ENTRE IPÊS
E EUCALIPTOS*
PÁGS.:
74-85
Regina Horta Duarte*
Natascha Stefania C. Ostos**
El presente trabajo enfoca los eventos, prácticas y discursos en torno a las celebraciones del Día del Árbol entre el
comienzo del siglo XX y la década de 1970, explorando los diferentes significados atribuidos al evento, en distintos
momentos históricos de la sociedad brasileña. Para tanto, privilegiará un estudio de caso, la ciudad brasileña de Belo
Horizonte, idealizada desde su construcción, en 1897, como “ciudad jardín”.
Palabras clave: historia ambiental urbana, Brasil republicano, árboles urbanos, Ciudad Jardín, historia de las
ciudades, día del árbol.
O presente trabalho enfoca os eventos, práticas e discursos ao redor das celebrações do Dia da Árvore entre o
começo do século XX e a década de 1970, explorando os diferentes significados atribuídos ao evento, em diferentes
momentos históricos da sociedade brasileira. Para tanto, privilegiará um estudo de caso, a cidade brasileira de Belo
Horizonte, idealizada desde a sua construção, en 1897, como “cidade jardim”.
Palavras-chaves: história ambiental urbana, Brasil republicano, árvores urbanas, cidade jardim, história das cidades, dia da árvore.
The present study focuses on facts, practices and discourses about the Arbor Day celebrations, from the beginning
of the 20th century to the Seventies, exploring different meanings of this event in different historical moments of the
Brazilian society. The city of Belo Horizonte, idealized since its foundation, in 1897, as a “garden city”, is the specific
object of this case study.
Key words: Urban environmental history, republic in Brazil, urban trees, garden city, cities’ history, arbor day.
ORIGINAL RECIBIDO: 15-IX-2004 – ACEPTADO: 20-I-2005
*
Agradecemos a Karina Ribeiro, apoyo CNPq, por la ayuda en la recolección de fuentes.
**
Doctora profesora del departamento de Historia, Universidade Federal de Minas Gerais,
Brasil, apoyo CNPq. E-mail: [email protected]
* * * Alumna de graduación, Departamento de Historia, Universidade Federal de Minas
Gerais, Brasil. Apoyo Prograd/CNPq. E-mail: [email protected]
74
NÓMADAS
HORTA DUARTE, R.; OSTOS, N. S. C.: ENTRE IPÊS E EUCALIPTOS
1. Entre o elogio
e a destruição
se em franca urbanização, com
abertura de avenidas, políticas públicas de higienização e combate
aos conjuntos pobres de habitação,
os cortiços. Em Minas Gerais –região detentora da assombrosa riqueza mineral que, no século XVIII,
dade barroca de Ouro Preto, identificada com as mazelas atribuídas ao
período monárquico e aos governos
O Dia da Árvore foi comemoda dinastia de Bragança. A nova
rado no Brasil, pela primeira vez,
urbe deveria afigurar-se como mona cidade de Araras, no Estado de
derna, racional, construída em liSão Paulo, em 1902. A República
nhas e ângulos retos, com largas
fora recentemente proavenidas, parques e
clamada, em 1889,
praças e uma ampla
por setores militares
arborização. O nome
ligados às correntes
escolhido para a “cidapositivistas, com o
de-republicana-modeapoio das oligarquias
lo” foi Belo Horizonte.
cafeeiras agro-exporSeu projeto foi inspitadoras. Ao longo da
rado na concepção de
história da República
Cidade Jardim, elabobrasileira no século
rada pelo inglês
XX, esse marco comeEbenezer Horward, e
morativo acabaria por
contava com uma
se tornar uma data reavenida delimitadora
pleta de conteúdos
de seus contornos,
políticos, culturais e
para além da qual sieconômicos. A festa
tuava-se uma zona
apresenta-se como
rural, destinada à lamomento privilegiado
voura e produção de
para o estudo das rebens de subsistência
lações entre as cidades
para provisão de ali–em pleno processo de
mentos da nova capiurbanização– e suas
tal (Silva & Silveira,
árvores, pois nela se
1994: 13-34; Julião,
evidenciam diversos
1997: 34-39; Mumdiscursos e concepford, 1965: 654-667).
