CTI - RENATO ARCHER
CNRTA - CENTRO NACIONAL DE REFERÊNCIA EM TECNOLOGIA ASSISTIVA
(Organizador)
I SIMPÓSIO INTERNACIONAL DE TECNOLOGIA ASSISTIVA
O “I Simpósio Internacional de Tecnologia Assistiva - SITA” foi realizado em Campinas-SP, entre
03 e 05 de Junho de 2014, pelo Centro Nacional de Referência em Tecnologia Assistiva (CNRTA)
e o Centro de Tecnologia da Informação Renato Archer, com financiamento/apoio do CNPq.
Campinas – SP
CTI Renato Archer
2014
Expediente
Publicação do I SITA – Simpósio Internacional de Tecnologia Assistiva. Coordenação do Projeto:
CNRTA-CTI Renato Archer
Presidente da República
Dilma Rousseff
Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI)
Aldo Rebelo
Secretaria de Ciência e Tecnologia para Inclusão Social (Secis)
Eronildo Braga Bezerra
Centro Nacional de Referência em Tecnologia Assistiva
CNRTA - CTI Renato Archer
Diretor
Victor Pellegrini Mammana
Comissão Organizadora do I SITA
Andressa Ipólito Fonseca
Deise Aparecida de Araújo Fernandes
Fabiana Fator Gouvêa Bonilha
Fabíola Calixto Matsumoto
Francisco Exner Neto
Irma Rossetto Passoni
Janaína Lemos Rocha
Maria Aparecida Ramires Zulian
Sara Agueda Fuenzalida Squella
Vanessa Maria de Vargas Ferreira
Victor Pellegrini Mammana
Edição e Revisão Final
Edison Luís dos Santos
Ficha Catalográfica
Edison Luís dos Santos
Design e Editoração
Villea Marketing
Autores dos Artigos
Ana Irene Alves de Oliveira
Anahi Guedes de Mello
Caciana da Rocha Pinho
Carlos R. M. de Oliveira
Claudia Regina Lovato Franco
Danielle Alves Zaparoli
Fabiana Bonilha
Gisleine Martin Philot
Izaque Alves Maia
Jerusa Barbosa Guarda de Souza
Jesus Carlos Delgado Garcia
Jorge Vicente Lopes da Silva
Julia Pierre Figueiredo
Larissa Gomes Lunardon
Marcos B. C. Pimentel
Marcos F. Espindola
Maria Aparecida Ramires Zulian
Maria Iracy Tupinambá Duarte
Martinha Clarete Dutra dos Santos
Nilton Luiz Menegon
Rita Bersch
Sebastião Eleutério Filho
Talita Naiara Rossi da Silva
Ficha Catalográfica
I47e CENTRO DE TECNOLOGIA E INFORMAÇÃO - CTI RENATO ARCHER
I Simpósio Internacional de Tecnologia Assistiva.- / [Centro Nacional de Referência em Tecnologia
Assistiva-CTI Renato Archer]. – Campinas-SP: CNRTA-CTI, 2014.—
90 p. : il. 18 X 26 cm
ISBN 978-85-64537-16-3
1. Tecnologia Assistiva 2. Pessoas com deficiência 3. Simpósio internacional – Brasil
I. Título II. CTI Renato Archer III. Centro Nacional de Referência em Tecnologia Assistiva (CNRTA)
CDD 341.27
Copyright © CNRTA-CTI Renato Archer, 2014
Permitida reprodução total ou parcial com menção expressa da fonte.
Rodovia D. Pedro I, km 143,6 | CEP 13069-901 | Campinas - SP
Tel./fax (19) 37466291 | e-mail: [email protected] | http://www.cti.gov.br/cnrta
Sumário
Prefácio...................................................................................................................................................................01
Centro Nacional de Referência em Tecnologia Assistiva............................................................................03
Apresentação do I SITA.......................................................................................................................................05
1. O direito das pessoas com deficiência à educação inclusiva e o uso pedagógico dos recursos de tecnologia
assistiva na promoção da acessibilidade na escola
Martinha Clarete Dutra dos Santos.................................................................................................................13
2. Sistemas de adequação postural personalizado versus personalizáveis para crianças com deficiências
neuromotoras
Ana Irene Alves de Oliveira, Maria Iracy Tupinambá Duarte, Gisleine Martin Philot, Caciana da
Rocha Pinho, Danielle Alves Zaparoli.............................................................................................................18
3. Desenvolvimento de dispositivos de tecnologia assistiva utilizando impressão 3D
Jorge Vicente Lopes da Silva, Izaque Alves Maia..........................................................................................33
4. A certificação compulsória de cadeiras de rodas
Marcos B. C. Pimentel, Marcos F. Espindola, Carlos R. M. de Oliveira, Sebastião Eleutério Filho.......41
5. Tecnologia assistiva ou tecnologia de reabilitação?
Rita Bersch.............................................................................................................................................................45
6. Acessibilidade nos transportes: apresentação de um estudo realizado no transporte aéreo brasileiro
Talita Naiara Rossi da Silva, Nilton Luiz Menegon, Larissa Gomes Lunardon, Jerusa Barbosa
Guarda de Souza, Julia Pierre Figueiredo.......................................................................................................51
7. Tecnologia Assistiva e as ações concretas do Ministério Público do Trabalho
Claudia Regina Lovato Franco..........................................................................................................................57
8. O implante coclear como tecnologia assistiva: o que é que eu consigo escutar?
Anahi Guedes de Mello.......................................................................................................................................61
9. Deficiência e Tecnologia Assistiva: Conceitos e Implicações para as Políticas Públicas
Jesus Carlos Delgado Garcia.............................................................................................................................69
Comissão organizadora do livro do
I Simpósio Internacional de Tecnologia Assistiva do CNRTA.....................................................................86
Prefácio
Fabiana Fator Gouvêa Bonilha
Centro de Tecnologia da Informação Renato Archer
A Tecnologia Assistiva, como área do conhecimento interdisciplinar, permeia o trabalho do Centro
de Tecnologia da Informação, CTI Renato Archer, em seus mais de 30 anos de existência. Uma vez que
o CTI tem seus projetos estruturantes alicerçados nas principais políticas públicas vigentes, sempre
se priorizou, nas pesquisas por ele desenvolvidas, aspectos ligados à inclusão e ao desenvolvimento
social. Assim sendo, o CTI tem tido uma expressiva atuação em projetos nesta área, notadamente
desde a década de 1990.
Com a vinculação do Centro Nacional de Referência em Tecnologia Assistiva (CNRTA) ao CTI, por
meio da Portaria MCTI 139, de 23 de fevereiro de 2012, a Tecnologia Assistiva passou efetivamente
a fazer parte da missão deste centro, o que possibilitou o fortalecimento e a articulação dos projetos
a ela relacionados.
Neste contexto, a realização do I SITA nas dependências do CTI Renato Archer representou um
importante marco histórico na consolidação do CTI/CNRTA como uma referência nacional e
internacionalmente reconhecida neste campo de atuação. A publicação aqui apresentada constitui
um resultado deste evento, e reúne artigos científicos sobre os mais recentes avanços do conhecimento
na área.
Sabe-se que os recursos de Tecnologia Assistiva se fazem presentes nas diferentes esferas da vida de
uma pessoa com deficiência ou com mobilidade reduzida. A amplitude desta área de conhecimento
se deve à larga extensão das funcionalidades contempladas pelas ferramentas disponíveis e aos
significativos impactos gerados por elas no cotidiano de seus usuários.
Os artigos que compõe este livro refletem a abrangência deste tema, à medida que, em conjunto, os
textos o abordam em seus diversos recortes e perspectivas.
Em um dos trabalhos, encontram-se importantes reflexões conceituais sobre Tecnologia Assistiva,
que a distinguem de outras áreas correlatas e que possibilitam um delineamento de suas aplicações.
Em outros artigos, demonstra-se o quanto estes recursos tecnológicos contribuem para a inclusão
e para a participação social de pessoas com deficiência e com mobilidade reduzida, sobretudo no
que se refere à inserção de alunos com estas características no sistema regular de ensino e à atuação
profissional desta população no mercado de trabalho. Nota-se também a ênfase dada a políticas
públicas cujos parâmetros abrangem a relevância social da pesquisa e da inovação em Tecnologia
Assistiva, e, neste sentido, são discutidas as práticas referentes à dispensação e prescrição de produtos,
bem como as normas que os certificam. A discussão destes temas se faz necessária no intuito de se
assegurar que os usuários finais tenham disponíveis produtos e serviços que correspondam às suas
reais demandas.
Os artigos também revelam a importância da participação destes usuários na concepção e na utilização
dos recursos, à medida que trazem relatos de pessoas com deficiência acerca da transposição de
barreiras e dos benefícios da tecnologia em suas vidas.
Esperamos que os artigos ora apresentados sejam úteis e instrutivos a todos os leitores e que sirvam
como um subsídio para a composição de futuros trabalhos neste campo.
Boa leitura!
1
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Centro Nacional de Referência em Tecnologia Assistiva
Dr. Victor Pellegrini Mammana
Diretor do CTI Renato Archer
Governo Federal
No processo de implantação e consolidação do Centro Nacional de Referência em Tecnologia
Assistiva, a participação de algumas pessoas foi notadamente crucial. Entre elas, a Profa. Irma
Passoni dispensa apresentações. Iniciou sua carreira no "Movimento contra a Carestia", na década
de 70, enfrentando com coragem e com compromisso público o ambiente repressivo da época. Um
dos registros mais marcantes da luta contra a Ditadura é uma foto dela em uma manifestação de rua
na qual está fazendo frente a policiais montados a cavalo. O detalhe: Profa. Irma estava grávida.
Em seguida, assumiu um papel importante à frente dos temas de Ciência e Tecnologia, tendo sido
relatora da "Comissão Parlamentar Mista (Senado e Câmara Federais) - CPMI sobre as Causas
e Dimensões do Atraso Tecnológico". Esta fase de sua carreira a aproximou do então Centro
Tecnológico para a Informática, tendo tido um relevante papel em seu apoio, inclusive em questões
da formalização das carreiras dos pesquisadores e tecnologistas.
Em 2011, fui convidado a participar de uma reunião com o Ministro Mercadante sobre a área de
Tecnologia Assistiva. Recentemente empossado à frente do MCT, o Ministro Mercadante estava
impondo um fôlego novo às questões de impacto social, sem perder o foco em Ciência e Tecnologia.
Foi sob sua "batuta" que o Programa Viver Sem Limite começou a tomar forma.
Foi nesta reunião que tive a oportunidade de conhecer pessoalmente a Profa. Irma e seu projeto para
a área: um Centro de Referência para geração de conhecimentos para Tecnologia Assistiva (TA).
Estava presente à reunião o Dr. Joelmo Oliveira, servidor do Ministério, a primeira pessoa com quem
discuti a possibilidade do CTI Renato Archer contribuir para esta ideia do Centro de Referência.
Levamos imediatamente a ideia para o Dr. Marco Antônio Oliveira, então secretário da SECIS, que
de pronto delineou em que condições o CTI poderia ajudar. A partir daí, com o apoio do Dr. Marco,
a diligência do Dr. Joelmo e as orientações da Profa. Irma, o trabalho caminhou rapidamente para a
estruturação do Centro Nacional de Referência em Tecnologia Assistiva (CNRTA).
Tiveram papel crucial na consolidação do CNRTA os Secretários subsequentes da SECIS, os Drs.
Eliezer Pacheco e Oswaldo Baptista Duarte, juntamente com suas respectivas equipes, em especial a
Dra. Renata Gonzatti e a Dra. Sônia Costa.
Também foram de grande importância os apoios do Dr. Arquimedes Ciloni, Sub-secretário das
Unidades de Pesquisa e do Dr. Carlos Oití (CGOP), que muito ajudaram na formatação institucional
e na construção do concurso público que redundou nas primeiras contratações de profissionais da
área de TA no CTI.
É preciso lembrar o papel da Sra. Lucrécia (CNPq), que ajudou a construir o projeto para as primeiras
bolsas do CNRTA.
Dra. Fabiana Bonilha foi efetivamente a primeira profissional envolvida com a formatação do Centro,
dentro do CTI Renato Archer, mas logo depois vieram vários outros profissionais como Andressa
Fonseca, Mari Zulian, Vanessa Ferreira, Lilia Barreto, Edson Teracine, José Francisco de Jesus, Deise
3
Fernandes, Claudete Rego, Fabiola Calixto, Francisco Exner, Gianfrank Souza, Márcia Viana, Sara
Squella, Renato Borelli, Antonio Araújo e tantos outros.
Ressalte-se também as contribuições de profissionais da Fundação de Apoio à Campacitação
em Tecnologia da Informação - FACTI, que, participante do ecossistema catalisado pelo CTI,
possibilitou contribuições em momentos interinstitucionais de notável relevância, como as próprias
conceituação do Centro, inauguração e concretização local da iniciativa. Representando essa natural
simbiose, gostaria de citar Janaína Rocha, Fabiele Fernandes, Rogério Yamanishi, sem detrimento de
outros de seus colegas.
No MEC, teve papel fundamental a Dra. Martinha Santos, Diretora de Políticas de Educação Especial
da SECADI - Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização, Diversidade e Inclusão.
Da SDH – Secretaria de Direitos Humanos, o CNRTA teve importante apoio da Ministra Maria do
Rosário e de toda a sua equipe, em especial do Secretário Antônio José.
Mas o decisivo apoio veio da comunidade interna. No início um pouco preocupada com os riscos
associados ao desafio mas, em seguida, confiante e apoiadora.
A área de TA não era, de forma alguma, uma novidade para os pesquisadores do CTI. O CTI teve
projetos importantes na área de Tecnologia Assistiva, como o projeto Auxilis, concebido e liderado
pelo Pesquisador José Beiral. Muitas pessoas com deficiência puderam se beneficiar deste projeto,
que tem sido uma importante vitrine desta instituição na área de Tecnologia Assistiva.
Eu mesmo já tinha tido minha experiência com a área, antes mesmo do termo "Tecnologia Assistiva"
ter sido cunhado. Na década de 80 desenvolvi um novo tipo de dispositivo de "entrada e saída" para
computadores, como se dizia na época. O dispositivo era baseado num processo de recobrimento
com filmes finos, condutores e transparentes, desenvolvido pela Profa. Alaide Mammana.
Numa brincadeira, ainda adolescente, criei um primeiro protótipo de tablet baseado em vidros
recobertos com este tipo de filme. Usei a entrada de jogos de um Apple II para demonstrá-lo.
Depois, aquela primeira brincadeira séria se transformou em meu projeto de final de curso Técnico,
na Escola Salesiana São José. Participaram deste primeiro protótipo Roberto Pereira e meu irmão,
Guilherme Mammana. Esta quase "brincadeira" acabou se transformando em um projeto sério no
CTI, que redundou numa interface adaptada para pessoas com paralisia cerebral, demonstrada pela
primeira vez na escola Quero-Quero, em São Paulo.
Muitos outros trabalhos vieram depois. Tendo a sua sementinha nestes trabalhos originais da década
de 80, hoje o CNRTA está consolidado dentro do CTI Renato Archer e é mais uma força a compor
o Complexo Tecnológico Educacional, juntamente com o Instituto Federal de Educação, Ciência e
Tecnologia, a FACTI e outras instituições parceiras desse realizador, estimulante e sempre promissor
ecossistema.
O CNRTA, certa, firme e paulatinamente, rumará para um futuro cada vez mais impactante em
termos de contribuição ativa, estruturante e articuladora para as políticas públicas brasileiras.
Um dos importantes resultados alcançados por este centro ao longo de seus anos de atuação foi a
realização do I SITA (I Simpósio Internacional de Tecnologia Assistiva). A presente publicação
representa um reflexo deste resultado, e contém trabalhos significativos para esta área do
conhecimento, os quais serão introduzidos a seguir.
4
Apresentação do I SITA
Maria Aparecida Ramires Zulian
Centro Nacional de Referência em Tecnologia Assistiva
No atual cenário brasileiro, a Tecnologia Assistiva ganhou visibilidade e destaque como real
facilitador da inclusão da pessoa com deficiência. O próprio conceito de “pessoa com deficiência”,
consoante à proposta da Convenção Internacional sobre os Direitos da Pessoa com Deficiência, leva
à percepção de que as dificuldades surgem da interação entre a pessoa e o meio e não estritamente
da condição individual, e essas barreiras criam desvantagens que colocam em torno de 14,5% da
população em situação de desigualdade social.
Em resposta a essa demanda, foram iniciadas ações federais desde final de 2011, com o nascimento
do plano Viver sem Limite, Decreto nº 7612, no intuito de modificar completamente este cenário.
A partir deste contexto, o Brasil tem vivido momento peculiar, no que diz respeito à atenção para
com as pessoas com deficiência, com ações que, de fato, vêm alterar o modo como são vistas e
tratadas, e criar oportunidades que garantam avanços significativos nesta área.
A criação do Centro Nacional de Referência em Tecnologia Assistiva – CNRTA, em 2012, é
resultado de uma destas ações. Esse centro tem, como tarefa, contribuir para o planejamento,
a elaboração e a implementação da Política Nacional de Tecnologia Assistiva (TA) ao articular
nacionalmente uma rede cooperativa de pesquisa, desenvolvimento e inovação, impulsionando
também a criação de um novo modelo de política industrial em TA.
São funções do CNRTA: a formação de profissionais na área da TA; a identificação dos resultados
alcançados pelos núcleos de pesquisa e desenvolvimento em TA, distribuídos pelo país; a
atualização de conhecimento na área para profissionais interessados e para possíveis usuários
de produtos de TA; o compartilhamento de experiências; a prospecção de soluções possíveis a
partir de observação de resultados já alcançados; a potencialização de oportunidades de projetos
e aplicações da tecnologia, identificando-se demandas e focos de atuação, que possam resultar em
produtos; a estimulação de parcerias; e as cooperações nacionais e com o exterior.
Neste sentido e com o intuito de congregar a comunidade atuante em Tecnologia Assistiva,
incluindo os setores governamentais, acadêmico, produtivo e dos usuários, foi organizado o
encontro denominado I Simpósio Internacional de Tecnologia Assistiva do CNRTA, que envolveu
a participação ativa da Rede Nacional de Pesquisa e Desenvolvimento em Tecnologia Assistiva, e
contou com a contribuição de especialistas em TA, provenientes do Brasil e de outros países, com
atuação representativa neste campo.
O evento, que abrangeu a expertise nas áreas de Engenharias, Terapia Ocupacional, Fisioterapia,
Pedagogia, Psicologia e todas as demais áreas de atuação em Tecnologia Assistiva, teve como
objetivo geral promover um encontro dos diversos setores de atuação no tema da Tecnologia
Assistiva no Brasil: usuários, mercado, produtivo, academia e governo, favorecendo a integração
entre estas comunidades, e oportunizando a troca de conhecimento com esferas internacionais
que atuam diretamente em ações relacionadas à Tecnologia Assistiva.
O evento foi organizado em conformidade com o escopo das ações previstas pelo CNRTA, vindo
5
a contribuir para que suas metas sejam igualmente alcançadas.
A programação do evento foi pensada de maneira pedagógica, iniciando todos os seus dias com
palestras de grande relevância para a ampliação de conhecimentos teóricos e técnicos na área,
sempre ministrados por profissionais de referência, conforme segue:
Palestra magna: “Tecnologia Assistiva: superando barreiras”, ministrada por Jutta
Treviranus, diretora do Inclusive Design Research Center – IDRC - (Centro de Pesquisa de Desenho
Universal/Inclusivo), que realiza pesquisas e desenvolvimento em Design Inclusivo em Tecnologia
da Informação e Comunicação (TIC). Ela é professora da Universidade de Toronto OCAD/Canadá,
preside a Inclusive Design Institute, um centro multiuniversidade regional de especialização em
design inclusivo e é membro do comitê técnico científico da Pesquisa Nacional de Inovação em
Tecnologia Assistiva.
Palestra: “Tecnologia Assistiva ou Tecnologia de Reabilitação?”, ministrada por Rita de
Cássia Reckziegel Bersch; mestre em Design pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul, com
pesquisa realizada sobre o tema da Tecnologia Assistiva; membro do Comitê de Ajudas Técnicas
(CAT) da Secretaria Especial dos Direitos Humanos da Presidência da República; coordenadora da
disciplina de AEE na Deficiência Física no Curso de Especialização em Atendimento Educacional
Especializado da UFC/SEESP-MEC.
Palestra: “Inovações em TA para Saúde”, ministrada por Marlene Araújo de Faria;
engenheira mecânica e professora adjunta na Universidade do Estado do Amazonas, Escola
Superior de Tecnologia, curso de Engenharia Mecatrônica; mestre em Engenharia de Produção
e doutora em Biotecnologia (UFAM); coordenadora do Núcleo de Tecnologia Assistiva da
Universidade do Estado do Amazonas.
