19 de abril de 2007
Denize Bacoccina
De Brasília
Forças Armadas vivem crise de identidade,
diz especialista.
As Forças Armadas brasileiras vivem hoje uma
crise de identidade e são lideradas por um governo
que atua com revanchismo e ainda não esqueceu o
período do governo militar, na opinião do
pesquisador de Assuntos Militares da Universidade
Federal de Juiz de Fora, Expedito Carlos Stephani
Bastos, editor de um site especializado em defesa
http://www.defesa.ufjf.br/
e um dos maiores
estudiosos do tema no país.
Mas ele não acredita que o desdobramento será “tão grave como foi em 64”, quando um
golpe resultou num governo militar que só acabou em 1985. “A situação hoje é
totalmente diferente”, afirmou em entrevista à BBC Brasil.
A principal diferença, na avaliação dele, é que embora as ações dos controladores de
vôo tenham afetado um grande número de pessoas, hoje não existe clima político nem
apoio internacional para um golpe militar, como aconteceu em 1964, quando o mundo
vivia sob a influência da guerra fria.
O que preocupa, na avaliação dele, é uma reação justamente a partir do enfraquecimento
das Forças Armadas. “O risco é eles se enfraquecerem ainda mais, racharem e
começarem a aceitar papéis que não lhes cabem”, diz.
Um exemplo, afirma, é o patrulhamento policial no Rio de Janeiro, que ele define como
“pirotecnia”. Ele considera correta a relutância do Exército em fazer papel de polícia,
mas diz é exatamente isso o que os militares brasileiros estão fazendo no Haiti. “O que
estamos fazendo no Haiti? Estamos fazendo papel de polícia, combatendo gangues
similares às que temos aqui”, compara.
A crise de identidade dos militares, na avaliação do pesquisador, vem da falta de um
inimigo claro, para uma Força que foi criada no modelo da guerra fria.
“O dia em que a ideologia acabou, eles ficaram sem inimigo. Hoje estão querendo
arranjar inimigo para eles, que podem ser os movimentos sociais, ou este problema no
Rio de Janeiro”, afirmou Bastos.
“Existe um risco de radicalização de ações como estas do Movimento dos Sem-Terra, e
não se sabe qual pode ser a reação a elas”, afirma.
Redefinição de papéis
A redefinição do papel das Forças Armadas no novo cenário internacional, diz ele, é o
primeiro passo para separar as atividades civis daquelas que devem ser exclusivamente
militares.
Ele acha que o golpe de 64 e a ditadura que se seguiu ainda estão presentes no governo
brasileiro, no momento exercido pelas forças que eram oposição naquela época. “Ainda
há um resquício dos dois lados, tanto dos que ganharam quando os que perderam.
Temos que perder este ranço de revanchismo”, afirma o pesquisador.
A falta de poder do Ministério da Defesa, que ele considera “um calo nas Forças
Armadas” é um sinal de que o governo não se dispôs a encarar a situação de frente, na
avaliação do pesquisador.
“Nenhum ministro até hoje conseguiu dar ao Ministerio a dimensão que ele deveria ter”,
diz. “É preciso ter um ministro que entenda do assunto e possa realmente comandar
todas as Forças militares.”
Ele critica a solução dada à crise dos controladores aéreos, que tiveram suas
reivindicações atendidas como numa negociação sindical. “Militar não pode fazer
motim”, afirma.
Existe também nas Forças Armadas, diz Bastos, um descontentamento salarial e entre
os comandantes de menor ranking uma insatisfação com a falta de perspectiva de
chegarem ao oficialato.
Armamento na América do Sul
Bastos alerta que o governo brasileiro deveria estar mais atento às compras de armas
anunciadas por vários países vizinhos.
“Não diria que já tem uma corrida armamentista na região, mas se deixarem para os
próximos anos, em dez anos estamos perdendo pelo menos para três países: Colômbia,
Chile e Venezuela”, avalia.
Ele diz que o governo deveria se preocupar especialmente com a Venezuela, que além
de caças russos está comprando 100 mil fuzis Kalashnikov para distribuir aos civis.
“Ele pode armas pessoas aqui no Brasil. Ele pode armar garimpeiros, ele pode armar
índio, ele pode armar movimento social. Ele pode trazer para bandidos, tipo Marcola.
Eu acho que existe este risco. Isso é preocupante”, afirma.
“Está faltando a nossa visão estratégica de longo prazo. Não temos uma política de
Estado, temos uma política de governo que é renovada de quatro em quatro anos. Não
temos um projeto de país a longo prazo”, critica.
O Brasil deveria, na avaliação dele, se portar como líder que pretende ser. “Nós somos
vistos como potência, mas não nos comportamos como tal”, afirma. “Para isso, é
preciso uma tríade de poder político, militar e econômico. No momento não estamos
exercendo nenhum dos três”, avalia.
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Forças Armadas vivem crise de identidade, diz