ções do que elas reNo interior desses lipresentavam para os
mites, idealizavam-se
citadinos, além do surmuitas praças e jardins
gimento de práticas
que garantissem conclaramente intenciodições higiênicas , “um
nais de estímulo a
verdadeiro laboratório
novas atitudes em re- Sierra de la Macarena, Caño Cristales. Colombia secreta, Villegas Editores. de oxigênio” (DM/09/
Foto: Andrés Hurtado
lação à vegetação
29/1912), gerando um
urbana. No caso espeequilíbrio orgânico e
cífico do Brasil, os festejos sempre locupletou de ouro e diamantes o racional, numa cidade cujo ar seria
ocorreram no mês de setembro, iní- carregamento de vários navios em puro, o sol e a beleza da paisagem
cio da primavera no país.
direção à Europa– as elites busca- seriam mantidos em prol do bem
vam dinamizar a economia através estar dos habitantes e do seu apriNo sudeste, região mais rica e de mudanças estruturais e moder- moramento moral e estético, civiintegrada aos setores agro-exporta- nizadoras. Nesse contexto, forjou- lizando-os: as árvores passavam a
dores de café, cidades como Rio de se o projeto de construção de uma ser parte essencial do cenário
Janeiro e São Paulo apresentavam- nova capital, em substituição à ci- arquitetônico (Thomas, 1996:
NO. 22. ABRIL 2005. UNIVERSIDAD CENTRAL – COLOMBIA
NÓMADAS
75
249). Tal concepção foi apropriada à luz das práticas conservadoras
e elitistas da República de então,
com a clara exclusão das populações pobres e do alijamento das
classes trabalhadoras em locais periféricos e não privilegiados pelos
projetos higienistas de embelezamento urbano.
Em Belo Horizonte, as primeiras notícias das comemorações do
Dia da Árvore datam da década
de 1910. Durante os primeiros
anos, houve alguma variação no
dia escolhido, mas, em 1925, um
decreto federal oficializou o 21 de
setembro em todo o país. Apesar
da variação na freqüência e intensidade dos festejos no decorrer do
século, há uma surpreendente repetição de vários temas e práticas,
tais como o elogio da beleza e da
utilidade das árvores, o insistente
discurso da necessidade de preservá-las, o plantio e a distribuição
de mudas de espécies nativas, a organização de desfiles estudantis,
discursos e palestras por autoridades diversas, festas nas escolas e,
especialmente, uma renitente associação entre árvores e Nação.
Mas cabe ao historiador explicar
tais persistências, torna-se tão ou
mais relevante analisar a sua
historicidade. Tais recorrências
não permitem concluir uma simples continuidade das mesmas atitudes. Antes, é preciso ter em
mente que, se as práticas e discursos dos vários atores históricos, ao
longo das décadas, assemelham-se
na superfície das palavras e das
ações, “as coisas que eles dizem
não são todas ditas em uma mesma modalidade de discurso” (Williams: 1989: 25). O olhar mais
atento pode evidenciar como os
mesmos temas foram revestidos de
76
NÓMADAS
significados diferentes, em épocas
de enfrentamento de valores e interesses diversos no âmbito da sociedade brasileira.
Projetada como “cidade-jardim”, Belo Horizonte comemorou
muito timidamente o Dia da Árvore nas primeiras três décadas do século passado. Ocorreram eventos
escolares com a presença de autoridades, plantio de árvores, canto de
hinos patrióticos e declamação de
poemas. O Dia da Árvore era uma
festa organizada por adultos –e as
professoras e normalistas sempre se
destacavam nas programações– mas
dedicada exclusivamente ao público infantil. Estimulava-se o amor às
árvores, simultaneamente aos ensinamentos de patriotismo e de respeito à família e seus valores.
Até meados dos anos 1920, a
comemoração do Dia das Árvores
foi inúmeras vezes realizada no mesmo dia da data da Proclamação da
Independência do Brasil, 07 de setembro, numa clara associação entre a Nação e a natureza de seu
território.Ganharam destaque as
festas do primeiro centenário, em
1922, nos jardins do Palácio da
Liberdade, sede do governo do Estado de Minas, quando vozes vibrantes de crianças saudaram um
ipê amarelo e um cedro, os quais
foram incumbidos de levar aos brasileiros do século XXI “mensagens
de fraternidade infantil e bênçãos
da geração hodierna”. Elas deveriam testemunhar, “no farfalhar
augusto da frondosa centenária”, o
momento de seu plantio. Ao lado
de autoridades políticas, alunos de
escolas públicas cantaram um hino
às árvores. Dentre eles, os vencedores do “Concurso do Centenário”, plantaram as mudas. Junto a
cada uma das árvores-monumento,
placas perpetuavam os nomes do
presidente do Brasil e de Minas
Gerais, além da data do centenário
da Independência. (DM, 07,09,13/
09/1922). Aos simbolismos presentes nas cores do ipê (relacionadas
com a bandeira do Brasil, verde e
amarelo) e na associação do cedro
às florestas brasileiras, somavam-se
as intenções investidas na identificação entre a nação e as árvores 1.