Palestra: “CIF: a TA com o olhar para a funcionalidade”, ministrada por Heloisa Ventura
Di Nubila; graduada em Medicina pela Faculdade de Saúde Pública da USP; trabalha, atualmente,
como especialista de nível superior na área de Classificações, no Centro Colaborador da OMS
para a Família de Classificações Internacionais em Português (Centro Brasileiro de Classificações
de Doenças – CBCD), no departamento de Epidemiologia da Faculdade de Saúde Pública da
Universidade de São Paulo (FSP/USP).
Palestra: “A TA melhorando o desempenho funcional e a qualidade de vida do idoso”,
ministrada por Paula Costa Castro; professora adjunta do Departamento de Gerontologia da
UFSCar, mestre e doutora em Fisioterapia pela Universidade Federal de São Carlos – UFSCar,
coordenadora do Núcleo de Tecnologia Assistiva da UFSCar.
Palestra: “Inovações em TA em dispositivos móveis”, ministrada por Agebson Rocha
Façanha, mestre em Ciências da Computação pela Universidade Federal do Ceará, professor
pesquisador do Projeto Acessibilidade Virtual (IFRS/MPOG) e responsável pelo Núcleo de
Tecnologia Assistiva do IFCE.
Palestra: “TA de baixo custo na vida cotidiana” ministrada por Rodrigo Cubillos;
coordenador nacional da Unidade de Tecnologia Assistiva Teletón (UTA); licenciado em Ciência
da Ocupação Humana e terapeuta ocupacional pela Universidade do Chile, professor instrutor da
Escola de Terapia Ocupacional da Faculdade de Medicina da Universidade do Chile, presidente do
Colegiado de Terapeutas Ocupacionais do Chile 2009-2011, diplomado em Docência com uso de
TIC, Universidade do Chile; diplomado em Ferramentas Tecnológicas para atender à diversidade
em aula, Universidade Católica do Chile.
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Palestra: “Inovações em TA para Educação”, ministrada por Regina Heidrich, que possui
pós-doutoramento (Estágio Sênior) pela Universidade Técnica de Lisboa (UTL) no Laboratório de
Realidade Virtual – Ergo VR. Atualmente é responsável pelo projeto de pesquisa “Realidade virtual
para auxiliar a formação educacional de pessoas com paralisia cerebral” e “Desenvolvimento de
softwares baseados em Brain Computer Interface (BCI)” para auxiliar pessoas com limitações
motoras no processo de inclusão escolar, financiado pelo CNPq (Feevale).
Palestra: “TA nas escolas”, ministrada por Martinha Clarete; membro do Conselho
Nacional dos Direitos da Pessoa com Deficiência (CONADE), 2006/2010; membro do Comitê
de ajudas Técnicas, 2007/2011 e diretora atual de Políticas de Educação Especial da Secretaria de
Educação Continuada, Alfabetização, Diversidade e Inclusão do Ministério da Educação – MEC/
SECADI.
Palestra: “Tecnologia Assistiva e Acessibilidade”, ministrada por Jesus Carlos Delgado
García, coordenador da Pesquisa Nacional de Inovação em Tecnologia Assistiva. (ITS BRASIL) e
doutor em Ciências Sociais pela Pontifícia Universidade Católica (PUC-SP).
Palestra: “A contribuição da TA no trabalho inclusivo”, ministrada por Cláudia Franco;
procuradora-chefe do Ministério Público do Trabalho (MPT) da 2ª Região, São Paulo/SP.
P
alestra: “Inovações em TA para Acessibilidade”, ministrada por Regina Cohen (UFRJ),
pós-doutoranda em Arquitetura com o tema “Acessibilidade de Pessoas com Deficiência aos
Museus”, bolsista de desenvolvimento tecnológico do CNPq (DTI-A) com o projeto “Acessibilidade
e Desenho Universal nas instalações da Copa de 2014 e seus impactos no Turismo Inclusivo”.
Com o propósito de ampliar a qualidade dos conteúdos do I Simpósio Internacional de Tecnologia
Assistiva (I SITA), foram organizadas diversas mesas-redondas com a sugestão de temas práticos
e participativos, sempre com enfoque interdisciplinar, envolvendo pesquisadores, usuários e,
quando possível, também os produtores, garantindo discussões e reflexões de muita qualidade. A
seguir, elencamos a relação dos temas e dos subtemas abordados ao longo do Simpósio:
- Mesa redonda com o tema: “TA para Saúde”, que acolheu os subtemas: Prescrição de
cadeira de rodas com Rita de Cássia (ProMedida); Certificação de cadeira de rodas, com Marcos
Pimentel (CTI/MCTI); Prescrição de aparelhos auditivos, com Ricardo Bento (FM/USP).
- Mesa redonda: “Dispensação de TA pelo SUS: experiência do Pará” - Ana Irene Oliveira
(UEPA), Iracy Tupinambá (SESPA).
- Mesa redonda com o tema: “TA na Educação” que acolheu os subtemas: Sistema FM,
Juliana Morales (Phonak); Sala de Recursos Multifuncional, Rita Bersch (UFC); Avatar 3D para
Libras, Angelo Benetti (CTI/MCTI).
- Mesa redonda com o tema: “TICs: interface de Acessibilidade” que acolheu os subtemas:
Softwares de Acessibilidade, Andréa Sonza (IFRS); DosVox, Antônio Borges (UFRJ); Sistema
Auxilis, José A. R. Beiral (CTI/MCTI).
- Mesa redonda com o tema: “O que a TA oferece para minha vida?” que acolheu a
participação dos usuários: Tatiana Rolin, Vilma Roberto e Anahi Guedes.
- Mesa redonda com o tema: “TA no trabalho: casos de sucesso” que acolheu a participação
de Maria Amélia (Natura), Juliano Moreno (Synchro) e Helvécio Oliveira (SENAI).
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- Mesa redonda com o tema: “TA na Acessibilidade” que acolheu os subtemas: Transportes
acessíveis, Talita Rossi (UFMG); Acessibilidade urbana, Nubia Bernardi (Unicamp); Impressão
3D e TA, Jorge Silva (CTI/MCTI).
Como resultados significativos do evento, foi possível visualizar a atualização relativa aos contatos
dos integrantes da Rede Nacional de Pesquisa e Desenvolvimento em TA; fazer uma revisão dos
seus progressos e desdobramentos; promover uma interação com os outros núcleos de P&D em
TA e com profissionais e usuários desta tecnologia; atualizar conceitos da área; oportunizar o
conhecimento das estratégias utilizadas internacionalmente na solução de problemas semelhantes
à realidade nacional; identificar os resultados brasileiros em pesquisas e transferência de
tecnologia ao setor empresarial; e prospectar ações para a continuidade de avanços da TA nos
setores governamental, acadêmico, produtivo, de mercado e dos usuários.
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O direito das pessoas com deficiência à educação inclusiva e o uso pedagógico
dos recursos de tecnologia assistiva na promoção da acessibilidade na escola
Martinha Clarete Dutra dos Santos
Diretora de Políticas de Educação Especial - DPEE/SECADI/MEC.
Resumo: O presente artigo objetiva abordar as condições para
efetivação do direito das pessoas com deficiência á educação
inclusiva, destacando o uso pedagógico dos recursos de
tecnologia assistiva, como estratégia para promoção da
acessibilidade, segundo a concepção da educação especial,
compreendida como modalidade transversal desde a
educação infantil à educação superior, a partir da qual, são
repensadas as práticas educacionais, concebidas com base em
um padrão de estudante, de professor, de currículo e de gestão,
redefinindo a organização das condições de infraestrutura
escolar, de formação continuada e dos recursos pedagógicos,
fundamentados no princípio do desenho universal.
Palavras-chave: educação inclusiva, educação especial,
atendimento educacional especializado, tecnologia assistiva,
acessibilidade, pessoa com deficiência.
O direito das pessoas com deficiência à educação efetiva-se mediante a garantia de condições
para sua plena participação em igualdade de condições com as demais pessoas, na comunidade
em que vivem, promovendo oportunidades de desenvolvimento pessoal, social e profissional,
sem restringir sua participação em determinados ambientes e atividades com base na deficiência.
Igualmente, a condição de deficiência não deve definir a área de interesse profissional com base na
deficiência, limitando seu acesso a determinados cursos de graduação e pós-graduação, projetos
de pesquisa e extensão.
As condições de acessibilidade arquitetônica, pedagógica e nas comunicações são asseguradas
no ambiente educacional a fim de garantir o atendimento às especificidades educacionais dos
estudantes com deficiência.
A acessibilidade arquitetônica deve ser garantida em todos os ambientes, a fim de que os estudantes
e demais membros da comunidade acadêmica e sociedade em geral, tenham efetivado o direito
de ir e vir com segurança e autonomia, de acordo com o disposto no Decreto nº 5.296/2004, nos
termos da NBR nº 9050/2004 e no artigo 9 da CDPD. Vale destacar que o cumprimento desta
norma independe da matrícula de estudante com deficiência no estabelecimento de ensino.
A acessibilidade à comunicação e informação deve contemplar a comunicação oral, escrita
e sinalizada. Sua efetividade dá-se mediante a disponibilização de equipamentos e recursos de
tecnologia assistiva tais como materiais pedagógicos acessíveis, tradução e interpretação da língua
brasileira de sinais (Libras), software e hardware com funcionalidades que atendam tais requisitos
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de comunicação alternativa, entre outros recursos e serviços demandados pelos estudantes, tanto
na educação básica, quanto nos processos de seleção para ingresso na educação superior, bem
como, nas atividades de ensino, pesquisa e extensão.
A garantia de acessibilidade deve ser contemplada no Projeto Político Pedagógico da escola
de educação básica e no plano de desenvolvimento da instituição de Educação Superior. Para
tanto, deve estar assegurada em seu planejamento e execução orçamentária; na composição do
quadro de profissionais; nos projetos pedagógicos dos cursos; no investimento de infraestrutura
arquitetônica; nos serviços de atendimento ao público; no sítio eletrônico; no acervo pedagógico e
cultural; nos materiais didáticos e pedagógicos; nos equipamentos e demais recursos tecnológicos.
Considerando que as condições de acessibilidade são essenciais à garantia de equiparação de
oportunidades, tanto para o acesso, quanto para permanência dos estudantes com deficiência,
faz-se necessária a adoção de procedimentos administrativos que permitam a identificação de tais
estudantes, bem como a definição de mecanismos institucionais de identificação e eliminação das
barreiras existentes.
Importa sublinhar que o Brasil disciplinou, por meio do Decreto n° 5296/2004, o atendimento
preferencial às pessoas com deficiência nas dependências das instituições educacionais; por
exemplo, foram estabelecidas medidas simples tais como inserir no formulário de matrícula ou no
formulário de inscrição, campo próprio, em que o estudante possa informar os serviços e recursos
de acessibilidade necessários para sua plena participação. Outra iniciativa importante para
assegurar igualdade de oportunidades refere-se à institucionalização da dilação do tempo, tanto
na realização do exame para seleção de ingresso quanto nas atividades acadêmicas, considerando
a especificidade de cada sujeito. Uma vez comunicado pelo estudante, sobre suas especificidades,
o estabelecimento de ensino poderá antecipar providências, a fim de garantir a oferta e a utilização
de serviços e de recursos de acessibilidade, requeridos no ato de matrícula ou de inscrição para
exame seletivo ou no decorrer das atividades acadêmicas.
No âmbito da promoção de acessibilidade na comunicação, convém sublinhar a importância da
vigilância institucional quanto ao cumprimento das normas de acessibilidade na produção e na
disponibilização de materiais escritos, sejam obras publicadas pela própria instituição de ensino ou
adquiridas, artigos, periódicos ou pequenos textos, compatíveis com as interfaces de acessibilidade
aplicáveis ao sistema operacional utilizado: doc, txt, BrOffice, LibreOffice ou Mecdaisy. Ao lado de
soluções tecnológicas, o sistema Braille também se apresenta como alternativa de acessibilidade à
leitura e escrita. Por isso, a biblioteca e os demais setores dos estabelecimentos de ensino, devem
contar com equipamentos e pessoas para atender a demanda de material impresso em Braille,
produzido de acordo com as “Normas Técnicas para a produção de textos em Braille” (MEC/
SEESP, 2006).
A efetivação do direito à acessibilidade decorre do direito à autonomia e independência. Neste
sentido, destacam-se as diversas soluções tecnológicas, que cada vez mais, demonstram-se
aliadas indispensáveis à inclusão educacional das pessoas com deficiência. Mesmo com o risco
de obsolescência, torna-se oportuno relacionar os principais recursos de tecnologia assistiva,
utilizados para promoção de acessibilidade, no processo de escolarização.
Acopláveis aos computadores existem os recursos de saída, denominados output, como a Linha
Braille e os recursos de entrada, conhecidos como input, exemplificados pelo teclado com colmeia,
teclado expandido, teclado abreviado; mouses do tipo joystick, membrana, de esfera (trackball), de
botões, mouse controlado pelo movimento da cabeça; mouse controlado pelo movimento ocular
14
(eye tracking), mouse controlado pelo movimento dos lábios e ativado pelo sopro e sucção (clique
e duplo clique), dentre outros; monitor com tela de toque; acionadores do tipo pressão, tração,
piscar, contração muscular e outros, utilizados com softwares emuladores de teclados (teclados
virtuais com diferentes tipos de varreduras e/ou função programável de autoativação do clique em
um tempo determinado).
Há, também, os acessórios para adentrar comandos no computador, tais como as órteses utilizadas
para favorecer a digitação, presas pelos dentes, chamadas de ponteiras de boca ou denominadas
ponteiras de cabeça, quando movidas pelo movimento da cabeça. Visando ampliar os caracteres
de textos escritos, são frequentemente, utilizados na escola, os ampliadores eletrônicos, hardware,
que se caracterizam como equipamento para captar o texto impresso ampliando-o em um monitor,
com opções de tamanho, foco, combinações de cores em alto contraste. Na categoria de Software,
pode-se referenciar aqueles destinados à ampliação de tela e à leitura de texto. Os primeiros
realizam ampliação flexível em vários tamanhos e sem distorção, ajuste de cores, otimização
de foco, ponteiro e cursores. Já os leitores de telas com sintetizadores de voz são recursos que
possibilitam a leitura de textos digitais, bem como, o retorno sonoro do conteúdo digitado pelo
usuário. Considerando que os dispositivos móveis estão, cada dia mais, disponíveis nos sistemas
de ensino, torna-se mister que os inúmeros aplicativos de comunicação alternativa e aumentativa
sejam incorporados ao fazer pedagógico dos estudantes e dos professores, pois, quanto maior a
oferta de possibilidades, tanto melhor o processo de construção de autonomia e independência.
Por meio do Plano Nacional dos Direitos das Pessoas com Deficiência - Viver sem Limite, o
Ministério da Educação amplia investimentos para aquisição de equipamentos, recursos de
tecnologia assistiva, transporte escolar acessível e para adequação arquitetônica de prédios
escolares, fortalecendo a inclusão escolar das pessoas com deficiência, sobretudo, daquelas
beneficiárias de programas de transferência de renda e favorecendo, além de tudo, a ampliação
das condições de acesso das pessoas com deficiência, à educação superior, nas instituições federais
e a expansão da formação de profissionais para o ensino, tradução e interpretação da Língua
Brasileira de Sinais - Libras.
O Plano Viver sem Limite reflete os programas voltados à efetivação da política de inclusão escolar,
apoiando a promoção de recursos, serviços e oferta do atendimento educacional especializado, aos
estudantes público alvo da educação especial, matriculados nas redes públicas de ensino regular.
Nota-se que o financiamento público da Educação Especial na perspectiva inclusiva tem
consolidado uma política de acessibilidade nas escolas das redes públicas de ensino em todo país.
Essa agenda envolve a gestão dos estados, dos municípios e do Distrito Federal na construção
de estratégias para a garantia de acessibilidade arquitetônica, pedagógica, nas comunicações e
informações. Deste modo, a política de inclusão torna-se, cada vez mais, presente nos sistemas de
ensino, orientando a elaboração dos projetos pedagógicos das escolas e a formação de professores.
O impacto da implementação das ações no âmbito da educação especial na perspectiva inclusiva,
traduz-se no declínio das matrículas dos alunos público alvo da educação especial em escolas
e classes especiais e na ascensão das matrículas destes em classes comuns do ensino regular,
conforme demonstram os dados do Censo Escolar/MEC/INEP no período de 1998 a 2013.
Neste período verifica-se o decréscimo de matrículas em espaços segregados em classes e escolas
especiais, saindo de 87% para 23% do total de matrículas de alunos público alvo da educação
especial, bem como se identifica o crescimento de 1.262% no acesso de pessoas com deficiência,
transtornos globais do desenvolvimento e altas habilidades/superdotação às classes comuns
do ensino regular, saindo de 13%, para 77%. Do total de estudantes público alvo da educação
15
especial, matriculados em classes comuns do ensino regular, 55% registram a segunda matrícula,
no atendimento educacional especializado complementar e 70% dos beneficiários do Benefício da
Prestação Continuada - BPC, com deficiência, entre 0 e 18 anos, frequentam a escola.
Ao analisar a taxa de inclusão escolar dos alunos público alvo da educação especial, de quatro
a dezessete anos, faixa etária de escolaridade obrigatória, verifica-se que em 2009, registrou-se
percentual de 69,1%. Este percentual foi ampliado em 8 pontos, em 2010. Esta tendência de alta
manteve-se em 2011, quando foram obtidos 5 pontos percentuais a mais, assim como em 2012, ao
atingir 84%, chegando a 85% em 2013.
A ampliação do acesso à educação básica e, sobretudo, a melhoria das condições de acessibilidade,
favorecendo a participação e aprendizagem, são fatores decisivos para o crescimento das matrículas
de estudantes com deficiência na educação superior. Observa-se que as matrículas passaram de
5.078 em 2003 para 26.663 em 2012, indicando crescimento de 425%.
Irrefutavelmente, a educação brasileira vive um intenso processo de transformação, motivado pela
concepção da educação inclusiva, aqui, compreendida, muito além do acesso efetivado por meio
da matrícula. No passado recente, a principal pauta em debate, focava-se no direito à matrícula,
negada com naturalidade, muitas vezes. Hoje, há base legal solidamente construída, que garante o
acesso e desnaturaliza a exclusão. Trata-se, indubitavelmente, de eloquente conquista. Porém, tal
avanço significa o começo da profunda mudança em curso. Não basta estar; há que se fazer parte.
Assim, a deficiência não se constitui como doença ou invalidez e as políticas sociais, destinadas a
este grupo populacional, não se restringem às ações de caráter clínico e assistencial. Neste cenário,
a luta pelo direito á educação, revela-se altamente mobilizadora dos setores progressistas da
sociedade, extrapolando os muros da escola, atingindo o cerne das discussões fundantes sobre os
grandes desafios da educação contemporânea, onde se assenta a concepção de educação especial
na perspectiva inclusiva. Por essa razão, considera-se que tecer o enredo da plena participação
é desafiar o velho paradigma em todas as suas manifestações, desde as práticas pedagógicas
homogeneizadoras, até a edificação dos prédios, organização dos acervos e dos diversos ambientes
acadêmicos, bem como, das formas de comunicação.
Por tudo isso, a efetivação do direito à educação, requer estratégias eficazes de enfrentamento dos
desafios que se interpõem durante o processo de construção dos sistemas educacionais inclusivos.
Um dos caminhos seguros na consecução desta tarefa, passa pela consolidação de políticas
institucionais de acessibilidade, para que o novo paradigma torne-se realidade na vida das pessoas.
Referências
BRASIL. Presidência da República. Casa Civil. Subchefia para Assuntos Jurídicos. Constituição
da República Federativa do Brasil. Brasília: Senado Federal, 1988. Disponível em: http://www.
planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituiçao.htm.
BRASIL. Lei 10.098, 19 de dezembro de 2000. Diário Oficial da República Federativa do Brasil,
Brasília, 23 dez. 2005.
BRASIL. Decreto Legislativo nº 186, 09 de julho de 2008. Diário Oficial da União, Brasília, 2008.
BRASIL. Decreto nº 6.949, de 25 de agosto de 2009. Promulga a Convenção sobre os Direitos das
Pessoas com Deficiência - ONU. Diário Oficial da União, Brasília, 2009.
16
BRASIL. Decreto nº 7.611, de 17 de novembro de 2011. Dispõe sobre a educação especial, o
atendimento educacional especializado e dá outras providências. Diário Oficial da União, Brasília,
2011.
BRASIL. Ministério da Educação. Conselho Nacional de Educação, Câmara de Educação Básica.
Resolução nº 4, de 02 de outubro de 2009. Institui Diretrizes Operacionais para o Atendimento
Educacional Especializado na Educação Básica, modalidade Educação Especial.
BRASIL. Ministério da Educação. Conselho Nacional de Educação, Câmara de Educação Básica.
Resolução nº 4, de 13 de julho de 2010. Institui Diretrizes Curriculares Nacionais Gerais da
Educação Básica.
