à maternidade e à nação brasileira, grande “mátria”. socialistas, anarquistas e comunistas e a ocorrência de expressivas greves. A visão biológica e corporativa do corpo social opunha-se a tudo isso e propugnava uma convivência baseada na harmonia e cooperação, tornando-se a árvore um símbolo máximo desses valores. As décadas de 30 e 40 assistiram à efetivação de um projeto político autoritário e centralizador, já esboçado no governo provisório de Getúlio Vargas e estabelecido, entre 1937 e 1945, no regime ditatorial instalado através de um golpe de estado. Foi um período de profunda rejeição do federalismo e da descentralização política dos primeiros anos da República, assim como da vitória de práticas corporativistas de organização da sociedade, abrangendo aspectos educacionais, sindicais, partidários, além de uma ampla propaganda da atuação de Vargas, projetado como grande pai à frente de uma nação harmônica e constituída por um povo trabalhador e pacífico (Gomes, 1982: 109164; Iglesias, 1995: 231-257). Em segundo lugar, a árvore era apresentada quase como um totem, elo entre o homem e a natureza, mediado pela nação. Entretanto, ao invés de estabelecer diferenças entre os homens, como nos clãs totêmicos (Levi-Strauss, 1980: 157), as árvores evocavam uma nação na A Constituição qual todos se reuniriam outorgada de 1937 sisafetiva e cooperativatematizou uma conmente. No primeiro cepção de patrimônio quartel do século XX, nacional, constituído emergiram discursos por bens móveis e imónacionalistas de proveis, cuja conservação funda crítica aos seria de interesse púmodelos liberais ortoblico por sua vincuCascada en verano del caño Canoas en el Meta. Colombia secreta, doxos de organização lação à história, pelo Villegas Editores. Foto: Andrés Hurtado social, associados à esvalor arqueológico, poliação do Brasil pelas grandes po- Tal organicismo era também bas- etnográfico, bibliográfico ou artístências imperialistas. Além disso, tante coerente com a própria no- tico, assim como os monumentos as elites temiam o acirramento dos ção de cidade-jardim adotada pela naturais, como sítios e paisagens conflitos sociais desencadeados elite republicana, na qual se con- (Lei 25, 30/11/1937, cap. 1, artigo pela industrialização e enfrenta- cebia o espaço urbano como um 1). Consolidava-se a imagem da mentos entre patrões e trabalhado- conjunto de partes relacionadas e natureza como bem público a ser res, pela ascensão dos movimentos interdependentes. protegido pelo Estado. Esta ação NO. 22. ABRIL 2005. UNIVERSIDAD CENTRAL – COLOMBIA NÓMADAS 77 governamental mostraria seus claros limites: a apropriação dos ideais preservacionistas ocorreu apenas na medida em que os caminhos políticos do governo de Getúlio Vargas fossem legitimados. A fundação de parques nacionais, na época, não privilegiou ecossistemas de grande biodiversidade, mas sim áreas próximas a grandes centros, proporcionando lazer às crescentes massas urbanas –como o de Itatiaia e Serra dos Órgãos– ou em áreas geograficamente estratégicas, como Iguaçu. A preservação do patrimônio natural era, indubitavelmente, importante nos projetos do governo Vargas. Mas, além de seu simbolismo cultural e político, a natureza para além dos parques apresentava-se principalmente como fonte de riquezas exploráveis para o desenvolvimento econômico, e os projetos industrializantes emergiram como o comprometimento essencial do Estado Novo (Garfield, 2004; Drummond, 1997: 141-208). Nesse contexto, aprofundaram-se as identificações árvore/família/sociedade/nação e as comemorações do Dia da Árvore tornaram-se verdadeiros exercícios de práticas cívicas, por todo o país. Em Belo Horizonte, os festejos excederam os muros das escolas e ganharam praças e ruas, mantendo as tradicionais práticas de plantio de mudas, execução de músicas patrióticas e do hino nacional, recitais de poesias e odes às árvores. Além das crianças, participam jovens de escolaridade maior, assim como pessoas ligadas a órgãos públicos de fiscalização florestal e conservação. A festa deixou, pois, de ter um caráter