Na idealização de um futuro para o
Brasil, delineavam-se os projetos
políticos então predominantes. As
árvores surgiam como um verdadeiro monumento histórico, resultando do esforço daquela elite para
“impor ao futuro determinada imagem de si própria” (Le Goff, 1984:
103).
Apesar do destaque dado à festa em 1922, os jornais passam alguns anos sem noticiar o Dia da
Árvore. Por vezes, a comemoração
incluía atitudes eivadas de ambigüidade, como se evidencia na crítica de um comentarista ao plantio,
nessa ocasião, de pés de café, grande produto de agroexportação do
Brasil naqueles anos2. Mesmo assim,
duas imagens são particularmente
constantes. Uma primeira associa
árvore e maternidade. Desde o berço ao esquife, os homens seriam
abrigados pelas árvores, alimentando-se de seus frutos, refrescando-se
em suas sombras. Generosa e abnegada, a árvore se sacrificaria pelo
homem, assim como nas idealizações, na época, da mãe exemplar.
Numa ideologia dominante da família como núcleo básico da organização social –e portanto numa
visão claramente biológica da sociedade– tal analogia consolidava
o cultivo de valores que interligavam sombra/alimento/proteção ao
HORTA DUARTE, R.; OSTOS, N. S. C.: ENTRE IPÊS E EUCALIPTOS
amor às árvores, à família, à sociedade e, especialmente, à Nação.
Como nota um historiador inglês,
Durkheim talvez se equivocou ao
sugerir que, ao adorar a Deus, os
homens na verdade adoravam a
sociedade: “ele estaria muito mais
perto da verdade se afirmasse isso
a respeito do culto às
árvores”. (Thomas,
1906: 266). Assim, se
as árvores foram monumentos das festas do
Centenário, também
foram investidas de associações à maternidade e à nação brasileira,
grande “mátria”.
socialistas, anarquistas e comunistas e a ocorrência de expressivas
greves. A visão biológica e corporativa do corpo social opunha-se a
tudo isso e propugnava uma convivência baseada na harmonia e
cooperação, tornando-se a árvore
um símbolo máximo desses valores.
As décadas de 30 e 40 assistiram à efetivação de um projeto
político autoritário e centralizador,
já esboçado no governo provisório
de Getúlio Vargas e estabelecido,
entre 1937 e 1945, no regime ditatorial instalado através de um golpe de estado. Foi um período de
profunda rejeição do
federalismo e da descentralização política
dos primeiros anos da
República, assim como da vitória de práticas corporativistas
de organização da sociedade, abrangendo
aspectos educacionais,
sindicais, partidários,
além de uma ampla
propaganda da atuação de Vargas, projetado como grande pai
à frente de uma nação
harmônica e constituída por um povo trabalhador e pacífico
(Gomes, 1982: 109164; Iglesias, 1995:
231-257).
Em segundo lugar,
a árvore era apresentada quase como um
totem, elo entre o homem e a natureza, mediado pela nação.
Entretanto, ao invés de
estabelecer diferenças
entre os homens, como
nos clãs totêmicos
(Levi-Strauss, 1980:
157), as árvores evocavam uma nação na
A Constituição
qual todos se reuniriam
outorgada de 1937 sisafetiva e cooperativatematizou uma conmente. No primeiro
cepção de patrimônio
quartel do século XX,
nacional, constituído
emergiram discursos
por bens móveis e imónacionalistas de proveis, cuja conservação
funda crítica aos
seria de interesse púmodelos liberais ortoblico por sua vincuCascada en verano del caño Canoas en el Meta. Colombia secreta,
doxos de organização
lação à história, pelo
Villegas Editores. Foto: Andrés Hurtado
social, associados à esvalor arqueológico,
poliação do Brasil pelas grandes po- Tal organicismo era também bas- etnográfico, bibliográfico ou artístências imperialistas. Além disso, tante coerente com a própria no- tico, assim como os monumentos
as elites temiam o acirramento dos ção de cidade-jardim adotada pela naturais, como sítios e paisagens
conflitos sociais desencadeados elite republicana, na qual se con- (Lei 25, 30/11/1937, cap. 1, artigo
pela industrialização e enfrenta- cebia o espaço urbano como um 1). Consolidava-se a imagem da
mentos entre patrões e trabalhado- conjunto de partes relacionadas e natureza como bem público a ser
res, pela ascensão dos movimentos interdependentes.
