CTI - RENATO ARCHER CNRTA - CENTRO NACIONAL DE REFERÊNCIA EM TECNOLOGIA ASSISTIVA (Organizador) I SIMPÓSIO INTERNACIONAL DE TECNOLOGIA ASSISTIVA O “I Simpósio Internacional de Tecnologia Assistiva - SITA” foi realizado em Campinas-SP, entre 03 e 05 de Junho de 2014, pelo Centro Nacional de Referência em Tecnologia Assistiva (CNRTA) e o Centro de Tecnologia da Informação Renato Archer, com financiamento/apoio do CNPq. Campinas – SP CTI Renato Archer 2014 Expediente Publicação do I SITA – Simpósio Internacional de Tecnologia Assistiva. Coordenação do Projeto: CNRTA-CTI Renato Archer Presidente da República Dilma Rousseff Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI) Aldo Rebelo Secretaria de Ciência e Tecnologia para Inclusão Social (Secis) Eronildo Braga Bezerra Centro Nacional de Referência em Tecnologia Assistiva CNRTA - CTI Renato Archer Diretor Victor Pellegrini Mammana Comissão Organizadora do I SITA Andressa Ipólito Fonseca Deise Aparecida de Araújo Fernandes Fabiana Fator Gouvêa Bonilha Fabíola Calixto Matsumoto Francisco Exner Neto Irma Rossetto Passoni Janaína Lemos Rocha Maria Aparecida Ramires Zulian Sara Agueda Fuenzalida Squella Vanessa Maria de Vargas Ferreira Victor Pellegrini Mammana Edição e Revisão Final Edison Luís dos Santos Ficha Catalográfica Edison Luís dos Santos Design e Editoração Villea Marketing Autores dos Artigos Ana Irene Alves de Oliveira Anahi Guedes de Mello Caciana da Rocha Pinho Carlos R. M. de Oliveira Claudia Regina Lovato Franco Danielle Alves Zaparoli Fabiana Bonilha Gisleine Martin Philot Izaque Alves Maia Jerusa Barbosa Guarda de Souza Jesus Carlos Delgado Garcia Jorge Vicente Lopes da Silva Julia Pierre Figueiredo Larissa Gomes Lunardon Marcos B. C. Pimentel Marcos F. Espindola Maria Aparecida Ramires Zulian Maria Iracy Tupinambá Duarte Martinha Clarete Dutra dos Santos Nilton Luiz Menegon Rita Bersch Sebastião Eleutério Filho Talita Naiara Rossi da Silva Ficha Catalográfica I47e CENTRO DE TECNOLOGIA E INFORMAÇÃO - CTI RENATO ARCHER I Simpósio Internacional de Tecnologia Assistiva.- / [Centro Nacional de Referência em Tecnologia Assistiva-CTI Renato Archer]. – Campinas-SP: CNRTA-CTI, 2014.— 90 p. : il. 18 X 26 cm ISBN 978-85-64537-16-3 1. Tecnologia Assistiva 2. Pessoas com deficiência 3. Simpósio internacional – Brasil I. Título II. CTI Renato Archer III. Centro Nacional de Referência em Tecnologia Assistiva (CNRTA) CDD 341.27 Copyright © CNRTA-CTI Renato Archer, 2014 Permitida reprodução total ou parcial com menção expressa da fonte. Rodovia D. Pedro I, km 143,6 | CEP 13069-901 | Campinas - SP Tel./fax (19) 37466291 | e-mail: [email protected] | http://www.cti.gov.br/cnrta Sumário Prefácio...................................................................................................................................................................01 Centro Nacional de Referência em Tecnologia Assistiva............................................................................03 Apresentação do I SITA.......................................................................................................................................05 1. O direito das pessoas com deficiência à educação inclusiva e o uso pedagógico dos recursos de tecnologia assistiva na promoção da acessibilidade na escola Martinha Clarete Dutra dos Santos.................................................................................................................13 2. Sistemas de adequação postural personalizado versus personalizáveis para crianças com deficiências neuromotoras Ana Irene Alves de Oliveira, Maria Iracy Tupinambá Duarte, Gisleine Martin Philot, Caciana da Rocha Pinho, Danielle Alves Zaparoli.............................................................................................................18 3. Desenvolvimento de dispositivos de tecnologia assistiva utilizando impressão 3D Jorge Vicente Lopes da Silva, Izaque Alves Maia..........................................................................................33 4. A certificação compulsória de cadeiras de rodas Marcos B. C. Pimentel, Marcos F. Espindola, Carlos R. M. de Oliveira, Sebastião Eleutério Filho.......41 5. Tecnologia assistiva ou tecnologia de reabilitação? Rita Bersch.............................................................................................................................................................45 6. Acessibilidade nos transportes: apresentação de um estudo realizado no transporte aéreo brasileiro Talita Naiara Rossi da Silva, Nilton Luiz Menegon, Larissa Gomes Lunardon, Jerusa Barbosa Guarda de Souza, Julia Pierre Figueiredo.......................................................................................................51 7. Tecnologia Assistiva e as ações concretas do Ministério Público do Trabalho Claudia Regina Lovato Franco..........................................................................................................................57 8. O implante coclear como tecnologia assistiva: o que é que eu consigo escutar? Anahi Guedes de Mello.......................................................................................................................................61 9. Deficiência e Tecnologia Assistiva: Conceitos e Implicações para as Políticas Públicas Jesus Carlos Delgado Garcia.............................................................................................................................69 Comissão organizadora do livro do I Simpósio Internacional de Tecnologia Assistiva do CNRTA.....................................................................86 Prefácio Fabiana Fator Gouvêa Bonilha Centro de Tecnologia da Informação Renato Archer A Tecnologia Assistiva, como área do conhecimento interdisciplinar, permeia o trabalho do Centro de Tecnologia da Informação, CTI Renato Archer, em seus mais de 30 anos de existência. Uma vez que o CTI tem seus projetos estruturantes alicerçados nas principais políticas públicas vigentes, sempre se priorizou, nas pesquisas por ele desenvolvidas, aspectos ligados à inclusão e ao desenvolvimento social. Assim sendo, o CTI tem tido uma expressiva atuação em projetos nesta área, notadamente desde a década de 1990. Com a vinculação do Centro Nacional de Referência em Tecnologia Assistiva (CNRTA) ao CTI, por meio da Portaria MCTI 139, de 23 de fevereiro de 2012, a Tecnologia Assistiva passou efetivamente a fazer parte da missão deste centro, o que possibilitou o fortalecimento e a articulação dos projetos a ela relacionados. Neste contexto, a realização do I SITA nas dependências do CTI Renato Archer representou um importante marco histórico na consolidação do CTI/CNRTA como uma referência nacional e internacionalmente reconhecida neste campo de atuação. A publicação aqui apresentada constitui um resultado deste evento, e reúne artigos científicos sobre os mais recentes avanços do conhecimento na área. Sabe-se que os recursos de Tecnologia Assistiva se fazem presentes nas diferentes esferas da vida de uma pessoa com deficiência ou com mobilidade reduzida. A amplitude desta área de conhecimento se deve à larga extensão das funcionalidades contempladas pelas ferramentas disponíveis e aos significativos impactos gerados por elas no cotidiano de seus usuários. Os artigos que compõe este livro refletem a abrangência deste tema, à medida que, em conjunto, os textos o abordam em seus diversos recortes e perspectivas. Em um dos trabalhos, encontram-se importantes reflexões conceituais sobre Tecnologia Assistiva, que a distinguem de outras áreas correlatas e que possibilitam um delineamento de suas aplicações. Em outros artigos, demonstra-se o quanto estes recursos tecnológicos contribuem para a inclusão e para a participação social de pessoas com deficiência e com mobilidade reduzida, sobretudo no que se refere à inserção de alunos com estas características no sistema regular de ensino e à atuação profissional desta população no mercado de trabalho. Nota-se também a ênfase dada a políticas públicas cujos parâmetros abrangem a relevância social da pesquisa e da inovação em Tecnologia Assistiva, e, neste sentido, são discutidas as práticas referentes à dispensação e prescrição de produtos, bem como as normas que os certificam. A discussão destes temas se faz necessária no intuito de se assegurar que os usuários finais tenham disponíveis produtos e serviços que correspondam às suas reais demandas. Os artigos também revelam a importância da participação destes usuários na concepção e na utilização dos recursos, à medida que trazem relatos de pessoas com deficiência acerca da transposição de barreiras e dos benefícios da tecnologia em suas vidas. Esperamos que os artigos ora apresentados sejam úteis e instrutivos a todos os leitores e que sirvam como um subsídio para a composição de futuros trabalhos neste campo. Boa leitura! 1 2 Centro Nacional de Referência em Tecnologia Assistiva Dr. Victor Pellegrini Mammana Diretor do CTI Renato Archer Governo Federal No processo de implantação e consolidação do Centro Nacional de Referência em Tecnologia Assistiva, a participação de algumas pessoas foi notadamente crucial. Entre elas, a Profa. Irma Passoni dispensa apresentações. Iniciou sua carreira no "Movimento contra a Carestia", na década de 70, enfrentando com coragem e com compromisso público o ambiente repressivo da época. Um dos registros mais marcantes da luta contra a Ditadura é uma foto dela em uma manifestação de rua na qual está fazendo frente a policiais montados a cavalo. O detalhe: Profa. Irma estava grávida. Em seguida, assumiu um papel importante à frente dos temas de Ciência e Tecnologia, tendo sido relatora da "Comissão Parlamentar Mista (Senado e Câmara Federais) - CPMI sobre as Causas e Dimensões do Atraso Tecnológico". Esta fase de sua carreira a aproximou do então Centro Tecnológico para a Informática, tendo tido um relevante papel em seu apoio, inclusive em questões da formalização das carreiras dos pesquisadores e tecnologistas. Em 2011, fui convidado a participar de uma reunião com o Ministro Mercadante sobre a área de Tecnologia Assistiva. Recentemente empossado à frente do MCT, o Ministro Mercadante estava impondo um fôlego novo às questões de impacto social, sem perder o foco em Ciência e Tecnologia. Foi sob sua "batuta" que o Programa Viver Sem Limite começou a tomar forma. Foi nesta reunião que tive a oportunidade de conhecer pessoalmente a Profa. Irma e seu projeto para a área: um Centro de Referência para geração de conhecimentos para Tecnologia Assistiva (TA). Estava presente à reunião o Dr. Joelmo Oliveira, servidor do Ministério, a primeira pessoa com quem discuti a possibilidade do CTI Renato Archer contribuir para esta ideia do Centro de Referência. Levamos imediatamente a ideia para o Dr. Marco Antônio Oliveira, então secretário da SECIS, que de pronto delineou em que condições o CTI poderia ajudar. A partir daí, com o apoio do Dr. Marco, a diligência do Dr. Joelmo e as orientações da Profa. Irma, o trabalho caminhou rapidamente para a estruturação do Centro Nacional de Referência em Tecnologia Assistiva (CNRTA). Tiveram papel crucial na consolidação do CNRTA os Secretários subsequentes da SECIS, os Drs. Eliezer Pacheco e Oswaldo Baptista Duarte, juntamente com suas respectivas equipes, em especial a Dra. Renata Gonzatti e a Dra. Sônia Costa. Também foram de grande importância os apoios do Dr. Arquimedes Ciloni, Sub-secretário das Unidades de Pesquisa e do Dr. Carlos Oití (CGOP), que muito ajudaram na formatação institucional e na construção do concurso público que redundou nas primeiras contratações de profissionais da área de TA no CTI. É preciso lembrar o papel da Sra. Lucrécia (CNPq), que ajudou a construir o projeto para as primeiras bolsas do CNRTA. Dra. Fabiana Bonilha foi efetivamente a primeira profissional envolvida com a formatação do Centro, dentro do CTI Renato Archer, mas logo depois vieram vários outros profissionais como Andressa Fonseca, Mari Zulian, Vanessa Ferreira, Lilia Barreto, Edson Teracine, José Francisco de Jesus, Deise 3 Fernandes, Claudete Rego, Fabiola Calixto, Francisco Exner, Gianfrank Souza, Márcia Viana, Sara Squella, Renato Borelli, Antonio Araújo e tantos outros. Ressalte-se também as contribuições de profissionais da Fundação de Apoio à Campacitação em Tecnologia da Informação - FACTI, que, participante do ecossistema catalisado pelo CTI, possibilitou contribuições em momentos interinstitucionais de notável relevância, como as próprias conceituação do Centro, inauguração e concretização local da iniciativa. Representando essa natural simbiose, gostaria de citar Janaína Rocha, Fabiele Fernandes, Rogério Yamanishi, sem detrimento de outros de seus colegas. No MEC, teve papel fundamental a Dra. Martinha Santos, Diretora de Políticas de Educação Especial da SECADI - Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização, Diversidade e Inclusão. Da SDH – Secretaria de Direitos Humanos, o CNRTA teve importante apoio da Ministra Maria do Rosário e de toda a sua equipe, em especial do Secretário Antônio José. Mas o decisivo apoio veio da comunidade interna. No início um pouco preocupada com os riscos associados ao desafio mas, em seguida, confiante e apoiadora. A área de TA não era, de forma alguma, uma novidade para os pesquisadores do CTI. O CTI teve projetos importantes na área de Tecnologia Assistiva, como o projeto Auxilis, concebido e liderado pelo Pesquisador José Beiral. Muitas pessoas com deficiência puderam se beneficiar deste projeto, que tem sido uma importante vitrine desta instituição na área de Tecnologia Assistiva. Eu mesmo já tinha tido minha experiência com a área, antes mesmo do termo "Tecnologia Assistiva" ter sido cunhado. Na década de 80 desenvolvi um novo tipo de dispositivo de "entrada e saída" para computadores, como se dizia na época. O dispositivo era baseado num processo de recobrimento com filmes finos, condutores e transparentes, desenvolvido pela Profa. Alaide Mammana. Numa brincadeira, ainda adolescente, criei um primeiro protótipo de tablet baseado em vidros recobertos com este tipo de filme. Usei a entrada de jogos de um Apple II para demonstrá-lo. Depois, aquela primeira brincadeira séria se transformou em meu projeto de final de curso Técnico, na Escola Salesiana São José. Participaram deste primeiro protótipo Roberto Pereira e meu irmão, Guilherme Mammana. Esta quase "brincadeira" acabou se transformando em um projeto sério no CTI, que redundou numa interface adaptada para pessoas com paralisia cerebral, demonstrada pela primeira vez na escola Quero-Quero, em São Paulo. Muitos outros trabalhos vieram depois. Tendo a sua sementinha nestes trabalhos originais da década de 80, hoje o CNRTA está consolidado dentro do CTI Renato Archer e é mais uma força a compor o Complexo Tecnológico Educacional, juntamente com o Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia, a FACTI e outras instituições parceiras desse realizador, estimulante e sempre promissor ecossistema. O CNRTA, certa, firme e paulatinamente, rumará para um futuro cada vez mais impactante em termos de contribuição ativa, estruturante e articuladora para as políticas públicas brasileiras. Um dos importantes resultados alcançados por este centro ao longo de seus anos de atuação foi a realização do I SITA (I Simpósio Internacional de Tecnologia Assistiva). A presente publicação representa um reflexo deste resultado, e contém trabalhos significativos para esta área do conhecimento, os quais serão introduzidos a seguir. 4 Apresentação do I SITA Maria Aparecida Ramires Zulian Centro Nacional de Referência em Tecnologia Assistiva No atual cenário brasileiro, a Tecnologia Assistiva ganhou visibilidade e destaque como real facilitador da inclusão da pessoa com deficiência. O próprio conceito de “pessoa com deficiência”, consoante à proposta da Convenção Internacional sobre os Direitos da Pessoa com Deficiência, leva à percepção de que as dificuldades surgem da interação entre a pessoa e o meio e não estritamente da condição individual, e essas barreiras criam desvantagens que colocam em torno de 14,5% da população em situação de desigualdade social. Em resposta a essa demanda, foram iniciadas ações federais desde final de 2011, com o nascimento do plano Viver sem Limite, Decreto nº 7612, no intuito de modificar completamente este cenário. A partir deste contexto, o Brasil tem vivido momento peculiar, no que diz respeito à atenção para com as pessoas com deficiência, com ações que, de fato, vêm alterar o modo como são vistas e tratadas, e criar oportunidades que garantam avanços significativos nesta área. A criação do Centro Nacional de Referência em Tecnologia Assistiva – CNRTA, em 2012, é resultado de uma destas ações. Esse centro tem, como tarefa, contribuir para o planejamento, a elaboração e a implementação da Política Nacional de Tecnologia Assistiva (TA) ao articular nacionalmente uma rede cooperativa de pesquisa, desenvolvimento e inovação, impulsionando também a criação de um novo modelo de política industrial em TA. São funções do CNRTA: a formação de profissionais na área da TA; a identificação dos resultados alcançados pelos núcleos de pesquisa e desenvolvimento em TA, distribuídos pelo país; a atualização de conhecimento na área para profissionais interessados e para possíveis usuários de produtos de TA; o compartilhamento de experiências; a prospecção de soluções possíveis a partir de observação de resultados já alcançados; a potencialização de oportunidades de projetos e aplicações da tecnologia, identificando-se demandas e focos de atuação, que possam resultar em produtos; a estimulação de parcerias; e as cooperações nacionais e com o exterior. Neste sentido e com o intuito de congregar a comunidade atuante em Tecnologia Assistiva, incluindo os setores governamentais, acadêmico, produtivo e dos usuários, foi organizado o encontro denominado I Simpósio Internacional de Tecnologia Assistiva do CNRTA, que envolveu a participação ativa da Rede Nacional de Pesquisa e Desenvolvimento em Tecnologia Assistiva, e contou com a contribuição de especialistas em TA, provenientes do Brasil e de outros países, com atuação representativa neste campo. O evento, que abrangeu a expertise nas áreas de Engenharias, Terapia Ocupacional, Fisioterapia, Pedagogia, Psicologia e todas as demais áreas de atuação em Tecnologia Assistiva, teve como objetivo geral promover um encontro dos diversos setores de atuação no tema da Tecnologia Assistiva no Brasil: usuários, mercado, produtivo, academia e governo, favorecendo a integração entre estas comunidades, e oportunizando a troca de conhecimento com esferas internacionais que atuam diretamente em ações relacionadas à Tecnologia Assistiva. O evento foi organizado em conformidade com o escopo das ações previstas pelo CNRTA, vindo 5 a contribuir para que suas metas sejam igualmente alcançadas. A programação do evento foi pensada de maneira pedagógica, iniciando todos os seus dias com palestras de grande relevância para a ampliação de conhecimentos teóricos e técnicos na área, sempre ministrados por profissionais de referência, conforme segue: Palestra magna: “Tecnologia Assistiva: superando barreiras”, ministrada por Jutta Treviranus, diretora do Inclusive Design Research Center – IDRC - (Centro de Pesquisa de Desenho Universal/Inclusivo), que realiza pesquisas e desenvolvimento em Design Inclusivo em Tecnologia da Informação e Comunicação (TIC). Ela é professora da Universidade de Toronto OCAD/Canadá, preside a Inclusive Design Institute, um centro multiuniversidade regional de especialização em design inclusivo e é membro do comitê técnico científico da Pesquisa Nacional de Inovação em Tecnologia Assistiva. Palestra: “Tecnologia Assistiva ou Tecnologia de Reabilitação?”, ministrada por Rita de Cássia Reckziegel Bersch; mestre em Design pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul, com pesquisa realizada sobre o tema da Tecnologia Assistiva; membro do Comitê de Ajudas Técnicas (CAT) da Secretaria Especial dos Direitos Humanos da Presidência da República; coordenadora da disciplina de AEE na Deficiência Física no Curso de Especialização em Atendimento Educacional Especializado da UFC/SEESP-MEC. Palestra: “Inovações em TA para Saúde”, ministrada por Marlene Araújo de Faria; engenheira mecânica e professora adjunta na Universidade do Estado do Amazonas, Escola Superior de Tecnologia, curso de Engenharia Mecatrônica; mestre em Engenharia de Produção e doutora em Biotecnologia (UFAM); coordenadora do Núcleo de Tecnologia Assistiva da Universidade do Estado do Amazonas. Palestra: “CIF: a TA com o olhar para a funcionalidade”, ministrada por Heloisa Ventura Di Nubila; graduada em Medicina pela Faculdade de Saúde Pública da USP; trabalha, atualmente, como especialista de nível superior na área de Classificações, no Centro Colaborador da OMS para a Família de Classificações Internacionais em Português (Centro Brasileiro de Classificações de Doenças – CBCD), no departamento de Epidemiologia da Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo (FSP/USP). Palestra: “A TA melhorando o desempenho funcional e a qualidade de vida do idoso”, ministrada por Paula Costa Castro; professora adjunta do Departamento de Gerontologia da UFSCar, mestre e doutora em Fisioterapia pela Universidade Federal de São Carlos – UFSCar, coordenadora do Núcleo de Tecnologia Assistiva da UFSCar. Palestra: “Inovações em TA em dispositivos móveis”, ministrada por Agebson Rocha Façanha, mestre em Ciências da Computação pela Universidade Federal do Ceará, professor pesquisador do Projeto Acessibilidade Virtual (IFRS/MPOG) e responsável pelo Núcleo de Tecnologia Assistiva do IFCE. Palestra: “TA de baixo custo na vida cotidiana” ministrada por Rodrigo Cubillos; coordenador nacional da Unidade de Tecnologia Assistiva Teletón (UTA); licenciado em Ciência da Ocupação Humana e terapeuta ocupacional pela Universidade do Chile, professor instrutor da Escola de Terapia Ocupacional da Faculdade de Medicina da Universidade do Chile, presidente do Colegiado de Terapeutas Ocupacionais do Chile 2009-2011, diplomado em Docência com uso de TIC, Universidade do Chile; diplomado em Ferramentas Tecnológicas para atender à diversidade em aula, Universidade Católica do Chile. 6 Palestra: “Inovações em TA para Educação”, ministrada por Regina Heidrich, que possui pós-doutoramento (Estágio Sênior) pela Universidade Técnica de Lisboa (UTL) no Laboratório de Realidade Virtual – Ergo VR. Atualmente é responsável pelo projeto de pesquisa “Realidade virtual para auxiliar a formação educacional de pessoas com paralisia cerebral” e “Desenvolvimento de softwares baseados em Brain Computer Interface (BCI)” para auxiliar pessoas com limitações motoras no processo de inclusão escolar, financiado pelo CNPq (Feevale). Palestra: “TA nas escolas”, ministrada por Martinha Clarete; membro do Conselho Nacional dos Direitos da Pessoa com Deficiência (CONADE), 2006/2010; membro do Comitê de ajudas Técnicas, 2007/2011 e diretora atual de Políticas de Educação Especial da Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização, Diversidade e Inclusão do Ministério da Educação – MEC/ SECADI. Palestra: “Tecnologia Assistiva e Acessibilidade”, ministrada por Jesus Carlos Delgado García, coordenador da Pesquisa Nacional de Inovação em Tecnologia Assistiva. (ITS BRASIL) e doutor em Ciências Sociais pela Pontifícia Universidade Católica (PUC-SP). Palestra: “A contribuição da TA no trabalho inclusivo”, ministrada por Cláudia Franco; procuradora-chefe do Ministério Público do Trabalho (MPT) da 2ª Região, São Paulo/SP. P alestra: “Inovações em TA para Acessibilidade”, ministrada por Regina Cohen (UFRJ), pós-doutoranda em Arquitetura com o tema “Acessibilidade de Pessoas com Deficiência aos Museus”, bolsista de desenvolvimento tecnológico do CNPq (DTI-A) com o projeto “Acessibilidade e Desenho Universal nas instalações da Copa de 2014 e seus impactos no Turismo Inclusivo”. Com o propósito de ampliar a qualidade dos conteúdos do I Simpósio Internacional de Tecnologia Assistiva (I SITA), foram organizadas diversas mesas-redondas com a sugestão de temas práticos e participativos, sempre com enfoque interdisciplinar, envolvendo pesquisadores, usuários e, quando possível, também os produtores, garantindo discussões e reflexões de muita qualidade. A seguir, elencamos a relação dos temas e dos subtemas abordados ao longo do Simpósio: - Mesa redonda com o tema: “TA para Saúde”, que acolheu os subtemas: Prescrição de cadeira de rodas com Rita de Cássia (ProMedida); Certificação de cadeira de rodas, com Marcos Pimentel (CTI/MCTI); Prescrição de aparelhos auditivos, com Ricardo Bento (FM/USP). - Mesa redonda: “Dispensação de TA pelo SUS: experiência do Pará” - Ana Irene Oliveira (UEPA), Iracy Tupinambá (SESPA). - Mesa redonda com o tema: “TA na Educação” que acolheu os subtemas: Sistema FM, Juliana Morales (Phonak); Sala de Recursos Multifuncional, Rita Bersch (UFC); Avatar 3D para Libras, Angelo Benetti (CTI/MCTI). - Mesa redonda com o tema: “TICs: interface de Acessibilidade” que acolheu os subtemas: Softwares de Acessibilidade, Andréa Sonza (IFRS); DosVox, Antônio Borges (UFRJ); Sistema Auxilis, José A. R. Beiral (CTI/MCTI). - Mesa redonda com o tema: “O que a TA oferece para minha vida?” que acolheu a participação dos usuários: Tatiana Rolin, Vilma Roberto e Anahi Guedes. - Mesa redonda com o tema: “TA no trabalho: casos de sucesso” que acolheu a participação de Maria Amélia (Natura), Juliano Moreno (Synchro) e Helvécio Oliveira (SENAI). 7 - Mesa redonda com o tema: “TA na Acessibilidade” que acolheu os subtemas: Transportes acessíveis, Talita Rossi (UFMG); Acessibilidade urbana, Nubia Bernardi (Unicamp); Impressão 3D e TA, Jorge Silva (CTI/MCTI). Como resultados significativos do evento, foi possível visualizar a atualização relativa aos contatos dos integrantes da Rede Nacional de Pesquisa e Desenvolvimento em TA; fazer uma revisão dos seus progressos e desdobramentos; promover uma interação com os outros núcleos de P&D em TA e com profissionais e usuários desta tecnologia; atualizar conceitos da área; oportunizar o conhecimento das estratégias utilizadas internacionalmente na solução de problemas semelhantes à realidade nacional; identificar os resultados brasileiros em pesquisas e transferência de tecnologia ao setor empresarial; e prospectar ações para a continuidade de avanços da TA nos setores governamental, acadêmico, produtivo, de mercado e dos usuários. 