meramente infantil e as comemorações do Dia da Árvore passaram a interessar também 78 NÓMADAS aos adultos. Gradativamente, definiam-se novos rumos para os eventos ligados ao Dia da Árvore em Belo Horizonte. A cidade crescera bastante, com o surgimento de inúmeros novos bairros, pobres e periféricos, com grandes avanços desordenados sobre áreas verdes. Nas áreas centrais, a ocupação crescente determinava a construção de novos prédios e conjuntos habita- cionais, com conseqüente derrubada de muitas árvores. Nos arredores da capital, a destruição florestal tornava-se cada vez mais grave, pois o crescimento da siderurgia em Minas Gerais desertificava as paisagens do Estado com uma rapidez incrível. Durante as festas do 21 de setembro, tais fatos eram lamentados de maneira ambígua: ao mesmo tempo em que se criticava a Los cerros de Mavecure en el río Inírida, que viene de la profundidad de la selva y HORTA DUARTE, R.; OSTOS, N. S. C.: ENTRE IPÊS E EUCALIPTOS destruição do patrimônio público, insistia-se na idéia da excelência da siderurgia para o progresso da nação, mostrando a urgência de soluções para o problema da falta de madeira para o carvão necessário (EM, 23/09/1943; 21/09/1948; 22/ 09/1948). Tais mudanças se aprofundaram ao longo dos anos 50 e 60. Belo Horizonte viveu um surto industrial e um aumento populacional expressivo. Novos bairros foram abertos, novas ruas e avenidas foram instaladas, com a ação do “impiedoso machado municipal”, num momento em que todo o país vivia uma euforia desenvolvimentista, com grande entrada de capitais estrangeiros. A popularização do automóvel tornouse um dos símbolos do progresso: em 1964, quando a população era de cerca de 700 mil habitantes, a frota em circulação alcançou a marca de 50 mil carros (Souza, 1964). Muitas ruas e avenidas foram alargadas, com o sacrifício de frondosas árvores existentes em suas margens. Um poema publicado na imprensa local, intitulado “Protesto”, clamava ao prefeito: “ó decepador de árvores! Diante de vós, minha alma deblatera contra vossa loucura destruidora!” (Lago, 1964). Curiosamente, foi justamente nessas décadas que as comemorações do Dia da Árvore se tornaram mais destacadas, alcançando maior espaço na imprensa e envolvendo uma participação mais heterogênea. Os eventos ligados à data passam a ocorrer em vários espaços da cidade e abordavam uma questão bem mais ampla do que a arborização urbana. Assistiu-se à inserção definitiva da questão florestal na pauta das políticas públicas, num contexto em que o avanço da indústria siderúrgica em Minas fez desse estado o maior consumidor de lenha e madeira do Brasil, constituindo-se no território de maior potencial de minério de ferro, cuja dinamização reclamava milhões de metros cúbicos de carvão. Em 1962, foi criado o Instituto Estadual de Florestas, cuja ação tinha como objetivo principal plantar, anualmente, milhões de mudas, alimentando o parque siderúrgico de Minas Gerais. Apontava-se o avanço do eucalipto como uma “marcha para a prosperidade” (EM, 21/ 09/1957, EM, 22/09/1965). desemboca en el Orinoco. Colombia secreta, Villegas Editores. Foto: Andrés Hurtado NO. 22. ABRIL 2005. UNIVERSIDAD CENTRAL – COLOMBIA Belo Horizonte passou a ser o centro organizador do reflorestamento do território mineiro por matas de eucalipto, com o predoNÓMADAS 79 mínio dos interesses do grande As falas das professoras primá- noção nacionalista do patrimônio capital das siderurgias e das empre- rias seriam substituídas por discur- público a ser protegido –como ocorsas de reflorestamento. Diversifi- sos de técnicos sobre a necessidade ria anteriormente– para sintonizarse cam-se incrivelmente os locais e de alimentar de carvão o parque si- a uma agressiva defesa do desenvolinstituições envolvidas nos even- derúrgico de Minas através do re- vimentismo. O culto às árvores fatos: escolas, praças e ruas, sedes florestamento, garantindo ainda o zia-se paralelo à defesa da siderurgia sociais do Rotary e necessária ao progresLyons Clubes, Palácio so. A árvore símbolo do Governo, refinanão era mais nem o