protegido pelo Estado. Esta ação
NO. 22. ABRIL 2005. UNIVERSIDAD CENTRAL – COLOMBIA
NÓMADAS
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governamental mostraria seus claros limites: a apropriação dos ideais preservacionistas ocorreu apenas
na medida em que os caminhos
políticos do governo de Getúlio
Vargas fossem legitimados. A fundação de parques nacionais, na época, não privilegiou ecossistemas de
grande biodiversidade, mas sim áreas próximas a grandes centros, proporcionando lazer às crescentes
massas urbanas –como o de Itatiaia
e Serra dos Órgãos– ou em áreas
geograficamente estratégicas, como
Iguaçu. A preservação do patrimônio natural era, indubitavelmente, importante nos projetos do
governo Vargas. Mas, além de seu
simbolismo cultural e político, a
natureza para além dos parques
apresentava-se principalmente
como fonte de riquezas exploráveis
para o desenvolvimento econômico, e os projetos industrializantes
emergiram como o comprometimento essencial do Estado Novo
(Garfield, 2004; Drummond, 1997:
141-208). Nesse contexto, aprofundaram-se as identificações árvore/família/sociedade/nação e as
comemorações do Dia da Árvore
tornaram-se verdadeiros exercícios
de práticas cívicas, por todo o país.
Em Belo Horizonte, os festejos
excederam os muros das escolas e
ganharam praças e ruas, mantendo
as tradicionais práticas de plantio
de mudas, execução de músicas
patrióticas e do hino nacional, recitais de poesias e odes às árvores.
Além das crianças, participam jovens de escolaridade maior, assim
como pessoas ligadas a órgãos públicos de fiscalização florestal e conservação. A festa deixou, pois, de
ter um caráter meramente infantil
e as comemorações do Dia da Árvore passaram a interessar também
78
NÓMADAS
aos adultos. Gradativamente, definiam-se novos rumos para os eventos ligados ao Dia da Árvore em
Belo Horizonte. A cidade crescera
bastante, com o surgimento de inúmeros novos bairros, pobres e periféricos, com grandes avanços
desordenados sobre áreas verdes.
Nas áreas centrais, a ocupação crescente determinava a construção de
novos prédios e conjuntos habita-
cionais, com conseqüente derrubada de muitas árvores. Nos arredores da capital, a destruição florestal
tornava-se cada vez mais grave,
pois o crescimento da siderurgia em
Minas Gerais desertificava as paisagens do Estado com uma rapidez
incrível. Durante as festas do 21 de
setembro, tais fatos eram lamentados de maneira ambígua: ao mesmo tempo em que se criticava a
Los cerros de Mavecure en el río Inírida, que viene de la profundidad de la selva y
HORTA DUARTE, R.; OSTOS, N. S. C.: ENTRE IPÊS E EUCALIPTOS
destruição do patrimônio público,
insistia-se na idéia da excelência da
siderurgia para o progresso da nação, mostrando a urgência de soluções para o problema da falta de
madeira para o carvão necessário
(EM, 23/09/1943; 21/09/1948; 22/
09/1948).
Tais mudanças se aprofundaram
ao longo dos anos 50 e 60. Belo
Horizonte viveu um surto industrial
e um aumento populacional expressivo. Novos bairros foram abertos,
novas ruas e avenidas foram instaladas, com a ação do “impiedoso machado municipal”, num momento
em que todo o país vivia uma euforia desenvolvimentista, com grande
entrada de capitais estrangeiros. A
popularização do automóvel tornouse um dos símbolos do progresso: em
1964, quando a população era de
cerca de 700 mil habitantes, a frota
em circulação alcançou a marca de
50 mil carros (Souza, 1964). Muitas
ruas e avenidas foram alargadas,
com o sacrifício de frondosas árvores existentes em suas margens. Um
poema publicado na imprensa local,
intitulado “Protesto”, clamava ao
prefeito: “ó decepador de árvores!
Diante de vós, minha alma deblatera
contra vossa loucura destruidora!”
(Lago, 1964).
Curiosamente, foi justamente
nessas décadas que as comemorações do Dia da Árvore se tornaram
mais destacadas, alcançando maior espaço na imprensa e envolvendo uma participação mais
heterogênea. Os eventos ligados à
data passam a ocorrer em vários espaços da cidade e abordavam uma
questão bem mais ampla do que a
arborização urbana. Assistiu-se à inserção definitiva da questão florestal na pauta das políticas públicas,
num contexto em que o avanço da
indústria siderúrgica em Minas fez
desse estado o maior consumidor de
lenha e madeira do Brasil, constituindo-se no território de maior potencial de minério de ferro, cuja
dinamização reclamava milhões de
metros cúbicos de carvão. Em
1962, foi criado o Instituto Estadual de Florestas, cuja ação tinha
como objetivo principal plantar,
anualmente, milhões de mudas, alimentando o parque siderúrgico de
Minas Gerais. Apontava-se o avanço do eucalipto como uma “marcha para a prosperidade” (EM, 21/
09/1957, EM, 22/09/1965).