8 9 10 11 12 O direito das pessoas com deficiência à educação inclusiva e o uso pedagógico dos recursos de tecnologia assistiva na promoção da acessibilidade na escola Martinha Clarete Dutra dos Santos Diretora de Políticas de Educação Especial - DPEE/SECADI/MEC. Resumo: O presente artigo objetiva abordar as condições para efetivação do direito das pessoas com deficiência á educação inclusiva, destacando o uso pedagógico dos recursos de tecnologia assistiva, como estratégia para promoção da acessibilidade, segundo a concepção da educação especial, compreendida como modalidade transversal desde a educação infantil à educação superior, a partir da qual, são repensadas as práticas educacionais, concebidas com base em um padrão de estudante, de professor, de currículo e de gestão, redefinindo a organização das condições de infraestrutura escolar, de formação continuada e dos recursos pedagógicos, fundamentados no princípio do desenho universal. Palavras-chave: educação inclusiva, educação especial, atendimento educacional especializado, tecnologia assistiva, acessibilidade, pessoa com deficiência. O direito das pessoas com deficiência à educação efetiva-se mediante a garantia de condições para sua plena participação em igualdade de condições com as demais pessoas, na comunidade em que vivem, promovendo oportunidades de desenvolvimento pessoal, social e profissional, sem restringir sua participação em determinados ambientes e atividades com base na deficiência. Igualmente, a condição de deficiência não deve definir a área de interesse profissional com base na deficiência, limitando seu acesso a determinados cursos de graduação e pós-graduação, projetos de pesquisa e extensão. As condições de acessibilidade arquitetônica, pedagógica e nas comunicações são asseguradas no ambiente educacional a fim de garantir o atendimento às especificidades educacionais dos estudantes com deficiência. A acessibilidade arquitetônica deve ser garantida em todos os ambientes, a fim de que os estudantes e demais membros da comunidade acadêmica e sociedade em geral, tenham efetivado o direito de ir e vir com segurança e autonomia, de acordo com o disposto no Decreto nº 5.296/2004, nos termos da NBR nº 9050/2004 e no artigo 9 da CDPD. Vale destacar que o cumprimento desta norma independe da matrícula de estudante com deficiência no estabelecimento de ensino. A acessibilidade à comunicação e informação deve contemplar a comunicação oral, escrita e sinalizada. Sua efetividade dá-se mediante a disponibilização de equipamentos e recursos de tecnologia assistiva tais como materiais pedagógicos acessíveis, tradução e interpretação da língua brasileira de sinais (Libras), software e hardware com funcionalidades que atendam tais requisitos 13 de comunicação alternativa, entre outros recursos e serviços demandados pelos estudantes, tanto na educação básica, quanto nos processos de seleção para ingresso na educação superior, bem como, nas atividades de ensino, pesquisa e extensão. A garantia de acessibilidade deve ser contemplada no Projeto Político Pedagógico da escola de educação básica e no plano de desenvolvimento da instituição de Educação Superior. Para tanto, deve estar assegurada em seu planejamento e execução orçamentária; na composição do quadro de profissionais; nos projetos pedagógicos dos cursos; no investimento de infraestrutura arquitetônica; nos serviços de atendimento ao público; no sítio eletrônico; no acervo pedagógico e cultural; nos materiais didáticos e pedagógicos; nos equipamentos e demais recursos tecnológicos. Considerando que as condições de acessibilidade são essenciais à garantia de equiparação de oportunidades, tanto para o acesso, quanto para permanência dos estudantes com deficiência, faz-se necessária a adoção de procedimentos administrativos que permitam a identificação de tais estudantes, bem como a definição de mecanismos institucionais de identificação e eliminação das barreiras existentes. Importa sublinhar que o Brasil disciplinou, por meio do Decreto n° 5296/2004, o atendimento preferencial às pessoas com deficiência nas dependências das instituições educacionais; por exemplo, foram estabelecidas medidas simples tais como inserir no formulário de matrícula ou no formulário de inscrição, campo próprio, em que o estudante possa informar os serviços e recursos de acessibilidade necessários para sua plena participação. Outra iniciativa importante para assegurar igualdade de oportunidades refere-se à institucionalização da dilação do tempo, tanto na realização do exame para seleção de ingresso quanto nas atividades acadêmicas, considerando a especificidade de cada sujeito. Uma vez comunicado pelo estudante, sobre suas especificidades, o estabelecimento de ensino poderá antecipar providências, a fim de garantir a oferta e a utilização de serviços e de recursos de acessibilidade, requeridos no ato de matrícula ou de inscrição para exame seletivo ou no decorrer das atividades acadêmicas. No âmbito da promoção de acessibilidade na comunicação, convém sublinhar a importância da vigilância institucional quanto ao cumprimento das normas de acessibilidade na produção e na disponibilização de materiais escritos, sejam obras publicadas pela própria instituição de ensino ou adquiridas, artigos, periódicos ou pequenos textos, compatíveis com as interfaces de acessibilidade aplicáveis ao sistema operacional utilizado: doc, txt, BrOffice, LibreOffice ou Mecdaisy. Ao lado de soluções tecnológicas, o sistema Braille também se apresenta como alternativa de acessibilidade à leitura e escrita. Por isso, a biblioteca e os demais setores dos estabelecimentos de ensino, devem contar com equipamentos e pessoas para atender a demanda de material impresso em Braille, produzido de acordo com as “Normas Técnicas para a produção de textos em Braille” (MEC/ SEESP, 2006). A efetivação do direito à acessibilidade decorre do direito à autonomia e independência. Neste sentido, destacam-se as diversas soluções tecnológicas, que cada vez mais, demonstram-se aliadas indispensáveis à inclusão educacional das pessoas com deficiência. Mesmo com o risco de obsolescência, torna-se oportuno relacionar os principais recursos de tecnologia assistiva, utilizados para promoção de acessibilidade, no processo de escolarização. Acopláveis aos computadores existem os recursos de saída, denominados output, como a Linha Braille e os recursos de entrada, conhecidos como input, exemplificados pelo teclado com colmeia, teclado expandido, teclado abreviado; mouses do tipo joystick, membrana, de esfera (trackball), de botões, mouse controlado pelo movimento da cabeça; mouse controlado pelo movimento ocular 14 (eye tracking), mouse controlado pelo movimento dos lábios e ativado pelo sopro e sucção (clique e duplo clique), dentre outros; monitor com tela de toque; acionadores do tipo pressão, tração, piscar, contração muscular e outros, utilizados com softwares emuladores de teclados (teclados virtuais com diferentes tipos de varreduras e/ou função programável de autoativação do clique em um tempo determinado). Há, também, os acessórios para adentrar comandos no computador, tais como as órteses utilizadas para favorecer a digitação, presas pelos dentes, chamadas de ponteiras de boca ou denominadas ponteiras de cabeça, quando movidas pelo movimento da cabeça. Visando ampliar os caracteres de textos escritos, são frequentemente, utilizados na escola, os ampliadores eletrônicos, hardware, que se caracterizam como equipamento para captar o texto impresso ampliando-o em um monitor, com opções de tamanho, foco, combinações de cores em alto contraste. Na categoria de Software, pode-se referenciar aqueles destinados à ampliação de tela e à leitura de texto. Os primeiros realizam ampliação flexível em vários tamanhos e sem distorção, ajuste de cores, otimização de foco, ponteiro e cursores. Já os leitores de telas com sintetizadores de voz são recursos que possibilitam a leitura de textos digitais, bem como, o retorno sonoro do conteúdo digitado pelo usuário. Considerando que os dispositivos móveis estão, cada dia mais, disponíveis nos sistemas de ensino, torna-se mister que os inúmeros aplicativos de comunicação alternativa e aumentativa sejam incorporados ao fazer pedagógico dos estudantes e dos professores, pois, quanto maior a oferta de possibilidades, tanto melhor o processo de construção de autonomia e independência. Por meio do Plano Nacional dos Direitos das Pessoas com Deficiência - Viver sem Limite, o Ministério da Educação amplia investimentos para aquisição de equipamentos, recursos de tecnologia assistiva, transporte escolar acessível e para adequação arquitetônica de prédios escolares, fortalecendo a inclusão escolar das pessoas com deficiência, sobretudo, daquelas beneficiárias de programas de transferência de renda e favorecendo, além de tudo, a ampliação das condições de acesso das pessoas com deficiência, à educação superior, nas instituições federais e a expansão da formação de profissionais para o ensino, tradução e interpretação da Língua Brasileira de Sinais - Libras. O Plano Viver sem Limite reflete os programas voltados à efetivação da política de inclusão escolar, apoiando a promoção de recursos, serviços e oferta do atendimento educacional especializado, aos estudantes público alvo da educação especial, matriculados nas redes públicas de ensino regular. Nota-se que o financiamento público da Educação Especial na perspectiva inclusiva tem consolidado uma política de acessibilidade nas escolas das redes públicas de ensino em todo país. Essa agenda envolve a gestão dos estados, dos municípios e do Distrito Federal na construção de estratégias para a garantia de acessibilidade arquitetônica, pedagógica, nas comunicações e informações. Deste modo, a política de inclusão torna-se, cada vez mais, presente nos sistemas de ensino, orientando a elaboração dos projetos pedagógicos das escolas e a formação de professores. O impacto da implementação das ações no âmbito da educação especial na perspectiva inclusiva, traduz-se no declínio das matrículas dos alunos público alvo da educação especial em escolas e classes especiais e na ascensão das matrículas destes em classes comuns do ensino regular, conforme demonstram os dados do Censo Escolar/MEC/INEP no período de 1998 a 2013. Neste período verifica-se o decréscimo de matrículas em espaços segregados em classes e escolas especiais, saindo de 87% para 23% do total de matrículas de alunos público alvo da educação especial, bem como se identifica o crescimento de 1.262% no acesso de pessoas com deficiência, transtornos globais do desenvolvimento e altas habilidades/superdotação às classes comuns do ensino regular, saindo de 13%, para 77%. Do total de estudantes público alvo da educação 15 especial, matriculados em classes comuns do ensino regular, 55% registram a segunda matrícula, no atendimento educacional especializado complementar e 70% dos beneficiários do Benefício da Prestação Continuada - BPC, com deficiência, entre 0 e 18 anos, frequentam a escola. Ao analisar a taxa de inclusão escolar dos alunos público alvo da educação especial, de quatro a dezessete anos, faixa etária de escolaridade obrigatória, verifica-se que em 2009, registrou-se percentual de 69,1%. Este percentual foi ampliado em 8 pontos, em 2010. Esta tendência de alta manteve-se em 2011, quando foram obtidos 5 pontos percentuais a mais, assim como em 2012, ao atingir 84%, chegando a 85% em 2013. A ampliação do acesso à educação básica e, sobretudo, a melhoria das condições de acessibilidade, favorecendo a participação e aprendizagem, são fatores decisivos para o crescimento das matrículas de estudantes com deficiência na educação superior. Observa-se que as matrículas passaram de 5.078 em 2003 para 26.663 em 2012, indicando crescimento de 425%. Irrefutavelmente, a educação brasileira vive um intenso processo de transformação, motivado pela concepção da educação inclusiva, aqui, compreendida, muito além do acesso efetivado por meio da matrícula. No passado recente, a principal pauta em debate, focava-se no direito à matrícula, negada com naturalidade, muitas vezes. Hoje, há base legal solidamente construída, que garante o acesso e desnaturaliza a exclusão. Trata-se, indubitavelmente, de eloquente conquista. Porém, tal avanço significa o começo da profunda mudança em curso. Não basta estar; há que se fazer parte. Assim, a deficiência não se constitui como doença ou invalidez e as políticas sociais, destinadas a este grupo populacional, não se restringem às ações de caráter clínico e assistencial. Neste cenário, a luta pelo direito á educação, revela-se altamente mobilizadora dos setores progressistas da sociedade, extrapolando os muros da escola, atingindo o cerne das discussões fundantes sobre os grandes desafios da educação contemporânea, onde se assenta a concepção de educação especial na perspectiva inclusiva. Por essa razão, considera-se que tecer o enredo da plena participação é desafiar o velho paradigma em todas as suas manifestações, desde as práticas pedagógicas homogeneizadoras, até a edificação dos prédios, organização dos acervos e dos diversos ambientes acadêmicos, bem como, das formas de comunicação. Por tudo isso, a efetivação do direito à educação, requer estratégias eficazes de enfrentamento dos desafios que se interpõem durante o processo de construção dos sistemas educacionais inclusivos. Um dos caminhos seguros na consecução desta tarefa, passa pela consolidação de políticas institucionais de acessibilidade, para que o novo paradigma torne-se realidade na vida das pessoas. Referências BRASIL. Presidência da República. Casa Civil. Subchefia para Assuntos Jurídicos. Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília: Senado Federal, 1988. Disponível em: http://www. planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituiçao.htm. BRASIL. Lei 10.098, 19 de dezembro de 2000. Diário Oficial da República Federativa do Brasil, Brasília, 23 dez. 2005. BRASIL. Decreto Legislativo nº 186, 09 de julho de 2008. Diário Oficial da União, Brasília, 2008. BRASIL. Decreto nº 6.949, de 25 de agosto de 2009. Promulga a Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência - ONU. Diário Oficial da União, Brasília, 2009. 16 BRASIL. Decreto nº 7.611, de 17 de novembro de 2011. Dispõe sobre a educação especial, o atendimento educacional especializado e dá outras providências. Diário Oficial da União, Brasília, 2011. BRASIL. Ministério da Educação. Conselho Nacional de Educação, Câmara de Educação Básica. Resolução nº 4, de 02 de outubro de 2009. Institui Diretrizes Operacionais para o Atendimento Educacional Especializado na Educação Básica, modalidade Educação Especial. BRASIL. Ministério da Educação. Conselho Nacional de Educação, Câmara de Educação Básica. Resolução nº 4, de 13 de julho de 2010. Institui Diretrizes Curriculares Nacionais Gerais da Educação Básica. BRASIL. Ministério da Educação. Secretaria de Educação Especial. Direito à educação: subsídios para a gestão dos sistemas educacionais – orientações gerais e marcos legais. Brasília: MEC/ SEESP, 2006. BRASIL. Ministério da Educação. Secretaria de Educação Especial. Normas Técnicas para a produção de textos em Braille, 2006. BRASIL. Ministério da Educação. Secretaria de Educação Especial. Política Nacional de Educação Especial na perspectiva da Educação Inclusiva, MEC/2008. BRASIL. Ministério da Educação. Inclusão - Revista da Educação Especial. Vol. 4, nº. 1. Brasília: MEC/SEESP, 2008. ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS. Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, 2006. 17 Sistemas de adequação postural personalizado versus personalizáveis para crianças com deficiências neuromotoras Ana Irene Alves de Oliveira Terapeuta Ocupacional, Professora Titular da Universidade do Estado do Pará (UEPA), Coordenadora do Núcleo de Desenvolvimento em Tecnologia Assistiva e Acessibilidade (NEDETA). Especialista em Tratamento Neuroevolutivo, Mestre em Motricidade Humana, Doutorado em Psicologia - Terapeuta Ocupacional, Bacharel em Psicologia. Maria Iracy Tupinambá Duarte Fisioterapeuta. Especialista em Órteses e Próteses. Diretora da Divisão de Atenção à Pessoa com Deficiência da Secretaria Executiva de Estado de Saúde Pública do Pará-SESPA. Presidente do Conselho Estadual da Pessoa com Deficiência. Coordenadora Estadual da Rede de Cuidados da Pessoa com Deficiência. Gisleine Martin Philot Terapeuta Ocupacional. Consultora Internacional em Tecnologia Assistiva. Especialista em Tratamento Neuroevolutivo e Alfabetização Especial. Prêmio Invento Brasileiro, SEDECTI, SP, com Modulação Ergonômica para Paralisia Cerebral, 1991. Prêmio Inovação Tecnológica, FINEP, com Órteses Leves Tubulares, Tuboform. Mestranda em Engenharia Mecânica - FEM-UNICAMP. Caciana da Rocha Pinho Terapeuta Ocupacional, especialista em Tecnologia Assistiva, Ajudas Técnicas e Acessibilidade para pessoa com deficiência e mobilidade reduzida pela Faculdade de Ciências Médicas de Minas Gerais - FCMMG, Belo Horizonte, MG. Consultora de Tecnologia Assistiva da Expansão Laboratório de Tecnologia Terapêutica, São Paulo. Danielle Alves Zaparoli Terapeuta Ocupacional Resumo: Este artigo propõe uma análise entre o conceito de Adequação Postural Personalizada e o conceito de Adequação Postural Personalizável. Faz uma revisão dos principais conceitos de ergonomia e posicionamentos, intrínsecos a esses conceitos, focando em deficiências neuromotoras e estabelecendo um viés em crianças com paralisia cerebral (PC). Pretende realizar um contraponto entre os conhecimentos vigentes desses posicionamentos com as práticas adotadas, propondo uma análise sobre as diferenças entre os sistemas de adequação postural (Seating) personalizados e personalizáveis em Cadeiras de Rodas. Também apresenta a experiência do estado do Pará na dispensação de Cadeiras de Rodas com Seating personalizável no ano 2013. Palavras-chave: Seating, Cadeira de Rodas, Paralisia Cerebral, Postura, Tecnologia Assistiva. 1. Introdução No Brasil, ainda não há um controle de qualidade normatizado para as Cadeiras de Rodas específicas para crianças com PC disponíveis no mercado. No entanto esta discussão se faz necessária considerando o avanço das novas tecnologias, as legislações vigentes e as demandas da população com deficiência que necessita desses equipamentos. 18 A Portaria SAS/MS n° 661, de 2 de dezembro de 2010, reconhece no Sistema Único de Saúde (SUS), que a prescrição das Órteses, Próteses e Materiais Especiais (OPM) deve ser prioritariamente realizada por um profissional habilitado. Ela estabelece que este exercício é atribuição de terapeutas ocupacionais e fisioterapeutas; cabe a eles prescrever os equipamentos adequados, ampliando as possibilidades de intervenção desses profissionais no processo de avaliação e prescrição terapêutica. E a Portaria nº 1.272, de 25 de junho de 2013, inclui procedimentos de Cadeiras de Rodas e adaptação postural em Cadeira de Rodas na tabela Órteses, Próteses e Materiais Especiais (OPM) do Sistema Único de Saúde, devendo a prescrição e dispensação dos equipamentos serem realizadas por profissionais capacitados. Portanto, promover entre os profissionais responsáveis, uma revisão e discussão do conceito intrínseco da adequação postural de modo personalizado ou personalizável merece atenção e análise para fazer a distinção e aplicação de cada sistema, em crianças com paralisia cerebral. 2. Conceituações e pesquisas Sabe-se que o posicionamento sentado é uma condição obrigatória na maior parte das atividades realizadas pelo ser humano. Entretanto, há situações em que essa condição somente se torna possível através de intervenções posturais, por conta do descontrole motor presente em crianças com PC. Alterações neuromusculares como variações de tônus muscular, persistência de reflexos primitivos, rigidez e espasticidade geralmente se manifestam com padrões específicos de postura e de movimentos que comprometem o controle motor e o desempenho funcional das crianças com PC (SOUZA e FERRARETTO, 1998; DEON e GAEBLER-SPIRA, 2010). As alterações no desempenho de marcos motores básicos (como rolar, sentar, engatinhar, andar), traz como consequência, o impedimento das atividades da rotina diária. Nestas condições, alguns recursos são essenciais para minimizar o impacto dessas interferências, como a Adequação Postural Sentada. Entende-se como Adequação Postural Sentada ou Seating uma órtese móvel, utilizada para propiciar sustentação, retificação, corrigir ou prevenir deformidades (BOBATH, 1989; STOKES, 2000). Essa órtese é uma intervenção em assento, encosto, apoio de pés, braços e cabeça e outros recursos para aqueles indivíduos que passam a maior parte do seu tempo sentado e que dependem desses sistemas para funcionalidade e mobilidade. Knoplich (1995) define a postura como a posição que o corpo assume no espaço em função do equilíbrio de quatro constituintes anatômicos: vértebras, discos intervertebrais, articulações e músculos. Molinari (2000) também afirma que a postura é o resultado de um equilíbrio harmonioso entre as solicitações impostas aos músculos, aos ligamentos e aos discos intervertebrais. Para Kisner e Colby (1987), postura é uma posição ou atitude do corpo, o arranjo relativo das partes do corpo para uma atividade específica, ou uma maneira característica de alguém sustentar seu corpo. A postura também pode indicar a posição relativa dos segmentos corporais durante o repouso ou atividade. Assim, a manutenção de uma boa postura durante uma atividade específica depende de uma interação complexa entre as funções biomecânicas e neuromusculares (BRACCIALLI e VILARTA, 2000). A postura ideal, portanto, é o controle das forças que sustentam e conduzem o corpo sem sobrecargas, com a máxima eficiência e o mínimo de esforço. Sendo assim, a maior parte das 19 pessoas com deficiências neuromotoras necessita de recursos para a postura ideal em sistemas de mobilidade, e um desses sistemas é a Cadeira de Rodas. A tecnologia voltada para Cadeira de Rodas continua a progredir em ritmo acelerado mundialmente, exceto no Brasil e países em desenvolvimento, assim como a literatura e pesquisa nesta área. A consciência da necessidade desta tecnologia para as crianças com PC em países subdesenvolvidos continua a se expandir. Entretanto há um baixo números de tecnologias que possibilitem melhor qualidade de vida, contemplando aspectos terapêuticos e crescimento físico. Estudos comprovam que a adequação postural é um contributo importante para a funcionalidade dessas crianças, bem como, quando bem prescrita, previne e reduz desvios da coluna vertebral e cintura pélvica. (CAMPOS, 2013; ENGSTRÖM, 2002; FERNANDES et al., 2007; GALVÃO, 2006; LAMPE e MITTERNACHT, 2010; LIU et al., 2003; NWAOBI, 1997; RIBAS, 2006; RONDINI et al., 2012). Os grupos de crianças com PC mais afetados com desvios posturais são aqueles de grau IV e V pelo Sistema de Classificação da Função Motora Grossa (Gross Motor Function Classification System - GMFCS), (PALISANO et. al., 1997, 2005, 2007). A figura 1 mostra o percentual de crianças com PC pela GMFCS, conforme cada grupo: Essas estatísticas deixam de apontar quais são as causas das escolioses, enfatizando e responsabilizando a alteração de tônus como fator determinante. Sendo assim, recursos assistivos incorporados em sistemas de adequação postural para o sentar, que facilitam o padrão postural mais normalizado, são também coadjuvantes terapêuticos (CAMPOS, 2013; ENGSTRÖM, 2000; FERNANDES et al., 2007; GALVÃO, 2006; LAMPE e MITTERNACHT, 2010; LIU et al., 2003; NWAOBI, 1997; PHILOT, 1999; RIBAS, 2006; RONDINI et al., 2012). Quanto ao sentar adequado, continua sendo senso comum para a maioria dos profissionais de saúde, que o melhor posicionamento é aquele configurado na posição anatômica da postura sentada que é denominada de 90/90/90: cabeça centralizada, braços com 90º de flexão de cotovelo, antebraços em pronação, flexão de pernas com 90º no quadril, no joelho e no tornozelo (O´SULLIVAN e SCHMITZ, 1993). Muitos autores especializados em adequação postural de pessoas com deficiência questionam também essa posição chamada de neutra; e demonstram o quanto ela não se aplica às pessoas com graves comprometimentos motores (GALVÃO, 2006; LAMPE e MITTERNACHT, 2010). Contrapondo esse conceito, a escola de Ergonomia, em 1980, padronizou a norma internacional para o mobiliário sentado com ângulos entre 95º e 110º entre encosto e assento. A ergonomista 20 Grandjean (1998) realizou diversos estudos em grupos populacionais, estabelecendo que o ângulo ergonômico adequado entre encosto e assento de cadeiras deveria estar entre 100º e 115º, para a contribuição de uma coluna vertebral saudável e sem dores. Diversos outros estudos anteriores e posteriores de Ergonomia corroboravam com esses conceitos (HALL, 1993; LIDA, 2002; RICE, 1998). Em novembro de 2006, a maior parte dos veículos de comunicação internacionais divulgou os resultados dos estudos do radiologista Waseem Bashir, University of Alberta Hospital, Canada, que demonstravam no grupo controle (adultos sem deficiências) com o uso de MRimage, o quanto a posição de sentar-se ereto era prejudicial para a coluna vertebral. Nos estudos de Bashir (2006) foram medidos os ângulos da coluna vertebral, altura do disco vertebral e os movimentos. Concluiu-se que quando a tensão imprópria é colocada em um disco, ele se move muitas vezes fora do lugar. Estes estudos demonstraram que a posição ereta a 90 graus, provoca mais movimento nos discos, em comparação a posição de repouso (135 graus). Bashir afirma: Sentar em uma posição anatômica não é essencial, uma vez que a tensão colocada sobre a coluna vertebral e seus ligamentos associados ao longo do tempo pode levar à dor, deformidade e doença crônica. Nós fomos feitos para sermos móveis e não para sermos estáticos. Infelizmente, nós vivemos em uma cultura na qual a maior parte do dia, estamos mais estáticos do que móveis [....] Foi demonstrado através de imagens de ressonância que num período de 10 minutos, um ser humano sentado na postura de 90º entre encosto e assento, começam haver sinais de perda de água nos discos. Basta pensar que no dia a dia, ano após ano, haverá degeneração, porque essa postura que não faz bem ao corpo. (BASHIR, 2006: 2, grifo e tradução nossa). Para combater a dor lombar, Bashir (2006) sugere encontrar uma cadeira que possa ser ajustada para abrir o ângulo do quadril. Um assento que se inclina para frente também incentiva esta postura natural. Além disso, ele recomenda a utilização de imagem postural na avaliação dos futuros projetos, pois acredita que assim, haverá redução de problemas crônicos devido à má postura sentada. A intervenção mais comum encontrada nas referências pesquisadas, para favorecer o controle postural em crianças e adolescentes com disfunções neuromotoras é um assento adaptado que é definido como: alterações em dispositivos de assentos para melhorar a postura sentada e / ou controle postural em mobilidade condicionada individual (REHAB TOOLS, 2004). Desde o seu surgimento, na década de 1980, muitos tipos de sistemas de assentos adaptáveis foram desenvolvidos (WATSON e WOODS, 2005). Pesquisas anteriores já haviam defendido a ideia do assento adaptado para melhorar o controle postural em crianças com PC (ROXBOROUGH, 1995). Além disso, os pesquisadores sugeriram que um melhor controle postural pode aumentar a capacidade funcional, tais como a função de Membros Superiores (MMSS), o desempenho no trabalho e satisfação e desempenho das Atividades da Vida Diária (AVDs) (REID, RIGBY e RYAN, 1999; ROSENBAUM e STEWART, 2004). Rosenbaum e Stewart (2004) afirmam que essas melhorias foram mantidas a longo prazo, sugerindo que assento adaptado pode facilitar a função física. 