dos clubes esportivos, ipê, o cedro ou qualsedes de órgãos de poquer espécie nativa do liciamento, prédios Brasil –mesmo que as de bancos estatais e comemorações sempre da reitoria da Uniincluíssem o plantio de versidade de Minas algumas dessas árvores Gerais. Novos perem áreas mais nobres sonagens fizeram-se da cidade–, mas a presentes, como augrande estrela era o toridades da prefeieucalipto. Essa árvore tura, membros de passou a ser apontada órgãos estatais de vigicomo a solução para o lância florestal e de asproblema da devastasociações de crédito ção das florestas, para reflorestamento, elogiada por seu cresalém dos diretores de cimento impressionanempresas siderúrgicas temente rápido, por de capital estrangeirepresentar um invesro, presentes no estimento financeiro de tado de Minas Gerais retorno garantido e e com sede admipor garantir suprimennistrativa em Belo to energético para as Horizonte, como siderúrgicas ávidas de Mannesman e Belgomais e mais carvão Mineira. Esta última para funcionar a todo empresa atuava deso vapor , além de forde os anos 20 em Minecer celulose para o nas, e queimava, nos papel e grafite para láanos 50, 450 m 3 de pis (curiosamente, uma Río Tuparro afluente del Orinoco. Colombia secreta, Villegas Editores. madeira nativa por das muitas comemoraFoto: Andrés Hurtado ano para alimentar ções do 21 de setemseus fornos, o que a bro, incluiu, em 1962, levou a instaurar reservas de ma- fornecimento de celulose. Tornou- a distribuição de lápis a todos os estas de eucalipto. (Dean, 2000: se comum a realização de palestras tudantes das escolas públicas de 270-271). O primeiro corte em de engenheiros agrônomos sobre Belo Horizonte) (EM, 21/09/1962). suas reservas ocorreu na primave- temas como os benefícios do planra de 1954 e foi objeto de grandes tio do eucalipto, sua defesa amMesmo em plena e repressiva festejos, com a presença de Jusce- biental, arborização urbana, carvão ditadura militar, instalada após o lino Kubitschek, então governador e siderurgia. A ênfase de todas es- golpe de 1964 com o apoio decisido Estado de Minas Gerais 3. sas práticas deixou de recair na vo das elites do estado de Minas 80 NÓMADAS HORTA DUARTE, R.; OSTOS, N. S. C.: ENTRE IPÊS E EUCALIPTOS Gerais, algumas vozes dissonantes apontavam as responsabilidades da prefeitura na destruição das árvores urbanas em nome do progresso. A prefeitura, obviamente, apresentava-se de maneira contrária, sempre noticiando a arborização das ruas e organizando efusivas festividades no Dia da Árvore que, a partir de 1965, foram estendidas, com a criação, em torno do dia 21, da Semana Florestal. Em propagandas de jornais e cartazes, a prefeitura convidava os belo-horizontinos para uma intensa programação de desfiles, plantio de mudas, premiação de alunos ganhadores de concursos de redação sobre as árvores e palestras diversas, afirmando-lhes: “vê, estão voltando as flores, sua cidade é jardim outra vez” (EM, 19/ 09/1965). Outras falas minoritárias associavam o avanço da siderurgia à destruição das matas nativas (EM, 23/09/1966; 21/09/1969). Segundo matéria do jornal Estado de Minas, o principal veículo de imprensa de Minas Gerais, a destruição seguira o seguinte ritmo: em 1911, Minas possuiria 47,8% de seu território de florestas; área que teria sido reduzida a 28,6% em 1950; 7% em 1960 e, alarmantemente, 2% em 1965 (EM, 21/09/1969: 5). Uma estimativa apontava uma diminuição das florestas nativas em Minas, entre 1950 e 1964, de 91 mil km2 para 35 mil km2 de floresta nativa (Dean, 2000: 291). Os dados evidenciavam, implicitamente, o aumento da devastação justamente nos anos de incremento da siderurgia no estado. Tais críticas, entretanto, eram raras e tanto a destruição das matas como a questão ecológica não apareciam na pauta das lutas predominantes da esquerda naqueles anos. Em primeiro lugar, aqueles eram anos duros na história da sociedade brasileira, marcados pela ditadura militar, pela censura, pela violência e cerceamento dos direitos políticos. A questão ecológica aparecia nos meios intelectuais e acadêmicos como