desemboca en el Orinoco. Colombia secreta, Villegas Editores. Foto: Andrés Hurtado
NO. 22. ABRIL 2005. UNIVERSIDAD CENTRAL – COLOMBIA
Belo Horizonte passou a ser o
centro organizador do reflorestamento do território mineiro por
matas de eucalipto, com o predoNÓMADAS
79
mínio dos interesses do grande
As falas das professoras primá- noção nacionalista do patrimônio
capital das siderurgias e das empre- rias seriam substituídas por discur- público a ser protegido –como ocorsas de reflorestamento. Diversifi- sos de técnicos sobre a necessidade ria anteriormente– para sintonizarse
cam-se incrivelmente os locais e de alimentar de carvão o parque si- a uma agressiva defesa do desenvolinstituições envolvidas nos even- derúrgico de Minas através do re- vimentismo. O culto às árvores fatos: escolas, praças e ruas, sedes florestamento, garantindo ainda o zia-se paralelo à defesa da siderurgia
sociais do Rotary e
necessária ao progresLyons Clubes, Palácio
so. A árvore símbolo
do Governo, refinanão era mais nem o
dos clubes esportivos,
ipê, o cedro ou qualsedes de órgãos de poquer espécie nativa do
liciamento, prédios
Brasil –mesmo que as
de bancos estatais e
comemorações sempre
da reitoria da Uniincluíssem o plantio de
versidade de Minas
algumas dessas árvores
Gerais. Novos perem áreas mais nobres
sonagens fizeram-se
da cidade–, mas a
presentes, como augrande estrela era o
toridades da prefeieucalipto. Essa árvore
tura, membros de
passou a ser apontada
órgãos estatais de vigicomo a solução para o
lância florestal e de asproblema da devastasociações de crédito
ção das florestas,
para reflorestamento,
elogiada por seu cresalém dos diretores de
cimento impressionanempresas siderúrgicas
temente rápido, por
de capital estrangeirepresentar um invesro, presentes no estimento financeiro de
tado de Minas Gerais
retorno garantido e
e com sede admipor garantir suprimennistrativa em Belo
to energético para as
Horizonte,
como
siderúrgicas ávidas de
Mannesman e Belgomais e mais carvão
Mineira. Esta última
para funcionar a todo
empresa atuava deso vapor , além de forde os anos 20 em Minecer celulose para o
nas, e queimava, nos
papel e grafite para láanos 50, 450 m 3 de
pis (curiosamente, uma
Río Tuparro afluente del Orinoco. Colombia secreta, Villegas Editores.
madeira nativa por
das muitas comemoraFoto: Andrés Hurtado
ano para alimentar
ções do 21 de setemseus fornos, o que a
bro, incluiu, em 1962,
levou a instaurar reservas de ma- fornecimento de celulose. Tornou- a distribuição de lápis a todos os estas de eucalipto. (Dean, 2000: se comum a realização de palestras tudantes das escolas públicas de
270-271). O primeiro corte em de engenheiros agrônomos sobre Belo Horizonte) (EM, 21/09/1962).
suas reservas ocorreu na primave- temas como os benefícios do planra de 1954 e foi objeto de grandes tio do eucalipto, sua defesa amMesmo em plena e repressiva
festejos, com a presença de Jusce- biental, arborização urbana, carvão ditadura militar, instalada após o
lino Kubitschek, então governador e siderurgia. A ênfase de todas es- golpe de 1964 com o apoio decisido Estado de Minas Gerais 3.
sas práticas deixou de recair na vo das elites do estado de Minas
80
NÓMADAS
HORTA DUARTE, R.; OSTOS, N. S. C.: ENTRE IPÊS E EUCALIPTOS
Gerais, algumas vozes dissonantes
apontavam as responsabilidades da
prefeitura na destruição das árvores urbanas em nome do progresso.
A prefeitura, obviamente, apresentava-se de maneira contrária, sempre noticiando a arborização das
ruas e organizando efusivas festividades no Dia da Árvore que, a partir de 1965, foram estendidas, com
a criação, em torno do dia 21, da
Semana Florestal. Em propagandas
de jornais e cartazes, a prefeitura
convidava os belo-horizontinos
para uma intensa programação de
desfiles, plantio de mudas, premiação de alunos ganhadores de concursos de redação sobre as árvores
e palestras diversas, afirmando-lhes:
“vê, estão voltando as flores, sua
cidade é jardim outra vez” (EM, 19/
09/1965).