BRASIL. Ministério da Educação. Secretaria de Educação Especial. Direito à educação: subsídios
para a gestão dos sistemas educacionais – orientações gerais e marcos legais. Brasília: MEC/
SEESP, 2006.
BRASIL. Ministério da Educação. Secretaria de Educação Especial. Normas Técnicas para a
produção de textos em Braille, 2006.
BRASIL. Ministério da Educação. Secretaria de Educação Especial. Política Nacional de Educação
Especial na perspectiva da Educação Inclusiva, MEC/2008.
BRASIL. Ministério da Educação. Inclusão - Revista da Educação Especial. Vol. 4, nº. 1. Brasília:
MEC/SEESP, 2008.
ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS. Convenção sobre os Direitos das Pessoas com
Deficiência, 2006.
17
Sistemas de adequação postural personalizado versus personalizáveis para
crianças com deficiências neuromotoras
Ana Irene Alves de Oliveira
Terapeuta Ocupacional, Professora Titular da Universidade do Estado do Pará (UEPA), Coordenadora do Núcleo de Desenvolvimento em
Tecnologia Assistiva e Acessibilidade (NEDETA). Especialista em Tratamento Neuroevolutivo, Mestre em Motricidade Humana, Doutorado em
Psicologia - Terapeuta Ocupacional, Bacharel em Psicologia.
Maria Iracy Tupinambá Duarte
Fisioterapeuta. Especialista em Órteses e Próteses. Diretora da Divisão de Atenção à Pessoa com Deficiência da Secretaria Executiva de Estado
de Saúde Pública do Pará-SESPA. Presidente do Conselho Estadual da Pessoa com Deficiência. Coordenadora Estadual da Rede de Cuidados da
Pessoa com Deficiência.
Gisleine Martin Philot
Terapeuta Ocupacional. Consultora Internacional em Tecnologia Assistiva. Especialista em Tratamento Neuroevolutivo e Alfabetização Especial.
Prêmio Invento Brasileiro, SEDECTI, SP, com Modulação Ergonômica para Paralisia Cerebral, 1991. Prêmio Inovação Tecnológica, FINEP, com
Órteses Leves Tubulares, Tuboform. Mestranda em Engenharia Mecânica - FEM-UNICAMP.
Caciana da Rocha Pinho
Terapeuta Ocupacional, especialista em Tecnologia Assistiva, Ajudas Técnicas e Acessibilidade para pessoa com deficiência e mobilidade
reduzida pela Faculdade de Ciências Médicas de Minas Gerais - FCMMG, Belo Horizonte, MG. Consultora de Tecnologia Assistiva da Expansão
Laboratório de Tecnologia Terapêutica, São Paulo.
Danielle Alves Zaparoli
Terapeuta Ocupacional
Resumo: Este artigo propõe uma análise entre o conceito de
Adequação Postural Personalizada e o conceito de Adequação
Postural Personalizável. Faz uma revisão dos principais
conceitos de ergonomia e posicionamentos, intrínsecos a
esses conceitos, focando em deficiências neuromotoras e
estabelecendo um viés em crianças com paralisia cerebral (PC).
Pretende realizar um contraponto entre os conhecimentos
vigentes desses posicionamentos com as práticas adotadas,
propondo uma análise sobre as diferenças entre os sistemas de
adequação postural (Seating) personalizados e personalizáveis
em Cadeiras de Rodas. Também apresenta a experiência do
estado do Pará na dispensação de Cadeiras de Rodas com
Seating personalizável no ano 2013.
Palavras-chave: Seating, Cadeira de Rodas, Paralisia Cerebral,
Postura, Tecnologia Assistiva.
1. Introdução
No Brasil, ainda não há um controle de qualidade normatizado para as Cadeiras de Rodas
específicas para crianças com PC disponíveis no mercado. No entanto esta discussão se faz
necessária considerando o avanço das novas tecnologias, as legislações vigentes e as demandas da
população com deficiência que necessita desses equipamentos.
18
A Portaria SAS/MS n° 661, de 2 de dezembro de 2010, reconhece no Sistema Único de Saúde (SUS),
que a prescrição das Órteses, Próteses e Materiais Especiais (OPM) deve ser prioritariamente
realizada por um profissional habilitado. Ela estabelece que este exercício é atribuição de terapeutas
ocupacionais e fisioterapeutas; cabe a eles prescrever os equipamentos adequados, ampliando
as possibilidades de intervenção desses profissionais no processo de avaliação e prescrição
terapêutica. E a Portaria nº 1.272, de 25 de junho de 2013, inclui procedimentos de Cadeiras de
Rodas e adaptação postural em Cadeira de Rodas na tabela Órteses, Próteses e Materiais Especiais
(OPM) do Sistema Único de Saúde, devendo a prescrição e dispensação dos equipamentos serem
realizadas por profissionais capacitados.
Portanto, promover entre os profissionais responsáveis, uma revisão e discussão do conceito
intrínseco da adequação postural de modo personalizado ou personalizável merece atenção e
análise para fazer a distinção e aplicação de cada sistema, em crianças com paralisia cerebral.
2. Conceituações e pesquisas
Sabe-se que o posicionamento sentado é uma condição obrigatória na maior parte das atividades
realizadas pelo ser humano. Entretanto, há situações em que essa condição somente se torna
possível através de intervenções posturais, por conta do descontrole motor presente em crianças
com PC.
Alterações neuromusculares como variações de tônus muscular, persistência de reflexos primitivos,
rigidez e espasticidade geralmente se manifestam com padrões específicos de postura e de
movimentos que comprometem o controle motor e o desempenho funcional das crianças com PC
(SOUZA e FERRARETTO, 1998; DEON e GAEBLER-SPIRA, 2010). As alterações no desempenho
de marcos motores básicos (como rolar, sentar, engatinhar, andar), traz como consequência, o
impedimento das atividades da rotina diária. Nestas condições, alguns recursos são essenciais para
minimizar o impacto dessas interferências, como a Adequação Postural Sentada.
Entende-se como Adequação Postural Sentada ou Seating uma órtese móvel, utilizada para
propiciar sustentação, retificação, corrigir ou prevenir deformidades (BOBATH, 1989; STOKES,
2000). Essa órtese é uma intervenção em assento, encosto, apoio de pés, braços e cabeça e outros
recursos para aqueles indivíduos que passam a maior parte do seu tempo sentado e que dependem
desses sistemas para funcionalidade e mobilidade.
Knoplich (1995) define a postura como a posição que o corpo assume no espaço em função do
equilíbrio de quatro constituintes anatômicos: vértebras, discos intervertebrais, articulações e
músculos. Molinari (2000) também afirma que a postura é o resultado de um equilíbrio harmonioso
entre as solicitações impostas aos músculos, aos ligamentos e aos discos intervertebrais.
Para Kisner e Colby (1987), postura é uma posição ou atitude do corpo, o arranjo relativo das
partes do corpo para uma atividade específica, ou uma maneira característica de alguém sustentar
seu corpo. A postura também pode indicar a posição relativa dos segmentos corporais durante
o repouso ou atividade. Assim, a manutenção de uma boa postura durante uma atividade
específica depende de uma interação complexa entre as funções biomecânicas e neuromusculares
(BRACCIALLI e VILARTA, 2000).
A postura ideal, portanto, é o controle das forças que sustentam e conduzem o corpo sem
sobrecargas, com a máxima eficiência e o mínimo de esforço. Sendo assim, a maior parte das
19
pessoas com deficiências neuromotoras necessita de recursos para a postura ideal em sistemas de
mobilidade, e um desses sistemas é a Cadeira de Rodas.
A tecnologia voltada para Cadeira de Rodas continua a progredir em ritmo acelerado mundialmente,
exceto no Brasil e países em desenvolvimento, assim como a literatura e pesquisa nesta área. A
consciência da necessidade desta tecnologia para as crianças com PC em países subdesenvolvidos
continua a se expandir. Entretanto há um baixo números de tecnologias que possibilitem melhor
qualidade de vida, contemplando aspectos terapêuticos e crescimento físico.
Estudos comprovam que a adequação postural é um contributo importante para a funcionalidade
dessas crianças, bem como, quando bem prescrita, previne e reduz desvios da coluna vertebral e
cintura pélvica. (CAMPOS, 2013; ENGSTRÖM, 2002; FERNANDES et al., 2007; GALVÃO, 2006;
LAMPE e MITTERNACHT, 2010; LIU et al., 2003; NWAOBI, 1997; RIBAS, 2006; RONDINI et
al., 2012).
Os grupos de crianças com PC mais afetados com desvios posturais são aqueles de grau IV e V
pelo Sistema de Classificação da Função Motora Grossa (Gross Motor Function Classification
System - GMFCS), (PALISANO et. al., 1997, 2005, 2007).
A figura 1 mostra o percentual de crianças com PC pela GMFCS, conforme cada grupo:
Essas estatísticas deixam de apontar quais são as causas das escolioses, enfatizando e
responsabilizando a alteração de tônus como fator determinante. Sendo assim, recursos assistivos
incorporados em sistemas de adequação postural para o sentar, que facilitam o padrão postural
mais normalizado, são também coadjuvantes terapêuticos (CAMPOS, 2013; ENGSTRÖM, 2000;
FERNANDES et al., 2007; GALVÃO, 2006; LAMPE e MITTERNACHT, 2010; LIU et al., 2003;
NWAOBI, 1997; PHILOT, 1999; RIBAS, 2006; RONDINI et al., 2012).
Quanto ao sentar adequado, continua sendo senso comum para a maioria dos profissionais de saúde,
que o melhor posicionamento é aquele configurado na posição anatômica da postura sentada que
é denominada de 90/90/90: cabeça centralizada, braços com 90º de flexão de cotovelo, antebraços
em pronação, flexão de pernas com 90º no quadril, no joelho e no tornozelo (O´SULLIVAN e
SCHMITZ, 1993).
Muitos autores especializados em adequação postural de pessoas com deficiência questionam
também essa posição chamada de neutra; e demonstram o quanto ela não se aplica às pessoas com
graves comprometimentos motores (GALVÃO, 2006; LAMPE e MITTERNACHT, 2010).
Contrapondo esse conceito, a escola de Ergonomia, em 1980, padronizou a norma internacional
para o mobiliário sentado com ângulos entre 95º e 110º entre encosto e assento. A ergonomista
20
Grandjean (1998) realizou diversos estudos em grupos populacionais, estabelecendo que o ângulo
ergonômico adequado entre encosto e assento de cadeiras deveria estar entre 100º e 115º, para a
contribuição de uma coluna vertebral saudável e sem dores. Diversos outros estudos anteriores e
posteriores de Ergonomia corroboravam com esses conceitos (HALL, 1993; LIDA, 2002; RICE,
1998).
Em novembro de 2006, a maior parte dos veículos de comunicação internacionais divulgou os
resultados dos estudos do radiologista Waseem Bashir, University of Alberta Hospital, Canada,
que demonstravam no grupo controle (adultos sem deficiências) com o uso de MRimage, o quanto
a posição de sentar-se ereto era prejudicial para a coluna vertebral.
Nos estudos de Bashir (2006) foram medidos os ângulos da coluna vertebral, altura do disco
vertebral e os movimentos. Concluiu-se que quando a tensão imprópria é colocada em um disco,
ele se move muitas vezes fora do lugar. Estes estudos demonstraram que a posição ereta a 90 graus,
provoca mais movimento nos discos, em comparação a posição de repouso (135 graus).
Bashir afirma:
Sentar em uma posição anatômica não é essencial, uma vez que a tensão
colocada sobre a coluna vertebral e seus ligamentos associados ao longo do
tempo pode levar à dor, deformidade e doença crônica. Nós fomos feitos
para sermos móveis e não para sermos estáticos. Infelizmente, nós vivemos
em uma cultura na qual a maior parte do dia, estamos mais estáticos do
que móveis [....] Foi demonstrado através de imagens de ressonância que
num período de 10 minutos, um ser humano sentado na postura de 90º
entre encosto e assento, começam haver sinais de perda de água nos discos.
Basta pensar que no dia a dia, ano após ano, haverá degeneração, porque
essa postura que não faz bem ao corpo. (BASHIR, 2006: 2, grifo e tradução
nossa).
Para combater a dor lombar, Bashir (2006) sugere encontrar uma cadeira que possa ser ajustada
para abrir o ângulo do quadril. Um assento que se inclina para frente também incentiva esta
postura natural. Além disso, ele recomenda a utilização de imagem postural na avaliação dos
futuros projetos, pois acredita que assim, haverá redução de problemas crônicos devido à má
postura sentada.
A intervenção mais comum encontrada nas referências pesquisadas, para favorecer o controle
postural em crianças e adolescentes com disfunções neuromotoras é um assento adaptado que
é definido como: alterações em dispositivos de assentos para melhorar a postura sentada e / ou
controle postural em mobilidade condicionada individual (REHAB TOOLS, 2004).
Desde o seu surgimento, na década de 1980, muitos tipos de sistemas de assentos adaptáveis foram
desenvolvidos (WATSON e WOODS, 2005). Pesquisas anteriores já haviam defendido a ideia
do assento adaptado para melhorar o controle postural em crianças com PC (ROXBOROUGH,
1995). Além disso, os pesquisadores sugeriram que um melhor controle postural pode aumentar
a capacidade funcional, tais como a função de Membros Superiores (MMSS), o desempenho
no trabalho e satisfação e desempenho das Atividades da Vida Diária (AVDs) (REID, RIGBY e
RYAN, 1999; ROSENBAUM e STEWART, 2004). Rosenbaum e Stewart (2004) afirmam que essas
melhorias foram mantidas a longo prazo, sugerindo que assento adaptado pode facilitar a função
física.
21
De acordo com a Classificação Internacional de Funcionalidade, Incapacidade e Saúde Modelo
(CIF), existe uma interação dinâmica entre o estado de saúde e fatores contextuais. Dentro do
modelo da CIF, os componentes de funcionamento são a estrutura do corpo / função do corpo,
atividade e participação. (OMS, 2004)
Os componentes são ligados uns aos outros de forma que mudanças podem provocar alterações
de uma maneira não-linear. Portanto, os componentes são afetados tanto por modificações
ambientais como fatores pessoais. Portanto, dispositivos de assento de adaptação são usados
clinicamente para melhorar o controle da postura e, em alguns casos, essas melhorias resultantes
afetam a atividade funcional e os estados de participação.
Foram identificados quatro artigos potencialmente relevantes, com revisões sistemáticas sobre os
efeitos da capacidade adaptativa e controle postural.
Roxborough (1995) publicou uma revisão sistemática para avaliar a evidência de 1982-1994
para os efeitos do assento adaptado em crianças com PC. Dos oito estudos incluídos, apenas 02
examinaram os resultados de controle postural: a extensão do tronco em crianças de 02 a 06 anos
de idade e controle da cabeça em crianças com menos de 03 anos de idade.
Harris e Roxborough (2005) completaram uma revisão da literatura publicada de 1990 a 2004 que
envolviam avaliar a eficácia e a efetividade da terapia motora em relação ao controle postural em
PC. Dos 12 estudos incluídos, 05 examinaram os efeitos de assento adaptado no controle postural
sentado.
Stavness (2006) analisou os dados (publicados desde 1980) para os efeitos do assento adaptado em
função dos MMSS em crianças com PC. Dos 16 estudos revisados, 03 relataram os resultados de
controle postural, influenciando a função dos MMS.
Os estudos de revisão sistemática de Chung et al. (2008) buscaram investigar o efeito do assento
adaptado na postura sentada e controle postural em crianças com PC. Também foram analisadas
se as alterações do controle postural tinham relações com mudanças em outros aspectos da vida do
indivíduo. Demonstrou-se os benefícios desse controle, incluindo a melhoria da função dos MMSS.
Esses estudos focaram 02 questões: (1) Qual o efeito do assento adaptado na postura sentada ou
do controle postural em crianças desde o nascimento até 20 anos de idade, com diferentes tipos
de quadro da PC (2) Quais são os efeitos das mudanças resultantes na postura sentada ou do
controle postural em outros aspectos do funcionamento utilizando a CIF. Os resultados foram
contraditórios na análise de assento, ângulo ideal para melhorar a postura sentada e controle
postural. Mas foram relatadas melhorias significativas com inserções de assentos, apoios externos
e sistemas de assentos modulares, também ficando evidente o efeito do controle postural nas
habilidades funcionais.
O estudo de Alves de Oliveira et al. (2011) aponta que promover a estabilidade pélvica, no
sentar de crianças com PC, é uma forma de favorecer maior estabilização de tronco e membros
superiores. O posicionamento correto das crianças com PC, portanto, é uma medida para
combater as complicações motoras frequentemente encontradas em indivíduos com desequilíbrio
muscular influenciado pela espasticidade. Assim, cadeiras e mobiliários adaptados são
importantes ferramentas para crianças com PC, visto que estas necessitam de um posicionamento
particularizado que tenha como objetivo inibir os padrões reflexos, promover padrões que
facilitam a normalização do tônus e maximizar as funções de MMSS.
Em seu trabalho de pesquisa: “Projetos Especiais para Portadores de Paralisia Cerebral e Deficiências
22
Físicas – Sistema de Modulação Ergonômica” Philot (1988) verificou maior alinhamento do eixo
axial e da coluna vertebral, bem como maior funcionalidade para as atividades com os membros
superiores em crianças (PHILOT, 1999). O grupo controle de 25 crianças com PC grau IV e V
segundo GMFCS, em idades variáveis entre 4 anos e 12 anos, foi acompanhado por um ano, em
avaliações trimestrais de neurologia, ortopedia e radiologia. Também foram realizados RX da
coluna vertebral com e sem a modulação a cada três meses. Em dois casos, as crianças que tinham
escolioses com graus de respectivamente 19º e 27º, apresentaram redução desses ângulos para 6º e
18º, no último trimestre. No uso continuado do sistema, os resultados se mantiveram os mesmos
em follow-up de 02 e 04 anos. Algumas das crianças, acompanhadas por 10 anos, mantiveram suas
colunas retificadas. A modulação foi desenvolvida com o conceito personalizável, sendo pioneira
internacionalmente, em propor regulagens terapêuticas e antropométricas, ganhando o Premio
Invento Brasileiro, em 1991, pela Secretaria de Desenvolvimento Econômico, Ciência e Tecnologia
do Estado de São Paulo (PHILOT, 1992).
Os resultados obtidos corroboram com os estudos analisados nas últimas décadas, e reforçam
o conhecimento do quanto um adequado posicionamento pode ser eficaz para o alinhamento
corporal (PHILOT, 1999; GANANÇA, 2008).
À luz da Ergonomia, e, portanto considerando a antropometria de crianças de uma forma geral,
entende-se que também as crianças com PC têm um crescimento físico peculiar e continuado,
e assim deverão usar sistemas de posicionamento ajustáveis a essa necessidade. Considerando
também as alterações neurológicas habituais de flutuação de tônus de acordo com temperatura,
excitação, doenças, crises convulsivas, a importância da ajustabilidade torna-se mais evidente.
(PHILOT, 1999; ENGSTRÖM, 2002 e 2006)
Assim, crianças com deficiências neuromotoras, excetuando-se complicações de deformidades
contundentes terão suas necessidades posturais contempladas com sistemas ajustáveis e dinâmicos
(CAMPOS, 2013; ENGSTRÖM, 2002).
Conforme Wright et al., um equipamento ou dispositivo é adequado por um determinado
período, mas sua eficácia pode ser perdida com o tempo, em função do crescimento do usuário,
mudanças no quadro clínico, uma demanda ortopédica ou outros fatores relacionados com o
desenvolvimento. (WRIGHT et al., 2010)
3. Sistemas personalizados versus Sistemas personalizáveis
Destaca-se então a diferença dos sistemas personalizados e personalizáveis.
Os sistemas personalizados são executados à medida no ato da avaliação, considerando-se: as
medidas antropométricas e as condições neurológicas, naquele momento. Não apresentam
possibilidades de modificações futuras. Quaisquer alterações, em curto e médio prazo, implicarão
em novo projeto, portanto, funcionam como uma modelagem do corpo e da condição terapêutica
“fotografada” na avaliação.
Esses sistemas foram concebidos para adultos com quadros estacionários sem previsões de
alterações neurológicas e sem crescimento físico, ou alteração de peso. Ao serem importados para
o Brasil foram adotados erroneamente também para crianças. São o que se denomina de sistemas
“engessados.” Por conta dessa característica de engessamento, não apresentam regulagens, são mais
fáceis de serem executados, possuem menor custo, pela pobre tecnologia incorporada, embora o
23
custo x benefício a médio e longo prazo seja realmente muito mais oneroso.
Muitos terapeutas e familiares acreditam que justamente por serem sistemas personalizados
são os mais adequados aos seus usuários. Enquadram-se nesse grupo, os chamados sistemas
digitalizados, que também são executados à medida do momentum da avaliação da criança. A
questão mais preocupante nesses sistemas - que foram idealizados exclusivamente para casos com
padrões posturais fixados - é que, na maior parte das vezes, são utilizados sem critérios em crianças
que ainda podem usufruir de sistemas biomecanicamente retificadores, tendo em vista que não estão
com suas posturas motoras rígidas ou contraturadas.