um tema de exclusivo interesse do chamado Primeiro Mundo, como se esses problemas só fizessem parte de um patamar superior de preocupações. Apesar da emergência dos movimentos ecológicos internacionais, a relação com a natureza foi muitas vezes considerada como uma temática secundária frente à miséria, ao analfabetismo, ao desemprego, à falta de moradia e, principalmente, diante da ausência de democracia no Brasil (Zhouri, 1992: 65; Barbieri, 1997: 24). Por outro lado, o apelo desenvolvimentista também consistia num argumento extremamente sedutor e quase inconteste naqueles anos, mesmo para os setores de esquerda, emergindo como uma fórmula mágica e comum aos discursos de tendências políticas as mais diversas. O desenvolvimentismo – inegavelmente um discurso historicamente produzido nas condições históricas do pós-guerra– tornou-se uma representação hegemônica, desqualificando os que dela ousavam divergir e dificultando que quaisquer práticas em outros parâmetros pudessem parecer plausíveis e razoáveis aos contemporâneos (Escobar, 1995: 3-21). Paradoxalmente, as siderúrgicas foram muitas vezes apresentadas como grandes defensoras ambientais e principais agentes de preser- NO. 22. ABRIL 2005. UNIVERSIDAD CENTRAL – COLOMBIA vação, já que precursoras de ações de reflorestamento. A Belgo-Mineira, por exemplo, plantou trinta milhões de árvores na década de 1950 para garantir fornecimento de carvão. Previa a meta de quatro mil hectares de eucaliptos por anos até que se alcançasse a marca de trezentos milhões dessas árvores, garantindo a produção de quinhentas mil toneladas anuais de aço (EM, 21/09/1958; 20/09/1959). Muitos defendiam que as maiores devastações tinham sido realizadas desde épocas remotas, por agricultores e criadores de gado que lançavam mão do machado e do fogo indiscriminadamente, em um contexto em que não se dava nenhum valor às riquezas florestais 4. Mas agora, uma vez transformadas em indústria altamente lucrativa, essas passariam a ser preservadas e o que fosse derrubado seria imediatamente substituído por novas mudas (EM, 23/09/1958). Tudo isso era real, mas o que permanecia oculto nesses discursos elogiosos era o fato de que o replantio fazia-se exclusivamente com espécies de eucalipto e que muitas florestas nativas –com a heterogeneidade vegetal e faunística características das matas tropicais– continuavam virando carvão e cedendo terreno a grandes e monótonas extensões homogêneas de plantações de eucaliptos. 2. Racionalização do campo, humanização da cidade Durante toda a década de 70, a obsessão em reflorestar o território de Minas Gerais continuou sendo orquestrada a partir da cidade de Belo Horizonte e as comemorações do Dia da Árvore e da Semana FloNÓMADAS 81 restal davam destaque aos empreendimentos em curso. Especialmente nesses dias, as siderúrgicas anunciavam suas ações e faziam publicar fotos e cartazes de grandes áreas verdes sob sua responsabilidade (EM, 21/09/1971: 15). Criouse uma Associação Mineira de Empresas Florestais e iniciou-se um grande mercado de ações desse tipo de empresas, pois o governo decretou isenção de impostos aos capitais investidos em reflorestamento. Páginas inteiras dos jornais dedicavam, no Dia da Árvore, imensas reportagens assinadas por agrônomos e técnicos em defesa do eucalipto, repletos de dados científicos, exemplos do seu plantio em países civilizados como o Japão e EUA, assim como a afirmação contundente dessa planta como uma opção perfeita para a preservação da natureza em Minas (EM, 21/09/1971, 2 seção: 5; EM, 19/09/1976: 15). A cada ano, uma grande festa organizava a distribuição de medalhas no Prêmio de Mérito Florestal e os agraciados eram sempre presidentes de empresas siderúrgicas e de reflorestamento, além de autoridades de órgãos públicos (EM, 21/ 09/1972: 4). Novas empresas aguardavam o 21 de setembro para lançar-se no mercado, prometendo milhões de novas árvores nas paisagens rurais mineiras. Além do carvão necessário para a siderurgia, a urgência de produção de celulose ganhou destaque, com a idealização da implantação de