Outras falas minoritárias associavam o avanço da siderurgia à
destruição das matas nativas (EM,
23/09/1966; 21/09/1969). Segundo
matéria do jornal Estado de Minas,
o principal veículo de imprensa de
Minas Gerais, a destruição seguira
o seguinte ritmo: em 1911, Minas
possuiria 47,8% de seu território de
florestas; área que teria sido reduzida a 28,6% em 1950; 7% em
1960 e, alarmantemente, 2% em
1965 (EM, 21/09/1969: 5). Uma
estimativa apontava uma diminuição das florestas nativas em Minas,
entre 1950 e 1964, de 91 mil km2
para 35 mil km2 de floresta nativa
(Dean, 2000: 291). Os dados evidenciavam, implicitamente, o aumento da devastação justamente
nos anos de incremento da siderurgia no estado.
Tais críticas, entretanto, eram
raras e tanto a destruição das matas como a questão ecológica não
apareciam na pauta das lutas predominantes da esquerda naqueles
anos. Em primeiro lugar, aqueles
eram anos duros na história da sociedade brasileira, marcados pela
ditadura militar, pela censura, pela
violência e cerceamento dos direitos políticos. A questão ecológica
aparecia nos meios intelectuais e
acadêmicos como um tema de exclusivo interesse do chamado
Primeiro Mundo, como se esses problemas só fizessem parte de um patamar superior de preocupações.
Apesar da emergência dos movimentos ecológicos internacionais, a
relação com a natureza foi muitas
vezes considerada como uma temática secundária frente à miséria, ao
analfabetismo, ao desemprego, à
falta de moradia e, principalmente, diante da ausência de democracia no Brasil (Zhouri, 1992: 65;
Barbieri, 1997: 24).
Por outro lado, o apelo desenvolvimentista também consistia
num argumento extremamente sedutor e quase inconteste naqueles
anos, mesmo para os setores de esquerda, emergindo como uma fórmula mágica e comum aos discursos
de tendências políticas as mais
diversas. O desenvolvimentismo –
inegavelmente um discurso historicamente produzido nas condições
históricas do pós-guerra– tornou-se
uma representação hegemônica,
desqualificando os que dela ousavam divergir e dificultando que
quaisquer práticas em outros parâmetros pudessem parecer plausíveis
e razoáveis aos contemporâneos
(Escobar, 1995: 3-21).
Paradoxalmente, as siderúrgicas
foram muitas vezes apresentadas
como grandes defensoras ambientais e principais agentes de preser-
NO. 22. ABRIL 2005. UNIVERSIDAD CENTRAL – COLOMBIA
vação, já que precursoras de ações
de reflorestamento. A Belgo-Mineira, por exemplo, plantou trinta milhões de árvores na década de 1950
para garantir fornecimento de carvão. Previa a meta de quatro mil
hectares de eucaliptos por anos até
que se alcançasse a marca de trezentos milhões dessas árvores, garantindo a produção de quinhentas
mil toneladas anuais de aço (EM,
21/09/1958; 20/09/1959). Muitos
defendiam que as maiores devastações tinham sido realizadas desde
épocas remotas, por agricultores e
criadores de gado que lançavam
mão do machado e do fogo indiscriminadamente, em um contexto em que não se dava nenhum
valor às riquezas florestais 4. Mas
agora, uma vez transformadas em
indústria altamente lucrativa, essas
passariam a ser preservadas e o que
fosse derrubado seria imediatamente substituído por novas mudas
(EM, 23/09/1958). Tudo isso era
real, mas o que permanecia oculto
nesses discursos elogiosos era o fato
de que o replantio fazia-se exclusivamente com espécies de eucalipto
e que muitas florestas nativas –com
a heterogeneidade vegetal e faunística características das matas tropicais– continuavam virando carvão
e cedendo terreno a grandes e monótonas extensões homogêneas de
plantações de eucaliptos.
2. Racionalização do
campo, humanização
da cidade
Durante toda a década de 70, a
obsessão em reflorestar o território
de Minas Gerais continuou sendo
orquestrada a partir da cidade de
Belo Horizonte e as comemorações
do Dia da Árvore e da Semana FloNÓMADAS
81
restal davam destaque aos empreendimentos em curso. Especialmente nesses dias, as siderúrgicas
anunciavam suas ações e faziam
publicar fotos e cartazes de grandes
áreas verdes sob sua responsabilidade (EM, 21/09/1971: 15). Criouse uma Associação Mineira de
Empresas Florestais e iniciou-se um
grande mercado de ações desse tipo
de empresas, pois o governo decretou isenção de impostos aos capitais investidos em reflorestamento.