A figura 2 mostra um caso de cadeira com sistema personalizado para uma criança com PC
quadriplégica grau V GMFCS, com uma adequação postural confeccionada de acordo com o
quadro motor da mesma, não interferindo nos seus padrões motores assimétricos e deformantes.
Ao analisar esta cadeira de rodas personalizada observa-se que: o encosto de cabeça está impedindo
que a criança faça a exploração visual do ambiente; o apoio lateral de tronco está reforçando e
estimulando o desvio de coluna; o cinto pélvico não está estabilizando e retificando o quadril,
que se apresenta com rotação e obliquidade; os membros inferiores (MMII) estão em padrão de
tesoura; os apoios de pés não estão sendo utilizados.
Por outro lado, os sistemas personalizáveis são completos em ajustabilidade tanto para regulagens
terapêuticas quanto para regulagens
antropométricas. Como exemplo
de regulagens terapêuticas citase: a opção que esses sistemas
personalizáveis
oferecem
em
determinar-se a inclinação anterior
ou posterior do assento; cinto
pélvico com trações individualizadas
para o alinhamento pontual de cada
quadril; tração com elevação dos
estabilizadores de tronco; ângulos
de maior extensão ou flexão nas
articulações dos joelhos e pés,
entre outros. Todas essas opções
são de especialidade terapêutica,
são dinâmicas e flexíveis, pois são
direcionadas de acordo com o
Figura 2: Cadeira de Rodas com sistema personalizado
quadro neuromotor.
Fonte: NEDETA
A figura 3 mostra uma criança com PC grau V GMFCS, quadriplégica com forte espasticidade,
sentada numa cadeira com sistema personalizável, onde se observa o bom posicionamento de
todo o corpo, com alinhamento entre cintura escapular, cintura pélvica, tronco e pés. Os apoios
laterais de tronco dão sustentação para o corpo favorecendo os ajustes axiais e centro de gravidade
do peso do tronco. O apoio de pé com fixação de velcro e o contra-extensor-abdutor facilitam a
abdução de quadril e maior normalização de tônus da cintura pélvica. O apoio de cabeça, órtese
cefálica, com um sistema dinâmico que sustenta a cabeça e possibilita, através de uma mola, o
movimento de rotação de um lado para o outro, o que favorece a exploração do ambiente.
Para regulagens antropométricas ergonômicas, todos os conjuntos de recursos desses sistemas
permitem ajustabilidade de altura, largura, profundidade, angulação, reclínio etc., nos assentos,
24
encostos, apoio de braços e demais.
Portanto, esses sistemas embarcam diversas tecnologias. São
mais complexos por conta das diversas regulagens e porque
demandam do profissional responsável o conhecimento no
eficiente manuseio da biomecânica da postura da criança com
PC. São perfeitamente adequáveis durante anos para o usuário,
permitindo acréscimos de materiais (placas siliconadas,
espumas visco-elásticas, placas de gel etc.) como também
permitem que certos pormenores sejam manufaturados
para aquele momentum, sendo que nesses casos usuários
e familiares devem ser advertidos quanto à necessidade de
modificações futuras.
Esses equipamentos personalizáveis permitem refinadas
escolhas de ângulos, em todos os dispositivos componentes do
sistema com ajustes milimétricos. Dessa forma, não há limites
Figura 3: Cadeira de Rodas com sistema
para o posicionamento terapêutico e para o crescimento físico
personalizável
do utilizador. São equipamentos que oferecem ao profissional
Fonte: NEDETA
variabilidade e dinamicidade de utilização e que consideram
o fator acompanhamento um instrumento terapêutico de balização da eficácia do recurso. São
equipamentos que precisam da intervenção de profissionais com a expertise de atendimento à
população destinada, e que já foram alvo de estudos com comprovação de sua eficácia (PHILOT,
1999; GANANÇA et al., 2008).
Os sistemas personalizáveis estão de acordo com as diretrizes do Desenho Universal (DU),
considerando o universo de usuários com PC. Citando o relatório final, Mapeamento de
Competências em Tecnologia Assistiva, realizado pelo Centro de Gestão e Estudos Estratégicos
(CGEE, 2012):
O DU é considerado um movimento mundial, baseado no conceito de
que todos os produtos, ambientes e meios de comunicação, etc., sejam
concebidos pensando-se atender às necessidades da grande maioria dos
usuários. (NCSU, 1998)
4. Discussão
Em pesquisa realizada em 2014, nos bancos de dados, Embase, Medline, ProQuest, Pubmed,
ScienseDirect, Scopus, não foram encontradas referências a sistemas personalizáveis para crianças
com PC. O que parece um contrassenso, pois os artigos revisados, sobre o posicionamento de
crianças com paralisia cerebral, observam que essas crianças necessitam de dinamicidade nesse
posicionamento, e salientam a importância de ser observado o crescimento físico e a maturação
neurológica. Sem, no entanto, apontar quais seriam as soluções de viabilidade para essas situações.
Revisões feitas em algumas dissertações de mestrado e teses de doutorado (GALVÃO, 2006; RIBAS,
2006; MORAES, 2009; BERETTA, 2011; PRESTES, 2011) em Engenharia, Terapia Ocupacional,
Fisioterapia, no Brasil, mostraram que seus autores apontam como relevante o uso de sistemas
personalizados e demarcam a necessidade de ajustes frequentes com acompanhamento regular para
crianças pequenas. Este artigo salienta que nessas dissertações e teses não há o equacionamento
25
do binômio: personalização e ajustabilidade. Destacam inclusive que equipamentos feitos
personalizados à antropometria do usuário potencializam suas funções, distribuem melhor os
pontos de pressão, ao mesmo tempo em que promovem mais conforto e maior funcionalidade.
Observa-se que no Brasil essa prática da personalização é cada vez mais utilizada, no entanto
não há questionamento de como essa personalização poderá ser corretamente terapêutica e
antropométrica se esses equipamentos atendem apenas ao momentum da execução. (PRESTES
2011, RIBAS 2006).
Verifica-se que a maior parte das Cadeiras de Rodas, produzidas no Brasil, não acompanha as
normas internacionais de Ergonomia (GRANDJEAN, 1988; HALL, 1993; LIDA, 2002; RICE,
1998) para ângulo entre encosto x assento de 95º a 110º, em mobiliários para o sentar ergonômico.
Considerando que, a Cadeira de Rodas é uma estação de sentar com rodas, e são fabricadas com o
ângulo de 90º, está em desacordo com as normas internacionais, assim como também com relação
aos mais atuais estudos sobre a postura da coluna. Conforme sublinha Bashir (2006), dentro de
um período de 10 minutos sentado nessa postura de 90 graus, apresentam-se sinais de perda de
água nos discos. Dia a dia, ano após ano, haverá degeneração.
Produzir equipamentos que possam ser reconfigurados quanto à ângulos ajustáveis entre encosto
e assento, cambagem, centro de gravidade, etc. requer profissionais de engenharia com expertise, e
estes aspectos aumentam os custos, que a maioria dos fabricantes brasileiros não desejam. Produzir
qualidade de saúde em recursos assistivos ainda é sonho muito pouco conquistado.
Quanto ao posicionamento de crianças com deficiências neuromotoras, tecnologia versus
conhecimento versus aplicação, no Brasil, têm se mostrado com pouquíssimo investimento em
inovação e pesquisa.
Não existe uma fórmula de posicionamento que possa ser aplicada a todas as crianças com PC.
Cada uma delas se apresenta com padrões motores e dificuldades de acordo com sua maturação
neuromotora ou de acordo com o atendimento terapêutico que recebem ou receberam, e também
de acordo como foram posicionadas desde bebês.
Por todas essas questões há a necessidade do acompanhamento regularmente em um sistema de
adequação postural, de tal forma que todas as modificações necessárias possam ser implementadas
considerando-se crescimento físico, alterações de peso, adaptabilidade, usabilidade e indicações
terapêuticas.
Sistemas Personalizados não permitem essa ação de continuidade. Sistemas Personalizáveis
apresentam regulagens em toda a gama de dispositivos, de tal forma que podem ser reconfigurados
continuadamente, conforme as necessidades que o usuário possa vir a apresentar tanto no aspecto
das modificações ou evoluções terapêuticas como por evoluções de crescimento, provocando a
demanda de ajustes.
5. Experiência do Pará na prescrição de sistemas personalizáveis
Com a análise feita pela equipe do Núcleo de Desenvolvimento em Tecnologia Assistiva e
Acessibilidade, (NEDETA), instalado na Universidade do Estado do Pará (UEPA) de que as Cadeiras
de Rodas das crianças com PC, atendidas por esse serviço, eram inadequadas às necessidades
terapêuticas/perfil físico ou que algumas crianças não possuíam nenhum tipo de equipamento
26
de mobilidade, promoveu-se uma mediação do NEDETA com Divisão de Acompanhamento e
Avaliação da Pessoa com Deficiência da Secretaria de Estado de Saúde Pública (SESPA), para
um aprimoramento nas prescrições desses equipamentos de modo a atender às necessidades
individuais de cada criança.
Essa Divisão é o setor responsável pela concessão das Cadeiras de Rodas pelo SUS/SESPA. Esse
órgão, reconhecendo os ganhos terapêuticos e financeiros dos sistemas personalizáveis, solicitou
ao NEDETA que avaliasse e prescrevesse Cadeiras de Rodas personalizáveis e outros equipamentos
de tecnologia assistiva (TA) para as crianças com deficiências neuromotoras.
A partir de 2012 o núcleo passou a prescrever estes equipamentos para essa clientela e a partir das
prescrições, a SESPA passou a providenciar as aquisições.
Em levantamento do ano de 2013, constata-se que foram prescritas 127 Cadeiras de Rodas com
sistema personalizável, sendo que das prescrições realizadas, 32 foram entregues pela SESPA,
07 usuários adquiriram o equipamento com recursos próprios (oriundos algumas vezes de
arrecadações) e 04 foram adquiridas através do crédito acessibilidade.
Embora a SESPA tenha realizado o procedimento de licitação de todas as cadeiras, a instituição
encontrou diversas dificuldades no que se refere ao processo licitatório destes equipamentos.
Foi necessária a avaliação técnica de cada produto ofertado pelos fornecedores, para verificar se
o mesmo estava conforme a prescrição do profissional. Na maioria das vezes, foi necessário o
cancelamento e o reinicio de processo licitatório, trazendo prejuízos aos usuários pela espera e
aumentando a demanda reprimida por cadeiras com sistema personalizável.
O que se pode inferir é que há grande interesse da Secretaria da Saúde, em focar em qualidade,
portanto empenhando-se em fornecer sistemas personalizáveis, mas os fornecedores tradicionais
tentam oferecer produtos com os quais estão habituados, independente das prescrições realizadas.
Quanto às prescrições realizadas, foi observado que, a maioria dos usuários avaliados apresentava
PC e que se encontram entre 02 a 06 anos, e com 07 a 12 anos, representando 71% das faixas
etárias. (tabela 1 e 2).
Até 2 anos.
De 2 anos a
6 anos.
De 7 a 12
anos.
De 13 a 16
anos.
17 ou mais.
Total
Gênero
Masculino
4
28
15
3
16
66
Gênero
Feminino
1
22
15
5
14
57
Tabela 1: Cruzamento feito entre os gêneros dos pacientes com a faixa etária.
Diagnóstico:
PC
Diagnóstico:
Distrofia
Gênero: Feminino
Gênero: Masculino
Total
44
50
94
1
4
5
27
Diagnóstico:
Hidrocefalia
Outros
Diagnósticos
Gênero: Feminino
Gênero: Masculino
Total
3
5
8
9
8
17
Tabela 2: Cruzamento feito entre o diagnóstico dos pacientes com o sexo.
Considerando a diversidade dos quadros apresentados pelos pacientes avaliados e consequentemente
as prescrições com características também diversas, com variações em: ferragens; chassis;
assentos; encostos; cintos; apoios de cabeça; apoio de pé; apoio de braço; estabilizadores de tronco;
estabilizadores de quadril e mesa, foi necessário um trabalho da Divisão de Acompanhamento
e Avaliação da Pessoa com Deficiência junto ao Setor de Compras da Secretaria da Saúde, para
descrever em detalhes cada equipamento e estabelecer alguns critérios que pudessem evitar a
entrega de produtos diferentes do que estava sendo solicitado pelas prescrições. Alguns critérios
foram definidos tais como:
• As especificações devem ser exigidas rigorosamente conforme os descritivos, isto é, não pode
haver mudanças no tipo de tecido, nas rodas, nas espumas, nos tipos de chassi, nos tipos de cinto,
nos acessórios, nos apoios de pé, nos apoios de cabeça, nos tipos de ajustes.
• Exigir que o fornecedor descreva o seu produto de preferência com imagens, informando os
descritivos solicitados.
• Solicitar amostras, para verificação do cumprimento da prescrição.
• Exigir que a empresa tenha um profissional qualificado, sendo Terapeuta ocupacional ou
Fisioterapeuta com experiência na área.
• A empresa deve ter sede local para oferecer assistência técnica, se responsabilizar pela montagem,
adequação e os ajustes dos equipamentos conforme a prescrição de tamanho solicitado e os
detalhes especificados.
• Os profissionais que prescreveram a Cadeira de Rodas e /ou o produto de tecnologia assistiva
devem acompanhar as entregas efetuadas e conferir se está de acordo com o solicitado.
Com estes critérios de exigência definidos procura-se evitar entregas em desacordo com o solicitado
e assim atender às prescrições na íntegra e disponibilizar as cadeiras com sistema personalizável.
Espera-se assim que futuramente poder-se-á acompanhar o processo evolutivo tanto em
crescimento como no quadro terapêutico, e consequentemente, em longo prazo, ter uma
economia por evitar agravos no quadro motor, prevenindo outras demandas tais como cirurgias,
comprometimentos osteomuscular, respiratório e circulatório.
6. Considerações finais
No Brasil tem havido por parte de algumas equipes uma preocupação especial em garantir
a concessão de produtos que ofereçam conforto, resistência, durabilidade, praticidade e
funcionalidade para o usuário. Entre as ações para esse controle de dispensação de produtos, todo
o detalhamento se faz imprescindível, descrevendo com particularidades os itens a serem licitados
28
para a aquisição das cadeiras.
Os profissionais, em sua maioria, têm filosofias e pensamentos diferentes em relação à escolha
dos sistemas de adequação postural. Bem como em sua maioria desconhecem os atributos dos
sistemas personalizáveis. Este artigo espera revisar o conhecimento nessa abordagem e realizar
uma discussão para a reflexão sobre escolhas fundamentadas em resultados, mas enfatiza-se que
são necessárias novas pesquisas que comprovem e ofereçam mais subsídios para as prescrições.
Os resultados relatados até a presente data têm comprovado a relevância dos trabalhos
fundamentados em pesquisas, que os profissionais que trabalham com sistemas personalizáveis
têm realizado, com continuado acompanhamento de seus usuários com deficiência neuromotora.
Acredita-se que esta mudança de paradigma contribuirá para a melhoria da qualidade de vida
dessas crianças.
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32
Desenvolvimento de dispositivos de tecnologia assistiva
utilizando impressão 3D
Jorge Vicente Lopes da Silva
CTI Renato Archer, e-mail: [email protected].
Izaque Alves Maia
CTI Renato Archer, e-mail: [email protected]
Resumo: Nos últimos três anos, a impressão 3D vem
sendo empregada crescentemente no desenvolvimento de
dispositivos de tecnologia assistiva (TA), principalmente
por viabilizar soluções personalizadas e rápidas. Exemplos
desses dispositivos, desenvolvidos no exterior e no Brasil,
são mostrados neste trabalho. Os dispositivos brasileiros
mencionados são aqueles cujas construções contaram com a
colaboração do CTI Renato Archer no tocante ao emprego
da impressão 3D. O conjunto desses dispositivos atendem 6
das 11 categorias de TA classificadas pela ADA (American
Disabilities Act). O trabalho também aborda situações em que
a melhoria da qualidade cirúrgica, propiciada pelo emprego da
impressão 3D, minimiza ou evita o surgimento de deficiências
físicas.
Palavras-chave: tecnologia
dispositivos tecnológicos
assistiva,
impressão
3D,
1. Introdução
A impressão 3D é uma área da engenharia de manufatura que tem como característica a construção,
a partir de um modelo virtual, de peças por deposição automática, camada-a-camada, sob
controle de computador. A construção em camadas é a característica distintiva e de onde derivam
as suas vantagens em relação às tecnologias convencionais de manufatura. Essas vantagens são as
seguintes: (1) complexidade de forma; (2) modulação da densidade do material; (3) construção
de partes móveis monolíticas, isto é, sem auxílio de recursos de montagem; (4) combinação de
materiais diferentes durante o processo de impressão e (5) rapidez na produção de protótipos
e peças de uso final. Essas vantagens de processo acarretam vantagens competitivas que são os
encurtamentos da cadeia de desenvolvimento de produtos e da própria cadeia de produção de
bens manufaturados.
A impressão 3D vem ampliando fortemente o conceito de personalização em massa (mass
customization) por promover a diminuição de custos de artigos personalizados. Por esse conjunto
de vantagens, a impressão 3D é considerada uma tecnologia disruptiva, apontada como precursora
de uma nova revolução industrial que já está em andamento e impulsionada pelas transformações
que vem promovendo não apenas na indústria manufatureira como também na pesquisa
científica e na saúde (ANDERSON, 2012; BARNATT, 2013; LIPSON e KURMAN, 2013). Mais
recentemente, ela vem se despontando, também, como recurso tecnológico de transformação na
33
Tecnologia Assistiva (GALLOWAY, 2013; FIREFLY, 2014). Alguns exemplos de dispositivos de TA
construídos com impressão 3D, tanto no exterior como no Brasil, em especial com a colaboração
do CTI Renato Archer, serão doravante mostrados.
2. Casos de aplicações de impressão 3D em TA no exterior
O maior sucesso comercial do emprego da impressão 3D em TA refere-se aos encapsulamento
anatômico dos aparelhos auditivos que acompanham a anatomia do canal auditivo das pessoas
com deficiência auditiva (SHARMA, 2013). A maioria dos aparelhos auditivos disponíveis e em uso
no mundo já utiliza o encapsulamento construído com impressão 3D. Um desdobramento natural
dessa combinação de TA/impressão 3D é a personalização de fones de ouvidos intra-auriculares
para pessoas que, embora não tenham deficiência auditiva, requerem conforto anatômico desses
aparelhos (KICKSTARTER, 2014). Os aparelhos auditivos e os fones de ouvidos personalizados
se constituem em exemplo claro de personalização em massa. Vale ressaltar que a matéria prima
usada na construção dos invólucros são biocompatíveis com a pele que reveste o canal auditivo.
Matérias-primas que sejam biocompatíveis é um requisito crítico para o uso da impressão 3D na
construção de dispositivos de TA. Por isso há interesse crescente da comunidade científica da área
de materiais de desenvolver matéria prima biocompatível para impressão 3D.
Outra iniciativa comercial do emprego de impressão 3D em TA é o da empresa americana
Bespoke, que desenvolve próteses de pernas com a função dupla de restaurar a simetria com a
perna biológica e, ao mesmo tempo, confere um componente estético que agrade a pessoa com
deficiência física. (BESPOKE, 2010).
As paraolimpíadas de 2012, em Londres, deram grande visibilidade ao emprego da impressão
3D em TA. Com impressão 3D foram construídos assentos anatômicos personalizados para os
atletas paraolímpicos do basquete (DEZEEN MAGAZINE, 2012). Também em 2012, a empresa
Stratasys, fabricante de impressoras 3D, divulgou um exoesqueleto personalizado e totalmente
mecânico para uma criança que nasceu com uma doença chamada artrogripose múltipla congênita,
doença essa que não lhe permitia mover os braços (NICK, 2012). Esse exoesqueleto, chamado
Wilmington Exoskeleton (WREX), lhe permitiu realizar movimentos até então não possíveis
para realizar tarefas costumeiras tais como brincar, desenhar, alimentar e abraçar. Em fevereiro
de 2014, outra fabricante de impressoras 3D, a 3D Systems – divulgou um exoesqueleto para
paraplégicos (GILBERT, 2014). A estrutura desse exoesqueleto foi impressa a partir de modelos
virtuais gerados pelo escaneamento 3D do corpo da pessoa paraplégica. Segundo a empresa, um
design assim obtido, com alto grau de acomodação anatômica, reduz abrasões com a pele em
regiões ósseas mais salientes. Como essas lesões não causam sensações dolorosas elas podem
degenerar em ferimentos mais graves antes de serem percebidas pelo paraplégico devido à falta de
sensibilidade da pele.