21 De acordo com a Classificação Internacional de Funcionalidade, Incapacidade e Saúde Modelo (CIF), existe uma interação dinâmica entre o estado de saúde e fatores contextuais. Dentro do modelo da CIF, os componentes de funcionamento são a estrutura do corpo / função do corpo, atividade e participação. (OMS, 2004) Os componentes são ligados uns aos outros de forma que mudanças podem provocar alterações de uma maneira não-linear. Portanto, os componentes são afetados tanto por modificações ambientais como fatores pessoais. Portanto, dispositivos de assento de adaptação são usados clinicamente para melhorar o controle da postura e, em alguns casos, essas melhorias resultantes afetam a atividade funcional e os estados de participação. Foram identificados quatro artigos potencialmente relevantes, com revisões sistemáticas sobre os efeitos da capacidade adaptativa e controle postural. Roxborough (1995) publicou uma revisão sistemática para avaliar a evidência de 1982-1994 para os efeitos do assento adaptado em crianças com PC. Dos oito estudos incluídos, apenas 02 examinaram os resultados de controle postural: a extensão do tronco em crianças de 02 a 06 anos de idade e controle da cabeça em crianças com menos de 03 anos de idade. Harris e Roxborough (2005) completaram uma revisão da literatura publicada de 1990 a 2004 que envolviam avaliar a eficácia e a efetividade da terapia motora em relação ao controle postural em PC. Dos 12 estudos incluídos, 05 examinaram os efeitos de assento adaptado no controle postural sentado. Stavness (2006) analisou os dados (publicados desde 1980) para os efeitos do assento adaptado em função dos MMSS em crianças com PC. Dos 16 estudos revisados, 03 relataram os resultados de controle postural, influenciando a função dos MMS. Os estudos de revisão sistemática de Chung et al. (2008) buscaram investigar o efeito do assento adaptado na postura sentada e controle postural em crianças com PC. Também foram analisadas se as alterações do controle postural tinham relações com mudanças em outros aspectos da vida do indivíduo. Demonstrou-se os benefícios desse controle, incluindo a melhoria da função dos MMSS. Esses estudos focaram 02 questões: (1) Qual o efeito do assento adaptado na postura sentada ou do controle postural em crianças desde o nascimento até 20 anos de idade, com diferentes tipos de quadro da PC (2) Quais são os efeitos das mudanças resultantes na postura sentada ou do controle postural em outros aspectos do funcionamento utilizando a CIF. Os resultados foram contraditórios na análise de assento, ângulo ideal para melhorar a postura sentada e controle postural. Mas foram relatadas melhorias significativas com inserções de assentos, apoios externos e sistemas de assentos modulares, também ficando evidente o efeito do controle postural nas habilidades funcionais. O estudo de Alves de Oliveira et al. (2011) aponta que promover a estabilidade pélvica, no sentar de crianças com PC, é uma forma de favorecer maior estabilização de tronco e membros superiores. O posicionamento correto das crianças com PC, portanto, é uma medida para combater as complicações motoras frequentemente encontradas em indivíduos com desequilíbrio muscular influenciado pela espasticidade. Assim, cadeiras e mobiliários adaptados são importantes ferramentas para crianças com PC, visto que estas necessitam de um posicionamento particularizado que tenha como objetivo inibir os padrões reflexos, promover padrões que facilitam a normalização do tônus e maximizar as funções de MMSS. Em seu trabalho de pesquisa: “Projetos Especiais para Portadores de Paralisia Cerebral e Deficiências 22 Físicas – Sistema de Modulação Ergonômica” Philot (1988) verificou maior alinhamento do eixo axial e da coluna vertebral, bem como maior funcionalidade para as atividades com os membros superiores em crianças (PHILOT, 1999). O grupo controle de 25 crianças com PC grau IV e V segundo GMFCS, em idades variáveis entre 4 anos e 12 anos, foi acompanhado por um ano, em avaliações trimestrais de neurologia, ortopedia e radiologia. Também foram realizados RX da coluna vertebral com e sem a modulação a cada três meses. Em dois casos, as crianças que tinham escolioses com graus de respectivamente 19º e 27º, apresentaram redução desses ângulos para 6º e 18º, no último trimestre. No uso continuado do sistema, os resultados se mantiveram os mesmos em follow-up de 02 e 04 anos. Algumas das crianças, acompanhadas por 10 anos, mantiveram suas colunas retificadas. A modulação foi desenvolvida com o conceito personalizável, sendo pioneira internacionalmente, em propor regulagens terapêuticas e antropométricas, ganhando o Premio Invento Brasileiro, em 1991, pela Secretaria de Desenvolvimento Econômico, Ciência e Tecnologia do Estado de São Paulo (PHILOT, 1992). Os resultados obtidos corroboram com os estudos analisados nas últimas décadas, e reforçam o conhecimento do quanto um adequado posicionamento pode ser eficaz para o alinhamento corporal (PHILOT, 1999; GANANÇA, 2008). À luz da Ergonomia, e, portanto considerando a antropometria de crianças de uma forma geral, entende-se que também as crianças com PC têm um crescimento físico peculiar e continuado, e assim deverão usar sistemas de posicionamento ajustáveis a essa necessidade. Considerando também as alterações neurológicas habituais de flutuação de tônus de acordo com temperatura, excitação, doenças, crises convulsivas, a importância da ajustabilidade torna-se mais evidente. (PHILOT, 1999; ENGSTRÖM, 2002 e 2006) Assim, crianças com deficiências neuromotoras, excetuando-se complicações de deformidades contundentes terão suas necessidades posturais contempladas com sistemas ajustáveis e dinâmicos (CAMPOS, 2013; ENGSTRÖM, 2002). Conforme Wright et al., um equipamento ou dispositivo é adequado por um determinado período, mas sua eficácia pode ser perdida com o tempo, em função do crescimento do usuário, mudanças no quadro clínico, uma demanda ortopédica ou outros fatores relacionados com o desenvolvimento. (WRIGHT et al., 2010) 3. Sistemas personalizados versus Sistemas personalizáveis Destaca-se então a diferença dos sistemas personalizados e personalizáveis. Os sistemas personalizados são executados à medida no ato da avaliação, considerando-se: as medidas antropométricas e as condições neurológicas, naquele momento. Não apresentam possibilidades de modificações futuras. Quaisquer alterações, em curto e médio prazo, implicarão em novo projeto, portanto, funcionam como uma modelagem do corpo e da condição terapêutica “fotografada” na avaliação. Esses sistemas foram concebidos para adultos com quadros estacionários sem previsões de alterações neurológicas e sem crescimento físico, ou alteração de peso. Ao serem importados para o Brasil foram adotados erroneamente também para crianças. São o que se denomina de sistemas “engessados.” Por conta dessa característica de engessamento, não apresentam regulagens, são mais fáceis de serem executados, possuem menor custo, pela pobre tecnologia incorporada, embora o 23 custo x benefício a médio e longo prazo seja realmente muito mais oneroso. Muitos terapeutas e familiares acreditam que justamente por serem sistemas personalizados são os mais adequados aos seus usuários. Enquadram-se nesse grupo, os chamados sistemas digitalizados, que também são executados à medida do momentum da avaliação da criança. A questão mais preocupante nesses sistemas - que foram idealizados exclusivamente para casos com padrões posturais fixados - é que, na maior parte das vezes, são utilizados sem critérios em crianças que ainda podem usufruir de sistemas biomecanicamente retificadores, tendo em vista que não estão com suas posturas motoras rígidas ou contraturadas. A figura 2 mostra um caso de cadeira com sistema personalizado para uma criança com PC quadriplégica grau V GMFCS, com uma adequação postural confeccionada de acordo com o quadro motor da mesma, não interferindo nos seus padrões motores assimétricos e deformantes. Ao analisar esta cadeira de rodas personalizada observa-se que: o encosto de cabeça está impedindo que a criança faça a exploração visual do ambiente; o apoio lateral de tronco está reforçando e estimulando o desvio de coluna; o cinto pélvico não está estabilizando e retificando o quadril, que se apresenta com rotação e obliquidade; os membros inferiores (MMII) estão em padrão de tesoura; os apoios de pés não estão sendo utilizados. Por outro lado, os sistemas personalizáveis são completos em ajustabilidade tanto para regulagens terapêuticas quanto para regulagens antropométricas. Como exemplo de regulagens terapêuticas citase: a opção que esses sistemas personalizáveis oferecem em determinar-se a inclinação anterior ou posterior do assento; cinto pélvico com trações individualizadas para o alinhamento pontual de cada quadril; tração com elevação dos estabilizadores de tronco; ângulos de maior extensão ou flexão nas articulações dos joelhos e pés, entre outros. Todas essas opções são de especialidade terapêutica, são dinâmicas e flexíveis, pois são direcionadas de acordo com o Figura 2: Cadeira de Rodas com sistema personalizado quadro neuromotor. Fonte: NEDETA A figura 3 mostra uma criança com PC grau V GMFCS, quadriplégica com forte espasticidade, sentada numa cadeira com sistema personalizável, onde se observa o bom posicionamento de todo o corpo, com alinhamento entre cintura escapular, cintura pélvica, tronco e pés. Os apoios laterais de tronco dão sustentação para o corpo favorecendo os ajustes axiais e centro de gravidade do peso do tronco. O apoio de pé com fixação de velcro e o contra-extensor-abdutor facilitam a abdução de quadril e maior normalização de tônus da cintura pélvica. O apoio de cabeça, órtese cefálica, com um sistema dinâmico que sustenta a cabeça e possibilita, através de uma mola, o movimento de rotação de um lado para o outro, o que favorece a exploração do ambiente. Para regulagens antropométricas ergonômicas, todos os conjuntos de recursos desses sistemas permitem ajustabilidade de altura, largura, profundidade, angulação, reclínio etc., nos assentos, 24 encostos, apoio de braços e demais. Portanto, esses sistemas embarcam diversas tecnologias. São mais complexos por conta das diversas regulagens e porque demandam do profissional responsável o conhecimento no eficiente manuseio da biomecânica da postura da criança com PC. São perfeitamente adequáveis durante anos para o usuário, permitindo acréscimos de materiais (placas siliconadas, espumas visco-elásticas, placas de gel etc.) como também permitem que certos pormenores sejam manufaturados para aquele momentum, sendo que nesses casos usuários e familiares devem ser advertidos quanto à necessidade de modificações futuras. Esses equipamentos personalizáveis permitem refinadas escolhas de ângulos, em todos os dispositivos componentes do sistema com ajustes milimétricos. Dessa forma, não há limites Figura 3: Cadeira de Rodas com sistema para o posicionamento terapêutico e para o crescimento físico personalizável do utilizador. São equipamentos que oferecem ao profissional Fonte: NEDETA variabilidade e dinamicidade de utilização e que consideram o fator acompanhamento um instrumento terapêutico de balização da eficácia do recurso. São equipamentos que precisam da intervenção de profissionais com a expertise de atendimento à população destinada, e que já foram alvo de estudos com comprovação de sua eficácia (PHILOT, 1999; GANANÇA et al., 2008). Os sistemas personalizáveis estão de acordo com as diretrizes do Desenho Universal (DU), considerando o universo de usuários com PC. Citando o relatório final, Mapeamento de Competências em Tecnologia Assistiva, realizado pelo Centro de Gestão e Estudos Estratégicos (CGEE, 2012): O DU é considerado um movimento mundial, baseado no conceito de que todos os produtos, ambientes e meios de comunicação, etc., sejam concebidos pensando-se atender às necessidades da grande maioria dos usuários. (NCSU, 1998) 4. Discussão Em pesquisa realizada em 2014, nos bancos de dados, Embase, Medline, ProQuest, Pubmed, ScienseDirect, Scopus, não foram encontradas referências a sistemas personalizáveis para crianças com PC. O que parece um contrassenso, pois os artigos revisados, sobre o posicionamento de crianças com paralisia cerebral, observam que essas crianças necessitam de dinamicidade nesse posicionamento, e salientam a importância de ser observado o crescimento físico e a maturação neurológica. Sem, no entanto, apontar quais seriam as soluções de viabilidade para essas situações. Revisões feitas em algumas dissertações de mestrado e teses de doutorado (GALVÃO, 2006; RIBAS, 2006; MORAES, 2009; BERETTA, 2011; PRESTES, 2011) em Engenharia, Terapia Ocupacional, Fisioterapia, no Brasil, mostraram que seus autores apontam como relevante o uso de sistemas personalizados e demarcam a necessidade de ajustes frequentes com acompanhamento regular para crianças pequenas. Este artigo salienta que nessas dissertações e teses não há o equacionamento 25 do binômio: personalização e ajustabilidade. Destacam inclusive que equipamentos feitos personalizados à antropometria do usuário potencializam suas funções, distribuem melhor os pontos de pressão, ao mesmo tempo em que promovem mais conforto e maior funcionalidade. Observa-se que no Brasil essa prática da personalização é cada vez mais utilizada, no entanto não há questionamento de como essa personalização poderá ser corretamente terapêutica e antropométrica se esses equipamentos atendem apenas ao momentum da execução. (PRESTES 2011, RIBAS 2006). Verifica-se que a maior parte das Cadeiras de Rodas, produzidas no Brasil, não acompanha as normas internacionais de Ergonomia (GRANDJEAN, 1988; HALL, 1993; LIDA, 2002; RICE, 1998) para ângulo entre encosto x assento de 95º a 110º, em mobiliários para o sentar ergonômico. Considerando que, a Cadeira de Rodas é uma estação de sentar com rodas, e são fabricadas com o ângulo de 90º, está em desacordo com as normas internacionais, assim como também com relação aos mais atuais estudos sobre a postura da coluna. Conforme sublinha Bashir (2006), dentro de um período de 10 minutos sentado nessa postura de 90 graus, apresentam-se sinais de perda de água nos discos. Dia a dia, ano após ano, haverá degeneração. Produzir equipamentos que possam ser reconfigurados quanto à ângulos ajustáveis entre encosto e assento, cambagem, centro de gravidade, etc. requer profissionais de engenharia com expertise, e estes aspectos aumentam os custos, que a maioria dos fabricantes brasileiros não desejam. Produzir qualidade de saúde em recursos assistivos ainda é sonho muito pouco conquistado. Quanto ao posicionamento de crianças com deficiências neuromotoras, tecnologia versus conhecimento versus aplicação, no Brasil, têm se mostrado com pouquíssimo investimento em inovação e pesquisa. Não existe uma fórmula de posicionamento que possa ser aplicada a todas as crianças com PC. Cada uma delas se apresenta com padrões motores e dificuldades de acordo com sua maturação neuromotora ou de acordo com o atendimento terapêutico que recebem ou receberam, e também de acordo como foram posicionadas desde bebês. Por todas essas questões há a necessidade do acompanhamento regularmente em um sistema de adequação postural, de tal forma que todas as modificações necessárias possam ser implementadas considerando-se crescimento físico, alterações de peso, adaptabilidade, usabilidade e indicações terapêuticas. Sistemas Personalizados não permitem essa ação de continuidade. Sistemas Personalizáveis apresentam regulagens em toda a gama de dispositivos, de tal forma que podem ser reconfigurados continuadamente, conforme as necessidades que o usuário possa vir a apresentar tanto no aspecto das modificações ou evoluções terapêuticas como por evoluções de crescimento, provocando a demanda de ajustes. 5. Experiência do Pará na prescrição de sistemas personalizáveis Com a análise feita pela equipe do Núcleo de Desenvolvimento em Tecnologia Assistiva e Acessibilidade, (NEDETA), instalado na Universidade do Estado do Pará (UEPA) de que as Cadeiras de Rodas das crianças com PC, atendidas por esse serviço, eram inadequadas às necessidades terapêuticas/perfil físico ou que algumas crianças não possuíam nenhum tipo de equipamento 26 de mobilidade, promoveu-se uma mediação do NEDETA com Divisão de Acompanhamento e Avaliação da Pessoa com Deficiência da Secretaria de Estado de Saúde Pública (SESPA), para um aprimoramento nas prescrições desses equipamentos de modo a atender às necessidades individuais de cada criança. Essa Divisão é o setor responsável pela concessão das Cadeiras de Rodas pelo SUS/SESPA. Esse órgão, reconhecendo os ganhos terapêuticos e financeiros dos sistemas personalizáveis, solicitou ao NEDETA que avaliasse e prescrevesse Cadeiras de Rodas personalizáveis e outros equipamentos de tecnologia assistiva (TA) para as crianças com deficiências neuromotoras. A partir de 2012 o núcleo passou a prescrever estes equipamentos para essa clientela e a partir das prescrições, a SESPA passou a providenciar as aquisições. Em levantamento do ano de 2013, constata-se que foram prescritas 127 Cadeiras de Rodas com sistema personalizável, sendo que das prescrições realizadas, 32 foram entregues pela SESPA, 07 usuários adquiriram o equipamento com recursos próprios (oriundos algumas vezes de arrecadações) e 04 foram adquiridas através do crédito acessibilidade. Embora a SESPA tenha realizado o procedimento de licitação de todas as cadeiras, a instituição encontrou diversas dificuldades no que se refere ao processo licitatório destes equipamentos. Foi necessária a avaliação técnica de cada produto ofertado pelos fornecedores, para verificar se o mesmo estava conforme a prescrição do profissional. Na maioria das vezes, foi necessário o cancelamento e o reinicio de processo licitatório, trazendo prejuízos aos usuários pela espera e aumentando a demanda reprimida por cadeiras com sistema personalizável. O que se pode inferir é que há grande interesse da Secretaria da Saúde, em focar em qualidade, portanto empenhando-se em fornecer sistemas personalizáveis, mas os fornecedores tradicionais tentam oferecer produtos com os quais estão habituados, independente das prescrições realizadas. Quanto às prescrições realizadas, foi observado que, a maioria dos usuários avaliados apresentava PC e que se encontram entre 02 a 06 anos, e com 07 a 12 anos, representando 71% das faixas etárias. (tabela 1 e 2). Até 2 anos. De 2 anos a 6 anos. De 7 a 12 anos. De 13 a 16 anos. 17 ou mais. Total Gênero Masculino 4 28 15 3 16 66 Gênero Feminino 1 22 15 5 14 57 Tabela 1: Cruzamento feito entre os gêneros dos pacientes com a faixa etária. Diagnóstico: PC Diagnóstico: Distrofia Gênero: Feminino Gênero: Masculino Total 44 50 94 1 4 5 27 Diagnóstico: Hidrocefalia Outros Diagnósticos Gênero: Feminino Gênero: Masculino Total 3 5 8 9 8 17 Tabela 2: Cruzamento feito entre o diagnóstico dos pacientes com o sexo. Considerando a diversidade dos quadros apresentados pelos pacientes avaliados e consequentemente as prescrições com características também diversas, com variações em: ferragens; chassis; assentos; encostos; cintos; apoios de cabeça; apoio de pé; apoio de braço; estabilizadores de tronco; estabilizadores de quadril e mesa, foi necessário um trabalho da Divisão de Acompanhamento e Avaliação da Pessoa com Deficiência junto ao Setor de Compras da Secretaria da Saúde, para descrever em detalhes cada equipamento e estabelecer alguns critérios que pudessem evitar a entrega de produtos diferentes do que estava sendo solicitado pelas prescrições. Alguns critérios foram definidos tais como: • As especificações devem ser exigidas rigorosamente conforme os descritivos, isto é, não pode haver mudanças no tipo de tecido, nas rodas, nas espumas, nos tipos de chassi, nos tipos de cinto, nos acessórios, nos apoios de pé, nos apoios de cabeça, nos tipos de ajustes. • Exigir que o fornecedor descreva o seu produto de preferência com imagens, informando os descritivos solicitados. • Solicitar amostras, para verificação do cumprimento da prescrição. • Exigir que a empresa tenha um profissional qualificado, sendo Terapeuta ocupacional ou Fisioterapeuta com experiência na área. • A empresa deve ter sede local para oferecer assistência técnica, se responsabilizar pela montagem, adequação e os ajustes dos equipamentos conforme a prescrição de tamanho solicitado e os detalhes especificados. • Os profissionais que prescreveram a Cadeira de Rodas e /ou o produto de tecnologia assistiva devem acompanhar as entregas efetuadas e conferir se está de acordo com o solicitado. Com estes critérios de exigência definidos procura-se evitar entregas em desacordo com o solicitado e assim atender às prescrições na íntegra e disponibilizar as cadeiras com sistema personalizável. Espera-se assim que futuramente poder-se-á acompanhar o processo evolutivo tanto em crescimento como no quadro terapêutico, e consequentemente, em longo prazo, ter uma economia por evitar agravos no quadro motor, prevenindo outras demandas tais como cirurgias, comprometimentos osteomuscular, respiratório e circulatório. 6. Considerações finais No Brasil tem havido por parte de algumas equipes uma preocupação especial em garantir a concessão de produtos que ofereçam conforto, resistência, durabilidade, praticidade e funcionalidade para o usuário. Entre as ações para esse controle de dispensação de produtos, todo o detalhamento se faz imprescindível, descrevendo com particularidades os itens a serem licitados 28 para a aquisição das cadeiras. Os profissionais, em sua maioria, têm filosofias e pensamentos diferentes em relação à escolha dos sistemas de adequação postural. Bem como em sua maioria desconhecem os atributos dos sistemas personalizáveis. Este artigo espera revisar o conhecimento nessa abordagem e realizar uma discussão para a reflexão sobre escolhas fundamentadas em resultados, mas enfatiza-se que são necessárias novas pesquisas que comprovem e ofereçam mais subsídios para as prescrições. Os resultados relatados até a presente data têm comprovado a relevância dos trabalhos fundamentados em pesquisas, que os profissionais que trabalham com sistemas personalizáveis têm realizado, com continuado acompanhamento de seus usuários com deficiência neuromotora. Acredita-se que esta mudança de paradigma contribuirá para a melhoria da qualidade de vida dessas crianças. Referências ALVES DE OLIVEIRA, A. I.; PINHEIRO, M. A.; PRAZERES, L. S. 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O trabalho também aborda situações em que a melhoria da qualidade cirúrgica, propiciada pelo emprego da impressão 3D, minimiza ou evita o surgimento de deficiências físicas. Palavras-chave: tecnologia dispositivos tecnológicos assistiva, impressão 3D, 1. Introdução A impressão 3D é uma área da engenharia de manufatura que tem como característica a construção, a partir de um modelo virtual, de peças por deposição automática, camada-a-camada, sob controle de computador. A construção em camadas é a característica distintiva e de onde derivam as suas vantagens em relação às tecnologias convencionais de manufatura. Essas vantagens são as seguintes: (1) complexidade de forma; (2) modulação da densidade do material; (3) construção de partes móveis monolíticas, isto é, sem auxílio de recursos de montagem; (4) combinação de materiais diferentes durante o processo de impressão e (5) rapidez na produção de protótipos e peças de uso final. Essas vantagens de processo acarretam vantagens competitivas que são os encurtamentos da cadeia de desenvolvimento de produtos e da própria cadeia de produção de bens manufaturados. A impressão 3D vem ampliando fortemente o conceito de personalização em massa (mass customization) por promover a diminuição de custos de artigos personalizados. Por esse conjunto de vantagens, a impressão 3D é considerada uma tecnologia disruptiva, apontada como precursora de uma nova revolução industrial que já está em andamento e impulsionada pelas transformações que vem promovendo não apenas na indústria manufatureira como também na pesquisa científica e na saúde (ANDERSON, 2012; BARNATT, 2013; LIPSON e KURMAN, 2013). Mais recentemente, ela vem se despontando, também, como recurso tecnológico de transformação na 33 Tecnologia Assistiva (GALLOWAY, 2013; FIREFLY, 2014). Alguns exemplos de dispositivos de TA construídos com impressão 3D, tanto no exterior como no Brasil, em especial com a colaboração do CTI Renato Archer, serão doravante mostrados. 2. Casos de aplicações de impressão 3D em TA no exterior O maior sucesso comercial do emprego da impressão 3D em TA refere-se aos encapsulamento anatômico dos aparelhos auditivos que acompanham a anatomia do canal auditivo das pessoas com deficiência auditiva (SHARMA, 2013). A maioria dos aparelhos auditivos disponíveis e em uso no mundo já utiliza o encapsulamento construído com impressão 3D. Um desdobramento natural dessa combinação de TA/impressão 3D é a personalização de fones de ouvidos intra-auriculares para pessoas que, embora não tenham deficiência auditiva, requerem conforto anatômico desses aparelhos (KICKSTARTER, 2014). Os aparelhos auditivos e os fones de ouvidos personalizados se constituem em exemplo claro de personalização em massa. Vale ressaltar que a matéria prima usada na construção dos invólucros são biocompatíveis com a pele que reveste o canal auditivo. Matérias-primas que sejam biocompatíveis é um requisito crítico para o uso da impressão 3D na construção de dispositivos de TA. Por isso há interesse crescente da comunidade científica da área de materiais de desenvolver matéria prima biocompatível para impressão 3D. Outra iniciativa comercial do emprego de impressão 3D em TA é o da empresa americana Bespoke, que desenvolve próteses de pernas com a função dupla de restaurar a simetria com a perna biológica e, ao mesmo tempo, confere um componente estético que agrade a pessoa com deficiência física. (BESPOKE, 2010). As paraolimpíadas de 2012, em Londres, deram grande visibilidade ao emprego da impressão 3D em TA. Com impressão 3D foram construídos assentos anatômicos personalizados para os atletas paraolímpicos do basquete (DEZEEN MAGAZINE, 2012). Também em 2012, a empresa Stratasys, fabricante de impressoras 3D, divulgou um exoesqueleto personalizado e totalmente mecânico para uma criança que nasceu com uma doença chamada artrogripose múltipla congênita, doença essa que não lhe permitia mover os braços (NICK, 2012). Esse exoesqueleto, chamado Wilmington Exoskeleton (WREX), lhe permitiu realizar movimentos até então não possíveis para realizar tarefas costumeiras tais como brincar, desenhar, alimentar e abraçar. Em fevereiro de 2014, outra fabricante de impressoras 3D, a 3D Systems – divulgou um exoesqueleto para paraplégicos (GILBERT, 2014). A estrutura desse exoesqueleto foi impressa a partir de modelos virtuais gerados pelo escaneamento 3D do corpo da pessoa paraplégica. Segundo a empresa, um design assim obtido, com alto grau de acomodação anatômica, reduz abrasões com a pele em regiões ósseas mais salientes. Como essas lesões não causam sensações dolorosas elas podem degenerar em ferimentos mais graves antes de serem percebidas pelo paraplégico devido à falta de sensibilidade da pele. A Stratasys e a 3D Systems são os líderes mundiais na fabricação de impressoras 3D. O fato de financiarem e divulgarem sistemas complexos de TA contribui efetivamente para a disseminação do emprego da impressão 3D para desenvolvimento de soluções em TA, tanto por empresas de menor porte como por organizações sem fins lucrativos ou, até mesmo, por indivíduos. Fortalece esse processo de difusão tecnológica os designs abertos (em analogia a software e hardware abertos) que são os modelos digitais que são colocados na internet para serem baixados, impressos, testados, melhorados e novamente disponibilizados, na internet para continuidade do processo de refinamento. Esse processo de aperfeiçoamento contínuo vem se tornando cada vez mais factível à 34 medida que diminuem os preços de impressoras 3D, notadamente as de bancada. Tabela 1. Categorias de TA atendidas com impressão 3D em projetos de colaboração com o CTI Cat. ADA Descrição 1 Auxílios para a vida diária Colaboração do CTI em projeto de TA com impressão 3D √ suporte para auxiliar movimento de mão e celular simplificado para uso de idosos. 