São Paulo, 16/11/2007
INOVAÇÃO E TECNOLOGIA
Felipe Lessa
Falta estratégia para desenvolvimento
tecnológico militar, diz pesquisador
Modelo industrial concentrado em empresas grandes seria a melhor
saída para a evolução do setor
A indústria da guerra é um grande paradoxo. Se por um lado tem sido responsável
pela morte de milhões de pessoas, por outro é responsável por grandes avanços
tecnológicos decorrentes dos vultuosos investimentos no setor. Na opinião de
Expedito Bastos, pesquisador da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF) e
especialista em tecnologia militar, o aporte de recursos na área é fundamental para
um país com dimensões continentais como o Brasil, sobretudo com as recorrentes
instabilidades nos países vizinhos, como a Colômbia e, mais recentemente, a
Bolívia. Leia a entrevista que Expedito concedeu ao Projeto Brasil:
O Brasil teve na década de 80 o auge de sua indústria da defesa, mas em
meados dos anos 90, ela entrou em decadência. Como o senhor avalia esse
processo? Quais os motivos para essa “derrocada”?
Expedito Bastos - A Guerra Fria é um fator primordial, pois com a queda do muro
de Berlim ocorre um desaquecimento na indústria bélica. Aqui no Brasil faltou
também uma estratégia em longo prazo para o país, que pensasse na nação
brasileira enquanto potência na América Latina, por exemplo. Com essa falta de
visão, não conseguimos enxergar a importância de manter uma indústria bélica
pujante no Brasil, o que acabou gerando uma decadência nesta área no país. A
importância de se ter uma industria nacional forte é para proteger as fronteiras
brasileiras. Precisamos ter uma resposta rápida a diferentes situações conflituosas,
até pela posição de potência regional que o Brasil possui e pelos conflitos que nos
cercam.
Ainda como frutos dos anos 80, foram desenvolvidos projetos importantes
tecnologicamente, como é o caso do Ogum [jipe utilizado em missões com
terrenos geograficamente variados]. O senhor acredita que ainda possam
ser desenvolvidos projetos como este pelas Forças Armadas?
Expedito Bastos - Eles não serão desenvolvidos pelas Forças Armadas porque não
temos uma empresa dentro da instituição que faça isso. Não é mais função deles
fazer isso. Temos que estimular novas empresas do setor privado a atuar – tanto
em termos de inovação com projetos originais quanto na reforma dos protótipos já
desenvolvidos.
O que poderia incentivar empresas do setor privado a atuar na área
militar?
Expedito Bastos - Garantias de compras mínimas pelo governo, que são
fundamentais para o desenvolvimento do setor para planejar investimentos. É algo
parecido com o modelo norte-americano, em que o setor privado é responsável
pelo desenvolvimento do produto e o governo os compra de acordo com os
interesses do estado.
No Brasil não existem empresas de grande porte que atuem no segmento
bélico. Na sua opinião qual seria o modelo mais adequado para o setor, um
que seja baseado em empresas menores, ou que seja fundamentado em
grandes companhias?
Expedito Bastos - Acredito que seja necessária a presença de grandes empresas,
por isso defendo que haja uma fusão das pequenas companhias que atuem num
mesmo ramo. Não há meio de empresas menores produzirem em grandes
quantidades determinados produtos, por exemplo. Então seria fundamental
readequar o parque industrial para atender as demandas.
Em último caso pode-se abrir uma ou outra estatal para atender um caso. Por
exemplo, em uma situação em que se deseja produzir um determinado tipo de
avião e a Embraer não tem interesse comercial em produzi-lo. Aí poderiam ser
utilizados os parques da Aeronáutica e fabricá-los lá a custos razoavelmente baixos.
Então, na medida em que há demanda para determinado produto, essa fábrica é
acionada. Esta poderia ser uma boa saída no caso da falta de interesse de
empresas do setor privado.
Outra via poderia ser o próprio exército com seu corpo de engenheiros ajudar a
desenvolver determinado produto em conjunto com a iniciativa privada. A
universidade também é uma grande parceira nesta empreitada, como ocorre,
principalmente, nos países desenvolvidos.
Qual o papel desempenhado pela universidade no setor bélico?
Expedito Bastos - Acredito que a universidade tem o papel de realizar a pesquisa,
que é bastante importante neste setor. Além deste primeiro passo, nossos centros
acadêmicos têm condições de compreender o que está sendo usado no mundo e os
rumos que os conflitos atuais estão tomando e esse aprendizado alheio pode servir
de base para a geração dos nossos conhecimentos.