A Stratasys e a 3D Systems são os líderes mundiais na fabricação de impressoras 3D. O fato de
financiarem e divulgarem sistemas complexos de TA contribui efetivamente para a disseminação
do emprego da impressão 3D para desenvolvimento de soluções em TA, tanto por empresas de
menor porte como por organizações sem fins lucrativos ou, até mesmo, por indivíduos. Fortalece
esse processo de difusão tecnológica os designs abertos (em analogia a software e hardware
abertos) que são os modelos digitais que são colocados na internet para serem baixados, impressos,
testados, melhorados e novamente disponibilizados, na internet para continuidade do processo de
refinamento. Esse processo de aperfeiçoamento contínuo vem se tornando cada vez mais factível à
34
medida que diminuem os preços de impressoras 3D, notadamente as de bancada.
Tabela 1. Categorias de TA atendidas com impressão 3D em projetos de colaboração com o CTI
Cat.
ADA
Descrição
1
Auxílios para a vida diária
Colaboração do CTI em projeto de TA
com impressão 3D
√ suporte para auxiliar movimento de mão
e celular simplificado para uso de idosos.
6
CAA (CSA) Comunicação aumentativa
(suplementar) e alternativa.
Recursos de acessibilidade ao
computador
Sistemas de controle ambiente
(só eletrônicos)
Projetos arquitetônicos para
acessibilidade
Órteses e próteses
7
Adequação postural
8
Auxílios de mobilidade
Auxílios para cegos ou com visão
subnormal
Auxílios para surdos ou com
déficit auditivo
2
3
4
5
9
10
11
√ caixa de laptop com design personalizado
√ prótese de perna e mão
√ Bota personalizada para compensação
de altura de perna
√ maquetes táteis
√ cone de audição
Adaptações em veículos
Nota 1. O CTI auxilia os pesquisadores em TA na escolha, adaptações dos modelos digitais e impressão 3D
gratuita dos seus projetos de dispositivos. Maiores informações sobre o desempenho dos dispositivos é de
inteira responsabilidade desses pesquisadores.
Nota 2. A presente tabela é uma adaptação da tabela publicada por Sartoretto e Bersch 2013.
Exemplo significativo dessa nascente iniciativa de soluções abertas de TA, propiciadas por
impressão 3D, refere-se às próteses de braço e mão. Dois tipos de mãos robóticas viabilizadas
por impressão 3D foram divulgados em 2013. Elas se diferenciam quanto ao mecanismo de
movimentação dos dedos. No primeiro tipo (ROBOHAND, 2014) essa movimentação é feita com
atuação puramente mecânica com movimentação do pulso enquanto que o segundo tipo (OPEN
HAND PROJECT, 2013) emprega atuadores elétricos.
3. Casos de aplicações de impressão 3D em TA no CTI Renato Archer
O CTI tem, ao longo do tempo e de forma contínua, colaborado com pesquisadores, internos
e externos, na aplicação da impressão 3D para o desenvolvimento de dispositivos de TA, tanto
ao nível de protótipos como de produtos para uso final. A primeira colaboração data de 2001 e
35
trata da construção de uma prótese de braço, tema de um trabalho de pós-doutorado (SILVA et
al., 2001a; SILVA et al. 2001b). Essa prótese é, ao que temos notícia, o primeiro dispositivo de TA
construído no Brasil com impressão 3D e, provavelmente, um dos primeiros no mundo tendo em
vista que é muito recente (últimos três anos) o emprego de impressão 3D em TA. Desde 2001, os
dispositivos de TA, cujos desenvolvimentos contaram com os recursos de impressão 3D do CTI,
distribuem-se em 6 das 11 categorias da classificação de TA da American with Disabilities Act
(ADA, 2014), conforme apresentado na tabela 1. Para as cinco categorias restantes, não foram
também encontradas referências à impressão 3D na Internet. Para essa pesquisa na web foram
utilizadas as expressões disabilities, 3D printing e outras relacionadas. Os autores desse trabalho
vislumbram, no entanto, que o emprego da impressão 3D virá atender, todas as categorias de
TA da ADA tendo em vista os avanços que vem sendo observados na impressão 3D e no grande
mercado de dispositivos de TA. Os autores estão confiantes, também, que o Brasil pode ser um
importante protagonista no aproveitamento dos recursos da impressão 3D em TA caso haja união
de esforços entre os setores público e privado na indução do uso de impressão 3D em TA por meio
de editais específicos para esse fim.
Dentro da categoria de TA 9 (auxílio para cegos ou com visão subnormal), as maquetes táteis
(CELANI et al, 2013) tiveram destaque nos projetos apoiados pelo CTI Renato Archer. Os
trabalhos com maquetes táteis inspirou o desenvolvimento de uma impressora 3D, de baixo custo,
especialmente para esse fim. Uma solicitação de patente dessa impressora já foi depositada no INPI
e está em processo de patenteamento e refinamento. Seu custo final, quando estiver plenamente
em funcionamento, é presumido em R$ 2.000,00.
Exceto o trabalho de colaboração do CTI com os pesquisadores de universidade e centros de
pesquisa, o tema TA com impressão 3D é muito recente no Brasil. Vale dessa forma destacar
o projeto de próteses de membros superiores construídas com impressora 3D que está sendo
realizado na Universidade Federal do ABC (UFABC) pela equipe da professora Maria Elizete
Kunkel em colaboração com o Instituto de Ortopedia e Traumatologia (IOT) da Universidade de
São Paulo (REAÇÃO, 2014a, 2014b)
4. Cirurgias apoiadas com impressão 3D como recurso para minimizar/eliminar deficiências
físicas
O CTI, por meio de sua Divisão de Tecnologias Tridimensionais, vem há 15 anos desenvolvendo
e aperfeiçoando um programa de P, D&I em tecnologias 3D, chamado ProMED, para auxílio
às cirurgias complexas. O ProMED, até meados de 2014, colaborou na melhoria de qualidade
de 3500 cirurgias complexas, em mais de 180 hospitais, distribuídos em praticamente todo o
território nacional e alguns no exterior. Esse trabalho vem sendo reconhecido pelo Ministério da
Saúde na forma de convênios de transferência de tecnologia para os hospitais públicos. Embora
a área cirúrgica seja diferente da TA, o modelo de sucesso do ProMED pode, mediante algumas
adaptações, serem incorporados a um programa de TA pois utiliza a mesma infraestrutura de
impressoras 3D. A diferença consiste na geração do modelo digital e nos profissionais que vão
fazer a interface com o cidadão que necessita de ajuda. Discutir essas diferenças, embora de grande
relevância, foge ao escopo do presente trabalho.
O CTI acompanha e participa de projetos inovadores em diferentes áreas da engenharia, da saúde
e da TA, baseados em impressão 3D. Dentro desse ambiente vem se tornando recorrente a seguinte
questão: A melhoria da qualidade das cirurgias propiciadas pela impressão 3D poderia levar à
36
minoração ou eliminação de deficiências físicas e, em decorrência, da necessidade dos dispositivos
de TA?
A pertinência dessa questão reside na observação de casos cirúrgicos assistidos com tecnologias
3D supridas pelo CTI e que tem como principal desdobramento a minimização de sequelas, aqui
traduzidas como deficiências físicas. Colocado de outra forma - o melhor planejamento cirúrgico
é aquele que minimiza sequelas, evitando, assim, que um paciente venha se tornar um deficiente
físico. Os resultados do emprego de cirurgias auxiliadas com impressão 3D sobre a aquisição
de deficiência física no pós-operatório são aqui classificados em três categorias: preventivos,
corretivos ou regenerativos conforme explicado a seguir.
(a) Resultado preventivo: Ao prover dispositivos tais como biomodelos físicos (réplicas
anatômicas de partes lesadas), ferramental cirúrgico, moldes para implantes personalizados e
até implantes de uso final, a impressão 3D contribui para aumento da qualidade das cirurgias
e consequente diminuição de eventuais sequelas. Artroplastia de joelho e do fêmur, implante
dentário e cranioplastia (reconstrução de crânio) são exemplos de cirurgias que tiveram qualidade
aumentada com o uso de dispositivos impressos.
(b) Resultado corretivo. Com um bom planejamento cirúrgico, feito com o auxílio de biomodelos
das áreas de interesse da anatomia, cirurgias podem ser feitas com segurança para minorar
uma deficiência física ou uma anormalidade já existente. Um exemplo é a separação de gêmeos
xifópagos ou de correções de deficiência decorrentes de síndromes congênitas.
(c) Resultado regenerativo. Dentro do campo da medicina regenerativa a bioimpressão de órgãos
humanos vem recebendo crescente atenção. Em linhas gerais a bioimpressão consiste em utilizar
aglomerados de células vivas, chamados tissue spheroids, que vão funcionar como “tinta” das
bioimpressoras 3D. Esses aglomerados são dispensados camada-a-camada formando um volume
3D que é, então, levado para um bioreator onde ocorre o crescimento e maturação do órgão que
pode ser um rim, coração, fígado, etc. Esses órgãos, como são constituídos do mesmo material
genético do paciente, não teriam rejeição biológica.
5. Considerações finais
A impressão 3D vem demonstrando ser um auxílio de grande valia para a TA como também um
ramo tecnológico que viabilizaria a realização de cirurgias que minimizaria ou eliminaria uma
deficiência física. O fato de o programa “Viver Sem Limite” ter entre seus quatro eixos básicos a
saúde e a acessibilidade faz desse programa uma excelente plataforma para se discutir soluções
de TA sob a perspectiva da melhoria de qualidade das cirurgias propiciadas pelo emprego da
impressão 3D.
Agradecimentos
Os autores agradecem imensamente aos pesquisadores de TA e cirurgiões, com quem o CTI vem
colaborando com impressão 3D, sem os quais não seria possível auxiliar os cidadãos brasileiros
que recorrem ao poder público para resolver seus problemas de acessibilidade e saúde.
37
Referências
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BARNATT, Christopher. 3D Printing – The Next Industrial Revolution. 1ª. ed. Printed and
bound on demand, 2013, 262 p.
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Limbs, Make Parts Fast, publicado em 07/12/2010. Disponível em: http://www.makepartsfast.
com/2010/12/1011/3d-printers-deliver-competitive-alternative-to-traditional-prosthetic-limbs/.
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CELANI, G.; ZATTERA, V.; OLIVEIRA, M. F.; SILVA, J. V. L. Seeing with the Hands: Teaching
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Publicado em 06/08/2012. Disponível em: http://www.gizmag.com/3d-printed-roboticexoskeleton/23594/. Acesso em: 28/09/2013.
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10/09/2013. Disponível em: http://canaltech.com.br/noticia/ciencia/Open-Hand-Projectproteses-roboticas-de-baixo-custo-com-impressao-3D/. Acesso em: 05/09/2014.
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Nacional de Reabilitação, ano XVII, 2014, n. 97, Março/Abril, p. 82-83.
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Junho, p. 65-66.
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SARTORETTO, M. L., BERSCH, R. Assistiva Tecnologia e Informação. Disponível em: http://
www.assistiva.com.br/aee.html. Acessado em 28/09/2013.
38
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utilizando prototipagem rápida. In: XVI Congresso Brasileiro de Engenharia Mecânica, 2001,
Uberlândia, 2001.
SILVA, N. C. (b); GOUVEIA, M. F.; ROSÁRIO, J. M.; SILVA, J. V. L. Desenvolvimento rápido de
próteses antropomórficas utilizando prototipagem rápida e sistemas CAD. In: XXII CILAMCE,
22nd. Iberian Latin-American Congress on Computational Methods. Campinas: Engineering and
2nd Brazilian Congress on Computational Mechanics, 2001. v. 1.
3D SYSTEM. Publicado em 18/02/2014 pela fabricante de impressora 3D Systems. Disponível em:
http://www.3dsystems.com/press-releases/3d-systems-prints-first-hybrid-robotic-exoskeletonenabling-amanda-boxtel-walk-tall. Acesso em: 20/07/2014.
39
40
A certificação compulsória de cadeiras de rodas
Marcos B. C. Pimentel
Centro de Tecnologia da Informação Renato Archer - CTI, Divisão de Qualificação e Análise de Produtos Eletrônicos - DAPE. E-mail: marcos.
[email protected].
Marcos F. Espindola
Centro de Tecnologia da Informação Renato Archer - CTI, Divisão de Qualificação e Análise de Produtos Eletrônicos - DAPE. E-mail: marcos.
[email protected].
Carlos R. M. de Oliveira
Centro de Tecnologia da Informação Renato Archer - CTI, Divisão de Qualificação e Análise de Produtos Eletrônicos - DAPE; e-mail: carlos.
[email protected].
Sebastião Eleutério Filho
Centro de Tecnologia da Informação Renato Archer - CTI, Divisão de Qualificação e Análise de Produtos Eletrônicos - DAPE; e-mail: sebastiao.
[email protected].
Resumo: Apresenta a cadeira de roda como produto
de tecnologia assistiva (TA) de suma importância para
a ampliação da autonomia e liberdade de pessoas com
problemas de locomoção e discute a questão da certificação
compulsória das cadeiras de rodas como forma de controle e
melhoria da qualidade desses produtos fabricados no Brasil.
Palavras-chave: Tecnologia Assistiva, Cadeira de rodas,
certificação e qualificação.
1. Contexto
A cadeira de rodas é um produto de tecnologia assistiva fundamental para apoio às pessoas que
possuem alguma restrição de locomoção, temporária ou permanente, pois facilita sua locomoção,
tanto em espaço público como no domiciliar, oferecendo autonomia e liberdade aos seus usuários.
Segundo a Organização Mundial de Saúde, estima-se que 70 milhões de pessoas no mundo (cerca
de 1% da população mundial) necessitam atualmente de cadeira de rodas1. Projetando esta base
de cálculo para o Brasil, estima-se que cerca de 2 milhões de pessoas necessitariam de cadeiras
de rodas no país. Segundo o relatório de pesquisa SUS/MS de 2012, cerca de 70% dos usuários
do Programa BPC Escola afirmaram que fazem uso de algum tipo de equipamento de apoio à
locomoção; entre os mais citados estão as cadeiras de rodas, com cerca de 40% do total2.
Apesar de sua inegável importância, a cadeira de rodas vem recebendo, dos usuários brasileiros,
críticas relacionadas com a qualidade do produto comercializado no país3. O Brasil possui centros
OMS. Organização Mundial da Saúde. Wheelchair Service Training Package [Online]. Disponível em: http://www.who.int/disabilities/
technology/wheelchairpackage/en/
2
SUS. Departamento de Ouvidoria Geral do SUS. Secretaria de Gestão Estratégica e Participativa, Ministério da Saúde. Relatório da
pesquisa sobre o acesso a medicamentos, órteses e próteses pelos beneficiários do Programa BPC na Escola, realizada em
2012. Disponível em: http://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/relatorio_pesquisa_bpc.pdf.
1
41
de pesquisas, universidades e centros de referência voltados à temática da reabilitação, com atuações
específicas em desenvolvimento de cadeira de rodas, porém carece de uma regulamentação
específica e de incentivos aos fabricantes para melhorar a qualidade deste produto, estas são,
entre outras, algumas das causas desta situação. Existe no Brasil cerca de 10 (dez) fabricantes
nacionais de cadeira de rodas, convencionais e motorizadas, com aproximadamente 200 modelos
disponíveis4.
2. Ação interministerial
Em 10 de outubro de 2013 foi divulgado, em mídia televisiva, um relatório sobre a Análise em
Cadeira de Rodas, realizado pelo INMETRO5. O documento apontava irregularidades em todas
as cadeiras de rodas analisadas, pois não atendiam aos requisitos da norma internacional ISO 7176.
Este fato motivou, em novembro de 20136, uma Ação Interministerial (Casa Civil, MCTI, SDH,
MS, SUS, ANVISA, INMETRO, CTI, INT), com objetivo de melhorar a qualidade das cadeiras de
rodas fabricadas no Brasil através de um processo de certificação compulsória do produto.
Neste contexto a ANVISA, Agência Nacional de Vigilância Sanitária do Ministério da Saúde,
publicou a Instrução Normativa No. 9, de 26 de dezembro de 2013, estabelecendo compulsoriedade
dos ensaios das normas ISO 7176 para certificação de cadeiras de rodas, dado que existam
laboratórios acreditados para a realização dos ensaios.
Visando suprir a carência no país de laboratórios voltados a ensaios de cadeiras de rodas,
a Secretaria de Ciência e Tecnologia para a Inclusão Social (SECIS) do Ministério da Ciência,
Tecnologia e Inovação (MCTI) designou o Centro de Tecnologia da Informação Renato Archer
(CTI/MCTI) e o Instituto Nacional de Tecnologia (INT/MCTI) para a realização de ação conjunta
que estruturasse uma rede de laboratórios voltados à certificação cadeiras de rodas, utilizando
infraestruturas e competências já existentes de laboratórios públicos.
Outro encaminhamento foi efetuado pelo INMETRO, Instituto Nacional de Metrologia,
Normalização e Qualidade Industrial do Ministério do Desenvolvimento da Indústria e Comércio
Exterior (MDIC), que estabelecerá a regulamentação para avaliação da conformidade de cadeiras
de rodas, portanto será formada uma comissão de trabalho composta pelas partes interessadas
(fabricantes, certificadoras, laboratórios, governo e INMETRO) para a elaboração dos Requisitos
de Avaliação da Conformidade (RAC) – INMETRO.
3. Certificação
Certificar um produto ou serviço significa comprovar junto ao mercado e aos clientes que a
organização possui um sistema de fabricação controlado, garantindo a confecção de produtos ou
a execução dos serviços de acordo com normas específicas, garantindo sua diferenciação face aos
concorrentes (ABNT). Regulamentação técnica é o meio pelo qual os governos estabelecem os
INMETRO. Programa de análise de produtos: relatório sobre a análise em cadeiras de rodas. Publicado em 2013. Disponível em: http://
www.inmetro.gov.br/consumidor/produtos/cadeira_rodas.pdf
4
BRASIL. Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação. Catálogo Nacional de Produtos de Tecnologia Assistiva. Brasília-DF: MCTI
[Online]. Disponível em: http://assistiva.mct.gov.br. Acesso em julho de 2014.
5
INMETRO, op. cit., nota de rodapé n. 7.
6
Diário Oficial da União, seção 1, pág. 755, publicado em 30/12/2013. [Online]. Disponível em: http://pesquisa.in.gov.br/imprensa/jsp/
visualiza/index.jsp?jornal=1&pagina=755&data=30/12/2013
5
42
requisitos de cumprimento compulsório relacionadas principalmente à saúde, segurança, meio
ambiente, defesa do consumidor e prevenção de práticas enganosas de comércio (INMETRO).
Os produtos são certificados com base em normas de referência, a International Standards
Organization (ISO), e seu braço nacional, a Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT)
coordenam grupos de estudos e comitês que, através de especialistas, publicam normas de
orientação para desenvolvimento e ensaios que padronizam a análise de conformidade de um
produto ou serviço. O CB26 da ABNT é o fórum brasileiro onde as normas ISO 7176 referentes
aos ensaios de cadeiras de rodas estão sendo trabalhadas.
4. Conclusão
O empenho do Governo, em especial da SECIS/MCTI, neste tema tem por objetivo principal
oferecer aos usuários brasileiros um produto de qualidade segundo requisitos internacionais. Em
especial a certificação também permitirá que o Sistema Único de Saúde (SUS/MS), através de seu
sistema de licitações de compra, possa adquirir cadeiras de rodas de qualidade para seus usuários.
Neste contexto espera-se motivar os fabricantes a aumentar a competitividade de seus produtos
através da melhoria da qualidade de seus processos e produtos objetivando a certificação. O
governo estuda mecanismos de incentivo à inovação de produtos de TA, junto aos seus fabricantes,
através do apoio aos projetos de pesquisa e desenvolvimento, estruturação de rede de laboratórios
de ensaios e uso de margem de preferência em compras públicas.
O Programa “Viver Sem Limite” da Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República
apoia o financiamento para o desenvolvimento de produtos de TA para pessoas com deficiência,
mas se deparou com a ausência total de certificação desses produtos. Desse modo, a cadeira de
rodas é o primeiro produto de TA a ser certificado, ao mesmo tempo em que um estudo está
sendo elaborado para definir outros produtos que, oportunamente, serão certificados visando a
melhorar sua qualidade e proteger seus usuários.
Referências
BRASIL. Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação - MCTI. Catálogo Nacional de Produtos
de Tecnologia Assistiva. Brasília-DF: MCTI [Online]. Disponível em: http://assistiva.mct.gov.br.
Acesso em julho de 2014.
IMPRENSA NACIONAL. Diário Oficial da União, seção 1, pág. 755, publicado em 30/12/2013.
[Online]. Disponível em: http://pesquisa.in.gov.br/imprensa/jsp/visualiza/index.jsp?jornal=1&pa
gina=755&data=30/12/2013.
INMETRO. Programa de análise de produtos: relatório sobre a análise em cadeiras de rodas,
2013. Disponível em: http://www.inmetro.gov.br/consumidor/produtos/cadeira_rodas.pdf.
OMS. Organização Mundial da Saúde. Wheelchair Service Training Package. [Online]. Disponível
em: http://www.who.int/disabilities/technology/wheelchairpackage/en/.