6 CAA (CSA) Comunicação aumentativa (suplementar) e alternativa. Recursos de acessibilidade ao computador Sistemas de controle ambiente (só eletrônicos) Projetos arquitetônicos para acessibilidade Órteses e próteses 7 Adequação postural 8 Auxílios de mobilidade Auxílios para cegos ou com visão subnormal Auxílios para surdos ou com déficit auditivo 2 3 4 5 9 10 11 √ caixa de laptop com design personalizado √ prótese de perna e mão √ Bota personalizada para compensação de altura de perna √ maquetes táteis √ cone de audição Adaptações em veículos Nota 1. O CTI auxilia os pesquisadores em TA na escolha, adaptações dos modelos digitais e impressão 3D gratuita dos seus projetos de dispositivos. Maiores informações sobre o desempenho dos dispositivos é de inteira responsabilidade desses pesquisadores. Nota 2. A presente tabela é uma adaptação da tabela publicada por Sartoretto e Bersch 2013. Exemplo significativo dessa nascente iniciativa de soluções abertas de TA, propiciadas por impressão 3D, refere-se às próteses de braço e mão. Dois tipos de mãos robóticas viabilizadas por impressão 3D foram divulgados em 2013. Elas se diferenciam quanto ao mecanismo de movimentação dos dedos. No primeiro tipo (ROBOHAND, 2014) essa movimentação é feita com atuação puramente mecânica com movimentação do pulso enquanto que o segundo tipo (OPEN HAND PROJECT, 2013) emprega atuadores elétricos. 3. Casos de aplicações de impressão 3D em TA no CTI Renato Archer O CTI tem, ao longo do tempo e de forma contínua, colaborado com pesquisadores, internos e externos, na aplicação da impressão 3D para o desenvolvimento de dispositivos de TA, tanto ao nível de protótipos como de produtos para uso final. A primeira colaboração data de 2001 e 35 trata da construção de uma prótese de braço, tema de um trabalho de pós-doutorado (SILVA et al., 2001a; SILVA et al. 2001b). Essa prótese é, ao que temos notícia, o primeiro dispositivo de TA construído no Brasil com impressão 3D e, provavelmente, um dos primeiros no mundo tendo em vista que é muito recente (últimos três anos) o emprego de impressão 3D em TA. Desde 2001, os dispositivos de TA, cujos desenvolvimentos contaram com os recursos de impressão 3D do CTI, distribuem-se em 6 das 11 categorias da classificação de TA da American with Disabilities Act (ADA, 2014), conforme apresentado na tabela 1. Para as cinco categorias restantes, não foram também encontradas referências à impressão 3D na Internet. Para essa pesquisa na web foram utilizadas as expressões disabilities, 3D printing e outras relacionadas. Os autores desse trabalho vislumbram, no entanto, que o emprego da impressão 3D virá atender, todas as categorias de TA da ADA tendo em vista os avanços que vem sendo observados na impressão 3D e no grande mercado de dispositivos de TA. Os autores estão confiantes, também, que o Brasil pode ser um importante protagonista no aproveitamento dos recursos da impressão 3D em TA caso haja união de esforços entre os setores público e privado na indução do uso de impressão 3D em TA por meio de editais específicos para esse fim. Dentro da categoria de TA 9 (auxílio para cegos ou com visão subnormal), as maquetes táteis (CELANI et al, 2013) tiveram destaque nos projetos apoiados pelo CTI Renato Archer. Os trabalhos com maquetes táteis inspirou o desenvolvimento de uma impressora 3D, de baixo custo, especialmente para esse fim. Uma solicitação de patente dessa impressora já foi depositada no INPI e está em processo de patenteamento e refinamento. Seu custo final, quando estiver plenamente em funcionamento, é presumido em R$ 2.000,00. Exceto o trabalho de colaboração do CTI com os pesquisadores de universidade e centros de pesquisa, o tema TA com impressão 3D é muito recente no Brasil. Vale dessa forma destacar o projeto de próteses de membros superiores construídas com impressora 3D que está sendo realizado na Universidade Federal do ABC (UFABC) pela equipe da professora Maria Elizete Kunkel em colaboração com o Instituto de Ortopedia e Traumatologia (IOT) da Universidade de São Paulo (REAÇÃO, 2014a, 2014b) 4. Cirurgias apoiadas com impressão 3D como recurso para minimizar/eliminar deficiências físicas O CTI, por meio de sua Divisão de Tecnologias Tridimensionais, vem há 15 anos desenvolvendo e aperfeiçoando um programa de P, D&I em tecnologias 3D, chamado ProMED, para auxílio às cirurgias complexas. O ProMED, até meados de 2014, colaborou na melhoria de qualidade de 3500 cirurgias complexas, em mais de 180 hospitais, distribuídos em praticamente todo o território nacional e alguns no exterior. Esse trabalho vem sendo reconhecido pelo Ministério da Saúde na forma de convênios de transferência de tecnologia para os hospitais públicos. Embora a área cirúrgica seja diferente da TA, o modelo de sucesso do ProMED pode, mediante algumas adaptações, serem incorporados a um programa de TA pois utiliza a mesma infraestrutura de impressoras 3D. A diferença consiste na geração do modelo digital e nos profissionais que vão fazer a interface com o cidadão que necessita de ajuda. Discutir essas diferenças, embora de grande relevância, foge ao escopo do presente trabalho. O CTI acompanha e participa de projetos inovadores em diferentes áreas da engenharia, da saúde e da TA, baseados em impressão 3D. Dentro desse ambiente vem se tornando recorrente a seguinte questão: A melhoria da qualidade das cirurgias propiciadas pela impressão 3D poderia levar à 36 minoração ou eliminação de deficiências físicas e, em decorrência, da necessidade dos dispositivos de TA? A pertinência dessa questão reside na observação de casos cirúrgicos assistidos com tecnologias 3D supridas pelo CTI e que tem como principal desdobramento a minimização de sequelas, aqui traduzidas como deficiências físicas. Colocado de outra forma - o melhor planejamento cirúrgico é aquele que minimiza sequelas, evitando, assim, que um paciente venha se tornar um deficiente físico. Os resultados do emprego de cirurgias auxiliadas com impressão 3D sobre a aquisição de deficiência física no pós-operatório são aqui classificados em três categorias: preventivos, corretivos ou regenerativos conforme explicado a seguir. (a) Resultado preventivo: Ao prover dispositivos tais como biomodelos físicos (réplicas anatômicas de partes lesadas), ferramental cirúrgico, moldes para implantes personalizados e até implantes de uso final, a impressão 3D contribui para aumento da qualidade das cirurgias e consequente diminuição de eventuais sequelas. Artroplastia de joelho e do fêmur, implante dentário e cranioplastia (reconstrução de crânio) são exemplos de cirurgias que tiveram qualidade aumentada com o uso de dispositivos impressos. (b) Resultado corretivo. Com um bom planejamento cirúrgico, feito com o auxílio de biomodelos das áreas de interesse da anatomia, cirurgias podem ser feitas com segurança para minorar uma deficiência física ou uma anormalidade já existente. Um exemplo é a separação de gêmeos xifópagos ou de correções de deficiência decorrentes de síndromes congênitas. (c) Resultado regenerativo. Dentro do campo da medicina regenerativa a bioimpressão de órgãos humanos vem recebendo crescente atenção. Em linhas gerais a bioimpressão consiste em utilizar aglomerados de células vivas, chamados tissue spheroids, que vão funcionar como “tinta” das bioimpressoras 3D. Esses aglomerados são dispensados camada-a-camada formando um volume 3D que é, então, levado para um bioreator onde ocorre o crescimento e maturação do órgão que pode ser um rim, coração, fígado, etc. Esses órgãos, como são constituídos do mesmo material genético do paciente, não teriam rejeição biológica. 5. Considerações finais A impressão 3D vem demonstrando ser um auxílio de grande valia para a TA como também um ramo tecnológico que viabilizaria a realização de cirurgias que minimizaria ou eliminaria uma deficiência física. O fato de o programa “Viver Sem Limite” ter entre seus quatro eixos básicos a saúde e a acessibilidade faz desse programa uma excelente plataforma para se discutir soluções de TA sob a perspectiva da melhoria de qualidade das cirurgias propiciadas pelo emprego da impressão 3D. Agradecimentos Os autores agradecem imensamente aos pesquisadores de TA e cirurgiões, com quem o CTI vem colaborando com impressão 3D, sem os quais não seria possível auxiliar os cidadãos brasileiros que recorrem ao poder público para resolver seus problemas de acessibilidade e saúde. 37 Referências ADA - American with Disabilities ACT, 1994. Disponível em: http://www.ada.gov. BARNATT, Christopher. 3D Printing – The Next Industrial Revolution. 1ª. ed. Printed and bound on demand, 2013, 262 p. CARRABINE, L. 3D Printers Deliver Competitive Alternative to Traditional Prosthetic Limbs, Make Parts Fast, publicado em 07/12/2010. 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M. de Oliveira Centro de Tecnologia da Informação Renato Archer - CTI, Divisão de Qualificação e Análise de Produtos Eletrônicos - DAPE; e-mail: carlos. [email protected]. Sebastião Eleutério Filho Centro de Tecnologia da Informação Renato Archer - CTI, Divisão de Qualificação e Análise de Produtos Eletrônicos - DAPE; e-mail: sebastiao. [email protected]. Resumo: Apresenta a cadeira de roda como produto de tecnologia assistiva (TA) de suma importância para a ampliação da autonomia e liberdade de pessoas com problemas de locomoção e discute a questão da certificação compulsória das cadeiras de rodas como forma de controle e melhoria da qualidade desses produtos fabricados no Brasil. Palavras-chave: Tecnologia Assistiva, Cadeira de rodas, certificação e qualificação. 1. Contexto A cadeira de rodas é um produto de tecnologia assistiva fundamental para apoio às pessoas que possuem alguma restrição de locomoção, temporária ou permanente, pois facilita sua locomoção, tanto em espaço público como no domiciliar, oferecendo autonomia e liberdade aos seus usuários. Segundo a Organização Mundial de Saúde, estima-se que 70 milhões de pessoas no mundo (cerca de 1% da população mundial) necessitam atualmente de cadeira de rodas1. Projetando esta base de cálculo para o Brasil, estima-se que cerca de 2 milhões de pessoas necessitariam de cadeiras de rodas no país. Segundo o relatório de pesquisa SUS/MS de 2012, cerca de 70% dos usuários do Programa BPC Escola afirmaram que fazem uso de algum tipo de equipamento de apoio à locomoção; entre os mais citados estão as cadeiras de rodas, com cerca de 40% do total2. Apesar de sua inegável importância, a cadeira de rodas vem recebendo, dos usuários brasileiros, críticas relacionadas com a qualidade do produto comercializado no país3. O Brasil possui centros OMS. Organização Mundial da Saúde. Wheelchair Service Training Package [Online]. Disponível em: http://www.who.int/disabilities/ technology/wheelchairpackage/en/ 2 SUS. Departamento de Ouvidoria Geral do SUS. Secretaria de Gestão Estratégica e Participativa, Ministério da Saúde. Relatório da pesquisa sobre o acesso a medicamentos, órteses e próteses pelos beneficiários do Programa BPC na Escola, realizada em 2012. Disponível em: http://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/relatorio_pesquisa_bpc.pdf. 1 41 de pesquisas, universidades e centros de referência voltados à temática da reabilitação, com atuações específicas em desenvolvimento de cadeira de rodas, porém carece de uma regulamentação específica e de incentivos aos fabricantes para melhorar a qualidade deste produto, estas são, entre outras, algumas das causas desta situação. Existe no Brasil cerca de 10 (dez) fabricantes nacionais de cadeira de rodas, convencionais e motorizadas, com aproximadamente 200 modelos disponíveis4. 2. Ação interministerial Em 10 de outubro de 2013 foi divulgado, em mídia televisiva, um relatório sobre a Análise em Cadeira de Rodas, realizado pelo INMETRO5. O documento apontava irregularidades em todas as cadeiras de rodas analisadas, pois não atendiam aos requisitos da norma internacional ISO 7176. Este fato motivou, em novembro de 20136, uma Ação Interministerial (Casa Civil, MCTI, SDH, MS, SUS, ANVISA, INMETRO, CTI, INT), com objetivo de melhorar a qualidade das cadeiras de rodas fabricadas no Brasil através de um processo de certificação compulsória do produto. Neste contexto a ANVISA, Agência Nacional de Vigilância Sanitária do Ministério da Saúde, publicou a Instrução Normativa No. 9, de 26 de dezembro de 2013, estabelecendo compulsoriedade dos ensaios das normas ISO 7176 para certificação de cadeiras de rodas, dado que existam laboratórios acreditados para a realização dos ensaios. Visando suprir a carência no país de laboratórios voltados a ensaios de cadeiras de rodas, a Secretaria de Ciência e Tecnologia para a Inclusão Social (SECIS) do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI) designou o Centro de Tecnologia da Informação Renato Archer (CTI/MCTI) e o Instituto Nacional de Tecnologia (INT/MCTI) para a realização de ação conjunta que estruturasse uma rede de laboratórios voltados à certificação cadeiras de rodas, utilizando infraestruturas e competências já existentes de laboratórios públicos. Outro encaminhamento foi efetuado pelo INMETRO, Instituto Nacional de Metrologia, Normalização e Qualidade Industrial do Ministério do Desenvolvimento da Indústria e Comércio Exterior (MDIC), que estabelecerá a regulamentação para avaliação da conformidade de cadeiras de rodas, portanto será formada uma comissão de trabalho composta pelas partes interessadas (fabricantes, certificadoras, laboratórios, governo e INMETRO) para a elaboração dos Requisitos de Avaliação da Conformidade (RAC) – INMETRO. 3. Certificação Certificar um produto ou serviço significa comprovar junto ao mercado e aos clientes que a organização possui um sistema de fabricação controlado, garantindo a confecção de produtos ou a execução dos serviços de acordo com normas específicas, garantindo sua diferenciação face aos concorrentes (ABNT). Regulamentação técnica é o meio pelo qual os governos estabelecem os INMETRO. Programa de análise de produtos: relatório sobre a análise em cadeiras de rodas. Publicado em 2013. Disponível em: http:// www.inmetro.gov.br/consumidor/produtos/cadeira_rodas.pdf 4 BRASIL. Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação. Catálogo Nacional de Produtos de Tecnologia Assistiva. Brasília-DF: MCTI [Online]. Disponível em: http://assistiva.mct.gov.br. Acesso em julho de 2014. 5 INMETRO, op. cit., nota de rodapé n. 7. 6 Diário Oficial da União, seção 1, pág. 755, publicado em 30/12/2013. [Online]. Disponível em: http://pesquisa.in.gov.br/imprensa/jsp/ visualiza/index.jsp?jornal=1&pagina=755&data=30/12/2013 5 42 requisitos de cumprimento compulsório relacionadas principalmente à saúde, segurança, meio ambiente, defesa do consumidor e prevenção de práticas enganosas de comércio (INMETRO). Os produtos são certificados com base em normas de referência, a International Standards Organization (ISO), e seu braço nacional, a Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT) coordenam grupos de estudos e comitês que, através de especialistas, publicam normas de orientação para desenvolvimento e ensaios que padronizam a análise de conformidade de um produto ou serviço. O CB26 da ABNT é o fórum brasileiro onde as normas ISO 7176 referentes aos ensaios de cadeiras de rodas estão sendo trabalhadas. 4. Conclusão O empenho do Governo, em especial da SECIS/MCTI, neste tema tem por objetivo principal oferecer aos usuários brasileiros um produto de qualidade segundo requisitos internacionais. Em especial a certificação também permitirá que o Sistema Único de Saúde (SUS/MS), através de seu sistema de licitações de compra, possa adquirir cadeiras de rodas de qualidade para seus usuários. Neste contexto espera-se motivar os fabricantes a aumentar a competitividade de seus produtos através da melhoria da qualidade de seus processos e produtos objetivando a certificação. O governo estuda mecanismos de incentivo à inovação de produtos de TA, junto aos seus fabricantes, através do apoio aos projetos de pesquisa e desenvolvimento, estruturação de rede de laboratórios de ensaios e uso de margem de preferência em compras públicas. O Programa “Viver Sem Limite” da Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República apoia o financiamento para o desenvolvimento de produtos de TA para pessoas com deficiência, mas se deparou com a ausência total de certificação desses produtos. Desse modo, a cadeira de rodas é o primeiro produto de TA a ser certificado, ao mesmo tempo em que um estudo está sendo elaborado para definir outros produtos que, oportunamente, serão certificados visando a melhorar sua qualidade e proteger seus usuários. Referências BRASIL. Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação - MCTI. Catálogo Nacional de Produtos de Tecnologia Assistiva. Brasília-DF: MCTI [Online]. Disponível em: http://assistiva.mct.gov.br. Acesso em julho de 2014. IMPRENSA NACIONAL. Diário Oficial da União, seção 1, pág. 755, publicado em 30/12/2013. [Online]. Disponível em: http://pesquisa.in.gov.br/imprensa/jsp/visualiza/index.jsp?jornal=1&pa gina=755&data=30/12/2013. INMETRO. Programa de análise de produtos: relatório sobre a análise em cadeiras de rodas, 2013. Disponível em: http://www.inmetro.gov.br/consumidor/produtos/cadeira_rodas.pdf. OMS. Organização Mundial da Saúde. Wheelchair Service Training Package. [Online]. Disponível em: http://www.who.int/disabilities/technology/wheelchairpackage/en/. SUS. Departamento de Ouvidoria Geral do SUS. Secretaria de Gestão Estratégica e Participativa, Ministério da Saúde. Relatório da pesquisa sobre o acesso a medicamentos, órteses e próteses pelos beneficiários do Programa BPC na Escola, 2012. Disponível em: http://bvsms.saude.gov.br/ bvs/publicacoes/relatorio_pesquisa_bpc.pdf. 43 44 Tecnologia assistiva ou tecnologia de reabilitação? Rita Bersch Fisioterapeuta, Mestre em Design pela UFRGS e diretora da Assistiva Tecnologia e Educação. Consulte o site: www.assistiva.com.br. Resumo: Apresenta breve histórico da construção conceitual do termo “tecnologia assistiva” e busca demonstrar o que distingue a TA de outras tecnologias que também podem beneficiar pessoas com deficiência, porém não são consideradas Tecnologia Assistiva. A importância da distinção aponta para o estabelecimento de focos de estudo, organização de serviços e financiamento de pesquisas. Palavras-chave: reabilitação. Tecnologia Assistiva, funcionalidade, 1. Introdução Durante o I Simpósio Internacional de Tecnologia Assistiva do CNRTA1, obtive a incumbência de apresentar o tema “Tecnologia assistiva ou tecnologia de reabilitação?”, o qual procurarei sintetizar neste texto, conforme me foi solicitado. Apresento a construção conceitual de Tecnologia Assistiva conforme foi discutida e apresentada pelo Comitê de Ajudas Técnicas (CAT) e, por fim, busco mostrar o que distingue a TA de outras tecnologias que também podem beneficiar pessoas com deficiência, porém não são consideradas Tecnologia Assistiva. A importância desta distinção está no estabelecimento de focos de estudo, organização de serviços e financiamento de pesquisas. 2. Tecnologia Assistiva (TA) Em novembro de 2006, por meio da portaria nº 142, foi instituído o Comitê de Ajudas Técnicas CAT, já previsto no decreto nº 5.296 de 2004. Ajudas Técnicas era o termo então utilizado para o que hoje chamamos Tecnologia Assistiva. O CAT foi originalmente formado por um grupo de especialistas e representantes de vários órgãos governamentais e ainda hoje permanece vinculado à Secretaria Especial de Direitos Humanos da O “I Simpósio Internacional de Tecnologia Assistiva” foi organizado pelo Centro Nacional de Referência em Tecnologia Assistiva (CNRTA) e o Centro de Tecnologia da Informação - CTI Renato Archer, com recursos e apoio do CNPq, entre 03 e 05 de junho de 2014, em Campinas/ SP, auditório do CTI Renato Archer. Saiba mais: http://www.cti.gov.br/cnrta/cnrta-noticias/655-i-simposio-internacional-de-tecnologiaassistiva-do-cnrta. (N. E.) 1 45 Presidência da República. Teve, entre outras atribuições, analisar o referencial conceitual nacional e internacional e propor um conceito brasileiro de Tecnologia Assistiva, a fim de subsidiar proposições políticas nas diversas áreas como educação; saúde; ciência, tecnologia e inovação; trabalho; indústria; cultura; esporte; direitos humanos; desenvolvimento social; cidades e outras. Na revisão dos marcos legais vigentes no Brasil, o termo “Ajudas Técnicas” encontra-se mencionado no decreto nº 3.298, de 1999, que diz respeito à “Política Nacional para a Integração da Pessoa Portadora de Deficiência”. Neste decreto consta o seguinte: “Consideram-se ajudas técnicas, para os efeitos deste Decreto, os elementos que permitem compensar uma ou mais limitações funcionais motoras, sensoriais ou mentais da pessoa portadora de deficiência, com o objetivo de permitir-lhe superar as barreiras da comunicação e da mobilidade e de possibilitar sua plena inclusão social”. (BRASIL, 1999) Além de conceituar Ajudas Técnicas, o decreto 3.298/99 também apresenta uma breve lista de itens e de recursos, considerados de direito das pessoas brasileiras com deficiência. Ainda como referencial legal brasileiro, o decreto 5.296 de 2004 sublinha que: Para os fins deste Decreto, consideram-se ajudas técnicas os produtos, instrumentos, equipamentos ou tecnologia adaptados ou especialmente projetados para melhorar a funcionalidade da pessoa portadora de deficiência ou com mobilidade reduzida, favorecendo a autonomia pessoal, total ou assistida. (BRASIL, 2004) Analisando os dois documentos legais, percebemos que as Ajudas Técnicas, entendidas como direito, compreendem: o objeto: “produtos e equipamentos”; a finalidade: “compensar limitações funcionais”, “melhorar funcionalidade”, “possibilitar inclusão”, “melhorar comunicação”, “melhorar mobilidade”, “favorecer autonomia total ou assistida”; por fim, a quem se destina: “pessoas com deficiência”. Na pesquisa ampliada do referencial teórico, o comitê procurou pelas palavras-chave: Tecnologia Assistiva, Ajudas Técnicas, Tecnologia de Apoio e Ausili, traduzidas nas línguas inglesa, espanhola, portuguesa e italiana. Conforme proposto no documento “Empowering Users Through Assistive Technology, EUSTAT”, elaborado por uma comissão de países da União Europeia, nota-se que foram incorporadas ao conceito da tecnologia assistiva as várias ações em favor da funcionalidade das pessoas com deficiência, sobretudo quando afirma: [...] em primeiro lugar, o termo tecnologia não indica apenas objetos físicos, como dispositivos ou equipamento, mas antes se refere mais genericamente a produtos, contextos organizacionais ou modos de agir, que encerram uma série de princípios e componentes técnicos. (EUROPEAN COMMISSION - DGXIII, 1998) Cook e Hussey (1995) buscaram também descrever a Tecnologia Assistiva a partir da compreensão do que seja a tecnologia. Segundo os autores, o dicionário provê as seguintes definições para tecnologia: 1) A ciência ou o estudo das artes práticas ou industriais, 2) Ciência aplicada, 3) Método, processo..., para lidar com um problema técnico específico. 46 Afirmam então Cook e Hussey que “surpreendentemente, nenhuma das definições de tecnologia citadas fala sobre a tecnologia se restringir a um recurso específico, ao invés disso, as definições dão ênfase na aplicação do conhecimento. Para os autores este é um conceito importante e nós devemos usar o termo Tecnologia Assistiva para nos referir a uma ampla gama de recursos, serviços, estratégias e práticas que são criados e aplicados para melhorar os problemas enfrentados por indivíduos com deficiência”. (COOK e HUSSEY, 1995) Já os documentos de legislação nos Estados Unidos apresentam a TA como recursos e serviços sendo que: Recursos são todo e qualquer item, equipamento ou parte dele, produto ou sistema fabricado em série ou sob medida utilizado para aumentar, manter ou melhorar as capacidades funcionais das pessoas com deficiência. Serviços são definidos como aqueles que auxiliam diretamente uma pessoa com deficiência a selecionar, comprar ou usar os recursos acima definidos. (ADA - American with Disabilities ACT, 1994.) O Secretariado Nacional para a Reabilitação e Integração das Pessoas com Deficiência (SNRIPD) de Portugal afirma: Entende-se por ajudas técnicas qualquer produto, instrumento, estratégia, serviço e prática utilizada por pessoas com deficiência e pessoas idosas, especialmente produzido ou geralmente disponível para prevenir, compensar, aliviar ou neutralizar uma deficiência, incapacidade ou desvantagem e melhorar a autonomia e a qualidade de vida dos indivíduos. (CNAT, 2005). Percebe-se, também na definição do SNRIPD, a ampla abrangência do tema, que extrapola a concepção de produto e agrega outras atribuições ao conceito de ajudas técnicas, tais como: estratégias, serviços e práticas que favorecem o desenvolvimento de habilidades de pessoas com deficiência. A partir desses e outros referenciais, o CAT considerou que não foi encontrado um consenso ou a identificação de um conceito único, ou de um termo único para explicar e referir o objeto de estudo. Os conceitos pesquisados variavam na sua abrangência. No Brasil, as definições existentes na nossa legislação, que utilizavam a terminologia “ajudas técnicas,” eram restritas a produtos e equipamentos utilizados por pessoas com deficiência. As ajudas técnicas estavam muito vinculadas à realidade da reabilitação e à concessão de produtos como órteses, próteses e recursos de mobilidade por meio do Ministério da Saúde. O termo “Ajudas Técnicas” não fazia uma referência exclusiva ao objeto de pesquisa, enquanto o termo “Tecnologia Assistiva” por ser original e já utilizado, especialmente no referencial teórico produzido por pesquisadores brasileiros, por operadores de serviços, pelo mercado e por setores governamentais, se consolidava, sendo o mais apropriado. O Comitê de Ajudas Técnicas/Secretaria Especial dos Direitos Humanos da Presidência da República (CAT/SEDH), em 14 de dezembro de 2007, aprovou o seguinte conceito de Tecnologia Assistiva, proposto por seus integrantes: Tecnologia Assistiva é uma área do conhecimento, de característica interdisciplinar, que engloba produtos, recursos, metodologias, estratégias, 47 práticas e serviços que objetivam promover a funcionalidade, relacionada à atividade e participação, de pessoas com deficiência, incapacidades ou mobilidade reduzida, visando sua autonomia, independência, qualidade de vida e inclusão social. (BRASIL, 2007). Identificando que a Tecnologia Assistiva como uma área de conhecimento, o CAT sugeriu também que o termo seja utilizado sempre no singular e quando desejarmos nos referir a um conjunto de recursos de TA utilizemos a expressão “recursos assistivos” e não “tecnologias assistivas”. Em 2008 entrou em vigor para o Brasil a Convenção dos Direitos das Pessoas com Deficiências. Sendo signatário desta convenção, o Brasil assume o compromisso de, conforme consta no Artigo 4 das obrigações gerais: “realizar ou promover a pesquisa e o desenvolvimento, bem como a disponibilidade e o emprego de novas tecnologias, inclusive as tecnologias da informação e comunicação, ajudas técnicas para locomoção, dispositivos e tecnologia assistiva, adequados a pessoas com deficiência, dando prioridade a tecnologias de custo acessível.” (BRASIL, 2007) Identificamos como o novo conceito brasileiro de TA, que se alargou para além de recursos e agora prevê a inclusão de serviços, metodologias, práticas, estratégias. Prevê, portanto, a aplicação do conhecimento visando à ampliação de habilidades funcionais e de participação efetiva das pessoas com deficiência e outras limitações funcionais e nos coloca em consonância com os movimentos internacionais que defendem os direitos fundamentais das pessoas com deficiência. 