Por exemplo, a maioria dos conflitos está acontecendo no mundo estão em áreas
urbanas. A experiência que o Brasil está tendo no Haiti não poderá ser utilizada
para o caso brasileiro. Porém, não podemos dizer o mesmo de outras guerras. É
neste ponto que a universidade também pode atuar, em traduzir o que acontece lá
fora para a realidade brasileira de modo que seja útil, do ponto de vista estratégico,
para as Forças Armadas brasileiras.
Falta uma estratégia definida para as Forças Armadas?
Expedito Bastos - Sim. É importante pensar dentro das Forças Armadas uma
definição sobre as ações que são tomadas, ou seja, o porque, para que, e de que
forma vamos empregar nossas forças. Com a definição de metas e estratégias,
podemos atingir um grau tecnológico, pois os esforços serão concentrados. Além
disso, existem alguns gargalos tecnológicos que precisam ser superados pelo Brasil,
como a falta de incentivos à tecnologia de ponta para a área – isto nós não temos.
Infelizmente não temos a capacidade de desenvolver um caça, por exemplo. Aí
precisaríamos recorrer a empresas estrangeiras, que irão nos ceder o produto.
A importação de tecnologia não seria ruim para o desenvolvimento da
indústria bélica nacional?
Expedito Bastos - Não sou contra a importação de tecnologia, mas não do modo
como ela é feita hoje em dia, em que só se colocam algumas cláusulas de offset
[regra que exige que a tecnologia seja transferida do país produtor para o
comprador do produto], que no final das contas não adiantam em nada. Pois, para
que a tecnologia seja absorvida pelo país é necessário possuir um grau de
tecnologia parecido com a do país exportador. Caso contrário, não será possível
produzir o produto com a tecnologia agregada, já que ele será incompatível com o
resto da cadeia produtiva. Então, para que estes contratos funcionem é preciso se
adequar a realidade, investindo em tecnologias brasileiras.
Como isso poderia ser feito?
Expedito Bastos - Fazendo mais negócios com empresas brasileiras, produzindo e
utilizando a tecnologia por aqui mesmo. Por exemplo, em vez de continuar
comprando Land Rovers ingleses, poderiam ser compradas as Forças Armadas, pelo
menos uma parte das licitações, de empresas com capital nacional, que possuem
condições de nos fornecer um produto de qualidade semelhante.
Quais são as principais falhas da indústria bélica brasileira?
Expedito Bastos - Não investir na reforma e modernização de produtos que foram
concebidos nos anos 80 e 90, por exemplo. Seria muito mais barato, na grande
maioria dos casos, fazer isso ao invés de importar ou desenvolver algo totalmente
novo, do que começar do zero. É mais simples adaptá-los para a nossa realidade,
mesmo que tenhamos que importar algum tipo de tecnologia para complementá-lo
de outros países, da Rússia, África do Sul, que possuem um grau tecnológico
superior ao do Brasil, de modo que esse conhecimento possa ser incorporado pelo
Brasil diretamente pelo setor produtivo, ou seja, na prática. O que não se pode
fazer é comprar algo de última geração de uma nação desenvolvida, sendo que ela
não irá nos passar nada em termos de tecnologia e sobre o processo produtivo,
seria somente um comércio sem maiores frutos para o país.
O governo federal está planejando um novo Plano de Defesa. O senhor
acredita que poderá haver mais espaço para a tecnologia militar nesta
área?
Expedito Bastos - Não sei se vai haver um incentivo maior para a produção de
tecnologia. Infelizmente não podemos confiar no que o governo diz, estamos numa
época em que tem se dito muito e feito pouco. Ele fala mais do que faz. É um
momento de pirotecnia. O Ministério da Defesa é algo que ainda não foi
implementado 100%. Fora do papel ele ainda não tem poder de decisão nenhuma.
Resta saber se o ministro irá conseguir implementar o que está sendo posto. Se
esse ministério tiver forças suficientes para gerir as compras para o Exército,
Aeronáutica e Marinha, o que é algo realmente complicado, já é um avanço.
Quais são as falhas na execução das compras governamentais?
Expedito Bastos - É preciso que se faça uma padronização para as compras das três
forças: Aeronáutica, Exército e Marinha. Com isso muitas coisas poderiam
melhorar, sobretudo em relação ao emprego dos recursos que seriam mais bem
gastos. Hoje não é possível ter um fuzil com o mesmo calibre para as três forças.
Cada um quer comprar de um jeito. Isso em um caso simples, imagine só em
compras mais complexas.
Outra questão é o modo como as licitações são feitas no Brasil. Elas são realizadas
por meio do menor preço e não do melhor serviço. Com isso, muitas empresas que
estão vencendo as licitações não têm tradição nem capacidade para atender a
demanda. Isto não foi quebrado até agora. Com a otimização das compras públicas,
as empresas privadas poderiam ser incentivas a produzir e, claro, a investir mais
no setor, funcionando até como um motor para a criação de novas tecnologias.
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