SUS. Departamento de Ouvidoria Geral do SUS. Secretaria de Gestão Estratégica e Participativa,
Ministério da Saúde. Relatório da pesquisa sobre o acesso a medicamentos, órteses e próteses
pelos beneficiários do Programa BPC na Escola, 2012. Disponível em: http://bvsms.saude.gov.br/
bvs/publicacoes/relatorio_pesquisa_bpc.pdf.
43
44
Tecnologia assistiva ou tecnologia de reabilitação?
Rita Bersch
Fisioterapeuta, Mestre em Design pela UFRGS e diretora da Assistiva Tecnologia e Educação. Consulte o site: www.assistiva.com.br.
Resumo: Apresenta breve histórico da construção conceitual
do termo “tecnologia assistiva” e busca demonstrar o
que distingue a TA de outras tecnologias que também
podem beneficiar pessoas com deficiência, porém não
são consideradas Tecnologia Assistiva. A importância da
distinção aponta para o estabelecimento de focos de estudo,
organização de serviços e financiamento de pesquisas.
Palavras-chave:
reabilitação.
Tecnologia
Assistiva,
funcionalidade,
1. Introdução
Durante o I Simpósio Internacional de Tecnologia Assistiva do CNRTA1, obtive a incumbência de
apresentar o tema “Tecnologia assistiva ou tecnologia de reabilitação?”, o qual procurarei sintetizar
neste texto, conforme me foi solicitado.
Apresento a construção conceitual de Tecnologia Assistiva conforme foi discutida e apresentada
pelo Comitê de Ajudas Técnicas (CAT) e, por fim, busco mostrar o que distingue a TA de outras
tecnologias que também podem beneficiar pessoas com deficiência, porém não são consideradas
Tecnologia Assistiva.
A importância desta distinção está no estabelecimento de focos de estudo, organização de serviços
e financiamento de pesquisas.
2. Tecnologia Assistiva (TA)
Em novembro de 2006, por meio da portaria nº 142, foi instituído o Comitê de Ajudas Técnicas CAT, já previsto no decreto nº 5.296 de 2004. Ajudas Técnicas era o termo então utilizado para o
que hoje chamamos Tecnologia Assistiva.
O CAT foi originalmente formado por um grupo de especialistas e representantes de vários órgãos
governamentais e ainda hoje permanece vinculado à Secretaria Especial de Direitos Humanos da
O “I Simpósio Internacional de Tecnologia Assistiva” foi organizado pelo Centro Nacional de Referência em Tecnologia Assistiva (CNRTA) e
o Centro de Tecnologia da Informação - CTI Renato Archer, com recursos e apoio do CNPq, entre 03 e 05 de junho de 2014, em Campinas/
SP, auditório do CTI Renato Archer. Saiba mais: http://www.cti.gov.br/cnrta/cnrta-noticias/655-i-simposio-internacional-de-tecnologiaassistiva-do-cnrta. (N. E.)
1
45
Presidência da República. Teve, entre outras atribuições, analisar o referencial conceitual nacional
e internacional e propor um conceito brasileiro de Tecnologia Assistiva, a fim de subsidiar
proposições políticas nas diversas áreas como educação; saúde; ciência, tecnologia e inovação;
trabalho; indústria; cultura; esporte; direitos humanos; desenvolvimento social; cidades e outras.
Na revisão dos marcos legais vigentes no Brasil, o termo “Ajudas Técnicas” encontra-se mencionado
no decreto nº 3.298, de 1999, que diz respeito à “Política Nacional para a Integração da Pessoa
Portadora de Deficiência”.
Neste decreto consta o seguinte:
“Consideram-se ajudas técnicas, para os efeitos deste Decreto, os elementos
que permitem compensar uma ou mais limitações funcionais motoras,
sensoriais ou mentais da pessoa portadora de deficiência, com o objetivo
de permitir-lhe superar as barreiras da comunicação e da mobilidade e de
possibilitar sua plena inclusão social”. (BRASIL, 1999)
Além de conceituar Ajudas Técnicas, o decreto 3.298/99 também apresenta uma breve lista de
itens e de recursos, considerados de direito das pessoas brasileiras com deficiência. Ainda como
referencial legal brasileiro, o decreto 5.296 de 2004 sublinha que:
Para os fins deste Decreto, consideram-se ajudas técnicas os produtos,
instrumentos, equipamentos ou tecnologia adaptados ou especialmente
projetados para melhorar a funcionalidade da pessoa portadora de
deficiência ou com mobilidade reduzida, favorecendo a autonomia
pessoal, total ou assistida. (BRASIL, 2004)
Analisando os dois documentos legais, percebemos que as Ajudas Técnicas, entendidas como
direito, compreendem: o objeto: “produtos e equipamentos”; a finalidade: “compensar limitações
funcionais”, “melhorar funcionalidade”, “possibilitar inclusão”, “melhorar comunicação”, “melhorar
mobilidade”, “favorecer autonomia total ou assistida”; por fim, a quem se destina: “pessoas com
deficiência”.
Na pesquisa ampliada do referencial teórico, o comitê procurou pelas palavras-chave: Tecnologia
Assistiva, Ajudas Técnicas, Tecnologia de Apoio e Ausili, traduzidas nas línguas inglesa, espanhola,
portuguesa e italiana.
Conforme proposto no documento “Empowering Users Through Assistive Technology, EUSTAT”,
elaborado por uma comissão de países da União Europeia, nota-se que foram incorporadas ao
conceito da tecnologia assistiva as várias ações em favor da funcionalidade das pessoas com
deficiência, sobretudo quando afirma:
[...] em primeiro lugar, o termo tecnologia não indica apenas objetos
físicos, como dispositivos ou equipamento, mas antes se refere mais
genericamente a produtos, contextos organizacionais ou modos de agir, que
encerram uma série de princípios e componentes técnicos. (EUROPEAN
COMMISSION - DGXIII, 1998)
Cook e Hussey (1995) buscaram também descrever a Tecnologia Assistiva a partir da compreensão
do que seja a tecnologia. Segundo os autores, o dicionário provê as seguintes definições para
tecnologia: 1) A ciência ou o estudo das artes práticas ou industriais, 2) Ciência aplicada, 3)
Método, processo..., para lidar com um problema técnico específico.
46
Afirmam então Cook e Hussey que “surpreendentemente, nenhuma das definições de tecnologia
citadas fala sobre a tecnologia se restringir a um recurso específico, ao invés disso, as definições
dão ênfase na aplicação do conhecimento. Para os autores este é um conceito importante e nós
devemos usar o termo Tecnologia Assistiva para nos referir a uma ampla gama de recursos,
serviços, estratégias e práticas que são criados e aplicados para melhorar os problemas enfrentados
por indivíduos com deficiência”. (COOK e HUSSEY, 1995)
Já os documentos de legislação nos Estados Unidos apresentam a TA como recursos e serviços
sendo que:
Recursos são todo e qualquer item, equipamento ou parte dele, produto
ou sistema fabricado em série ou sob medida utilizado para aumentar,
manter ou melhorar as capacidades funcionais das pessoas com deficiência.
Serviços são definidos como aqueles que auxiliam diretamente uma pessoa
com deficiência a selecionar, comprar ou usar os recursos acima definidos.
(ADA - American with Disabilities ACT, 1994.)
O Secretariado Nacional para a Reabilitação e Integração das Pessoas com Deficiência (SNRIPD)
de Portugal afirma:
Entende-se por ajudas técnicas qualquer produto, instrumento, estratégia,
serviço e prática utilizada por pessoas com deficiência e pessoas idosas,
especialmente produzido ou geralmente disponível para prevenir,
compensar, aliviar ou neutralizar uma deficiência, incapacidade ou
desvantagem e melhorar a autonomia e a qualidade de vida dos indivíduos.
(CNAT, 2005).
Percebe-se, também na definição do SNRIPD, a ampla abrangência do tema, que extrapola
a concepção de produto e agrega outras atribuições ao conceito de ajudas técnicas, tais como:
estratégias, serviços e práticas que favorecem o desenvolvimento de habilidades de pessoas com
deficiência.
A partir desses e outros referenciais, o CAT considerou que não foi encontrado um consenso ou
a identificação de um conceito único, ou de um termo único para explicar e referir o objeto de
estudo. Os conceitos pesquisados variavam na sua abrangência.
No Brasil, as definições existentes na nossa legislação, que utilizavam a terminologia “ajudas
técnicas,” eram restritas a produtos e equipamentos utilizados por pessoas com deficiência. As
ajudas técnicas estavam muito vinculadas à realidade da reabilitação e à concessão de produtos
como órteses, próteses e recursos de mobilidade por meio do Ministério da Saúde.
O termo “Ajudas Técnicas” não fazia uma referência exclusiva ao objeto de pesquisa, enquanto o
termo “Tecnologia Assistiva” por ser original e já utilizado, especialmente no referencial teórico
produzido por pesquisadores brasileiros, por operadores de serviços, pelo mercado e por setores
governamentais, se consolidava, sendo o mais apropriado.
O Comitê de Ajudas Técnicas/Secretaria Especial dos Direitos Humanos da Presidência da
República (CAT/SEDH), em 14 de dezembro de 2007, aprovou o seguinte conceito de Tecnologia
Assistiva, proposto por seus integrantes:
Tecnologia Assistiva é uma área do conhecimento, de característica
interdisciplinar, que engloba produtos, recursos, metodologias, estratégias,
47
práticas e serviços que objetivam promover a funcionalidade, relacionada
à atividade e participação, de pessoas com deficiência, incapacidades ou
mobilidade reduzida, visando sua autonomia, independência, qualidade
de vida e inclusão social. (BRASIL, 2007).
Identificando que a Tecnologia Assistiva como uma área de conhecimento, o CAT sugeriu também
que o termo seja utilizado sempre no singular e quando desejarmos nos referir a um conjunto de
recursos de TA utilizemos a expressão “recursos assistivos” e não “tecnologias assistivas”.
Em 2008 entrou em vigor para o Brasil a Convenção dos Direitos das Pessoas com Deficiências.
Sendo signatário desta convenção, o Brasil assume o compromisso de, conforme consta no
Artigo 4 das obrigações gerais: “realizar ou promover a pesquisa e o desenvolvimento, bem como
a disponibilidade e o emprego de novas tecnologias, inclusive as tecnologias da informação e
comunicação, ajudas técnicas para locomoção, dispositivos e tecnologia assistiva, adequados a pessoas
com deficiência, dando prioridade a tecnologias de custo acessível.” (BRASIL, 2007)
Identificamos como o novo conceito brasileiro de TA, que se alargou para além de recursos e agora
prevê a inclusão de serviços, metodologias, práticas, estratégias. Prevê, portanto, a aplicação do
conhecimento visando à ampliação de habilidades funcionais e de participação efetiva das pessoas
com deficiência e outras limitações funcionais e nos coloca em consonância com os movimentos
internacionais que defendem os direitos fundamentais das pessoas com deficiência.
3. Tecnologia assistiva ou tecnologia médica e de reabilitação?
Tendo a definição clara de Tecnologia Assistiva não fica difícil distingui-la de outras tecnologias que
também podem beneficiar pessoas com deficiência, como a tecnologia médica ou de reabilitação.
A Tecnologia Assistiva é um recurso do usuário (pessoa com deficiência, idoso, pessoa com
restrição de mobilidade ou outra limitação funcional temporária).
A tecnologia médica e de reabilitação é um recurso do profissional da saúde (médicos, terapeutas,
fisioterapeutas, fonoaudiólogos,...).
A Tecnologia Assistiva auxilia o usuário a realizar uma tarefa pretendida como: mobilidade;
comunicação; acesso à informação; lazer; tarefas do cotidiano como vestir-se, alimentar-se,
praticar um esporte, escrever, etc. A TA qualifica ou promove a realização de atividades de interesse
e proporciona participação dos usuários nos vários contextos sociais.
A tecnologia médica ou de reabilitação ajuda o profissional da saúde no diagnóstico ou na
intervenção terapêutica. Esta tecnologia avalia atividade do corpo e interfere na estrutura do
corpo. São equipamentos que avaliam e melhoram performance física, são medicamentos, são
instrumentos cirúrgicos, são implantes cirúrgicos e outros.
Conforme consta no livro Tecnologia Assistiva, escrito pelo CAT, uma das importantes classificações
de produtos assistivos, a ISO 9999/2007, destaca que estão explicitamente excluídos da norma
específica de produtos assistivos os seguintes itens: medicamentos, produtos e instrumentos
utilizados exclusivamente por profissionais de serviços de saúde, implantes, entre outros.
48
4. Conclusão
Para concluir, é importante ressaltar que a construção conceitual brasileira foi muito importante
para que se pudesse reconhecer a Tecnologia Assistiva como esta área de conhecimento
interdisciplinar.
Na ação interdisciplinar, que envolve projetos de produtos e/ou serviços, os usuários de TA e
os profissionais de distintas áreas compartilham conhecimentos para promover a participação
autônoma da pessoa com deficiência nas mais variadas situações de vida de acordo com seus
interesses e necessidades.
Na ação interdisciplinar, usuário e profissionais formam a equipe: O usuário conhece a realidade
que vive e o problema que deseja ver superado por meio da tecnologia; conhece também suas
habilidades potenciais que já foram experimentadas e poderão ser aproveitadas; conhece os
diferentes contextos onde a tecnologia será inserida, os limites existentes nestes contextos e suas
possibilidades. Os profissionais compartilham seus conhecimentos buscando a solução do problema
apresentado: engenharia, design, arquitetura, fisioterapia, terapia ocupacional, fonoaudiologia,
educação. Em interação, poderão propor soluções, experimentar, avaliar resultados, ajustar,
ensinar e aprender a utilizar a solução assistiva, implementar.
Referências
ASSISTIVE TECHNOLOGY ACT (P.L. 105-394, S.2432, 1998). Disponível em: www.section508.
gov/docs/AT1998.html#3. Acesso em: 15/08/2014.
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Direitos Humanos da Presidência da República. Coordenadoria Nacional para Integração da
Pessoa Portadora de Deficiência. Brasília, 2007.
BRASIL. Decreto nº 3.298, de 20 de dezembro de 1999. Disponível em: www.planalto.gov.br/
ccivil_03/decreto/D3298.htm. Acesso em: 15/08/2014.
BRASIL. Decreto nº 5.296, de 02 de dezembro de 2004. Disponível em: www.planalto.gov.br/
ccivil_03/_Ato2004-2006/2004/Decreto/D5296.htm. Acesso em: 15/08/2014.
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Assistiva. Brasília: CORDE, 2009. Disponível em http://www.pessoacomdeficiencia.gov.br/app/
sites/default/files/publicacoes/livro-tecnologia-assistiva.pdf. Acesso em: 15/08/2014.
CNAT. Catálogo Nacional de Ajudas Técnicas, Secretariado Nacional para a Reabilitação e
Integração das Pessoas com Deficiência (SNRIPC), 2005. Disponível em: www.ajudastecnicas.gov.
pt/about.jsp
COOK, A.; HUSSEY, S. Assistive Technologies: Principles and Practice. Missouri-USA: Mosby Year Book, 1995.
EUSTAT CONSORTIUM. Assistive Technology Education for End-Users - EUROPEAN
COMMISSION - DGXIII, 1999. Disponível em: www.siva.it/research/eustat/deliver0-4-3_
summary.html. Acesso em: 15/08/2014.
49
50
Acessibilidade nos transportes: apresentação de um estudo realizado no
transporte aéreo brasileiro.
Talita Naiara Rossi da Silva
Autor de correspondência: [email protected]
Nilton Luiz Menegon
Larissa Gomes Lunardon
Jerusa Barbosa Guarda de Souza
Julia Pierre Figueiredo
Resumo: Apesar do significativo crescimento do transporte
aéreo mundial e dos avanços no reconhecimento dos direitos
das pessoas com deficiência e dos idosos, estudos indicam
que há uma lacuna entre as necessidades dos passageiros e
as facilidades e serviços oferecidos pelas companhias aéreas,
aeronaves e aeroportos, dificultando a participação no uso do
modal aéreo. Nesta perspectiva, o presente estudo apresenta
um Projeto que está sendo desenvolvido no transporte aéreo
brasileiro, intitulado Projeto Cabine Universal. Seguindo
a premissa da Ergonomia da Atividade, a qual preconiza
o envolvimento dos sujeitos nos processos de análise, a
coleta de dados baseou-se em entrevistas, pesquisa survey
e observações em situações reais no transporte aéreo. Os
resultados preliminares indicam que os passageiros encontram
dificuldades em todas as etapas das viagens aéreas, as quais
relacionam-se a infraestrutura aeroportuária, operação e
cabines de aeronaves e, que se faz necessário a participação de
diferentes atores sociais para transformação das condições de
acessibilidade de modo continuado e integrado.
Palavras-chave: acessibilidade, transporte aéreo, passageiros
com deficiência, passageiros idosos, passageiros obesos.
1. Introdução
De acordo com a Constituição Federal de 1988 todos somos iguais perante a lei e temos a liberdade
de ir e vir em todo o território nacional (BRASIL, 2013). O acesso a este, como também aos direitos
sociais representados pela educação, o trabalho, o lazer e a saúde, é em parte assegurado pelo
acesso ao transporte.
Além disso, a Organização das Nações Unidas reafirma a “universalidade, a indivisibilidade, a
interdependência e a inter-relação de todos os direitos humanos e liberdades fundamentais, bem
como a necessidade de garantir que todas as pessoas com deficiência os exerçam plenamente, sem
discriminação” (BRASIL, 2009).
51
Vale lembrar que, de acordo com a Classificação Internacional de Funcionalidade, Incapacidade
e Saúde (CIF) da Organização Mundial da Saúde, a participação ou a restrição nas atividades às
pessoas com deficiência não é determinada unicamente pela existência de uma deficiência, mas
sim pela interação complexa, dinâmica e multidimensional da pessoa com deficiência e os fatores
contextuais, que incluem tanto os fatores ambientais quanto sociais (OMS, 2001).
No entanto, apesar dos direitos das pessoas com deficiência serem reconhecidos mundialmente,
na realidade observa-se que a participação destas pessoas nos contextos sociais é restringida por
inúmeras barreiras e muito ainda precisa ser melhorado no contexto dos transportes.
De acordo com Chang e Chen (2012a) no transporte aéreo há lacunas entre as necessidades dos
passageiros com deficiência e as facilidades e os serviços disponibilizados pelas companhias
aéreas, aeronaves e aeroportos. Yau et al (2004) ressaltam que viajar em contextos primariamente
desenvolvidos para pessoas sem deficiência impõem desafios únicos às pessoas com deficiência.
Chang, Chen (2012a), Darcy (2012) e Poria et al (2010) destacam que as pessoas com deficiência
encontram barreiras físicas e atitudinais em todas as fases da viagem, iniciando-se no planejamento
da viagem, até o desembarque no aeroporto de destino, incluindo o voo.
Nos aeroportos, por exemplo, os estudos salientam dificuldades como acesso às rampas, altura dos
balcões de check-in, atitudes dos atendentes em relação aos passageiros com deficiência, aguardar
em filas (CHANG, CHEN, 2012a) e falta de informações precisas (PORIA et al., 2010).
Na aeronave, de modo geral, as dificuldades relacionam-se a inacessibilidade do toalete, espaços
restritos para deslocamento e acomodação, localização dos assentos reservados para passageiros
que tem prioridade dentro da aeronave, falta de cadeira de bordo, atitudes dos atendentes (DARCY,
2012; PORIA et al., 2010; CHANG, CHEN, 2012a) e desconhecimento da linguagem de sinais
pelos comissários de bordo (FREEMAN, SELMI, 2010).
O embarque e o desembarque também representam etapas da viagem caracterizadas por
constrangimentos e desconfortos associados principalmente a falta de pontes de embarque ou
outros equipamentos de auxílio à elevação (ambulift) e falta de apoios de braços móveis nos
assentos da aeronave, dificultando o processo de transferência (PORIA et al., 2010; DARCY, 2012).
Para Wolfe, Suen (2007), Wolfe (2003) e Chang, Chen (2012b) os passageiros idosos também
enfrentam dificuldades em todas as fases da viagem aérea, das quais destacam-se a localização e
deslocamento nos terminais, distâncias percorridas, esperas e falta de condições adequadas para
embarque e desembarque.
Da mesma forma, os passageiros obesos, considerados como aqueles que têm Índice de Massa
Corporal (relação entre o peso e a altura ao quadrado) igual ou maior que 30, também encontram
dificuldades em todas as fases da viagem. Conforme estudo realizado por Veldhuis e Holt
(2013) os três principais problemas encontrados pelos passageiros obesos são i) a compra e
reserva de assentos, principalmente, em decorrência da falta de informação quanto às políticas
das companhias aéreas dedicadas aos passageiros obesos; ii) aspectos da aeronave, tais como, a
largura dos assentos, cintos de segurança, largura dos corredores, toaletes e mesas de bordo e; iii)
deslocamento no aeroporto, embarque e desembarque.