3. Tecnologia assistiva ou tecnologia médica e de reabilitação? Tendo a definição clara de Tecnologia Assistiva não fica difícil distingui-la de outras tecnologias que também podem beneficiar pessoas com deficiência, como a tecnologia médica ou de reabilitação. A Tecnologia Assistiva é um recurso do usuário (pessoa com deficiência, idoso, pessoa com restrição de mobilidade ou outra limitação funcional temporária). A tecnologia médica e de reabilitação é um recurso do profissional da saúde (médicos, terapeutas, fisioterapeutas, fonoaudiólogos,...). A Tecnologia Assistiva auxilia o usuário a realizar uma tarefa pretendida como: mobilidade; comunicação; acesso à informação; lazer; tarefas do cotidiano como vestir-se, alimentar-se, praticar um esporte, escrever, etc. A TA qualifica ou promove a realização de atividades de interesse e proporciona participação dos usuários nos vários contextos sociais. A tecnologia médica ou de reabilitação ajuda o profissional da saúde no diagnóstico ou na intervenção terapêutica. Esta tecnologia avalia atividade do corpo e interfere na estrutura do corpo. São equipamentos que avaliam e melhoram performance física, são medicamentos, são instrumentos cirúrgicos, são implantes cirúrgicos e outros. Conforme consta no livro Tecnologia Assistiva, escrito pelo CAT, uma das importantes classificações de produtos assistivos, a ISO 9999/2007, destaca que estão explicitamente excluídos da norma específica de produtos assistivos os seguintes itens: medicamentos, produtos e instrumentos utilizados exclusivamente por profissionais de serviços de saúde, implantes, entre outros. 48 4. Conclusão Para concluir, é importante ressaltar que a construção conceitual brasileira foi muito importante para que se pudesse reconhecer a Tecnologia Assistiva como esta área de conhecimento interdisciplinar. Na ação interdisciplinar, que envolve projetos de produtos e/ou serviços, os usuários de TA e os profissionais de distintas áreas compartilham conhecimentos para promover a participação autônoma da pessoa com deficiência nas mais variadas situações de vida de acordo com seus interesses e necessidades. Na ação interdisciplinar, usuário e profissionais formam a equipe: O usuário conhece a realidade que vive e o problema que deseja ver superado por meio da tecnologia; conhece também suas habilidades potenciais que já foram experimentadas e poderão ser aproveitadas; conhece os diferentes contextos onde a tecnologia será inserida, os limites existentes nestes contextos e suas possibilidades. Os profissionais compartilham seus conhecimentos buscando a solução do problema apresentado: engenharia, design, arquitetura, fisioterapia, terapia ocupacional, fonoaudiologia, educação. Em interação, poderão propor soluções, experimentar, avaliar resultados, ajustar, ensinar e aprender a utilizar a solução assistiva, implementar. Referências ASSISTIVE TECHNOLOGY ACT (P.L. 105-394, S.2432, 1998). Disponível em: www.section508. gov/docs/AT1998.html#3. Acesso em: 15/08/2014. BRASIL. Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência. Secretaria Especial dos Direitos Humanos da Presidência da República. Coordenadoria Nacional para Integração da Pessoa Portadora de Deficiência. Brasília, 2007. BRASIL. Decreto nº 3.298, de 20 de dezembro de 1999. Disponível em: www.planalto.gov.br/ ccivil_03/decreto/D3298.htm. Acesso em: 15/08/2014. BRASIL. Decreto nº 5.296, de 02 de dezembro de 2004. Disponível em: www.planalto.gov.br/ ccivil_03/_Ato2004-2006/2004/Decreto/D5296.htm. Acesso em: 15/08/2014. BRASIL. Subsecretaria Nacional de Promoção dos Direitos da Pessoa com Deficiência. Tecnologia Assistiva. Brasília: CORDE, 2009. Disponível em http://www.pessoacomdeficiencia.gov.br/app/ sites/default/files/publicacoes/livro-tecnologia-assistiva.pdf. Acesso em: 15/08/2014. CNAT. Catálogo Nacional de Ajudas Técnicas, Secretariado Nacional para a Reabilitação e Integração das Pessoas com Deficiência (SNRIPC), 2005. Disponível em: www.ajudastecnicas.gov. pt/about.jsp COOK, A.; HUSSEY, S. Assistive Technologies: Principles and Practice. Missouri-USA: Mosby Year Book, 1995. EUSTAT CONSORTIUM. Assistive Technology Education for End-Users - EUROPEAN COMMISSION - DGXIII, 1999. Disponível em: www.siva.it/research/eustat/deliver0-4-3_ summary.html. Acesso em: 15/08/2014. 49 50 Acessibilidade nos transportes: apresentação de um estudo realizado no transporte aéreo brasileiro. Talita Naiara Rossi da Silva Autor de correspondência: [email protected] Nilton Luiz Menegon Larissa Gomes Lunardon Jerusa Barbosa Guarda de Souza Julia Pierre Figueiredo Resumo: Apesar do significativo crescimento do transporte aéreo mundial e dos avanços no reconhecimento dos direitos das pessoas com deficiência e dos idosos, estudos indicam que há uma lacuna entre as necessidades dos passageiros e as facilidades e serviços oferecidos pelas companhias aéreas, aeronaves e aeroportos, dificultando a participação no uso do modal aéreo. Nesta perspectiva, o presente estudo apresenta um Projeto que está sendo desenvolvido no transporte aéreo brasileiro, intitulado Projeto Cabine Universal. Seguindo a premissa da Ergonomia da Atividade, a qual preconiza o envolvimento dos sujeitos nos processos de análise, a coleta de dados baseou-se em entrevistas, pesquisa survey e observações em situações reais no transporte aéreo. Os resultados preliminares indicam que os passageiros encontram dificuldades em todas as etapas das viagens aéreas, as quais relacionam-se a infraestrutura aeroportuária, operação e cabines de aeronaves e, que se faz necessário a participação de diferentes atores sociais para transformação das condições de acessibilidade de modo continuado e integrado. Palavras-chave: acessibilidade, transporte aéreo, passageiros com deficiência, passageiros idosos, passageiros obesos. 1. Introdução De acordo com a Constituição Federal de 1988 todos somos iguais perante a lei e temos a liberdade de ir e vir em todo o território nacional (BRASIL, 2013). O acesso a este, como também aos direitos sociais representados pela educação, o trabalho, o lazer e a saúde, é em parte assegurado pelo acesso ao transporte. Além disso, a Organização das Nações Unidas reafirma a “universalidade, a indivisibilidade, a interdependência e a inter-relação de todos os direitos humanos e liberdades fundamentais, bem como a necessidade de garantir que todas as pessoas com deficiência os exerçam plenamente, sem discriminação” (BRASIL, 2009). 51 Vale lembrar que, de acordo com a Classificação Internacional de Funcionalidade, Incapacidade e Saúde (CIF) da Organização Mundial da Saúde, a participação ou a restrição nas atividades às pessoas com deficiência não é determinada unicamente pela existência de uma deficiência, mas sim pela interação complexa, dinâmica e multidimensional da pessoa com deficiência e os fatores contextuais, que incluem tanto os fatores ambientais quanto sociais (OMS, 2001). No entanto, apesar dos direitos das pessoas com deficiência serem reconhecidos mundialmente, na realidade observa-se que a participação destas pessoas nos contextos sociais é restringida por inúmeras barreiras e muito ainda precisa ser melhorado no contexto dos transportes. De acordo com Chang e Chen (2012a) no transporte aéreo há lacunas entre as necessidades dos passageiros com deficiência e as facilidades e os serviços disponibilizados pelas companhias aéreas, aeronaves e aeroportos. Yau et al (2004) ressaltam que viajar em contextos primariamente desenvolvidos para pessoas sem deficiência impõem desafios únicos às pessoas com deficiência. Chang, Chen (2012a), Darcy (2012) e Poria et al (2010) destacam que as pessoas com deficiência encontram barreiras físicas e atitudinais em todas as fases da viagem, iniciando-se no planejamento da viagem, até o desembarque no aeroporto de destino, incluindo o voo. Nos aeroportos, por exemplo, os estudos salientam dificuldades como acesso às rampas, altura dos balcões de check-in, atitudes dos atendentes em relação aos passageiros com deficiência, aguardar em filas (CHANG, CHEN, 2012a) e falta de informações precisas (PORIA et al., 2010). Na aeronave, de modo geral, as dificuldades relacionam-se a inacessibilidade do toalete, espaços restritos para deslocamento e acomodação, localização dos assentos reservados para passageiros que tem prioridade dentro da aeronave, falta de cadeira de bordo, atitudes dos atendentes (DARCY, 2012; PORIA et al., 2010; CHANG, CHEN, 2012a) e desconhecimento da linguagem de sinais pelos comissários de bordo (FREEMAN, SELMI, 2010). O embarque e o desembarque também representam etapas da viagem caracterizadas por constrangimentos e desconfortos associados principalmente a falta de pontes de embarque ou outros equipamentos de auxílio à elevação (ambulift) e falta de apoios de braços móveis nos assentos da aeronave, dificultando o processo de transferência (PORIA et al., 2010; DARCY, 2012). Para Wolfe, Suen (2007), Wolfe (2003) e Chang, Chen (2012b) os passageiros idosos também enfrentam dificuldades em todas as fases da viagem aérea, das quais destacam-se a localização e deslocamento nos terminais, distâncias percorridas, esperas e falta de condições adequadas para embarque e desembarque. Da mesma forma, os passageiros obesos, considerados como aqueles que têm Índice de Massa Corporal (relação entre o peso e a altura ao quadrado) igual ou maior que 30, também encontram dificuldades em todas as fases da viagem. Conforme estudo realizado por Veldhuis e Holt (2013) os três principais problemas encontrados pelos passageiros obesos são i) a compra e reserva de assentos, principalmente, em decorrência da falta de informação quanto às políticas das companhias aéreas dedicadas aos passageiros obesos; ii) aspectos da aeronave, tais como, a largura dos assentos, cintos de segurança, largura dos corredores, toaletes e mesas de bordo e; iii) deslocamento no aeroporto, embarque e desembarque. Considerando os estudos apresentados verifica-se que são inúmeras as questões que oferecem barreiras às viagens de pessoas com deficiência, idosas ou obesas. No entanto, não foram encontrados estudos realizados no Brasil, como também há limitações em relação aos participantes 52 envolvidos nos estudos citados, uma vez que a maioria dedica-se a estudar passageiros com deficiência física ou visual, ou passageiros idosos ou obesos, além disso, alguns grupos não são considerados nos estudos, por exemplo, não há estudos sobre as experiências das pessoas com nanismo no transporte aéreo. Diante do exposto, o presente trabalho apresentado no I Simpósio Internacional de Tecnologia Assistiva do Centro Nacional de Referência em Tecnologia Assisitiva tem como objetivo apresentar um Projeto que está sendo desenvolvido no transporte aéreo brasileiro, o Projeto Cabine Universal: Compreendendo as necessidades especiais de usuários do transporte aéreo. 2. Passageiros com necessidade de assistência especial no transporte aéreo brasileiro O Projeto Cabine Universal está sendo desenvolvido por meio de uma parceria entre o Laboratório de Ergonomia, Simulação e Projeto de Situações Produtivas da Universidade Federal de São Carlos (PSPLab/DEP/UFSCar) e a Empresa Brasileira de Aeronáutica. Este projeto tem como objetivo o estudo e prospecção das demandas dos passageiros com deficiência e dos passageiros com mobilidade reduzida, como base para o desenvolvimento de soluções para cabines de aeronaves que atendam esse público. Assim sendo, no presente estudo foram incluídas as pessoas com deficiência, física, auditiva e visual, conforme definições do Decreto n.5296 (BRASIL, 2004), portanto, incluindo as pessoas com nanismo entre àquelas com deficiência física, e ainda as pessoas idosas e pessoas obesas. A abordagem teórico-metodológica utilizada no projeto tem sua origem na Ergonomia da Atividade, disciplina que estuda a interação entre os homens e os sistemas, visando melhorar condições de conforto, segurança, saúde e desempenho, e que se aplica tanto à análise de situações de trabalho como ao desenvolvimento de produtos. Como principais pressupostos desta disciplina destacam-se o envolvimento dos sujeitos e a análise em situações reais (GUÉRIN et al., 2001). Nesta mesma perspectiva, no campo da Tecnologia Assistiva, enfatiza-se a importância do envolvimento dos futuros usuários dos produtos ou serviços a serem desenvolvidos (GARCÍA; GALVÃO, 2012), no sentido de “nada para nós, sem nós”. A pesquisa de campo baseou-se em quatro etapas: entrevistas preliminares, pesquisa survey e observações sistemáticas na aviação comercial e em outros contextos. As entrevistas preliminares foram realizadas com associações e centros de referência que prestam serviços diversos às pessoas com deficiência, idosas ou obesas, órgãos públicos federais e estaduais, fabricantes e observatório de tecnologia assistiva e usuários do transporte aéreo, totalizando 25 entrevistas, para compreender as perspectivas de diferentes atores quanto ao transporte aéreo e os passageiros alvos do estudo. A pesquisa survey, foi aplicada em diferentes contextos de coleta, como Site Web1 , Feira Reatech, Aeroportos, Voos e Competições Paraolímpicas, com objetivo de compreender as dificuldades e estratégias utilizadas pelos passageiros nas viagens aéreas, bem como identificar quais os fatores 1 Disponível em: http://www.cabineuniversal.dep.ufscar.br 53 Gráfico 1. Participantes que geram satisfação no uso deste transporte e, levantar sugestões. Tal pesquisa foi respondida por 476 pessoas, dentre estas, 20 são acompanhantes, 57 demonstraram interesse no estudo, mas não se enquadram no público alvo, e 399 se enquadram entre os grupos em estudo, os quais são apresentados no Gráfico 1. Entre os grupos estudados, tem maior participação as pessoas com deficiência física, que totalizam 47% dos participantes, incluindo aqueles que fazem uso ou não de cadeiras de rodas e pessoas com nanismo. No entanto, também participaram do estudo pessoas com outros tipos deficiências, idosos e obesos. As observações sistemáticas na aviação comercial foram realizadas desde o check-in até o desembarque com objetivo de compreender a lógica interna das atividades ao longo da viagem e os principais fatores determinantes da ação dos passageiros em situação real. Foram 07 passageiros observados, dentre estes, passageiros com deficiência física, com deficiência visual, idosos e obesos, em diferentes trechos de viagens no Brasil. Por fim, foram realizadas 11 observações em contextos diversos, incluindo museus, centro cultural, transporte urbano, metrô, hotéis, locais turísticos e, o acompanhamento da rotina de 5 participantes. O objetivo de tais observações foi identificar facilitadores das atividades e recursos que possam servir como ideias de solução para as questões identificadas no transporte aéreo. 3. Considerações finais O estudo está em fase de conclusão e espera-se que os resultados detalhados sejam divulgados em breve. Para o momento é possível destacar que assim como nos estudos internacionais apresentados, no Brasil os passageiros também encontram dificuldades em todas as etapas das viagens aéreas, o que envolve tanto questões de infraestrutura dos aeroportos, quanto fatores operacionais e outros ligados às aeronaves. A fala de um participante do estudo apresentada a seguir ilustra a transversalidade das dificuldades enfrentadas pelos passageiros e que influenciam negativamente as experiências de viagem: Não é toda viagem que é ruim, nem todas foram catastróficas. Quando tem finger, a cadeira está inteira, não perguntaram se ando um pouquinho, está tudo bem. Além disso, a necessidade e o desejo de viajar dos passageiros que participaram do estudo 54 transparecem no empenho de todos em contribuir para a melhoria do transporte compartilhando suas experiências pessoais de viagem. As observações no transporte aéreo como também em outros transportes evidenciam o quanto são necessários estudos e ações para transformação das condições de acessibilidade, numa perspectiva continuada e integrada. Como exemplo, podemos citar a dificuldade para um passageiro chegar ao terminal aeroportuário utilizando um transporte público, pois, se a estação de metrô ou o terminal de ônibus é acessível, chegar até estas pelas calçadas dos grandes centros urbanos não é uma tarefa fácil. Ou mesmo quando utiliza o transporte pessoal, as vagas para pessoas com deficiência ou idosos reservadas nos estacionamentos dos aeroportos estão comumente ocupadas por pessoas que não tem direito de utilizá-las. Assim, verifica-se que a acessibilidade dos ambientes físicos só se concretiza quando integrada as atitudes das pessoas e, o contrário também é válido, uma vez que não basta a generosidade das pessoas para ajudar uns aos outros diante das barreiras dos ambientes físicos. Obviamente que existem iniciativas para melhorar a acessibilidade nos transportes, mas cada etapa é um novo desafio, o passageiro nunca sabe em que condições conseguirá realizar a etapa seguinte, uma vez que observa-se ações ainda pontuais. Mesmo quando o atendimento é adequado no check-in, longas distâncias são percorridas nos aeroportos ou não há ponte de embarque para acesso a aeronave. Nesta a cadeira de bordo, quando disponível, não entra na toalete e os apoios de braços nos assentos preferenciais não são móveis. É importante que a acessibilidade nos transportes se concretize de modo a garantir a independência e segurança de seus usuários em todas as fases da viagem, para isso, fabricantes, operadores e órgãos regulamentadores precisam trabalhar conjuntamente com os usuários, discutindo questões de acesso, deslocamento, orientação, comunicação e uso. Referências BRASIL. Senado Federal. Constituição da República Federativa do Brasil, 1988. Brasília, 2013, 47 p. Disponível em http://www.senado.gov.br/legislacao/const/con1988/con1988_05.10.1988/ con1988.pdf. Acesso em: 23/07/2014. BRASIL. PRESIDÊNCIA DA REPÚBLICA. Casa Civil. Decreto n. 6.949, de 25 de agosto de 2009. Promulga a Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência e seu Protocolo Facultativo, assinados em Nova York, em 30 de março de 2007. Disponível em: http:// www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2007-2010/2009/decreto/d6949.htm. Acesso em: 23/07/2014. BRASIL. PRESIDÊNCIA DA REPÚBLICA. Casa Civil. Decreto n. 5296, de 02 de dezembro de 2004. Dispõe sobre as Leis nº 10.048, de 8 de novembro de 2000, e nº 10.098, de 19 de dezembro de 2000 e dá outras providências, 2004. Disponível em: https://http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ ato2004-2006/2004/decreto/d5296.htm. Acesso em: 12/11/2012. CHANG, F.C., CHEN, C. F. Meeting the needs of disabled air passengers: factors that facilitate help from airlines and airports. Tourism Management, v. 33, p. 529-536, 2012a. CHANG, F.C., CHEN, C. F. Service needs of elderly air passenger. Journal of Air Transport Management, v. 18, p. 26-29, 2012b. 55 DARCY, S. (Dis)Embodied air travel experiences: disability, discrimination and the effect of a discontinuous air travel chain. Journal of Hospitality and Tourism Management, v. 19, p. 1-11, ago. 2012. FREEMAN, I.; SELMI, N. French versus Canadian tourism: response to the disabled. Journal of Travel Research, v. 49, n. 4, p. 471-485, out. 2010. GARCÍA, J.C.D; GALVÃO FILHO, T. A. Pesquisa Nacional de Tecnologia Assistiva, Instituto de Tecnologia Social (ITS Brasil) São Paulo, 2012 68p. GUÉRIN, F.; LAVILLE, A.; DANIELLOU, F.; DURAFFOURG, J.; KERGUELEN, A. et al. Compreender o trabalho para transformá-lo: A prática da ergonomia. São Paulo: Editora Edgard Blücher, 2001, 200p. ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DA SAUDE. Classificação Internacional de Funcionalidade Incapacidade e Saúde (CIF). Geneva, Suíça, 2001. PORIA, Y. REICHEL, A., BRANDT, Y. The Flight Experiences of People with Disabilities: An Exploratory Study. Journal of Travel Research, v. 49, n. 2, p. 216-227, 2010. VELDHUIS, F., HOLT, C. Too fat to fly? Aircraft Interiors International. 2013. Disponível em: http://www.aircraftinteriorsinternational.com/articles.php. Acesso em: 12/01/2013. WOLFE, H. P. Accommodating Aging Population Needs in Airport Terminals. Volpe Transportation Center, Cambridge, Massachusetts, 2003. Disponível em http://www.elderairtravel. com/eldertravel.htm. Acesso em: 15/12/2012. WOLFE, H.; SUEN, S. Evaluation of Airport improvements for older adults. International Conference on Transportation for the Elderly and Disabled, 2007. Disponível em: http://www. elderairtravel.com/eldertravel.htm. Acesso em: 15/12/2012. YAU, M. K. S.; MCKERCHER, B.; PACKER, T. L. Traveling with a disability: More than an Access Issue. Annals of Tourism Research, v. 31, n. 4, p. 946-960, 2004. 56 Tecnologia Assistiva e as ações concretas do Ministério Público do Trabalho Claudia Regina Lovato Franco Procuradora-chefe do Ministério Público do Trabalho em São Paulo. Especialista em Direito do Trabalho pela Pontifícia Universidade Católica (PUC), de São Paulo. E-mail: [email protected]. Resumo: Aborda a relevância da destinação de recursos decorrentes da atuação do Ministério Público do Trabalho, seja em acordos extrajudiciais ou por força de condenações judiciais, para a reparação do bem jurídico, notadamente nas situações em que os valores são revertidos equipamentos de tecnologia assistiva, ampliando a acessibilidade ao mercado de trabalho e a resultando em melhoria da qualidade de vida. Palavras-chave: reabilitação. Tecnologia Assistiva, funcionalidade, 1. Contextualizando a temática O presente trabalho pretende trazer à discussão os benefícios das reversões dos valores de multas impostas em TACs – Termos de Compromisso de Ajuste de Conduta ou em condenações judiciais, em ações civis coletivas, para a reparação direta do bem jurídico lesado, através de entrega direta a pessoas que necessitam de tecnologia assistiva para praticarem atividades do cotidiano, mormente as diretamente ligadas ao exercício de atividade laboral. Aparentemente a discussão seria inócua, uma vez que o benefício da reparação direta é absolutamente de clara compreensão. Todavia, é certo que tem sido comum, no âmbito de atuação dos membros do Ministério Público do Trabalho doação de valores, de bens oriundos de multas ou condenações em ações civis públicas, diretamente a entidades públicas, mas a pergunta que fica é se o Ministério Público tem essa discricionariedade? Para que se possa refletir sobre tal tema, premente abordar alguns institutos jurídicos de base, como exemplo, o valor social do trabalho, insculpido no inciso IV do art. 1° da Constituição Federal da República, que enuncia um dos princípios basilares do ser humano, a dignidade da pessoa humana. 2. Breves considerações sobre Tecnologia Assistiva Na legislação utiliza-se a expressão “Ajudas Técnicas” nos Decretos n. 3298, de 1999 e n. 5296, de 2004. O Decreto n. 3298/1999, em seu artigo 19, define ajudas técnicas, como os elementos que permitem compensar uma ou mais limitações funcionais motoras, sensoriais ou mentais da pessoa com deficiência, com o objetivo de superar as barreiras de comunicação e da mobilidade e de possibilitar sua plena inclusão social (CEDIPOD, 2007). Já o Decreto n. 5296/2004 estabelece normas gerais e critérios básicos para a promoção da acessibilidade das pessoas com deficiência ou com mobilidade reduzida, utilizando a seguinte definição, em seu artigo 61, a saber: “... consideram-se ajudas técnicas os produtos, instrumentos, equipamentos ou tecnologia adaptados 57 ou especialmente projetados para melhorar a funcionalidade da pessoa portadora de deficiência ou com mobilidade reduzida, favorecendo a autonomia pessoal, total ou assistida”. Conforme ressalta GALVÃO FILHO1, houve muita discussão teórica a respeito da tradução do termo assistive technology para o português e, somente após diversos debates sobre a nomenclatura, pacificou-se consenso sobre a utilização da expressão “tecnologia assistiva”. O conceito de tecnologia assistiva foi aprovado, por maioria, pelo Comitê de Ajudas Técnicas na VII Reunião, de dezembro de 2007, onde Tecnologia Assistiva é uma área do conhecimento, de característica interdisciplinar, que engloba produtos, recursos, metodologias, estratégias, práticas e serviços que objetivam promover a funcionalidade, relacionada à atividade e participação de pessoas com deficiência, incapacidades ou mobilidade reduzida, visando sua autonomia, independência, qualidade de vida e inclusão social”. (GALVÃO FILHO et al., 2009: 26). Nessa toada, com nomenclatura e conceito tomados por referência, passa-se agora para a análise do tema no contexto jurídico e com enfoque na atuação do Ministério Público do Trabalho. 