novas indústrias por todo o Estado. Inúmeras áreas de Minas Gerais tiveram suas paisagens mudadas, com terras recobertas por mais e mais extensões de eucaliptos (EM, 22/09/ 1976: 10). Previsões otimistas para o desenvolvimento passaram a 82 NÓMADAS abranger, além do setor siderúrgico, o setor de papel, com previsões da produção de milhões de toneladas de celulose (EM, 23/ 09/1976: 13). É importante observar que tais anúncios integravam as comemorações do Dia da Árvore na cidade de Belo Horizonte, ganhavam destaque nos eventos e serviam de motivo de premiações e projeções otimistas de um desenvolvimento a ser cumprido. O sucesso das idéias desenvolvimentistas trazia uma idéia de que as áreas pobres seriam “salvas” por ações e iniciativas que levariam o progresso a todos: o Vale do Jequitinhonha, uma das áreas mais miseráveis de Minas, foi alvo de empresas de reflorestamento, com discursos efusivos de criação de empregos e melhoria das condições locais. O subdesenvolvimento seria combatido Los ríos “negros” nacen en el interior de la selva; el río Wicoco arrastra HORTA DUARTE, R.; OSTOS, N. S. C.: ENTRE IPÊS E EUCALIPTOS e, no avanço de práticas agrícolas racionais, o campo alcançaria o desenvolvimento, as populações seriam arrancadas de suas práticas ignorantes e destrutivas da natureza , o Brasil seria servido, pois exportaria aço e papel, o subdesenvolvimento seria superado. A ideologia desenvolvimentista apoiava-se num otimismo, apresentado como um sonho: “todo o campo haverá de se transformar em cidade” (Williams, 1989: 380). A consideração desses pressupostos possibilita-nos a compreensão de certas práticas comuns nas comemorações do Dia da Árvore na “cidade jardim” , como os desfiles de tratores e máquinas agrícolas modernas compradas pelo Estado e doadas a empresas de reflorestamento, palestras sobre temas como carvão e siderurgia em Minas. aguas negras-rojas. Colombia secreta, Villegas Editores. Foto: Andrés Hurtado NO. 22. ABRIL 2005. UNIVERSIDAD CENTRAL – COLOMBIA Simultaneamente às ações que visavam transformar e modernizar as áreas rurais, a cidade retomou o ideal da cidade jardim e as autoridades públicas iniciaram uma política expressiva de plantio nas ruas da cidade, de campanhas de conscientização da população e combate ao vandalismo contra as árvores, com o cuidado de praças e parques e inauguração de novas áreas verdes no perímetro urbano. A prefeitura lançou, em 1971, a Campanha Educativa de Proteção às Árvores. A cada ano, vários caminhões percorriam as ruas da cidade e distribuíam, gratuitamente, mudas das mais variadas espécies nativas a todos que desejassem plantá-las em seus quintais ou nas portas de suas casas, declarando que “a invasão verde vai começar”. A prefeitura iniciou o plano de aumentar a área verde de 4 para 16 metros quadrados por habitante, planejando a criação de “pulmões verdes” em pontos estratégicos da cidade. Organizava, ainda, exposição de flores, de mudas de plantas nativas próprias à arborização urbana e ornamento de jardins, etc. As ruas da cidade não receberam eucaliptos –como ocorria nas áreas rurais–, mas sim ipês, pau-brasil, tipuanas, quaresmeiras, sibipurunas, oitis e muitas outras. Na cidade sonhada haveria “gramados e flores por toda parte”, e o verde repousaria os olhos, limparia o ar e refrescaria os dias quentes de verão: “seremos mais alegre, felizes e saudáveis e nossa Belo Horizonte será a cidade mais bonita do Brasil” (EM, 19/09/1971: 21; EM, 21/09/1971: 4; EM, 23/09/1973: 5; EM, 20/09/ 1974: 7; EM, 25/09/1971: 7; EM, 21/09/1978: 9). É claro que esses discursos tinham certos limites e a Câmara Municipal explicitava que NÓMADAS 83 não se tratava de interferir na derrubada de árvores em prol da expansão imobiliária da cidade (EM, 19/09/1979: 5). Entretanto, aqueles foram anos de outras histórias, como a da criação de importantes reservas biológicas dentro da cidade com grande participação da sociedade civil, do protesto de conservacionistas e cientistas contra depredações nos parques urbanos da região metropolitana, que ousavam denunciar: “tudo não passa de engano. A população de Belo Horizonte está sendo enganada” (EM, 23/09/1979: 15). Os anos 80 trariam o início da democratização da sociedade brasileira após décadas de muitas lutas, com a ascensão dos movimentos sociais de operários, negros, índi- os, mulheres e ecologistas. Outras visões da natureza e novos sentidos para as relações entre o homem e o ambiente natural passaram a ser construídos. O que antes parecia um sonho desenvolvimentista desmoronou frente às evidências da exploração e opressão geradas nessas práticas (Escobar, 1995: 4). Ao longo de tantas décadas, as comemorações do Dia da Árvore em Belo Horizonte evidenciam como as árvores foram revestidas de significados diversos, urdidos em uma série de transformações históricas e na efetivação de determinados projetos de sociedade. Elas foram integradas às promessas de uma cidade higiênica e planejada racionalmente, encarnaram o símbolo de uma nação harmônica e baseada na cooperação de todos os brasileiros, foram apropriadas tanto pelas expectativas desenvolvimentistas quanto pelas tentativas de controlar os males da urbanização desordenada. Torna-se possível perceber como, para além dos estereótipos que cercam o campo e a cidade, essas categorias “são realidades históricas em transformação tanto em si próprias quanto em suas inter-relações” (Williams, 1989: 387). A história das relações da cidade de Belo Horizonte com sua vegetação e com as paisagens rurais em seus arredores mostra-nos como, para além da persistência de algumas falas aparentemente iguais, há uma grande historicidade na forma como os homens plantaram e derrubaram suas árvores, colheram seus frutos ou refrescaram-se às suas sombras. Sierra de la Macarena, caño Cristales. Colombia secreta, Villegas Editores. Foto: Andrés Hurtado 84 NÓMADAS HORTA DUARTE, R.; OSTOS, N. S. C.: ENTRE IPÊS E EUCALIPTOS Citas 1 2 3 4 O Ipê amarelo –Tabebuia ochracea (Cham) Standl.– árvore símbolo da nacionalidade brasileira, é característica do cerrado, estendendo-se pelo Mato Grosso do Sul, Minas Gerais, São Paulo e Paraná. Atinge 15 metros de altura e floresce em grandes cachos amarelo-ouro entre julho e setembro, quando os galhos ficam completamente despidos de folhas. O cedro brasileiro, Cedrela fissilis Vell., atinge até 35 metros, e ocorre do Rio Grande do Sul até Minas Gerais, principalmente nas florestas semidecídua e pluvial atlântica. (Branco, 2000: 15; Lorenzi, 2002: 68, 257). Este comentarista, citado por Warren Dean, era Aristides Milton, participante do Congresso das Municipalidades Mineiras, realizado em Belo Horizonte, em 1923. (Dean, 2000: 257, 424). Juscelino Kubitschek de Oliveira foi presidente do Brasil entre 1956 e 1961. Lançou um ambicioso Programa de Metas - simbolizado pelo slogan “50 anos em 5”, que procurava modernizar amplamente o país, baseado no binômio “energia e transporte”. Forjou a expressão “nacional-desenvolvimentismo” para designar sua política econômica, combinando a ação do Estado com a empresa privada nacional e o capital estrangeiro. Pesquisas recentes realmente mostram que a destruição das matas em todo o Brasil, especialmente no período colonial, deveu-se à impossibilidade de retornos econômicos em sua exploração, dadas as restrições colocadas pela Coroa Portuguesa, que monopolizava a exploração madeireira. Para os colonos, tal contexto “fez da aniquilação das madeiras uma escolha mais racional do que sua conservação ou mesmo que sua extração” (Miller, 2000: 224). CRONON, William (Org), Uncommon Ground – rethinking the human place in nature, New York, W.W. Norton & Company, 1996. LE GOFF, Jacques, Documento / Monumento, In: Enciclopédia Einaudi, V.1: Memória/História, Imprensa Nacional / Casa da Moeda, 1984, pp. 95-106. CUNHA, Manuela Carneiro da. & ALMEIDA, Mauro Barbosa de, Enciclopédia da Floresta: o Alto Juruá, práticas e conhecimentos das populações, São Paulo, Companhia das Letras, 2002. LEVI-STRAUSS, Claude, Totemismo Hoje, 2ª ed., São Paulo, Abril Cultural, 1980. DEAN, Warren, A. 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