Considerando os estudos apresentados verifica-se que são inúmeras as questões que oferecem
barreiras às viagens de pessoas com deficiência, idosas ou obesas. No entanto, não foram
encontrados estudos realizados no Brasil, como também há limitações em relação aos participantes
52
envolvidos nos estudos citados, uma vez que a maioria dedica-se a estudar passageiros com
deficiência física ou visual, ou passageiros idosos ou obesos, além disso, alguns grupos não são
considerados nos estudos, por exemplo, não há estudos sobre as experiências das pessoas com
nanismo no transporte aéreo.
Diante do exposto, o presente trabalho apresentado no I Simpósio Internacional de Tecnologia
Assistiva do Centro Nacional de Referência em Tecnologia Assisitiva tem como objetivo apresentar
um Projeto que está sendo desenvolvido no transporte aéreo brasileiro, o Projeto Cabine Universal:
Compreendendo as necessidades especiais de usuários do transporte aéreo.
2. Passageiros com necessidade de assistência especial no transporte aéreo brasileiro
O Projeto Cabine Universal está sendo desenvolvido por meio de uma parceria entre o Laboratório
de Ergonomia, Simulação e Projeto de Situações Produtivas da Universidade Federal de São Carlos
(PSPLab/DEP/UFSCar) e a Empresa Brasileira de Aeronáutica. Este projeto tem como objetivo
o estudo e prospecção das demandas dos passageiros com deficiência e dos passageiros com
mobilidade reduzida, como base para o desenvolvimento de soluções para cabines de aeronaves
que atendam esse público.
Assim sendo, no presente estudo foram incluídas as pessoas com deficiência, física, auditiva e
visual, conforme definições do Decreto n.5296 (BRASIL, 2004), portanto, incluindo as pessoas
com nanismo entre àquelas com deficiência física, e ainda as pessoas idosas e pessoas obesas.
A abordagem teórico-metodológica utilizada no projeto tem sua origem na Ergonomia da
Atividade, disciplina que estuda a interação entre os homens e os sistemas, visando melhorar
condições de conforto, segurança, saúde e desempenho, e que se aplica tanto à análise de situações
de trabalho como ao desenvolvimento de produtos. Como principais pressupostos desta disciplina
destacam-se o envolvimento dos sujeitos e a análise em situações reais (GUÉRIN et al., 2001).
Nesta mesma perspectiva, no campo da Tecnologia Assistiva, enfatiza-se a importância do
envolvimento dos futuros usuários dos produtos ou serviços a serem desenvolvidos (GARCÍA;
GALVÃO, 2012), no sentido de “nada para nós, sem nós”.
A pesquisa de campo baseou-se em quatro etapas: entrevistas preliminares, pesquisa survey e
observações sistemáticas na aviação comercial e em outros contextos.
As entrevistas preliminares foram realizadas com associações e centros de referência que prestam
serviços diversos às pessoas com deficiência, idosas ou obesas, órgãos públicos federais e estaduais,
fabricantes e observatório de tecnologia assistiva e usuários do transporte aéreo, totalizando 25
entrevistas, para compreender as perspectivas de diferentes atores quanto ao transporte aéreo e os
passageiros alvos do estudo.
A pesquisa survey, foi aplicada em diferentes contextos de coleta, como Site Web1 , Feira Reatech,
Aeroportos, Voos e Competições Paraolímpicas, com objetivo de compreender as dificuldades e
estratégias utilizadas pelos passageiros nas viagens aéreas, bem como identificar quais os fatores
1
Disponível em: http://www.cabineuniversal.dep.ufscar.br
53
Gráfico 1. Participantes
que geram satisfação no uso deste transporte e, levantar sugestões.
Tal pesquisa foi respondida por 476 pessoas, dentre estas, 20 são acompanhantes, 57 demonstraram
interesse no estudo, mas não se enquadram no público alvo, e 399 se enquadram entre os grupos
em estudo, os quais são apresentados no Gráfico 1.
Entre os grupos estudados, tem maior participação as pessoas com deficiência física, que totalizam
47% dos participantes, incluindo aqueles que fazem uso ou não de cadeiras de rodas e pessoas
com nanismo. No entanto, também participaram do estudo pessoas com outros tipos deficiências,
idosos e obesos.
As observações sistemáticas na aviação comercial foram realizadas desde o check-in até o
desembarque com objetivo de compreender a lógica interna das atividades ao longo da viagem e
os principais fatores determinantes da ação dos passageiros em situação real. Foram 07 passageiros
observados, dentre estes, passageiros com deficiência física, com deficiência visual, idosos e obesos,
em diferentes trechos de viagens no Brasil.
Por fim, foram realizadas 11 observações em contextos diversos, incluindo museus, centro
cultural, transporte urbano, metrô, hotéis, locais turísticos e, o acompanhamento da rotina de 5
participantes. O objetivo de tais observações foi identificar facilitadores das atividades e recursos
que possam servir como ideias de solução para as questões identificadas no transporte aéreo.
3. Considerações finais
O estudo está em fase de conclusão e espera-se que os resultados detalhados sejam divulgados
em breve. Para o momento é possível destacar que assim como nos estudos internacionais
apresentados, no Brasil os passageiros também encontram dificuldades em todas as etapas das
viagens aéreas, o que envolve tanto questões de infraestrutura dos aeroportos, quanto fatores
operacionais e outros ligados às aeronaves. A fala de um participante do estudo apresentada a
seguir ilustra a transversalidade das dificuldades enfrentadas pelos passageiros e que influenciam
negativamente as experiências de viagem:
Não é toda viagem que é ruim, nem todas foram catastróficas. Quando
tem finger, a cadeira está inteira, não perguntaram se ando um pouquinho,
está tudo bem.
Além disso, a necessidade e o desejo de viajar dos passageiros que participaram do estudo
54
transparecem no empenho de todos em contribuir para a melhoria do transporte compartilhando
suas experiências pessoais de viagem.
As observações no transporte aéreo como também em outros transportes evidenciam o quanto são
necessários estudos e ações para transformação das condições de acessibilidade, numa perspectiva
continuada e integrada. Como exemplo, podemos citar a dificuldade para um passageiro chegar ao
terminal aeroportuário utilizando um transporte público, pois, se a estação de metrô ou o terminal
de ônibus é acessível, chegar até estas pelas calçadas dos grandes centros urbanos não é uma tarefa
fácil. Ou mesmo quando utiliza o transporte pessoal, as vagas para pessoas com deficiência ou
idosos reservadas nos estacionamentos dos aeroportos estão comumente ocupadas por pessoas
que não tem direito de utilizá-las.
Assim, verifica-se que a acessibilidade dos ambientes físicos só se concretiza quando integrada as
atitudes das pessoas e, o contrário também é válido, uma vez que não basta a generosidade das
pessoas para ajudar uns aos outros diante das barreiras dos ambientes físicos.
Obviamente que existem iniciativas para melhorar a acessibilidade nos transportes, mas cada
etapa é um novo desafio, o passageiro nunca sabe em que condições conseguirá realizar a etapa
seguinte, uma vez que observa-se ações ainda pontuais. Mesmo quando o atendimento é adequado
no check-in, longas distâncias são percorridas nos aeroportos ou não há ponte de embarque para
acesso a aeronave. Nesta a cadeira de bordo, quando disponível, não entra na toalete e os apoios de
braços nos assentos preferenciais não são móveis.
É importante que a acessibilidade nos transportes se concretize de modo a garantir a independência
e segurança de seus usuários em todas as fases da viagem, para isso, fabricantes, operadores e
órgãos regulamentadores precisam trabalhar conjuntamente com os usuários, discutindo questões
de acesso, deslocamento, orientação, comunicação e uso.
Referências
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47 p. Disponível em http://www.senado.gov.br/legislacao/const/con1988/con1988_05.10.1988/
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BRASIL. PRESIDÊNCIA DA REPÚBLICA. Casa Civil. Decreto n. 5296, de 02 de dezembro de
2004. Dispõe sobre as Leis nº 10.048, de 8 de novembro de 2000, e nº 10.098, de 19 de dezembro de
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55
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56
Tecnologia Assistiva e as ações concretas do Ministério Público do Trabalho
Claudia Regina Lovato Franco
Procuradora-chefe do Ministério Público do Trabalho em São Paulo. Especialista em Direito do Trabalho pela Pontifícia Universidade Católica
(PUC), de São Paulo. E-mail: [email protected].
Resumo: Aborda a relevância da destinação de recursos
decorrentes da atuação do Ministério Público do Trabalho,
seja em acordos extrajudiciais ou por força de condenações
judiciais, para a reparação do bem jurídico, notadamente nas
situações em que os valores são revertidos equipamentos de
tecnologia assistiva, ampliando a acessibilidade ao mercado
de trabalho e a resultando em melhoria da qualidade de vida.
Palavras-chave:
reabilitação.
Tecnologia
Assistiva,
funcionalidade,
1. Contextualizando a temática
O presente trabalho pretende trazer à discussão os benefícios das reversões dos valores de multas
impostas em TACs – Termos de Compromisso de Ajuste de Conduta ou em condenações judiciais,
em ações civis coletivas, para a reparação direta do bem jurídico lesado, através de entrega direta a
pessoas que necessitam de tecnologia assistiva para praticarem atividades do cotidiano, mormente
as diretamente ligadas ao exercício de atividade laboral.
Aparentemente a discussão seria inócua, uma vez que o benefício da reparação direta é
absolutamente de clara compreensão. Todavia, é certo que tem sido comum, no âmbito de atuação
dos membros do Ministério Público do Trabalho doação de valores, de bens oriundos de multas
ou condenações em ações civis públicas, diretamente a entidades públicas, mas a pergunta que fica
é se o Ministério Público tem essa discricionariedade?
Para que se possa refletir sobre tal tema, premente abordar alguns institutos jurídicos de base,
como exemplo, o valor social do trabalho, insculpido no inciso IV do art. 1° da Constituição
Federal da República, que enuncia um dos princípios basilares do ser humano, a dignidade da
pessoa humana.
2. Breves considerações sobre Tecnologia Assistiva
Na legislação utiliza-se a expressão “Ajudas Técnicas” nos Decretos n. 3298, de 1999 e n. 5296,
de 2004. O Decreto n. 3298/1999, em seu artigo 19, define ajudas técnicas, como os elementos
que permitem compensar uma ou mais limitações funcionais motoras, sensoriais ou mentais da
pessoa com deficiência, com o objetivo de superar as barreiras de comunicação e da mobilidade e
de possibilitar sua plena inclusão social (CEDIPOD, 2007). Já o Decreto n. 5296/2004 estabelece
normas gerais e critérios básicos para a promoção da acessibilidade das pessoas com deficiência
ou com mobilidade reduzida, utilizando a seguinte definição, em seu artigo 61, a saber: “...
consideram-se ajudas técnicas os produtos, instrumentos, equipamentos ou tecnologia adaptados
57
ou especialmente projetados para melhorar a funcionalidade da pessoa portadora de deficiência
ou com mobilidade reduzida, favorecendo a autonomia pessoal, total ou assistida”.
Conforme ressalta GALVÃO FILHO1, houve muita discussão teórica a respeito da tradução do
termo assistive technology para o português e, somente após diversos debates sobre a nomenclatura,
pacificou-se consenso sobre a utilização da expressão “tecnologia assistiva”. O conceito de
tecnologia assistiva foi aprovado, por maioria, pelo Comitê de Ajudas Técnicas na VII Reunião,
de dezembro de 2007, onde Tecnologia Assistiva é uma área do conhecimento, de característica
interdisciplinar, que engloba produtos, recursos, metodologias, estratégias, práticas e serviços
que objetivam promover a funcionalidade, relacionada à atividade e participação de pessoas
com deficiência, incapacidades ou mobilidade reduzida, visando sua autonomia, independência,
qualidade de vida e inclusão social”. (GALVÃO FILHO et al., 2009: 26).
Nessa toada, com nomenclatura e conceito tomados por referência, passa-se agora para a análise
do tema no contexto jurídico e com enfoque na atuação do Ministério Público do Trabalho.
3. A dignidade humana do trabalhador: acesso ao trabalho e valor social do trabalho
Conforme dados IBGE, extraídos do CENSO/2010, existem aproximadamente 46 milhões de
pessoas com deficiência no Brasil, correspondendo a 24 % da população. Como já ressaltado, em
palestra proferida por ocasião do I Simpósio Internacional de Tecnologia Assistiva, é histórica a
exclusão da pessoa com deficiência no mercado de trabalho. Quando se trata de oportunidade
de trabalho às pessoas com deficiência, além da vocação profissional, outra questão refere-se à
compatibilidade da deficiência com determinadas atividades. Some-se a isso o preconceito que
muitos empregadores ainda têm quanto à atuação desses profissionais, de maneira que se pode
explicar em certa medida a existência de considerável número de trabalhadores fora do mercado
por causa dessa condição.
Pois bem, o Ministério Público do Trabalho, MPT, nos termos do art. 127, da CF, e do art. 83, da
LC 75/93, dentro de suas atribuições lá disciplinadas, atua para garantir e promover os direitos
sociais dos trabalhadores e, no contexto desse artigo, busca a inclusão da pessoa com deficiência
ou reabilitada no mercado de trabalho.
Consoante bem coloca Coelho de Almeida2 , “infere-se do art. 1º da Constituição Federal
da República de 1988, a dignidade da pessoal humana e o valor social do trabalho como
fundamentos da construção da sociedade brasileira, inserida no Estado Democrático de Direito.
Nessa medida, o trabalho é concebido como instrumento de realização e efetivação da justiça
social, assim, distribuindo renda“. Destarte, o MPT vem diagnosticando pontos que podem sofrer
uma intervenção positiva, a promover ações de apoio às pessoas que necessitam de Reabilitação
Profissional ou Funcional, para ingressar ou reingressar no mercado de trabalho, como meio de
reafirmar o princípio do valor social do trabalho.
Para muitos, o acesso à tecnologia assistiva, a qual não consegue atender com a presteza necessária
à demanda de todos os que dela precisam, restringe-se muita vez aos recursos disponíveis no
GALVÃO FILHO, T. A. et al. Conceituação e estudo de normas. In: BRASIL. Secretaria Especial dos Direitos Humanos. Tecnologia Assistiva. Brasília: CAT/SEDH/PR, 2009, p. 13-39. Disponível em: http://www.pessoacomdeficiencia.gov.br/app/sites/default/files. Acesso em: 14/07/14.
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COELHO DE ALMEIDA, D. Os princípios constitucionais da valorização do trabalho e da dignidade da pessoa humana relacionados ao inciso
I do art. 114, da Constituição Federal de 1988. Disponível em www.ambitojurídico.com.br/site/index.php?in_link=revista_artigos_
leitura&artigo_id6227. Acesso em: 14/07/2014..
1
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Sistema Único de Saúde. Nesse cenário, a orientação de se viabilizar a concessão de mais recursos
de tecnologia assistiva às pessoas com deficiência e mobilidade reduzida, pode auxiliar com
mais presteza na contribuição para uma real construção de um futuro com mais acessibilidade,
oportunidade de emprego e qualidade de vida para todos. Luta-se pela efetiva devolução aos
trabalhadores de direito humano, o mais comezinho, a dignidade da pessoa humana do trabalhador,
através da sua inserção ou mesmo reinserção no trabalho.
4. O Ministério Público do Trabalho: a participação efetiva na construção da cidadania do
trabalhador - A multa e a indenização por infração a dano moral coletivo
O MPT participa diuturnamente da construção de um futuro inclusivo dessas pessoas, por meio
das reversões de multas, de TAC’s ou condenações de multas de ACP’s, para atendimento direto
da coletividade beneficiária de sua atuação. Destaca-se aqui que a maior parte das verbas, que
resultam em doações pelo MPT, é oriunda de condenações das empresas em indenizações por
dano moral coletivo, as quais correspondem ao reparo à lesão na esfera moral da coletividade dos
trabalhadores lesados. Quando se fala em dano moral coletivo, está-se fazendo menção ao fato de
que o patrimônio valorativo de uma certa comunidade, idealmente considerada, foi agredido de
maneira absolutamente injustificável.
O dano moral tem previsão constitucional (artigo 5º, V e X) e por ser uma das facetas da proteção à
dignidade da pessoa humana (artigo 1º, III, da CF) adquire caráter publicista e interessa à sociedade
como um todo. Logo, se o dano moral atinge a própria coletividade, é justo e razoável que o Direito
admita a reparação decorrente desses interesses coletivos. Exemplifica-se, o descumprimento, por
parte das empresas, da obrigação legal de contratar a cota mínima de pessoas com deficiência,
segundo o previsto no art. 93, da Lei 8.213/91, pode configurar dano moral coletivo, de modo
que não sendo respeitada a reserva, configura-se dano moral coletivo de trabalhadores atuais ou
potencialmente atingidos.
Ademais, o escopo da tutela ressarcitória buscada em sede de ação civil pública ou decorrente do
descumprimento de Termos de Ajuste de Conduta não é meramente arrecadatório de receitas
públicas derivadas, nem se trata de verba orçamentariamente vinculada. Assume, nesse contexto,
múltiplos enfoques de caráter pedagógico, sancionatório e reparatório da coletividade lesada.
Existe a previsão do art. 13 da Lei n. 7.347/85 (LACP) quanto à destinação de indenização desse
jaez, decorrente de ação civil pública, a fundos destinados à reconstituição do bem jurídico lesado.
Interpretando-o teleologicamente, a noção de reconstituição de bem jurídico lesado avulta sobre
o aspecto formal de que tal reparação seja intermediada por um fundo. Ocorre, todavia, que não
há um fundo axiologicamente afeto ao Direito do Trabalho e vocacionado para a reconstituição
do bem jurídico trabalhista lesado. É corrente que, diante da falta de um fundo específico, utilizese subsidiariamente do FAT – Fundo de Amparo do Trabalhador, que é um fundo contábil,
criado pela Lei n. 7.998, de 11 de janeiro de 1990, de natureza financeira, o qual foi instituído
e destinado ao custeio do Programa de Seguro-Desemprego, ao pagamento do abono salarial
e ao financiamento de programas de educação profissional e tecnológica e de desenvolvimento
econômico, diretamente vinculado ao Ministério do Trabalho e Emprego.
Todavia, diante desse quadro em que não há um fundo especial para utilização e a dificuldade
que emerge da dispersabilidade do dano moral coletivo trabalhista, cuja reparação ser dificultada,
permitem entrever inúmeras situações que revelam acertada a recomposição da coletividade
trabalhista moralmente lesada por meio da destinação de bens e valores diretamente a
associações de utilidade pública ou a entidades que, direta ou indiretamente, tutelam interesses
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de trabalhadores, crianças, adolescentes e pessoas com necessidades especiais na condição de
potenciais trabalhadores.
A Constituição Federal, além do mais, confiou ao membro do Ministério Público a defesa do
interesse público primário, outorgando ao seu fundado juízo a análise de oportunidade e
conveniência, para adotar as melhores medidas destinadas à consecução de tal mister. Extrai-se
daí a possibilidade do Procurador oficiante do inquérito ou da ação civil pública, utilizar-se com
discricionariedade e observando-se, necessariamente, os princípios da Administração Pública,
quais sejam, da legalidade, da impessoalidade, da moralidade, da publicidade e da eficiência,
insculpidos na Constituição Federal de 1988, art. 37, caput, abrir a instituições a possiblidade de
compor o bem lesado.
Nessa medida, o MPT/SP, em 2012, publicou uma Portaria dispondo do procedimento para
formação do cadastro de entidades que podem receber a destinação de bens e valores decorrentes
da atuação da PRT-2. Ressalte-se que, a inscrição do interessado, em tal cadastro, não gera direito
subjetivo ao recebimento de bens ou valores decorrentes da atuação do Ministério Público do
Trabalho, possuindo natureza meramente indicativa. Caso o Procurador do Trabalho, oficiante
no processo judicial ou procedimento administrativo que origine tais valores, repute socialmente
mais eficaz a destinação de bens ou valores a outras finalidades de interesse público ou a outras
entidades que não as constantes do cadastro, terá a liberdade de fazê-lo, observados igualmente os
princípios da legalidade, da moralidade, da impessoalidade, da publicidade e da eficiência.
E é justamente nesse cenário que despontam as possibilidades de, especialmente na destinação de
multas e indenizações decorrentes de danos causados à coletividade de pessoas com deficiência,
destinação de bens relacionados à tecnologia assistiva às pessoas que deles necessitem.
5. Conclusão
De todo o exposto, pode-se concluir, na medida em que não há um fundo específico para que
sejam depositados os valores oriundos de multas por descumprimento de Termo de Compromisso
de Ajustamento de Conduta ou de condenações judiciais de reparação de dano moral coletivo de
trabalhadores, o MPT, amparado na discricionariedade e atentando-se aos princípios da legalidade,
impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência, pode reverter os valores em doações de
bens a entidades sociais públicas relacionadas direta ou indiretamente com a reparação buscada.