3. A dignidade humana do trabalhador: acesso ao trabalho e valor social do trabalho Conforme dados IBGE, extraídos do CENSO/2010, existem aproximadamente 46 milhões de pessoas com deficiência no Brasil, correspondendo a 24 % da população. Como já ressaltado, em palestra proferida por ocasião do I Simpósio Internacional de Tecnologia Assistiva, é histórica a exclusão da pessoa com deficiência no mercado de trabalho. Quando se trata de oportunidade de trabalho às pessoas com deficiência, além da vocação profissional, outra questão refere-se à compatibilidade da deficiência com determinadas atividades. Some-se a isso o preconceito que muitos empregadores ainda têm quanto à atuação desses profissionais, de maneira que se pode explicar em certa medida a existência de considerável número de trabalhadores fora do mercado por causa dessa condição. Pois bem, o Ministério Público do Trabalho, MPT, nos termos do art. 127, da CF, e do art. 83, da LC 75/93, dentro de suas atribuições lá disciplinadas, atua para garantir e promover os direitos sociais dos trabalhadores e, no contexto desse artigo, busca a inclusão da pessoa com deficiência ou reabilitada no mercado de trabalho. Consoante bem coloca Coelho de Almeida2 , “infere-se do art. 1º da Constituição Federal da República de 1988, a dignidade da pessoal humana e o valor social do trabalho como fundamentos da construção da sociedade brasileira, inserida no Estado Democrático de Direito. Nessa medida, o trabalho é concebido como instrumento de realização e efetivação da justiça social, assim, distribuindo renda“. Destarte, o MPT vem diagnosticando pontos que podem sofrer uma intervenção positiva, a promover ações de apoio às pessoas que necessitam de Reabilitação Profissional ou Funcional, para ingressar ou reingressar no mercado de trabalho, como meio de reafirmar o princípio do valor social do trabalho. Para muitos, o acesso à tecnologia assistiva, a qual não consegue atender com a presteza necessária à demanda de todos os que dela precisam, restringe-se muita vez aos recursos disponíveis no GALVÃO FILHO, T. A. et al. Conceituação e estudo de normas. In: BRASIL. Secretaria Especial dos Direitos Humanos. Tecnologia Assistiva. Brasília: CAT/SEDH/PR, 2009, p. 13-39. Disponível em: http://www.pessoacomdeficiencia.gov.br/app/sites/default/files. Acesso em: 14/07/14. 2 COELHO DE ALMEIDA, D. Os princípios constitucionais da valorização do trabalho e da dignidade da pessoa humana relacionados ao inciso I do art. 114, da Constituição Federal de 1988. Disponível em www.ambitojurídico.com.br/site/index.php?in_link=revista_artigos_ leitura&artigo_id6227. Acesso em: 14/07/2014.. 1 58 Sistema Único de Saúde. Nesse cenário, a orientação de se viabilizar a concessão de mais recursos de tecnologia assistiva às pessoas com deficiência e mobilidade reduzida, pode auxiliar com mais presteza na contribuição para uma real construção de um futuro com mais acessibilidade, oportunidade de emprego e qualidade de vida para todos. Luta-se pela efetiva devolução aos trabalhadores de direito humano, o mais comezinho, a dignidade da pessoa humana do trabalhador, através da sua inserção ou mesmo reinserção no trabalho. 4. O Ministério Público do Trabalho: a participação efetiva na construção da cidadania do trabalhador - A multa e a indenização por infração a dano moral coletivo O MPT participa diuturnamente da construção de um futuro inclusivo dessas pessoas, por meio das reversões de multas, de TAC’s ou condenações de multas de ACP’s, para atendimento direto da coletividade beneficiária de sua atuação. Destaca-se aqui que a maior parte das verbas, que resultam em doações pelo MPT, é oriunda de condenações das empresas em indenizações por dano moral coletivo, as quais correspondem ao reparo à lesão na esfera moral da coletividade dos trabalhadores lesados. Quando se fala em dano moral coletivo, está-se fazendo menção ao fato de que o patrimônio valorativo de uma certa comunidade, idealmente considerada, foi agredido de maneira absolutamente injustificável. O dano moral tem previsão constitucional (artigo 5º, V e X) e por ser uma das facetas da proteção à dignidade da pessoa humana (artigo 1º, III, da CF) adquire caráter publicista e interessa à sociedade como um todo. Logo, se o dano moral atinge a própria coletividade, é justo e razoável que o Direito admita a reparação decorrente desses interesses coletivos. Exemplifica-se, o descumprimento, por parte das empresas, da obrigação legal de contratar a cota mínima de pessoas com deficiência, segundo o previsto no art. 93, da Lei 8.213/91, pode configurar dano moral coletivo, de modo que não sendo respeitada a reserva, configura-se dano moral coletivo de trabalhadores atuais ou potencialmente atingidos. Ademais, o escopo da tutela ressarcitória buscada em sede de ação civil pública ou decorrente do descumprimento de Termos de Ajuste de Conduta não é meramente arrecadatório de receitas públicas derivadas, nem se trata de verba orçamentariamente vinculada. Assume, nesse contexto, múltiplos enfoques de caráter pedagógico, sancionatório e reparatório da coletividade lesada. Existe a previsão do art. 13 da Lei n. 7.347/85 (LACP) quanto à destinação de indenização desse jaez, decorrente de ação civil pública, a fundos destinados à reconstituição do bem jurídico lesado. Interpretando-o teleologicamente, a noção de reconstituição de bem jurídico lesado avulta sobre o aspecto formal de que tal reparação seja intermediada por um fundo. Ocorre, todavia, que não há um fundo axiologicamente afeto ao Direito do Trabalho e vocacionado para a reconstituição do bem jurídico trabalhista lesado. É corrente que, diante da falta de um fundo específico, utilizese subsidiariamente do FAT – Fundo de Amparo do Trabalhador, que é um fundo contábil, criado pela Lei n. 7.998, de 11 de janeiro de 1990, de natureza financeira, o qual foi instituído e destinado ao custeio do Programa de Seguro-Desemprego, ao pagamento do abono salarial e ao financiamento de programas de educação profissional e tecnológica e de desenvolvimento econômico, diretamente vinculado ao Ministério do Trabalho e Emprego. Todavia, diante desse quadro em que não há um fundo especial para utilização e a dificuldade que emerge da dispersabilidade do dano moral coletivo trabalhista, cuja reparação ser dificultada, permitem entrever inúmeras situações que revelam acertada a recomposição da coletividade trabalhista moralmente lesada por meio da destinação de bens e valores diretamente a associações de utilidade pública ou a entidades que, direta ou indiretamente, tutelam interesses 59 de trabalhadores, crianças, adolescentes e pessoas com necessidades especiais na condição de potenciais trabalhadores. A Constituição Federal, além do mais, confiou ao membro do Ministério Público a defesa do interesse público primário, outorgando ao seu fundado juízo a análise de oportunidade e conveniência, para adotar as melhores medidas destinadas à consecução de tal mister. Extrai-se daí a possibilidade do Procurador oficiante do inquérito ou da ação civil pública, utilizar-se com discricionariedade e observando-se, necessariamente, os princípios da Administração Pública, quais sejam, da legalidade, da impessoalidade, da moralidade, da publicidade e da eficiência, insculpidos na Constituição Federal de 1988, art. 37, caput, abrir a instituições a possiblidade de compor o bem lesado. Nessa medida, o MPT/SP, em 2012, publicou uma Portaria dispondo do procedimento para formação do cadastro de entidades que podem receber a destinação de bens e valores decorrentes da atuação da PRT-2. Ressalte-se que, a inscrição do interessado, em tal cadastro, não gera direito subjetivo ao recebimento de bens ou valores decorrentes da atuação do Ministério Público do Trabalho, possuindo natureza meramente indicativa. Caso o Procurador do Trabalho, oficiante no processo judicial ou procedimento administrativo que origine tais valores, repute socialmente mais eficaz a destinação de bens ou valores a outras finalidades de interesse público ou a outras entidades que não as constantes do cadastro, terá a liberdade de fazê-lo, observados igualmente os princípios da legalidade, da moralidade, da impessoalidade, da publicidade e da eficiência. E é justamente nesse cenário que despontam as possibilidades de, especialmente na destinação de multas e indenizações decorrentes de danos causados à coletividade de pessoas com deficiência, destinação de bens relacionados à tecnologia assistiva às pessoas que deles necessitem. 5. Conclusão De todo o exposto, pode-se concluir, na medida em que não há um fundo específico para que sejam depositados os valores oriundos de multas por descumprimento de Termo de Compromisso de Ajustamento de Conduta ou de condenações judiciais de reparação de dano moral coletivo de trabalhadores, o MPT, amparado na discricionariedade e atentando-se aos princípios da legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência, pode reverter os valores em doações de bens a entidades sociais públicas relacionadas direta ou indiretamente com a reparação buscada. Nesse cenário, destaca-se como exemplo mais evidente e não menos gratificante a possibilidade de reverter recursos para ofertar tecnologia assistiva às pessoas com deficiência e mobilidade reduzida, com vistas a contribuir para melhorar a acessibilidade, para aumentar oportunidade de emprego e conferir mais qualidade de vida para todos. Referências COELHO DE ALMEIDA, D. Os princípios constitucionais da valorização do trabalho e da dignidade da pessoa humana relacionados ao inciso I do art. 114, da Constituição Federal de 1988. Disponível em www.ambitojurídico.com.br/site/index.php?in_link=revista_artigos_ leitura&artigo_id6227. Acesso em: 14/07/2014. GALVÃO FILHO, T. A. et al. Conceituação e estudo de normas. In: BRASIL. Secretaria Especial dos Direitos Humanos. Tecnologia Assistiva. Brasília: CAT/SEDH/PR, 2009, p. 13-39. Disponível em: http://www.pessoacomdeficiencia.gov.br/app/sites/default/files. Acesso em: 14/07/2014. 60 O implante coclear como tecnologia assistiva: o que é que eu consigo escutar? Anahi Guedes de Mello Antropóloga, doutoranda do Programa de Pós-Graduação em Antropologia Social da Universidade Federal de Santa Catarina (PPGAS/UFSC). Pesquisadora vinculada ao Núcleo de Identidades de Gênero e Subjetividades (NIGS/UFSC) e ao Núcleo de Estudos sobre Deficiência (NED/UFSC) Resumo: Este trabalho parte de um conjunto de reflexões, de caráter individual e baseadas na fenomenologia da percepção de Merleau-Ponty, de uma pessoa adulta surda peri-lingual, a qual foi submetida a uma intervenção cirúrgica de implante coclear em janeiro de 2003. O objetivo é contribuir para preencher algumas das lacunas, observadas pela autora, existentes nas áreas de reabilitação e linguagem de pessoas adultas surdas profundas submetidas à cirurgia de implante coclear. Os relatos que estão incorporados neste texto correspondem ao processo de reabilitação auditiva da própria autora, que foi submetida a diversas terapias. Palavras-chave: implante coclear, reabilitação auditiva, fenomenologia da percepção auditiva. Numa conversa com Wagner, Rossini teria dito, segundo testemunha que a registrou: ‘Mas quem, numa orquestra desenfreada, seria capaz de precisar a diferença entre a descrição de uma tempestade, de um motim ou de um incêndio? (...) É tudo convenção!’. É preciso reconhecer que o ouvinte desavisado não poderia dizer que se trata do mar na peça de Debussy, ou na abertura de O Navio-Fantasma; é preciso de um título. Mas, assim que se conhece o título, vê-se o mar ao escutar La Mer (o mar) de Debussy, e sente-se o cheiro dele escutando O Navio-Fantasma. (Claude Lévi-Strauss) 1. Introdução O implante coclear é uma opção clínico-terapêutica para crianças e adultos com surdez severa ou profunda. Existem diferentes marcas de implante coclear disponíveis no mercado e cada marca tem diferentes modelos. No presente trabalho, considerar-se-á o implante coclear da marca australiana Cochlear, modelo Nucleus 5. De modo geral, o implante coclear é uma prótese computadorizada composta de dois dispositivos: o implante propriamente dito, que é colocado cirurgicamente na cabeça, e o processador de fala, que é uma espécie de sintetizador de som e fica na parte externa, atrás da orelha. Ambos os dispositivos fazem contato entre si por meio de um imã. Em síntese, seu funcionamento se dá da seguinte maneira: um microfone contido na parte externa do implante capta os sons e os envia para o chip de computador contido no processador de fala que, por sua 61 vez, decodifica os sons em informações digitais. Estes sinais decodificados são enviados a um chip receptor/transmissor, que fica na parte interna do implante, via indução magnética através de um imã externo. O receptor/transmissor envia os sinais diretamente para uma série de eletrodos de platina que estão enrolados na cóclea. Os eletrodos dentro da cóclea estimulam eletricamente o nervo auditivo e transmitem a sensação de som do nervo auditivo ao centro cerebral da audição, o que implica num mecanismo inteiramente novo de audição. A performance na fala e audição após a ativação do implante coclear varia de pessoa para pessoa. Esta variabilidade em qualidade e quantidade de linguagem é mais aparente entre usuários com surdez pré-lingual (FUKUSHIMA et al., 2001). Os surdos adultos pré-linguais praticamente não têm nenhuma memória auditiva principalmente de sons agudos, além de que também pesa o fator tempo de surdez severa ou profunda, porque quanto maior o tempo de surdez maior será o esforço que o surdo precisará fazer para que o cérebro interprete e reconheça tudo o que está ouvindo, já que os sons para ele só existiram por muito tempo como “experiências visuais”. Explicando melhor: surdo de nascença ou que ficou surdo muito cedo, aquilo que ele nunca ouviu não pode fazer parte da constituição de sua mente. Não existe para ele. Vamos imaginar que ele tem surdez profunda e com resíduos nos graves, o que significa que ele só ouve sons na faixa das baixas frequências. Se ele ouviu a frase “Pirassurunga é uma cidade de sucesso”, ele só vai ouvir “P_ra__runga é uma _idade de _u_e__o”. Ou seja, ele só ouve as sílabas formadas por frequências graves e perde os agudos. É por isso que grande parte dos surdos afirma que “ouvem, mas não entendem”. Ele sabe que alguém está falando algo, mas como as frases ficam incompletas para ele, não entende. Se esse surdo tiver habilidade em leitura orofacial, então ele vai completar a frase não com sons, mas sim com a articulação da verbalização do interlocutor que ele vê, isto é, por meio da leitura orofacial. Mas o que acontece a esse surdo quando ele se submete a uma cirurgia de implante coclear? Se esse surdo, adulto e usuário de implante coclear, um dia já foi capaz de ouvir altas frequências, por exemplo, os “s”, os “f ” e os “z”, neste caso ele lançará mão daquilo que chamamos de “memória auditiva”. Esse é o surdo implantado pós-lingual. Se ele nasceu surdo ou ficou surdo muito cedo, então ele nunca ouviu ou não se lembra de ter ouvido sons, o que, citando Oliver Sacks (2002), quando ele é submetido ao implante coclear significa que: O som para eles [surdos de nascença, ou de tenra infância] não produz, a princípio, qualquer associação ou significado - por isso, sentem-se, ao menos de início, num mundo de caos auditivo, ou agnosia1 . Mas além desses problemas cognitivos existem também problemas de identidade; em certo sentido, essas pessoas precisam morrer como surdos para renascer como quem ouve. (SACKS, 2002: 155) Assim, esse surdo usuário de implante coclear, com muito tempo de surdez, antes nunca “completou” nada com sons, sempre se valeu somente da leitura orofacial e/ou da língua de sinais para sua comunicação com o outro. Esse é o surdo implantado pré-lingual ou peri-lingual. É a incapacidade de elaborar ou configurar as sensações obtidas através dos órgãos correspondentes dos sentidos para chegar a formar um conceito daquilo que foi percebido. Portanto é um distúrbio de identificação de objetos no qual é possível descrevê-lo mas não identificálo. Pode ser parcial (só refere a uma esfera sensorial) ou total. A percepção de um objeto envolve uma identificação primária (obtida pela qualidade sensorial percebida, como a visão do objeto) e uma identificação secundária (recordação das demais características sensoriais de tal objeto). No caso dos surdos adultos pré ou peri-linguais submetidos ao implante coclear, chama-se agnosia auditiva ou surdez psíquica. 1 62 O surdo implantado, a partir do momento da ativação do seu implante coclear, passa então a ter seu córtex cerebral auditivo estimulado por meio de exercícios auditivos intensos e constantes, até fazê-lo reconhecer qualquer som, isto é, até que seu cérebro passe a atribuir significado aos sons. Em outras palavras, para reeducar o ouvido implantado é necessário também reeducar o cérebro ensinando-o a ouvir. Dadas as considerações acima, podemos falar agora da necessidade de um surdo implantado adulto pré ou peri-lingual em se fazer valer da audição por meio de associações com o visual. Por exemplo, pode-se escutar o mar sem se desprender de uma associação visual. Mas como escutar o mar? Não é simplesmente escutando-o que o surdo vai reconhecê-lo logo de cara, já que existe também o desafio de superar a agnosia auditiva. É preciso que ele associe a nova audição (o barulho da onda) ao visual (as ondas do mar se “quebrando”) para finalmente poder entender e compreender esse ou aquele som, porquanto “as percepções e sensações se interagem, e cada corpo sente e percebe de maneira diferente” (SANTOS, 2003: 26). No caso dos surdos pré e peri-linguais submetidos ao implante coclear quando adultos, é necessário também que eles passem por um gradativo processo de “alfabetização auditiva”, o que implica trabalharmos na reabilitação auditiva desse surdo por meio de uma série de exercícios em forma de frases e orações onde hajam palavras com semelhanças e diferenças fonéticas entre si. Poder-se-ia também destacar outras áreas de pesquisa nas quais ainda inexiste um campo de atuação mais fecundo, em que serviriam como estímulos de grande importância para o aumento da percepção auditiva de usuários de implante coclear com surdez pré e peri-lingual: em informática, através do uso não convencional de sistemas de leitura de tela2, e em Musicoterapia3. 2. A percepção do som: o que é que eu consigo escutar? O filósofo francês das percepções Maurice Merleau-Ponty nos questiona ao dizer que: (...) se ver é obter cores ou luzes, ouvir é obter sons, sentir é obter qualidades e, para saber o que é sentir, não basta ter visto o vermelho ou ouvido um lá? O vermelho e o verde não são sensações, são sensíveis, e a qualidade não é um elemento da consciência, é uma propriedade do objeto. Em vez de nos oferecer um meio simples de delimitar as sensações, se nós a tomamos na própria experiência que a revela, ela é tão rica e tão obscura quanto o objeto ou quanto o espetáculo perceptivo inteiro. (MERLEAUPONTY, 1999: 25) Ainda, para Ciro Marcondes Filho (2003), pode-se dizer que compreenderemos com mais profundidade o mundo que nos rodeia se aprendermos a valorizar a importância do ouvir tal que modifique de forma profunda a percepção de nosso corpo quando ele experimenta distintas sensações sonoras: O cientista Lorentz Ockrent havia dito que “o olho leva o homem ao mundo, o ouvido leva o mundo ao homem”. (...) O cinema falado, por 2 3 Por exemplo, ver Torres et al. (2005, 2006). Vide Santos (2003). 63 exemplo, diz o estudioso francês das percepções Merleau-Ponty, não só acrescenta ao espetáculo um acompanhamento sonoro: ele modifica de fato o teor do próprio espetáculo. Parece que a gente está vendo - e sentindo - outra coisa. Isso acontece também com as palavras que são faladas. Especialistas dizem que quando pronuncio para alguém a palavra “quente”, por exemplo, ela induz a uma espécie de experiência de calor que se forma na pessoa que ouve a palavra. É o mesmo com a palavra “duro”: ela suscita um tipo de rigidez nas costas e no pescoço e só depois é que ela é traduzida pelo seu sentido semântico. Se eu falo “úmido”, por outro lado, além de sentir umidade e frio, dizem os especialistas, há todo um remanejamento do esquema corporal, como se todo o interior do corpo viesse para a periferia. (...) Isso tudo, além de terapêutico - pois eles usam essa forma de sugestão como procedimento de tratamento, controle e ação sobre o corpo - é muito fascinante. Pela palavra, pelo som, pela sugestão sonora se exerce esse imenso poder que podemos ter sobre o funcionamento e o bem-estar de todo nosso corpo. (MARCONDES FILHO, 2003). Nesse sentido, as considerações supracitadas podem nos servir como primeiro passo para as chamadas observações introspectivas, isto é, o surdo implantado observa a si mesmo: como está reagindo aos sons? Como os percebe? Para tanto, baseado no estudo do trabalho terapêutico em musicoterapia, foram levantadas algumas perguntas acerca da percepção sonora do sujeito, pessoa adulta com surdez peri-lingual4, submetida ao implante coclear em janeiro de 2003: 1. Se os sons foram percebidos, num primeiro momento, como estando “dentro da cabeça” desses usuários de implante coclear e não “lá fora”, no ambiente? A autora percebia a maioria dos primeiros sons como estando “lá fora” e somente com o tempo é que passou a incorporar muitas das palavras que ouvia para “dentro da cabeça” sendo que quando isso acontecia passava a identificá-las com mais facilidade em ambientes fechados e reagia a elas repetindo-as conforme “achava” que eram pronunciadas, obtendo depois a confirmação do acerto por uma segunda pessoa. 2. Se os sons são percebidos como tendo “autonomia” em relação às suas “fontes sonoras”? Não há autonomia total. Um copo de vidro cai no chão e quebra-se, tem som, mas para o surdo o som é excluído. Com o implante coclear, esse som começa a existir para ele, é o “som do copo quebrando-se”. A autora ficou surda em tenra idade e está mais acostumada a “ver” os sons e não a “ver ouvindo”. Isso implica que ela ainda está aprendendo a incorporar progressivamente no seu corpo a “componente sonora” das coisas que vê. 3. Com o passar do tempo, se vai ocorrer a fusão das “duas coisas”, isto é, som e imagem passam a ser uma coisa só? É a tendência de acontecer, embora esse processo costume ocorrer lentamente para alguns sons e rápido para outros. Em vários momentos, 4 Uma pessoa com surdez peri-lingual é aquela que perdeu a audição DURANTE o período crítico de aquisição da linguagem. 64 consegue ouvir sons sem compreendê-los e até mesmo sem localizá-los. No primeiro caso, um bom exemplo são os sons das vozes humanas, em que consegue ouvir sem compreendê-los; no segundo, quando ouve alguma coisa quebrando-se ou caindo no chão, com freqüência olha para todos os lados a fim de identificar donde veio o som. Outro fato que corrobora com esta hipótese é que a autora não consegue mais obter a mesma performance em leitura orofacial antes de ter sido submetida ao implante coclear, isto é, ela precisa do implante coclear para obter essa mesma ou até a melhor performance tanto quanto possível em leitura orofacial. Em outras palavras, significa que passou a depender-se dos sons para compreender melhor o outro por leitura orofacial. 4. Observação da própria voz: qual a relação que esse surdo implantado percebe entre os “movimentos articulatórios” que ele faz para falar e a própria voz que ouve? Percebe com mais facilidade a intensidade e a duração de sua própria voz. Por outro lado, a altura e o timbre são, em ordem crescente, mais difíceis de perceber. Todas essas propriedades do som foram intensamente trabalhadas em musicoterapia, inclusive fez-se isso nas primeiras aulas de Introdução à Teoria Musical, a partir do uso da flauta doce como instrumento musical preferido, no período de março de 2005 até meados de julho de 2007. 5. Os sons novos vão atrapalhar ou ajudar? Os sons principalmente na faixa das frequências agudas ajudam a “completar” o que lhe falta, não atrapalhando a sua adaptação. Lida bem com os novos sons que “bombardeiam” sua mente, em parte porque já usava antes do implante coclear um aparelho auditivo de amplificação sonora individual. 6. O corpo contava com 4 sentidos; após a ativação do implante coclear, passará a contar com 5 sentidos, ou seja, aquilo que estava excluído vai ser incorporado. Como esse aspecto será percebido pelo surdo implantado que por muito tempo não ouviu som algum? Sente-se confortavelmente bem, mesmo tendo que lidar com a agnosia. Podemos classificar os sons que ouve, momentaneamente, de três maneiras diferentes: os sons que ouve e identifica, os sons que ouve mas não identifica e aqueles que não ouve. Em todos eles está envolvido um processo de aprender a escutar. No primeiro caso, ouvir e identificar os sons é em si o processo de escutar, isto é, percebê-los com atenção implica que o cérebro decifre esses sons, reconhecendo seus significados. Dentre os sons que escuta, quase todos novidades, podemos citar: telefone e celular tocando, a seta do carro indicativa É a propriedade do som em ser fraco ou forte. É a propriedade do som em ser curto ou longo, isto é, o tempo em que o som se prolonga. 7 É a propriedade do som em ser grave ou agudo. 8 É a qualidade do som que nos permite reconhecer a sua origem. 5 6 65 do aviso do motorista para fazer uma manobra em curva à esquerda ou à direita, latidos, alguns piados (bem-te-vi, pica-pau e queroquero), miados de alguns felinos, som da panela de pressão, vários sons vindos do computador, exceto músicas e falas que não as identifica imediatamente, barulho de avião e helicóptero sobrevoando o céu, gás carbônico saindo da garrafa de água ou refrigerante no momento em que é aberta, sirene de carros de ambulância e de polícia militar e civil, barulhos de trânsito (motores de carro, ônibus e motos), buzina, a fala da mãe principalmente em conversas curtas e longas por celular, chuvas, trovoadas, ventos, a intensidade, duração e, algumas vezes, a altura, isto é, se o som é grave ou agudo, de alguns instrumentos musicais como o piano e a flauta doce, além da intensidade e duração de algumas músicas clássicas e instrumentais. Ainda, percebe e identifica água da torneira caindo, alarme do forno de microondas, liquidificador, som do mar, os cachorros bebendo água, o bater de palmas, alarmes de carros, o som do móbile “mensageiro dos ventos”, o próprio nome quando pronunciado a curtas e longas distâncias em lugares silenciosos e pouco barulhentos, a tosse e o espirro de pessoas e cachorros, o alarme do Nucleus 5 que avisa a proximidade do fim da atividade elétrica das baterias, acerta sem leitura orofacial cerca de 80% a 100% das palavras e orações feitas em sessões de fonoterapia, porém mais facilmente em ambientes fechados e com pessoas que articulam bem as palavras. Em relação a sons que ouve mas não identifica, pode-se citar principalmente as vozes, vários estilos de música e a TV como um todo, porém já aconteceu de ter-se confundido quando ouviu o telefone tocar e o cachorro latir e tê-los identificado mas não tê-los localizado como vindos do aparelho de televisão. Quanto aos sons que não ouve isso não será considerado uma vez que não se tem muitas referências dos sons já existentes mas ainda inexplorados; portanto, seriam sons novos. Esses sons possivelmente poderão ser ouvidos mais tarde, após novos mapeamentos9 do implante coclear, que possibilita gradativo aumento do nível de estimulação da cóclea no lado implantado do ouvido e, consequentemente, pode-se captar, ouvir e perceber novos sons, explorando-os até serem reconhecidos. 3. Considerações finais São três as maiores e mais imediatas dificuldades que obscurecem, retardam ou mesmo impedem a inclusão de pessoas surdas em vários entornos da vida cotidiana: primeiro, muito do conhecimento que se produz sobre e em prol dessas pessoas ainda permanece no papel, não se traduzindo em ações concretas e mudanças de mentalidade. Essa situação torna-se mais grave quando se trata de pessoas com uma mesma deficiência, porém com discapacidades diferentes (TORRES; Um mapeamento é um processo pelo qual cada um dos eletrodos que estão dentro da cóclea tem a propriedade da intensidade em decibéis (dB) regulada via programa de computador, de acordo com o nível adequado de estimulação das terminações nervosas ao longo da cóclea, possibilitando um conforto auditivo de acordo com as características adaptativas de cada usuário de implante coclear. 