Páginas inteiras dos jornais dedicavam, no Dia da Árvore, imensas reportagens assinadas por agrônomos
e técnicos em defesa do eucalipto,
repletos de dados científicos, exemplos do seu plantio em países civilizados como o Japão e EUA, assim
como a afirmação contundente dessa planta como uma opção perfeita
para a preservação da natureza em
Minas (EM, 21/09/1971, 2 seção:
5; EM, 19/09/1976: 15).
A cada ano, uma grande festa
organizava a distribuição de medalhas no Prêmio de Mérito Florestal
e os agraciados eram sempre presidentes de empresas siderúrgicas e
de reflorestamento, além de autoridades de órgãos públicos (EM, 21/
09/1972: 4). Novas empresas aguardavam o 21 de setembro para lançar-se no mercado, prometendo
milhões de novas árvores nas paisagens rurais mineiras. Além do
carvão necessário para a siderurgia,
a urgência de produção de celulose ganhou destaque, com a idealização da implantação de novas
indústrias por todo o Estado. Inúmeras áreas de Minas Gerais tiveram suas paisagens mudadas, com
terras recobertas por mais e mais extensões de eucaliptos (EM, 22/09/
1976: 10). Previsões otimistas para
o desenvolvimento passaram a
82
NÓMADAS
abranger, além do setor siderúrgico, o setor de papel, com previsões
da produção de milhões de toneladas de celulose (EM, 23/ 09/1976:
13). É importante observar que tais
anúncios integravam as comemorações do Dia da Árvore na cidade
de Belo Horizonte, ganhavam destaque nos eventos e serviam de motivo de premiações e projeções
otimistas de um desenvolvimento
a ser cumprido.
O sucesso das idéias desenvolvimentistas trazia uma idéia de
que as áreas pobres seriam “salvas” por ações e iniciativas que
levariam o progresso a todos: o
Vale do Jequitinhonha, uma das
áreas mais miseráveis de Minas,
foi alvo de empresas de reflorestamento, com discursos efusivos
de criação de empregos e melhoria das condições locais. O subdesenvolvimento seria combatido
Los ríos “negros” nacen en el interior de la selva; el río Wicoco arrastra
HORTA DUARTE, R.; OSTOS, N. S. C.: ENTRE IPÊS E EUCALIPTOS
e, no avanço de práticas agrícolas racionais, o campo alcançaria
o desenvolvimento, as populações
seriam arrancadas de suas práticas ignorantes e destrutivas da
natureza , o Brasil seria servido,
pois exportaria aço e papel, o subdesenvolvimento seria superado.
A ideologia desenvolvimentista
apoiava-se num otimismo, apresentado como um sonho: “todo o
campo haverá de se transformar
em cidade” (Williams, 1989:
380). A consideração desses pressupostos possibilita-nos a compreensão de certas práticas comuns
nas comemorações do Dia da Árvore na “cidade jardim” , como
os desfiles de tratores e máquinas
agrícolas modernas compradas
pelo Estado e doadas a empresas
de reflorestamento, palestras sobre temas como carvão e siderurgia em Minas.
aguas negras-rojas. Colombia secreta, Villegas Editores. Foto: Andrés Hurtado
NO. 22. ABRIL 2005. UNIVERSIDAD CENTRAL – COLOMBIA
Simultaneamente às ações que
visavam transformar e modernizar
as áreas rurais, a cidade retomou o
ideal da cidade jardim e as autoridades públicas iniciaram uma política expressiva de plantio nas ruas
da cidade, de campanhas de conscientização da população e combate ao vandalismo contra as
árvores, com o cuidado de praças e
parques e inauguração de novas
áreas verdes no perímetro urbano.
A prefeitura lançou, em 1971, a
Campanha Educativa de Proteção
às Árvores. A cada ano, vários caminhões percorriam as ruas da cidade e distribuíam, gratuitamente,
mudas das mais variadas espécies
nativas a todos que desejassem
plantá-las em seus quintais ou nas
portas de suas casas, declarando
que “a invasão verde vai começar”.
A prefeitura iniciou o plano de aumentar a área verde de 4 para 16
metros quadrados por habitante,
planejando a criação de “pulmões
verdes” em pontos estratégicos da
cidade. Organizava, ainda, exposição de flores, de mudas de plantas
nativas próprias à arborização urbana e ornamento de jardins, etc. As
ruas da cidade não receberam
eucaliptos –como ocorria nas áreas
rurais–, mas sim ipês, pau-brasil,
tipuanas, quaresmeiras, sibipurunas,
oitis e muitas outras. Na cidade
sonhada haveria “gramados e flores por toda parte”, e o verde repousaria os olhos, limparia o ar e
refrescaria os dias quentes de verão:
“seremos mais alegre, felizes e saudáveis e nossa Belo Horizonte será
a cidade mais bonita do Brasil” (EM,
19/09/1971: 21; EM, 21/09/1971:
4; EM, 23/09/1973: 5; EM, 20/09/
1974: 7; EM, 25/09/1971: 7; EM,
21/09/1978: 9). É claro que esses
discursos tinham certos limites e a
Câmara Municipal explicitava que
NÓMADAS
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não se tratava de interferir na derrubada de árvores em prol da expansão imobiliária da cidade (EM,
19/09/1979: 5).