9 66 MAZZONI; MELLO, 2007, p. 371; 383), especialmente como é o caso da surdez e da cegueira, em que com frequência apresentam necessidades e reivindicações distintas. Segundo, quando a solução para a inclusão ou, ao menos, para a adaptação de conteúdos e metodologias de ensino em cada caso específico for a incorporação de uma tecnologia assistiva, muitas vezes a isso acaba se somando duas barreiras atitudinais bastantes complicadas de vencer: a primeira é aquela referente ao desconhecimento das potencialidades da pessoa com deficiência que requer adaptações e a segunda é o prejuízo relacionado ao desconhecimento acerca do uso da própria tecnologia e de quantas portas a ela se abrem. São duas barreiras atitudinais muito poderosas. A terceira dificuldade certamente é o alto custo econômico dessa tecnologia. Certamente o implante coclear é uma das tecnologias que se encaixa nesse perfil, especialmente considerando a grande resistência da comunidade surda usuária de libras em vê-lo como “benefício terapêutico”, conforme já apontado por Mello (2006). Muitas vezes o reconhecimento auditivo de uma palavra, fonema ou até mesmo uma oração inteira pelo usuário de implante coclear adulto pré ou peri-lingual acontece partindo de um contexto, o qual pode ser fornecido por meio de “pistas auditivas”. É a partir de um contexto que se pode explorar o melhor caminho para se levar à decifração do significante ao significado, quer dizer, “saindo” da palavra escrita para “entrar” na palavra sonora, o que implica num processo ativo de construção de significados. Em outras palavras, é a pista sonora que dá o contexto e quando se conhece o contexto, o surdo implantado reconhece o que está escutando. As percepções sonoras de um surdo adulto pré ou peri-lingual submetido a um implante coclear é em geral um processo muito mais demorado devido à agnosia auditiva. Para ouvir, escutar, entender e compreender as palavras, ele necessita primeiro “pegar” os sons dessas palavras para fazer delas referências às imagens correspondentes e, por conseguinte, identificá-las até que se tornem uma “coisa só”, isto é, sem mais necessitar fazer a associação entre audição (pelo som) e visão (pela imagem). Assim, muito provavelmente essas pessoas surdas precisam criar uma “voz interior”10 que normalmente não têm para aprenderem como se dizem as palavras e a escutá-las. Referências FUKUSHIMA, K., SUGATA, K., KASAI, N., FUKUDA, S., NAGAYASU, R., TOIDA, N., KIMURA, N., TAKISHITA, T., GUNDUZ, M. e NISHIZAKI, K. Better speech performance in cochlear implant patients with GJB2 - related deafness. International Journal of Pediatric Otorhinolaryngology, v. 62, p. 151-157, 2002. MARCONDES FILHO, C. Depoimento [julho, 2003]. O Teatro do Mundo - A Canção, Programa 4: o som. São Paulo: Rádio USP, 2003. Script recebido por solicitação. MELLO, A. G. O modelo social da surdez: um caminho para a surdolândia? Mosaico Social Revista do curso de graduação em Ciências Sociais da UFSC, Florianópolis: Fundação Boiteux, nº 3, ano 3, dez. 2006. p. 55-75. MERLEAU-PONTY, M. Fenomenologia da percepção. São Paulo: Martins Fontes, 1999. 10 Uma criança com audição normal sabe, desde que aprendeu a falar, o som das letras e das palavras, e tem a voz interior, isto é, aqueles pensamentos que soam no seu imaginário como se sua voz estivesse ”falando” consigo, coisa que os surdos de nascença ou de tenra infância não têm. A correlação entre letras e palavras, tão clara para quem ouve, é de difícil compreensão para os que nunca ouviram. 67 SACKS, O. Um antropólogo em Marte - sete histórias paradoxais. São Paulo: Companhia das Letras, 2002. SANTOS, M. C. Trilhando caminhos para uma nova escuta: a musicoterapia e o usuário de implante coclear. Monografia de Especialização em Musicoterapia, Universidade do Sul de Santa Catarina, 2003. TORRES, E. F.; MELLO, A. G.; MAZZONI, A. A.; ALVES, J. B. M. Una metodología para la alfabetización auditiva de implantados cocleares. In: Congreso Iberoamericano de Informática Educativa Especial, 5, 2005, Montevideo. TORRES, E. F.; MELLO, A. G.; MAZZONI, A. A.; ALVES, J. B. M. Alfabetização auditiva através da hipermídia. In: Congresso Nacional de Ambientes Hipermídia para Aprendizagem CONAHPA, 2006, Florianópolis. TORRES, E. F.; MAZZONI, A. A.; MELLO, A. G. Nem toda pessoa cega lê em Braille nem toda pessoa surda se comunica em língua de sinais. Educação e Pesquisa, v. 33, nº 2, p. 369-386, maio/ ago, 2007. 68 Deficiência e Tecnologia Assistiva: Conceitos e Implicações para as Políticas Públicas Jesus Carlos Delgado Garcia Doutor em Ciências Sociais: Política. Coordenador de Projetos do Instituto de Tecnologia Social (ITS BRASIL). Resumo: O presente texto aborda algumas perspectivas no debate atual sobre os temas da deficiência e da tecnologia assistiva, tendo como contexto a realidade das políticas públicas no Brasil, e especificamente o âmbito da Pesquisa, Desenvolvimento e Inovação (PD&I). Considera-se que o principal desafio consiste na adequação do marco legal e teórico ao disposto na Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência das Nações Unidas com seu Protocolo Facultativo, aprovada no Brasil, assim como na implementação da mesma nas políticas públicas e na sociedade. Avalia-se que no Brasil tem havido nos últimos anos avanços muito significativos na concretização do direito à tecnologia assistiva. Ao tempo, propõe-se a necessidade de um modelo investigativo e de inovação nos temas da deficiência e da tecnologia assistiva que, tendo como ponto de partida as necessidades das pessoas com deficiência, estas sejam incorporadas como participantes das equipes de trabalho dos diferentes projetos. Palavras-chave: deficiência, tecnologia assistiva, modelo médico e modelo social, políticas públicas. Introdução O presente texto procura recolher sinteticamente o teor da apresentação realizada no I Simpósio Internacional de Tecnologia Assistiva do CNRTA, destacando tensões nos conceitos e nas práticas sociais dentro do âmbito da tecnologia assistiva. O exame da relação teoria-prática no âmbito da deficiência, a análise das interfaces discurso-comportamento no contexto das políticas públicas e a observação das conexões concepção-realização no campo da tecnologia assistiva sempre podem revelar situações contraditórias, e também, apontar propostas indicadoras tanto de estratégias de superação de impasses como de realização de objetivos desejáveis. No Brasil, percebem-se nos últimos anos avanços muito importantes, decisivos mesmo, em relação ao conceito e às políticas públicas da deficiência e da tecnologia assistiva. Podemos escolher a Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência das Nações Unidas com seu Protocolo Facultativo e o Plano Viver sem Limite como principais estrelas destinadas a mostrar o norte e a guiar a navegação da reflexão teórica, das práticas sociais e das políticas. 69 Nesse sentido, o desafio principal nos parece ser a urgente readequação dos diferentes âmbitos legal, social, acadêmico, econômico e político a esse marco referencial, assim como a construção de uma imensa rede de concretizações em melhoria de vida e participação social que podem se derivar desses instrumentos, normativo e de política pública. Modelo social da deficiência versus modelo médico da deficiência Na atualidade, nos encontramos dentro de uma forte efervescência, sem dúvida promissora, que reflete, se pergunta e debate sobre o conceito de deficiência. Trata-se, na verdade, de um processo originado nos anos 60-70 quando pela primeira vez na história as próprias pessoas com deficiência conseguiram ser ouvidas e levadas a serio ao levantar a voz e expressar o que elas são1. Até então, foram outros, sem deficiência, intelectuais, religiosos, médicos, filósofos, autoridades, etc., os que sempre disseram em que consiste a deficiência e o que se deve fazer com ela. Essa irrupção no debate conceitual sobre o que seja a deficiência propiciado pelos movimentos sociais das pessoas com deficiência, assim como pela convergência de diferentes estudos nas áreas da psicologia, sociologia, bioética e outras disciplinas, pode ser vista ao mesmo tempo como uma verdadeira revolução conceitual e também como uma luta por reconhecimento e dignidade das pessoas com deficiência, que pugnam por um lugar ao sol na sociedade, por justiça, pela possibilidade de realizar seu projeto de vida, pela participação social, em definitiva, pelo “direito de estar no mundo como um ser humano”. Essa revolução conceitual e reivindicativa pode ser caracterizada como a passagem da concepção do “modelo médico da deficiência” para o “modelo social da deficiência”. No “modelo médico da deficiência”, esta é considerada como um atributo da própria pessoa, como algo que ela tem, uma anormalidade, um defeito, uma merma, algo causado por uma doença, por um acidente, um trauma, uma alteração genética, uma violência...; em resumo: um problema no interior da pessoa, uma “tragédia pessoal”, azar. Diante disso, a resposta da sociedade nesse modelo médico consiste principalmente em dar assistência médica, tratamento individual. Com qual objetivo? A cura, a reabilitação, buscando a adaptação dessa pessoa ao contexto, ao ambiente físico-social, mediante a mudança do comportamento dela. Caso não se consiga isso, a pessoa deve ser separada da sociedade, segregada em ambientes especiais, impedida totalmente ou com graves restrições para ser responsável da sua vida –casar e formar uma família, trabalhar, ter uma conta corrente no banco, estudar, administrar seus bens, viajar, etc.- ou para participar na sociedade, porque ela, infelizmente, “não pode”, não consegue, é incapaz. Frente a essa situação teórico-prática da deficiência, denunciada pelos movimentos sociais das pessoas com deficiência, se propôs outro conceito, radicalmente oposto: a deficiência nada mais é do que uma opressão socialmente construída por um ambiente de hostilidade aos que são Podem ser lembrados, por exemplo, no Reino Unido, Paul Hunt, Michael Olivier, Paul Abberley, Colin Barnes e Vic Finkelstein, pessoas com deficiência, militantes e acadêmicos. Deve ser destacada a forte influência do movimento social UPIAS - Liga dos Lesados Físicos contra a Segregação, assim como do Conselho Britânico de Organizações de Pessoas com Deficiência. Nos Estados Unidos, é mister mencionar, nesse contexto, a Jacobus tenBroek, pessoa com deficiência visual total a partir dos 14 anos, com doutorado em Direito, professor na Universidade da Califórnia em Berkeley, autor de numerosos estudos e fundador do Conselho de Cegos, que mais tarde se tornou a Federação Nacional dos Cegos da Califórnia. Também teve notória influência, Ed Robers, que na adolescência ficou com paralise do pescoço aos pés como consequência de uma poliomilite, universitário, um dos pais do Movimento de Vida Independente, e Diretor do Departamento de Reabilitação do Estado da Califórnia. 1 70 diferentes. Vejamos os seguintes exemplos: • A deficiência é a desvantagem ou restrição de atividade provocada por uma sociedade que tem pouca ou nenhuma conta de pessoas que têm deficiências e, portanto, as exclui de qualquer atividade (Conselho Britânico de Organizações de Pessoas com Deficiência). • A deficiência é o resultado do fracasso da sociedade para se adaptar às necessidades das pessoas com deficiência (ABBERLEY, 1998). • A deficiência é uma relação de dominação social que fica naturalizada na forma de um déficit individual e biológico (OLIVIER, 1998) Assim, numerosos estudos (ABBERLEY, 1995; MARKS, 1999; OLIVER, 1990; BARNES, 1997; SHALOCK, 1999), questionaram a concepção vigente na época, denominada de “modelo médico”, e postularam novas formas entender e de atender mediante políticas públicas às pessoas com deficiência, de forma que a causa e a responsabilidade sobre a mesma não seja creditada à própria pessoa com deficiência, mas à relação problemática dela com o ambiente, com a sociedade, com o sistema. A concepção e legitimidade social das práticas do “modelo médico” ficaram, com razão, fortemente abaladas, ao ponto de ter sido nelas verificado o processo de “medicalização”, que expressa o mecanismo mediante o qual situações sociais de opressão, injustiça, dominação, segregação, e até de eliminação e extermínio, eram justificados “biomedicamente”. Um caso muito famoso foi o da “drapetomania”, uma suposta doença proposta em 1851 por Samuel A. Cartwright, médico que exercia sua profissão em Luisiana, nos Estados Unidos e que era membro da Louisiania Medical Association. O termo drapetomania deriva do grego δραπετης (drapetes, "um [escravo] fugido") + μανια (mania, "loucura, frenesi"). Assim, o dignóstico da drapetomania, “locura de fugir”, visava explicar a tendência humana de querer escapar. Mas, curiosamente, somente pessoas negras em situação de escravidão sofriam dessa “doença”, pois naquele momento elas eram as únicas que fugiam da condição de escravidão, geralmente, para migrar aos estados em que ela foi abolida. O caso mais grave de “medicalização” deve ser acreditado ao nazismo, durante o qual coube aos médicos a tarefa de cumprir a política racial hitleriana, de natureza eugenêsica, primeiramente, esterilizando pessoas com doenças supostamente hereditárias e depois mediante a eliminação nos campos de concentração de pessoas com deficiência física ou psíquica. Nas palavras do Esteban González: A função do médico não era somente curar aos indivíduos, mas manter a saúde do Estado. O próprio Hitler escreveu: “Posso ficar sem advogados, sem engenheiros, sem construtores, mas sem vocês, os médicos nacionalsocialistas, não posso ficar nem um único dia, nem uma única hora. Se vocês me falharem, tudo está perdido. Para que serve nossa luta se a saúde do nosso povo está em perigo?” Em 1933, após a chegada ao poder de Hitler foi aprovada a Lei de Esterilização, que afetou a mais de 400.000 alemães com doenças psiquiátricas, cegueira e surdez congênita, malformações e defeitos físicos e psíquicos, alcoolismo, inadaptação social, e inclusive baixo rendimento escolar2. Entrevista: Esteban González: "Los médicos fueron una pieza clave para el Holocausto". La Vanguardia, 18/02/2015. Disponível em: http://www.lavanguardia.com/cultura/20150218/54426272690/esteban-gonzalez-medicos-clave-holocausto.html 2 71 Contestando o modelo médico, as pessoas com deficiência, desde os seus movimentos sociais, reivindicaram ser tratadas como pessoas, como sujeitos de direitos, em igualdade com as demais pessoas, como pessoas não inferiores, mas diversas e iguais em dignidade, direitos, autonomia, e participação social e política. Em resumo, o modelo social credita a situação de exclusão e dependência às barreiras que a sociedade impõe as pessoas com deficiência. Nas palavras do Giampiero Griffo, Vicepresidente de Disabled Peoples’ International/Comissionado da União Europeia, eles não são “portadores de deficiência”, mas “recebedores de deficiência”: Em alguns países europeus definem minha condição com as palavras de “portador de deficiência”. Mas se reflexiono sobre a raiz dos meus problemas, descubro uma verdade simples: os ônibus com escada inacessível, os edifícios com barreiras arquitetônicas, os serviços públicos e os locais de trabalho, que não foram adaptados a minhas habilidades, são uma dificuldade para mim. Não porque ou me movimente com uma cadeira de rodas, mas porque os engenheiros, os arquitetos, os projetistas e gerentes não me incluíram entre os viageiros de ônibus, entre os espectadores de cinema e teatro, entre os usuários de serviços ou entre os trabalhadores. Então, não sou um portador de deficiência, mas um recebedor de deficiência. (GRIFFO, 1999: 2. Tradução nossa) Para conseguir autonomia, assim como vida independente, participação social e política, as pessoas com deficiência reivindicam se liberar da subjeção imposta pelo “modelo médico”, mediante o argumento que a deficiência não é doença, mas uma condição de exclusão: A primeira avaliação negativa chega da visão médica. (…) Lembro que o maior objetivo que os médicos queriam conseguir depois de que eu fosse golpeado pela poliomielite era conseguir que andasse na posição ereta. (…) Aos 25 anos entendi uma verdade que me permitiu dar um grande passo para frente: decidi andar –melhor, rodar- sem vergonha em uma cadeira de rodas. (…) Não tenho que me considerar como doente permanente em espera de uma improvável cura, mas valorizar minhas diversas capacidades para realizar as atividades da vida cotidiana. O importante não é caminhar de pé, mas conseguir minha autonomia, independência e interdependência com a sociedade. (GRIFFO, 1999:1- 2. Grifos do autor. Tradução nossa) O impacto e a influência do conceito de deficiência como dominação, dependência e opressão socialmente construídas mediante a criação de todo tipo de estereótipos, preconceitos, estigmas e formas diretas e indiretas de discriminação, têm sido notório. Ao mesmo tempo as lutas e reivindicação de autonomia, de exercício de direitos e cidadania, de qualidade de vida e participação social e inclusão na escola, trabalho, lazer e demais esferas da vida têm sido imensas e continuam esperançadoras. De alguma forma, pode-se dizer que os enormes avanços havidos nos últimos 40 ou 50 anos na concepção e atenção social à deficiência não tem comparação com nenhuma outra época histórica da humanidade. Os dois principais feitos no campo teórico e político da deficiência podem ser sinalizados na incorporação dessa perspectiva conceitual do modelo social da deficiência às mudanças havidas na caracterização da deficiência na Classificação Internacional de Funcionalidade, Incapacidade e Saúde (CIF) da OMS3 e, sobretudo na Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência da ONU, assinada em Nova Iorque, em 30 de março de 2007. 72 Assim, em boa parte, foi graças à mobilização social das pessoas com deficiência que a Organização das Nações Unidas (ONU) construiu um tratado internacional, o primeiro do século XXI, inscrevendo esta temática de forma inequívoca no campo dos direitos humanos. Como define Palacios: A Comunidade Internacional conseguiu no ano de 2006, logo apos de um processo de negociação surpreendentemente veloz e efetivo, adotar um instrumento vinculante de direitos humanos, denominado Convenção Internacional das Pessoas com Deficiência, que constitui à discapacidade4 como um âmbito temático específico no sistema universal de proteção dos direitos humanos, e que desde a etapa da sua elaboração tem respeitado muitas das consignas do modelo social (PALACIOS, 2008: 475. Tradução nossa) No Brasil, a norma internacional mais recente, completa e de maior destaque é a Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência das Nações Unidas e seu Protocolo Facultativo, que foram aprovados pelo Congresso brasileiro por meio do Decreto Legislativo 186, de 9 de julho de 2008. Em 1º de agosto de 2009, o Brasil depositou a ratificação da Convenção e do Protocolo Facultativo junto ao Secretário-Geral das Nações Unidas e, em 25 de agosto de 2009, por meio do Decreto 6.949, o Presidente da República promulgou tais atos internacionais. Dessa forma, a referência maior de tipo conceitual e normativo para todas as políticas públicas relacionadas com a deficiência é o conceito da mesma, expresso na Convenção, no Artigo 1: Pessoas com deficiência são aquelas que têm impedimentos de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, os quais, em interação com diversas barreiras, podem obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdades de condições com as demais pessoas (BRASIL, 2009). Assim, o conceito de deficiência pode ser expresso na seguinte equação: Pessoas com deficiências 3 = Pessoas com impedimentos, como por exemplo, cegueira, paraplegia, surdez, síndrome de down, etc. + Barreiras, como por exemplo, preconceitos, estigmas, discriminação, inacessibilidade urbana, barreiras de comunicação, etc. Note-se que o modelo médico foi o modelo inicialmente difundido pela Organização Mundial de Saúde 4 Na verdade, esta palavra não existe na língua portuguesa o que representa alguma dificuldade para compreender o conceito de “deficiência”. Em inglês, utiliza-se a palavra ‘disability’, em espanhol utiliza-se ‘discapacidade`, que é uma palavra menos pejorativa do que a expressão “deficiência”, porque se refere a uma condição ou situação excludente em que a pessoa se encontra, e não a algo pessoal. Entretanto, ainda possui alguma conotação discriminativa. Por esse motivo, o Fórum de Vida Independente da Espanha propõe que as pessoas com deficiência sejam denominadas “pessoas com diversidade funcional” (ROMAÑACH e LOBATO, 2005; PALACIOS e ROMAÑACH, 2007). No Brasil, ver: PEREIRA, 2009. 73 Nesse conceito, ser pessoa com deficiência (person with disability) é fruto de uma interação, concretamente, de uma relação obstrutiva das barreiras de comunicação, atitudinais ou ambientais perante os impedimentos (impairments) que as pessoas têm. Assim, fica claro que a deficiência não é um atributo que a pessoa tem, mas o resultado da inadaptação da sociedade diante de pessoas com impedimentos. Quer dizer, a causa da deficiência não é da pessoa, nem dos impedimentos que a pessoa tenha, mas da sociedade que coloca barreiras ou obstruções. Com base nesse conceito, a Convenção explicita, mediante 50 artigos que recolhem os diversos âmbitos da vida, a proteção dos direitos das pessoas com deficiência e as obrigações da sociedade e dos poderes públicos de se adaptar para garantir a realização desses direitos. Perspectivas atuais no debate atual sobre a deficiência A Convenção é, sem dúvida nenhuma, um grande passo, um feito que deve ser celebrado e valorizado enormemente, porque os direitos humanos e seu reconhecimento constituem o melhor fundamento das políticas públicas. Entretanto, como a própria Convenção reconhece, já no preambulo, “a deficiência é um conceito em evolução”. Assim, esboçamos a seguir algumas perspectivas do debate atual sobre o conceito-realidade de deficiência. 1. Cumprir a Convenção. No Brasil, o principal desafio, a tarefa primeira e mais importante de todas consiste em realizar, aplicar e cumprir a Convenção. Ela não pode ficar apenas no papel. Longe de se converter numa daquelas leis que “não pegam”, a Convenção deve orientar e normatizar o amplíssimo espectro das políticas públicas da deficiência. No âmbito legal, ao possuir a Convenção estatuto de emenda constitucional, ela prevalece sobre a legislação ordinária anterior, que em muitos casos ficou desatualizada. Nos debates sobre a aplicação da Convenção se escutam discussões sobre a necessidade da urgência e pertinência de criar (ou adaptar à Convenção) toda a legislação infraconstitucional, porque o que está acontecendo em muitos casos é inibição ou prevalência na prática da legislação ordinária sobre o conteúdo da Convenção, mediante o argumento de que “ela não está ainda regulamentada”. Para outros, trata-se de um falso debate, pois a Convenção “é autoaplicável”. Em todo caso, já é possível inclusive as pessoas com deficiência processarem os respectivos poderes públicos, caso não esteja sendo cumprida a Convenção, porque ela tem força legal. Mas, convenhamos em que o caminho da judicialização não é o mais adequado para produzir avanços. Essa situação de “vácuo legal”, por assim dizer, pode ser superada por governos com vontade política e criatividade na implementação do disposto na Convenção, mas na ausência dessas qualidades dos poderes públicos são possíveis retrocessos, perda de direitos. 2. O debate sobre o “modelo bio-psico-social”. Nas discussões sobre a deficiência escutam-se, às vezes, posições como a seguinte: “Não vamos ser extremistas. Aqui não nos pautamos nem pelo modelo médico nem pelo modelo social, mas pelo modelo bio-psico-social, como na CIF, viu?” Sobre essa questão, precisa ser muito bem analisado como são pensadas as dimensões bio, psico e social dentro da unidade biopsicossocial em que consiste a pessoa com deficiência. Pergunta reveladora: O “bio” é entendido como aquilo que vem primeiro, e é o principal? O biológico é concebido como a causa linear que determina o psicológico, o cultural e o social da deficiência? Poderia, graficamente, (OMS) mediante a elaboração em 1981 da Classificação Internacional de Deficiências, Incapacidades e Desvantagens (ICIDH). 74 ser expresso assim: Bio → psico → social? Na resposta positiva às questões acima, não há dúvidas: estamos diante de uma versão do modelo médico, pois a deficiência, que é uma interação problemática com o entorno, se entende novamente como um atributo pessoal, o “bio”, que desencadeia efeitos psicológicos (a perda de autoestima, por exemplo) e sociais (o estigma, a discriminação). A culpa da segregação e da exclusão, da nãoparticipação plena da pessoa com deficiência em igualdade de oportunidades com as demais pessoas continua estando na própria pessoa, nos seus atributos, nos impedimentos, na cegueira, surdez, paraplegia, etc. O processo, se quisermos ser consequentes com o conceito de deficiência da Convenção, deve ser totalmente ao contrário. Se a deficiência é uma construção social, mediante a qual, se atribuem estereótipos, estigmas, discriminações e barreiras, que configuram a interiorização e a identidade das pessoas com deficiência enquanto “seres defeituosos”, o qual justifica a incapacidade e a segregação, então, o caminho deve ser o inverso. A pergunta principal, então, deve ser: como a sociedade constrói a exclusão das pessoas com deficiência? Como se produz a interpretação delas como identidades deterioradas e condutas desviadas da norma social? Como se atribuem estereótipos, estigmas e exclusões? É urgente, então, transitar do biopsicosocio para o sociopsicobio se quisermos compreender as concretudes e meandros da deficiência. Esse deve ser o marco dos processos epistemológicos interdisciplinares sobre a deficiência. Como demolir as barreiras e construir a inclusão? Como extinguir as violências da exclusão? Como diminuir a dor existencial e os sofrimentos inseridos na discriminação e segregação? Como propiciar apoios, ampla acessibilidade, recursos suficientes, estratégias de inclusão na educação, no trabalho, no lazer, na mobilidade, produtos assistivos? Essas são as principais questões da política pública. 3. O modelo da diversidade. Trata-se de uma proposta de um novo modelo teórico do entendimento da deficiência, elaborado no interior do Movimento de Vida Independente da Espanha (ROMAÑACH e LOBATO, 2005; PALACIOS e ROMAÑACH, 2007; PALACIOS, 2008. No Brasil, ver PEREIRA, 2009). De forma semelhante à língua inglesa, na qual as pessoas com deficiência são denominadas pessoas com “disability”, no idioma espanhol prevalece hoje a denominação de pessoas com “discapacidade”5 . Mas o Movimento de Vida Independente da Espanha entende que a palavra “discapacidade” continua sendo pejorativa, atribuindo conotações negativas e discriminativas para as pessoas com deficiência. Com apoio baseado na bioética e nos direitos humanos, o Movimento de Vida Independente propõe um novo modelo de entendimento e de políticas para as pessoas com deficiência, denominado de “modelo da diversidade” e recomenda que as pessoas com deficiência não sejam mais denominadas como pessoas com discapacidade, mas “pessoas com diversidade funcional”. 4. A deficiência ao longo da vida como condição universal: Pessoas com deficiência somos todos. Nessa concepção da deficiência (PRIESTLEY, 2001 e 2003), se enfatiza que ela é 5 Na língua portuguesa não temos uma palavra equivalente de disability ou de discapacidade, o qual representa às vezes alguma dificul- dade para compreender o conceito de “deficiência”. A partir da Convenção, na qual disability foi traduzida por deficiência e impairment por impedimento, fica ao que parece consagrada essa terminologia. Entretanto, muitas vezes ainda se diz pessoa com deficiência, quando na verdade se refere à pessoa com impedimento. 75 uma possibilidade-realidade para todos os seres humanos, já que ao longo da vida, principalmente na velhice, estamos ou estaremos na situação de relação problemática entre os impedimentos e o ambiente. Como diz Colin Barnes: as pessoas deficientes são qualquer pessoa e todas as pessoas. (...) Todas as pessoas são, potencialmente, pessoas deficientes, porque o impedimento é uma constante humana, não é peculiar a um segmento da comunidade. O impedimento é inevitável, caso se viva bastante tempo, porque todos adquirimos impedimentos à medida que envelhecemos. (DINIZ, 2013: 238) Nessa perspectiva, não se propõe um novo conceito de deficiência, apenas se enfatiza sua dimensão universal, do qual podem se seguir algumas virtualidades, como por exemplo, a interiorização da potencialidade-realidade de ser pessoa com deficiência, a solidariedade, o engajamento. Esse destaque na condição universal da deficiência pode ter a propriedade de não segmentar ou classificar as pessoas com deficiência como aqueles pertencentes a grupos ou comunidades específicas, geralmente “os outros”. Ao tempo, essa perspectiva possibilita ações de todos na redução das causas sociais que provocam a deficiência: seja na redução das causas sociais que produzem impedimentos como a pobreza, a violência e os acidentes de trabalho e do trânsito, ou seja nos cuidados para a prevenção de desenvolvimento de impedimentos. 5. A deficiência como necessidade de apoio. Uma outra perspectiva na reflexão e nas políticas de atenção às pessoas com deficiência tem surgido nos países em que as políticas de provisão de apoios, como produtos de tecnologia assistiva e de assistentes pessoais, tem sido destinadas para aquelas pessoas que se encontram em situação de dependência. Nesses casos, tem sido ampliada a avaliação patológica do corpo com impedimentos para a análise das atividades da vida diária. Desde esse ponto de vista, resulta norteador o conceito de autonomia versus dependência. Assim, por exemplo, o Conselho de Europa entende a dependência como “um estado no qual se encontram as pessoas que, devido à perda física, psíquica ou em sua autonomia intelectual necessitam assistência ou ajuda significativa para se manejar nas atividades diárias” (Conselho de Europa, 1998: 9). Um exemplo dessa forma de abordagem da deficiência pode ser contemplada na tabela seguinte, na qual os tipos de deficiência não se correspondem com a tipologia convencional de deficiência física, auditiva, visual e intelectual. Perspectivas atuais no debate atual sobre a tecnologia assistiva À diferença do que acontece com o conceito de deficiência, não existem diferenças significativas sobre o conceito de tecnologia assistiva (COOK e HUSSEY, 1995; HEART 6; Norma ISO, vários anos7; EUSTAT, 1999a e 1999b; CAT, 2007) quando ele se refere a “produtos”, sejam eles concretizados 6 O Estudo HEART (Horizontal European Activities in Rehabilitation Technology), surge no âmbito do Programa TIDE (Technology Initiative for Disabled and Elderly People), da União Europeia. A realização desse projeto de investigação, que se estendeu durante os anos 19931995, foi coordenado pelo Swedish Institute of Asssistive Technology, e incorporou um grupo de trabalho composto por 21 instituições e empresas em 12 países. Publicou aproximadamente 50 informes, livros e folhetos. 7 Por exemplo, na versão de 2011: Qualquer produto (incluindo dispositivos, equipamentos, instrumentos e software), especialmente produzido ou disponível de modo generalizado, utilizado por pessoas com deficiência ou para eles, para permitir a participação; para proteger, apoiar, treinar, medir ou substituir funções/estruturas e atividades orgânicas; ou para evitar dificuldades, limitações de atividades ou restrições à participação (ISO 9.999: 2011) 76 1. Uma mesma pessoa pode estar em mais de uma tipologia de deficiência. 2. Somente foram consideradas tipologias de deficiência com uma taxa superior a 5%. Fonte: INE (2001) Alonso F. 2002. Tradução nossa. pela expressão “ajudas técnicas” (desde a versão na Norma ISO 9.999: 1999) ou “produtos de apoio” (a partir da versão ISO: 2007). Entretanto, com exceção das normas ISO, que apenas objetivam a classificação dos produtos, as demais definições propostas incluem, também, dentro do conceito de tecnologia assistiva, os serviços. Nas políticas públicas de TA no Brasil se adota o conceito elaborado pelo Comitê de Ajudas Técnicas 77 (CAT), segundo o qual a TA engloba: Produtos, recursos, metodologias, estratégias, práticas e serviços que objetivam promover a funcionalidade, relacionada à atividade e participação, de pessoas com deficiência, incapacidades ou mobilidade reduzida, visando sua autonomia, independência, qualidade de vida e inclusão social. (CAT, 2007: Ata VII) Destaca-se do conceito de tecnologia assistiva sua enorme amplitude e diversidade quanto aos produtos e serviços compreendidos no conceito. A amplitude dos produtos pode ser observada no seguinte quadro: Classes de Produtos de Tecnologia Assistiva, segundo classificação da ISO 9.999: 2007 Fonte: ISO, 2007 78 Ao examinar o conceito de tecnologia assistiva percebe-se uma diferença substancial em relação às definições de tecnologia correspondentes a outros tipos de tecnologia. Estas remetem às especificidades temáticas ou setoriais, como por exemplo, tecnologia digital, tecnologia mecânica, eletrônica, etc. Entretanto, a tecnologia assistiva possui uma diferença caracterizadora. Ela se define pela sua finalidade, isto é, por estar destinada a promover a funcionalidade, autonomia, independência, qualidade de vida e inclusão social das pessoas com deficiência, mobilidade reduzida ou pessoas idosas, seja qual for o campo temático dessa tecnologia. Dessa forma, a tecnologia assistiva - junto com a tecnologia social – é uma tecnologia que se diferencia das demais tecnologias pela sua finalidade explícita de servir de para a maior autonomia, participação ou inclusão social das pessoas com deficiência e pessoas idosas. Assim sendo, essa dimensão social da TA implica na adoção de uma matriz epistemológica e metodológica peculiar, que possui: i) como ponto de partida os problemas, necessidades e barreiras enfrentadas pelas pessoas com deficiência, mobilidade reduzida e pessoas idosas; ii) como caminho (methodé) a aplicação de conhecimentos, sejam estes científicos (em diversas especialidades), metodológicos ou populares; iii) como modus operandi a participação, tendo como princípios a democracia e os direitos de cidadania; e iv) como resultado buscado a melhora da qualidade de vida, a inclusão social, autonomia e o bem-estar social. Essa matriz epistemológica exige por tanto, uma conexão nítida e clara entre investigação, formalização da mesma, relevância científica, relevância social e aplicação prática (DELGADO GARCIA e GALVÃO FILHO, 2012). Ao mesmo tempo, devido a sua finalidade, a tecnologia assistiva pode e deve ser vista como direito humano e social. Efetivamente, os produtos de tecnologia assistiva, enquanto produtos de apoio, podem e devem ser considerados como uma verdadeira extensão e complementação da própria corporeidade e do próprio ser da pessoa com deficiência, que através deles pode se expressar, se comunicar, se movimentar, realizar as atividades da vida diária e, em fim, se realizar como pessoa no meio social e político. Como destacou RADABAUGH (1993): Para as pessoas sem deficiência a tecnologia torna a vida mais fácil, para as pessoas com deficiência a tecnologia torna a vida possível (RADABAUGH, 1993). Dessa forma, deve ser enfatizado que para as pessoas com deficiência a tecnologia assistiva compreende produtos de primeira necessidade, tão essenciais à vida quanto podem sê-lo produtos alimentares, remédios, material escolar, roupa ou itens de saneamento básico, amparados como direitos fundamentais. Por esse motivo, o acesso e a utilização dos produtos de TA constituem-se, então, para as pessoas com deficiência recurso e condição sine qua non da qual depende sua realização como pessoas e sua integração social. Consequentemente, os produtos de tecnologia assistiva devem ser considerados como integrando os direitos humanos e sociais. Por outro motivo, o acesso e o usufruto de produtos e serviços de TA no Brasil torna-se uma questão de enormes proporções sociais, uma vez que apenas uma pequena parte das pessoas com deficiência possui acesso a eles, como pode ser observado nos seguintes quadros. 79 Fonte: DELGADO GARCIA e PASSONI, 2012: 64. Pessoas com deficiência: Utilização de produtos de tecnologia assistiva – Distrito Federal, 2009/2010 (em %) Não Não sabe/não conhecem responde Pessoas com deficiência/Tipos de produtos de TA Utiliza Não utiliza Pessoas com deficiência visual segundo utilização do sistema Braille 1,50% 98,50% - - Pessoas com deficiência visual segundo utilização de outro tipo de tecnologia assistiva para ler (lupa, lupa eletrônica, etc., excluindo óculos ou lentes de contato) 15,00% 85,00% - - Pessoas com deficiência visual segundo utilização de tecnologia assistiva para acessar o computador. 8,50% 56,70% 34,8 - Distribuição de pessoas com deficiência auditiva segundo utilização da Língua Brasileira de sinais (LIBRAS) 17,00% 82,40% - 0,60% Distribuição de pessoas com deficiência auditiva segundo utilização de alguma outra forma de comunicação (comunicação aumentativa, alternativa, símbolos de comunicação pictórica, etc.) 22,30% 77,77% - - Fonte: ITS BRASIL/DIEESE (2010) Pesquisa Especial: Mercado de Trabalho e Perfil Ocupacional das Pessoas com Deficiência em Região Metropolitana (Brasília – DF). IN: DELGADO GARCIA, (Coord.) Projeto Centro Nacional de Tecnologia Assistiva: Estudos e pesquisas para elaboração de proposta de implantação (2008-2010). ITS BRASIL/CNPq. Mimeo. São Paulo. 80 6. Situação legal e avanços no Brasil na efetivação do direito a TA das pessoas com deficiência Ao examinar a situação jurídica do direito das pessoas com deficiência no Brasil é necessário incluir e situar esses dois temas no eixo central dos direitos das pessoas com deficiência. Assim, na compreensão deste trabalho, a normativa sobre TA abrange muito mais que as leis referentes a produtos de apoio, equipamentos e serviços que auxiliam no cotidiano das pessoas com deficiência, ou aos serviços de intermediação de pessoas com deficiência no mercado de trabalho; abrange também toda proteção jurídica destinada à inclusão social, à não-discriminação, à equiparação de igualdade legal e de oportunidade, pois são todos dispositivos destinados à promoção do bem estar, autonomia, e qualidade de vida destas pessoas. Nessa perspectiva, o direito a TA encontra-se contemplados, também, na legislação referente ao direito à igualdade e não discriminação, inclusão, direito à assistência social, direito à saúde, direito à educação, direito ao trabalho, direito ao lazer, esporte, cultura e recreação, acessibilidade, que inclui locomoção em meios de transporte, locomoção em edificações e vias públicas e a acessibilidade à informação em meios de comunicação; além de normas técnicas, proteção judicial, e normas penais. É oportuno, neste momento, considerar que para o Brasil a normativa internacional, uma vez ratificada e entrando em vigor internacional, deverá ser absorvida automaticamente com força de lei infraconstitucional, de forma que revogaria expressamente a legislação de qualquer ordem que dispusesse de forma contraria ao estabelecido na Convenção e seu Protocolo. No entanto, no caso em tela esta absorção vai muito além. Na verdade, os dispositivos da Convenção e seu Protocolo possuem força constitucional, revogando de forma expressa o eventualmente disposto em contrário na nossa Carta Magna. Isto porque estamos diante do que a Emenda Constitucional 45/2004 denominou de Tratados de Direitos Humanos. Efetivamente, a referida emenda acrescentou um parágrafo terceiro ao artigo quinto (que dispõe sobre os direitos fundamentais) da Constituição Federal estabelecendo que os tratados e convenções internacionais sobre direitos humanos aprovados, em cada Casa do Congresso Nacional, em dois turnos, por três quintos dos votos dos respectivos membros, serão equivalentes às emendas à Constituição. Com bem pondera PIOVESAN (2005: 71), esse tratamento jurídico diferenciado aos tratados de direitos humanos se justifica, na medida em que apresentam um caráter especial, distinguindose dos tratados internacionais comuns. Enquanto estes buscam o equilíbrio e a reciprocidade de relações entre Estados-partes, aqueles transcendem os meros compromissos recíprocos entre os Estados pactuantes, tendo em vista que objetivam a salvaguarda dos direitos do ser humano e não das prerrogativas dos Estados. Foi, portanto, mediante este tratamento jurídico diferenciado que o governo brasileiro aprovou a Convenção e seu Protocolo. Fica patente, desta forma, que a nossa Constituição Federal incorpora integralmente o seu conteúdo, derrogando inclusive aquelas normas do seu sistema que não coadunam com a incorporação. A legislação brasileira, no entanto, já previa significativa proteção dos direitos da pessoa com deficiência e já atribuía ao Estado a obrigação de promover o bem estar e inclusão desses indivíduos. A principal fonte da proteção dos direitos das pessoas com deficiência é a Constituição Federal de 5 de outubro de 1988, que apregoa a igualdade entre os indivíduos ao mesmo tempo em que cuida dos direitos que buscam proporcionar às pessoas com deficiência igualdade de oportunidade (ARAUJO, 1994). 81 Nesse sentido, destaca-se a posterior criação da Lei Federal 7.853, de 24 de novembro de 1989, que passou a estabelecer diretrizes para a proteção dos direitos das pessoas com deficiência, reconhecendolhes o direito à educação, à saúde, ao trabalho, ao lazer, à previdência social, ao amparo à infância e à maternidade. Assegura a representação dos interesses das pessoas com deficiência ao Ministério público, que tem o dever de combater o preconceito e a discriminação e observar os princípios constitucionais de proteção à pessoa com deficiência. E, classifica como crime a discriminação contra a pessoa com deficiência. Esta lei foi regulamentada pelo Decreto 3.298, de 20 de dezembro de 1999, que consolida a proteção dos direitos elencados na Lei Federal 7.853, de 24 de novembro de 1989, reforça a Política Nacional para a Integração da Pessoa Portadora de Deficiência, e dispõe sobre as atribuições do Conselho Nacional dos Direitos da Pessoa Portadora de Deficiência (CONADE), criado pelo Decreto 3.076, de 1º de junho de 1999, para acompanhar e avaliar o desenvolvimento de uma política nacional para inclusão das pessoas com deficiência e das políticas setoriais de educação, saúde, trabalho, assistência social, transporte, cultura, turismo, desporto, lazer e política urbana destinadas a elas. Outra norma regulamentadora importante será o Decreto 5.296, de 02 de dezembro de 2004, que regulamenta a Lei Federal 10.048 de 08 de novembro de 2000, a qual dá prioridade de atendimento às pessoas portadoras de deficiência. Em relação à legislação sobre TA, de acordo com a legislação nacional, conforme determina o Decreto 3.298 de 20 de dezembro de 1999, produtos assistivos são “elementos que permitem compensar uma ou mais limitações funcionais motoras, sensoriais ou mentais das pessoas portadoras de deficiências, com o objetivo de permitir-lhe superar as barreiras da comunicação e da mobilidade e de possibilitar sua plena inclusão social”. Para o MCTI, a TA vem sendo objeto de políticas importantes, tendo sido contemplada nos Planos Plurianuais com várias ações. A Secretaria de Ciência e Tecnologia para Inclusão Social (Secis), em parceria com o Instituto de Tecnologia Social - ITS BRASIL, realiza três edições da Pesquisa Nacional de Tecnologia Assistiva com o objetivo de subsidiar as ações da política pública. Para fomento da inovação, a Financiadora de Estudos e Projeto (FINEP), desde 2005, vem realizando editais para financiamento de Tecnologia Assistiva, assim como o CNPq tem custeado pesquisas diversas. Dentre todas as iniciativas das políticas públicas brasileiras destaca-se a articulação interministerial e intersetorial de ações de Tecnologia Assistiva que culminou na implementação do Plano Nacional dos Direitos da Pessoa com Deficiência – Viver sem Limite, instituído pelo Decreto 7.612, de 17 de novembro de 2011. Para melhorar o acesso das pessoas com deficiência à TA, o Plano Viver sem Limite reduziu a zero as alíquotas do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) incidentes sobre os utilizados por pessoas com deficiência. Em paralelo, foi criada uma linha de crédito especial, o BB Crédito Acessibilidade, para financiar bens e serviços que auxiliem na acessibilidade, independência motora, autonomia e segurança para as pessoas com deficiência. Ao tempo, o Ministério da Saúde, vêm ampliando a disponibilização gratuita de produtos de TA8. 8 Por exemplo, Banco do Brasil. Categorias de Tecnologia Assistiva (TA) Bens e serviços que não necessitam de recomendação de profissional de saúde. Disponível em http://www.bb.com.br/docs/pub/siteEsp/diemp/dwn/ListaBensFinanciav.pdf . No Ministério da Saúde, Portaria nº 1.272, de 25 de junho de 2013 e site http://portalsaude.saude.gov.br/portalsaude/noticia/6047/162/ministerio-da-saude-ampliaassistencia-oftalmologica.html <Acesso 12 de novembro de2012> 82 O Plano Viver sem Limite lançou o Centro Nacional de Referência em Tecnologia Assistiva (CNRTA), precedido por várias pesquisas do Projeto CNPq 48.6257/2007-0: Projeto Centro Nacional de Tecnologia Assistiva: Estudos e pesquisas para elaboração de proposta de implantação (2008-2010. O CNRTA foi instituído pela Portaria MCTI 139 de 23 de fevereiro de 2012 e ficou vinculado ao Centro de Tecnologia da Informação Renato Archer. O CNRTA foi estruturado como uma rede de pesquisa, desenvolvimento e inovação e já conta com mais de 80 núcleos no país. Dentre seus objetivos destaca-se: “Contribuir para o planejamento, elaboração e implementação da Política Nacional de Tecnologia Assistiva e para a execução do Plano Viver sem Limite”. Outra ação do Plano Viver sem Limite na área da TA foi o lançamento do Catálogo Nacional de Tecnologia Assistiva (http://assistiva.mct.gov.br/) que foi preparado e desenvolvido no citado Projeto CNPq 48.6257/2007-0. O Catálogo oferece informações on line sobre mais de 1.300 produtos de TA comercializados no Brasil. Essas políticas, que podem ser consideradas como avanços na efetivação do direito a TA, se tornam oportunas e necessárias, em especial porque nos encontramos diante de uma população que está aumentando consideravelmente nos últimos anos, por causa da confluência de vários fatores como o envelhecimento da população e a sobrevivência, cada vez maior, de pessoas a acidentes e doenças que anteriormente não eram curáveis. Trata-se de um contingente de 45,6 milhões de pessoas (IBGE, 2010) que se encontram, majoritariamente, em situação de exclusão social e sobre as quais recaem múltiplas discriminações, por motivos de pobreza, gênero e raça. Referências ABBERLEY, P. (1995) The concept of oppression and the development of a social theory of disability. Disability, Handicap and Society. Vol 2, Nº 1. ABBERLEY, P. (1998). Trabajo, utopía e insuficiencia. IN: BARTON, L. (Org.) Discapacidad y sociedad. Madrid: Morata/Fundación Paideia, págs. 77-96. ALONSO F. 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Disponível em: http://www.mj.gov.br/corde/arquivos/doc/Ata_VII_Reunião_do_ Comite_de_Ajudas_Técnicas.doc. 83 CONSEJO DE EUROPA (1998) Recomendación No. R.(98)9, del Comité de Ministros relativa a la Dependencia. COOK e HUSSEY (1995). Assistive Technologies: Principles and Practice. Mosby - Year Book, USA-Missouri. DELGADO GARCIA, (Coord.) Projeto Centro Nacional de Tecnologia Assistiva: Estudos e pesquisas para elaboração de proposta de implantação (2008-2010). ITS BRASIL/CNPq. Mimeo. São Paulo. DELGADO GARCIA, J C e PASSONI, I (2012) (Orgs.) Tecnologia Assistiva (TA): Experiências inovadoras, soluções de acessibilidade. Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação; ITS BRASIL. – São Paulo: ITS BRASIL/MCTI-Secis. DELGADO GARCIA, Jesus Carlos; GALVAO FILHO, Teófilo; ITSBRASIL (2012). Pesquisa Nacional de Tecnologia Assistiva. São Paulo: ITSBRASIL/MCTI/SECIS. DELGADO GARCIA, Jesus Carlos; GALVAO FILHO, Teófilo; ROBERTO, Vilma et Al.; ITSBRASIL. 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CIF: Classificação Internacional de Funcionalidade, Incapacidade e Saúde. Tradução Centro Colaborador da Organização Mundial da Saúde para a 84 Família de Classificações Internacionais. São Paulo: Edusp, 2003. PALACIOS, A., ROMAÑACH, J. (2007) El modelo de la diversidad. La Bioética y los Derechos Humanos como herramientas para alcanzar la plena dignidad en la diversidad funcional. Espanha: Ediciones Diversitas. PALACIOS, Agustina. El modelo social de discapacidad: orígenes, caracterización y plasmación en la Convención Internacional sobre los Derechos de las Personas con Discapacidad. Madrid: Ediciones Cinca, 2008. Pág. 475. PEREIRA, Ray (2009) Diversidade funcional: a diferença e o histórico modelo de homem-padrão. História, Ciências, Saúde-Manguinhos, Rio de Janeiro, Setembro, v. 16, n. 3, pag.715-728. Disponível em http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S0104-59702009000300009&script=sci_arttext <Acesso em 15 de dezembro de 2013> PIOVESAN, Flávia. 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Formada em Sociologia, com pós-graduação em Gestão Estratégica de Negócios pela Faculdade de Economia da UNICAMP, Gestão de Pessoas, pela Universidade Salesiana UNISAL de Americana, Gestão Responsável para a Sustentabilidade, pela Fundação Dom Cabral, Desenvolvimento de Tecnologia de Grupo para Intervenção Psicossocial, pela Faculdade de Sociologia e Política de São Paulo, e Gestão para a Sustentabilidade, pela Faculdade de Economia da UNICAMP. Ganhou o Premio “Talento de RH” da revista Gestão de RH em 2009 pelo trabalho realizado à frente do Programa de Valorização da Diversidade. Fabiana Fator Gouvêa Bonilha É graduada em Psicologia pela PUC de Campinas (2001) e em Música (bacharelado em Piano Erudito) pela UNICAMP (2003). É doutora (2010) e mestre (2006) pelo Programa de Pós-Graduação em Música do Instituto de Artes da UNICAMP, tendo como tema de sua pesquisa a Educação Inclusiva e o ensino/disseminação da Musicografia Braille. É colunista da Rede Anhanguera de Comunicação (RAC). É integrante, como servidora Pública Federal (cargo Técnico em Tecnologia Assistiva), do Centro Nacional de Referência em Tecnologia Assistiva (CNRTA) Irma Rossetto Passoni Graduação em Pedagogia (1974). Professora e Supervisora de Treinamento Pessoal em empresas privadas. Parlamentar por quatro mandatos e Constituinte; Relatora da CPMI Causas e Dimensões do Atraso Científico e Tecnológico Brasileiro (1992); Presidente da Comissão de Ciência Tecnologia Comunicação e Informático (1992), Presidente da Comissão de Serviços Públicos (1993). Como consultora em comunicação, trabalhou na implantação de canais de acesso público legislativos (Câmara Federal, Assembléia Legislativa, Câmaras Municipais) e canais educativo-culturais (Canal Comunitário, Canal Universitário). Participou das atividades de articulação com entidades da sociedade civil organizada na Conferência Nacional de âmbito da Ciência, Tecnologia e Inovação (2002, 2004 e 2010). Gerente executiva do Instituto de Tecnologia Social (2001-2011). Educadora popular, atua na elaboração de conceitos, métodos e práticas em políticas públicas no âmbito da Tecnologia Social, Tecnologia Assistiva, o Desenvolvimento Local Participativo nos Municípios, entre outros. 86 Francisco Exner Neto Graduado em Engenharia Industrial Mecânica pela Universidade Metodista de Piracicaba (1990). Licenciatura Plena em Matemática com Especialização para Professores de Matemática pela Escola de Extensão da UNICAMP (2006). Experiência adquirida em tecnologia de impressão 3D para desenvolvimento de produtos industriais e experimentais utilizando ferramentas CAD, tendo atuado como integrante da equipe da Divisão de Tecnologia 3D – DT3D do CTI Renato Archer. Faz parte da equipe da ABNT/CB26 que trabalha na certificação e normatização de cadeiras de rodas, ISO 7176, com o objetivo de uma estruturação de laboratórios de ensaios e testes para cadeira de rodas. Atua como pesquisador no Centro Nacional de Referência em Tecnologia Assistiva (CNRTA) com foco no levantamento de novas tecnologias, produtos e serviços em TA concebidos segundo os princípios da acessibilidade e do desenho universal voltados à mobilidade. Maria Aparecida Ramires Zulian (Mari) Terapia Ocupacional UNIMEP(1983) Psicopedagogia UNISAL (2000), Mestre em Educação na linha de formação de professores pela PUC – Campinas (2002), Doutorado em Engenharia Elétrica UNICAMP. Membro da equipe do CNRTA – Centro Nacional de Referencia em Tecnologia Assistiva. Larga experiência na área saúde física e educação, com ênfase nas áreas de: tecnologia assistiva, acessibilidade, educação especial e inclusão, trabalha com formação de profissionais e capacitação nas áreas da tecnologia assistiva e inclusão, é consultora do MEC-SECADI em projetos de inclusão escolar. Vanessa Maria de Vargas Ferreira Possui graduação em Fisioterapia pela USP (2008), Mestrado em Ciências pela UNICAMP (2012) e Especialização em Biomecânica pela UNICAMP (2013). Atualmente é integrante do CNRTA – Centro Nacional de Referência em Tecnologia Assistiva, atuando principalmente em apoio à políticas públicas na área de Tecnologia Assistiva, Pessoa com Deficiência e Inclusão Social. Tem experiência na área de Fisioterapia, com ênfase em Neurologia e Biomecânica, atuando em: tetraplegia, lesão medular, cinemática, esporte paralímpico e estimulação elétrica funcional. Victor Pellegrini Mammana Físico pela USP-SP (1993), mestre USP (1996) e doutor em Física USP (2000) e Lawrence Berkeley Laboratory. Trabalhou de 2002 a 2004 no International Technology Center, empresa de P&D da Carolina do Norte, EUA. Atualmente é diretor do Centro de Tecnologia da Informação Renato Archer, cargo para o qual foi nomeado em junho de 2011. Foi chefe da Divisão de Mostradores de Informação do Centro de Tecnologia da Informação Renato Archer, atuando na gestão de várias atividades, incluindo pesquisas nas áreas de displays de emissão de campo, displays flexíveis, células solares, preparação de roadmaps, ergonomia e educação e projeto UCA (Um Computador por Aluno). 87 88 89 90 91