Entretanto, aqueles foram anos
de outras histórias, como a da criação de importantes reservas biológicas dentro da cidade com grande
participação da sociedade civil, do
protesto de conservacionistas e cientistas contra depredações nos
parques urbanos da região metropolitana, que ousavam denunciar:
“tudo não passa de engano. A população de Belo Horizonte está sendo enganada” (EM, 23/09/1979:
15). Os anos 80 trariam o início da
democratização da sociedade brasileira após décadas de muitas lutas, com a ascensão dos movimentos
sociais de operários, negros, índi-
os, mulheres e ecologistas. Outras
visões da natureza e novos sentidos
para as relações entre o homem e o
ambiente natural passaram a ser
construídos. O que antes parecia
um sonho desenvolvimentista desmoronou frente às evidências da
exploração e opressão geradas nessas práticas (Escobar, 1995: 4).
Ao longo de tantas décadas, as
comemorações do Dia da Árvore
em Belo Horizonte evidenciam
como as árvores foram revestidas de
significados diversos, urdidos em
uma série de transformações históricas e na efetivação de determinados projetos de sociedade. Elas
foram integradas às promessas de
uma cidade higiênica e planejada racionalmente, encarnaram o símbolo de uma nação harmônica e
baseada na cooperação de todos os
brasileiros, foram apropriadas tanto
pelas expectativas desenvolvimentistas quanto pelas tentativas de controlar os males da urbanização
desordenada. Torna-se possível
perceber como, para além dos estereótipos que cercam o campo e a
cidade, essas categorias “são realidades históricas em transformação tanto em si próprias quanto em suas
inter-relações” (Williams, 1989:
387). A história das relações da cidade de Belo Horizonte com sua vegetação e com as paisagens rurais em
seus arredores mostra-nos como, para
além da persistência de algumas falas aparentemente iguais, há uma
grande historicidade na forma como
os homens plantaram e derrubaram
suas árvores, colheram seus frutos ou
refrescaram-se às suas sombras.
Sierra de la Macarena, caño Cristales. Colombia secreta, Villegas Editores. Foto: Andrés Hurtado
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NÓMADAS
HORTA DUARTE, R.; OSTOS, N. S. C.: ENTRE IPÊS E EUCALIPTOS
Citas
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O Ipê amarelo –Tabebuia ochracea
(Cham) Standl.– árvore símbolo da
nacionalidade brasileira, é característica
do cerrado, estendendo-se pelo Mato
Grosso do Sul, Minas Gerais, São Paulo
e Paraná. Atinge 15 metros de altura e
floresce em grandes cachos amarelo-ouro
entre julho e setembro, quando os galhos
ficam completamente despidos de folhas.
O cedro brasileiro, Cedrela fissilis Vell.,
atinge até 35 metros, e ocorre do Rio
Grande do Sul até Minas Gerais, principalmente nas florestas semidecídua e
pluvial atlântica. (Branco, 2000: 15;
Lorenzi, 2002: 68, 257).
Este comentarista, citado por Warren
Dean, era Aristides Milton, participante
do Congresso das Municipalidades
Mineiras, realizado em Belo Horizonte,
em 1923. (Dean, 2000: 257, 424).
Juscelino Kubitschek de Oliveira foi presidente do Brasil entre 1956 e 1961.
Lançou um ambicioso Programa de Metas - simbolizado pelo slogan “50 anos
em 5”, que procurava modernizar
amplamente o país, baseado no binômio
“energia e transporte”. Forjou a expressão
“nacional-desenvolvimentismo” para
designar sua política econômica, combinando a ação do Estado com a empresa
privada nacional e o capital estrangeiro.
Pesquisas recentes realmente mostram
que a destruição das matas em todo o
Brasil, especialmente no período colonial, deveu-se à impossibilidade de retornos econômicos em sua exploração, dadas as restrições colocadas pela Coroa
Portuguesa, que monopolizava a exploração madeireira. Para os colonos, tal contexto “fez da aniquilação das madeiras
uma escolha mais racional do que sua
conservação ou mesmo que sua extração”
(Miller, 2000: 224).
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DM.
Estado de Minas, Belo Horizonte, setembro
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como EM.
NÓMADAS
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