Nesse cenário, destaca-se como exemplo mais evidente e não menos gratificante a possibilidade
de reverter recursos para ofertar tecnologia assistiva às pessoas com deficiência e mobilidade
reduzida, com vistas a contribuir para melhorar a acessibilidade, para aumentar oportunidade de
emprego e conferir mais qualidade de vida para todos.
Referências
COELHO DE ALMEIDA, D. Os princípios constitucionais da valorização do trabalho e da
dignidade da pessoa humana relacionados ao inciso I do art. 114, da Constituição Federal
de 1988. Disponível em www.ambitojurídico.com.br/site/index.php?in_link=revista_artigos_
leitura&artigo_id6227. Acesso em: 14/07/2014.
GALVÃO FILHO, T. A. et al. Conceituação e estudo de normas. In: BRASIL. Secretaria Especial
dos Direitos Humanos. Tecnologia Assistiva. Brasília: CAT/SEDH/PR, 2009, p. 13-39. Disponível
em: http://www.pessoacomdeficiencia.gov.br/app/sites/default/files. Acesso em: 14/07/2014.
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O implante coclear como tecnologia assistiva: o que é que eu consigo escutar?
Anahi Guedes de Mello
Antropóloga, doutoranda do Programa de Pós-Graduação em Antropologia Social da Universidade Federal de Santa Catarina (PPGAS/UFSC).
Pesquisadora vinculada ao Núcleo de Identidades de Gênero e Subjetividades (NIGS/UFSC) e ao Núcleo de Estudos sobre Deficiência (NED/UFSC)
Resumo: Este trabalho parte de um conjunto de reflexões, de
caráter individual e baseadas na fenomenologia da percepção
de Merleau-Ponty, de uma pessoa adulta surda peri-lingual, a
qual foi submetida a uma intervenção cirúrgica de implante
coclear em janeiro de 2003. O objetivo é contribuir para
preencher algumas das lacunas, observadas pela autora,
existentes nas áreas de reabilitação e linguagem de pessoas
adultas surdas profundas submetidas à cirurgia de implante
coclear. Os relatos que estão incorporados neste texto
correspondem ao processo de reabilitação auditiva da própria
autora, que foi submetida a diversas terapias.
Palavras-chave: implante coclear, reabilitação auditiva,
fenomenologia da percepção auditiva.
Numa conversa com Wagner, Rossini teria dito, segundo testemunha
que a registrou: ‘Mas quem, numa orquestra desenfreada, seria capaz de
precisar a diferença entre a descrição de uma tempestade, de um motim
ou de um incêndio? (...) É tudo convenção!’. É preciso reconhecer que o
ouvinte desavisado não poderia dizer que se trata do mar na peça de
Debussy, ou na abertura de O Navio-Fantasma; é preciso de um título.
Mas, assim que se conhece o título, vê-se o mar ao escutar La Mer (o
mar) de Debussy, e sente-se o cheiro dele escutando O Navio-Fantasma.
(Claude Lévi-Strauss)
1. Introdução
O implante coclear é uma opção clínico-terapêutica para crianças e adultos com surdez severa ou
profunda. Existem diferentes marcas de implante coclear disponíveis no mercado e cada marca tem
diferentes modelos. No presente trabalho, considerar-se-á o implante coclear da marca australiana
Cochlear, modelo Nucleus 5. De modo geral, o implante coclear é uma prótese computadorizada
composta de dois dispositivos: o implante propriamente dito, que é colocado cirurgicamente na
cabeça, e o processador de fala, que é uma espécie de sintetizador de som e fica na parte externa,
atrás da orelha. Ambos os dispositivos fazem contato entre si por meio de um imã. Em síntese, seu
funcionamento se dá da seguinte maneira: um microfone contido na parte externa do implante
capta os sons e os envia para o chip de computador contido no processador de fala que, por sua
61
vez, decodifica os sons em informações digitais. Estes sinais decodificados são enviados a um chip
receptor/transmissor, que fica na parte interna do implante, via indução magnética através de um
imã externo. O receptor/transmissor envia os sinais diretamente para uma série de eletrodos de
platina que estão enrolados na cóclea. Os eletrodos dentro da cóclea estimulam eletricamente o
nervo auditivo e transmitem a sensação de som do nervo auditivo ao centro cerebral da audição,
o que implica num mecanismo inteiramente novo de audição.
A performance na fala e audição após a ativação do implante coclear varia de pessoa para pessoa.
Esta variabilidade em qualidade e quantidade de linguagem é mais aparente entre usuários com
surdez pré-lingual (FUKUSHIMA et al., 2001). Os surdos adultos pré-linguais praticamente não
têm nenhuma memória auditiva principalmente de sons agudos, além de que também pesa o fator
tempo de surdez severa ou profunda, porque quanto maior o tempo de surdez maior será o esforço
que o surdo precisará fazer para que o cérebro interprete e reconheça tudo o que está ouvindo, já
que os sons para ele só existiram por muito tempo como “experiências visuais”.
Explicando melhor: surdo de nascença ou que ficou surdo muito cedo, aquilo que ele nunca ouviu
não pode fazer parte da constituição de sua mente. Não existe para ele. Vamos imaginar que ele
tem surdez profunda e com resíduos nos graves, o que significa que ele só ouve sons na faixa das
baixas frequências. Se ele ouviu a frase “Pirassurunga é uma cidade de sucesso”, ele só vai ouvir
“P_ra__runga é uma _idade de _u_e__o”. Ou seja, ele só ouve as sílabas formadas por frequências
graves e perde os agudos. É por isso que grande parte dos surdos afirma que “ouvem, mas não
entendem”. Ele sabe que alguém está falando algo, mas como as frases ficam incompletas para ele,
não entende. Se esse surdo tiver habilidade em leitura orofacial, então ele vai completar a frase não
com sons, mas sim com a articulação da verbalização do interlocutor que ele vê, isto é, por meio
da leitura orofacial.
Mas o que acontece a esse surdo quando ele se submete a uma cirurgia de implante coclear? Se
esse surdo, adulto e usuário de implante coclear, um dia já foi capaz de ouvir altas frequências, por
exemplo, os “s”, os “f ” e os “z”, neste caso ele lançará mão daquilo que chamamos de “memória
auditiva”. Esse é o surdo implantado pós-lingual. Se ele nasceu surdo ou ficou surdo muito cedo,
então ele nunca ouviu ou não se lembra de ter ouvido sons, o que, citando Oliver Sacks (2002),
quando ele é submetido ao implante coclear significa que:
O som para eles [surdos de nascença, ou de tenra infância] não produz,
a princípio, qualquer associação ou significado - por isso, sentem-se, ao
menos de início, num mundo de caos auditivo, ou agnosia1 . Mas além
desses problemas cognitivos existem também problemas de identidade; em
certo sentido, essas pessoas precisam morrer como surdos para renascer
como quem ouve. (SACKS, 2002: 155)
Assim, esse surdo usuário de implante coclear, com muito tempo de surdez, antes nunca
“completou” nada com sons, sempre se valeu somente da leitura orofacial e/ou da língua de sinais
para sua comunicação com o outro. Esse é o surdo implantado pré-lingual ou peri-lingual.
É a incapacidade de elaborar ou configurar as sensações obtidas através dos órgãos correspondentes dos sentidos para chegar a formar um
conceito daquilo que foi percebido. Portanto é um distúrbio de identificação de objetos no qual é possível descrevê-lo mas não identificálo. Pode ser parcial (só refere a uma esfera sensorial) ou total. A percepção de um objeto envolve uma identificação primária (obtida pela
qualidade sensorial percebida, como a visão do objeto) e uma identificação secundária (recordação das demais características sensoriais de
tal objeto). No caso dos surdos adultos pré ou peri-linguais submetidos ao implante coclear, chama-se agnosia auditiva ou surdez psíquica.
1
62
O surdo implantado, a partir do momento da ativação do seu implante coclear, passa então a ter
seu córtex cerebral auditivo estimulado por meio de exercícios auditivos intensos e constantes, até
fazê-lo reconhecer qualquer som, isto é, até que seu cérebro passe a atribuir significado aos sons.
Em outras palavras, para reeducar o ouvido implantado é necessário também reeducar o cérebro
ensinando-o a ouvir.
Dadas as considerações acima, podemos falar agora da necessidade de um surdo implantado
adulto pré ou peri-lingual em se fazer valer da audição por meio de associações com o visual.
Por exemplo, pode-se escutar o mar sem se desprender de uma associação visual. Mas como
escutar o mar? Não é simplesmente escutando-o que o surdo vai reconhecê-lo logo de cara, já que
existe também o desafio de superar a agnosia auditiva. É preciso que ele associe a nova audição
(o barulho da onda) ao visual (as ondas do mar se “quebrando”) para finalmente poder entender
e compreender esse ou aquele som, porquanto “as percepções e sensações se interagem, e cada
corpo sente e percebe de maneira diferente” (SANTOS, 2003: 26).
No caso dos surdos pré e peri-linguais submetidos ao implante coclear quando adultos, é necessário
também que eles passem por um gradativo processo de “alfabetização auditiva”, o que implica
trabalharmos na reabilitação auditiva desse surdo por meio de uma série de exercícios em forma
de frases e orações onde hajam palavras com semelhanças e diferenças fonéticas entre si.
Poder-se-ia também destacar outras áreas de pesquisa nas quais ainda inexiste um campo de
atuação mais fecundo, em que serviriam como estímulos de grande importância para o aumento da
percepção auditiva de usuários de implante coclear com surdez pré e peri-lingual: em informática,
através do uso não convencional de sistemas de leitura de tela2, e em Musicoterapia3.
2. A percepção do som: o que é que eu consigo escutar?
O filósofo francês das percepções Maurice Merleau-Ponty nos questiona ao dizer que:
(...) se ver é obter cores ou luzes, ouvir é obter sons, sentir é obter qualidades
e, para saber o que é sentir, não basta ter visto o vermelho ou ouvido um
lá? O vermelho e o verde não são sensações, são sensíveis, e a qualidade
não é um elemento da consciência, é uma propriedade do objeto. Em
vez de nos oferecer um meio simples de delimitar as sensações, se nós a
tomamos na própria experiência que a revela, ela é tão rica e tão obscura
quanto o objeto ou quanto o espetáculo perceptivo inteiro. (MERLEAUPONTY, 1999: 25)
Ainda, para Ciro Marcondes Filho (2003), pode-se dizer que compreenderemos com mais
profundidade o mundo que nos rodeia se aprendermos a valorizar a importância do ouvir tal
que modifique de forma profunda a percepção de nosso corpo quando ele experimenta distintas
sensações sonoras:
O cientista Lorentz Ockrent havia dito que “o olho leva o homem ao
mundo, o ouvido leva o mundo ao homem”. (...) O cinema falado, por
2
3
Por exemplo, ver Torres et al. (2005, 2006).
Vide Santos (2003).
63
exemplo, diz o estudioso francês das percepções Merleau-Ponty, não só
acrescenta ao espetáculo um acompanhamento sonoro: ele modifica
de fato o teor do próprio espetáculo. Parece que a gente está vendo - e
sentindo - outra coisa. Isso acontece também com as palavras que são
faladas. Especialistas dizem que quando pronuncio para alguém a palavra
“quente”, por exemplo, ela induz a uma espécie de experiência de calor que
se forma na pessoa que ouve a palavra. É o mesmo com a palavra “duro”:
ela suscita um tipo de rigidez nas costas e no pescoço e só depois é que
ela é traduzida pelo seu sentido semântico. Se eu falo “úmido”, por outro
lado, além de sentir umidade e frio, dizem os especialistas, há todo um
remanejamento do esquema corporal, como se todo o interior do corpo
viesse para a periferia. (...) Isso tudo, além de terapêutico - pois eles usam
essa forma de sugestão como procedimento de tratamento, controle e ação
sobre o corpo - é muito fascinante. Pela palavra, pelo som, pela sugestão
sonora se exerce esse imenso poder que podemos ter sobre o funcionamento
e o bem-estar de todo nosso corpo. (MARCONDES FILHO, 2003).
Nesse sentido, as considerações supracitadas podem nos servir como primeiro passo para as
chamadas observações introspectivas, isto é, o surdo implantado observa a si mesmo: como está
reagindo aos sons? Como os percebe? Para tanto, baseado no estudo do trabalho terapêutico em
musicoterapia, foram levantadas algumas perguntas acerca da percepção sonora do sujeito, pessoa
adulta com surdez peri-lingual4, submetida ao implante coclear em janeiro de 2003:
1. Se os sons foram percebidos, num primeiro momento, como estando “dentro da cabeça” desses
usuários de implante coclear e não “lá fora”, no ambiente?
A autora percebia a maioria dos primeiros sons como estando “lá fora”
e somente com o tempo é que passou a incorporar muitas das palavras
que ouvia para “dentro da cabeça” sendo que quando isso acontecia
passava a identificá-las com mais facilidade em ambientes fechados e
reagia a elas repetindo-as conforme “achava” que eram pronunciadas,
obtendo depois a confirmação do acerto por uma segunda pessoa.
2. Se os sons são percebidos como tendo “autonomia” em relação às suas “fontes sonoras”?
Não há autonomia total. Um copo de vidro cai no chão e quebra-se, tem
som, mas para o surdo o som é excluído. Com o implante coclear, esse
som começa a existir para ele, é o “som do copo quebrando-se”. A autora
ficou surda em tenra idade e está mais acostumada a “ver” os sons e não
a “ver ouvindo”. Isso implica que ela ainda está aprendendo a incorporar
progressivamente no seu corpo a “componente sonora” das coisas que
vê.
3. Com o passar do tempo, se vai ocorrer a fusão das “duas coisas”, isto é, som e imagem passam a
ser uma coisa só?
É a tendência de acontecer, embora esse processo costume ocorrer
lentamente para alguns sons e rápido para outros. Em vários momentos,
4
Uma pessoa com surdez peri-lingual é aquela que perdeu a audição DURANTE o período crítico de aquisição da linguagem.
64
consegue ouvir sons sem compreendê-los e até mesmo sem localizá-los.
No primeiro caso, um bom exemplo são os sons das vozes humanas,
em que consegue ouvir sem compreendê-los; no segundo, quando ouve
alguma coisa quebrando-se ou caindo no chão, com freqüência olha
para todos os lados a fim de identificar donde veio o som. Outro fato
que corrobora com esta hipótese é que a autora não consegue mais obter
a mesma performance em leitura orofacial antes de ter sido submetida
ao implante coclear, isto é, ela precisa do implante coclear para obter
essa mesma ou até a melhor performance tanto quanto possível em
leitura orofacial. Em outras palavras, significa que passou a depender-se
dos sons para compreender melhor o outro por leitura orofacial.
4. Observação da própria voz: qual a relação que esse surdo implantado percebe entre os
“movimentos articulatórios” que ele faz para falar e a própria voz que ouve?
Percebe com mais facilidade a intensidade e a duração de sua própria
voz. Por outro lado, a altura e o timbre são, em ordem crescente,
mais difíceis de perceber. Todas essas propriedades do som foram
intensamente trabalhadas em musicoterapia, inclusive fez-se isso nas
primeiras aulas de Introdução à Teoria Musical, a partir do uso da flauta
doce como instrumento musical preferido, no período de março de
2005 até meados de julho de 2007.
5. Os sons novos vão atrapalhar ou ajudar?
Os sons principalmente na faixa das frequências agudas ajudam a
“completar” o que lhe falta, não atrapalhando a sua adaptação. Lida bem
com os novos sons que “bombardeiam” sua mente, em parte porque já
usava antes do implante coclear um aparelho auditivo de amplificação
sonora individual.
6. O corpo contava com 4 sentidos; após a ativação do implante coclear, passará a contar com 5
sentidos, ou seja, aquilo que estava excluído vai ser incorporado. Como esse aspecto será percebido
pelo surdo implantado que por muito tempo não ouviu som algum?
Sente-se confortavelmente bem, mesmo tendo que lidar com a
agnosia. Podemos classificar os sons que ouve, momentaneamente,
de três maneiras diferentes: os sons que ouve e identifica, os sons que
ouve mas não identifica e aqueles que não ouve. Em todos eles está
envolvido um processo de aprender a escutar. No primeiro caso, ouvir
e identificar os sons é em si o processo de escutar, isto é, percebê-los
com atenção implica que o cérebro decifre esses sons, reconhecendo
seus significados. Dentre os sons que escuta, quase todos novidades,
podemos citar: telefone e celular tocando, a seta do carro indicativa
É a propriedade do som em ser fraco ou forte.
É a propriedade do som em ser curto ou longo, isto é, o tempo em que o som se prolonga.
7
É a propriedade do som em ser grave ou agudo.
8
É a qualidade do som que nos permite reconhecer a sua origem.
5
6
65
do aviso do motorista para fazer uma manobra em curva à esquerda
ou à direita, latidos, alguns piados (bem-te-vi, pica-pau e queroquero), miados de alguns felinos, som da panela de pressão, vários sons
vindos do computador, exceto músicas e falas que não as identifica
imediatamente, barulho de avião e helicóptero sobrevoando o céu, gás
carbônico saindo da garrafa de água ou refrigerante no momento em
que é aberta, sirene de carros de ambulância e de polícia militar e civil,
barulhos de trânsito (motores de carro, ônibus e motos), buzina, a fala
da mãe principalmente em conversas curtas e longas por celular, chuvas,
trovoadas, ventos, a intensidade, duração e, algumas vezes, a altura, isto
é, se o som é grave ou agudo, de alguns instrumentos musicais como o
piano e a flauta doce, além da intensidade e duração de algumas músicas
clássicas e instrumentais. Ainda, percebe e identifica água da torneira
caindo, alarme do forno de microondas, liquidificador, som do mar, os
cachorros bebendo água, o bater de palmas, alarmes de carros, o som do
móbile “mensageiro dos ventos”, o próprio nome quando pronunciado
a curtas e longas distâncias em lugares silenciosos e pouco barulhentos,
a tosse e o espirro de pessoas e cachorros, o alarme do Nucleus 5 que
avisa a proximidade do fim da atividade elétrica das baterias, acerta sem
leitura orofacial cerca de 80% a 100% das palavras e orações feitas em
sessões de fonoterapia, porém mais facilmente em ambientes fechados e
com pessoas que articulam bem as palavras.
Em relação a sons que ouve mas não identifica, pode-se citar
principalmente as vozes, vários estilos de música e a TV como um
todo, porém já aconteceu de ter-se confundido quando ouviu o telefone
tocar e o cachorro latir e tê-los identificado mas não tê-los localizado
como vindos do aparelho de televisão. Quanto aos sons que não ouve
isso não será considerado uma vez que não se tem muitas referências
dos sons já existentes mas ainda inexplorados; portanto, seriam sons
novos. Esses sons possivelmente poderão ser ouvidos mais tarde, após
novos mapeamentos9 do implante coclear, que possibilita gradativo
aumento do nível de estimulação da cóclea no lado implantado do
ouvido e, consequentemente, pode-se captar, ouvir e perceber novos
sons, explorando-os até serem reconhecidos.
3. Considerações finais
São três as maiores e mais imediatas dificuldades que obscurecem, retardam ou mesmo impedem a
inclusão de pessoas surdas em vários entornos da vida cotidiana: primeiro, muito do conhecimento
que se produz sobre e em prol dessas pessoas ainda permanece no papel, não se traduzindo
em ações concretas e mudanças de mentalidade. Essa situação torna-se mais grave quando se
trata de pessoas com uma mesma deficiência, porém com discapacidades diferentes (TORRES;
Um mapeamento é um processo pelo qual cada um dos eletrodos que estão dentro da cóclea tem a propriedade da intensidade em
decibéis (dB) regulada via programa de computador, de acordo com o nível adequado de estimulação das terminações nervosas ao longo da
cóclea, possibilitando um conforto auditivo de acordo com as características adaptativas de cada usuário de implante coclear.
9
66
MAZZONI; MELLO, 2007, p. 371; 383), especialmente como é o caso da surdez e da cegueira,
em que com frequência apresentam necessidades e reivindicações distintas. Segundo, quando a
solução para a inclusão ou, ao menos, para a adaptação de conteúdos e metodologias de ensino em
cada caso específico for a incorporação de uma tecnologia assistiva, muitas vezes a isso acaba se
somando duas barreiras atitudinais bastantes complicadas de vencer: a primeira é aquela referente
ao desconhecimento das potencialidades da pessoa com deficiência que requer adaptações e a
segunda é o prejuízo relacionado ao desconhecimento acerca do uso da própria tecnologia e de
quantas portas a ela se abrem. São duas barreiras atitudinais muito poderosas.
A terceira dificuldade certamente é o alto custo econômico dessa tecnologia. Certamente o
implante coclear é uma das tecnologias que se encaixa nesse perfil, especialmente considerando a
grande resistência da comunidade surda usuária de libras em vê-lo como “benefício terapêutico”,
conforme já apontado por Mello (2006).
Muitas vezes o reconhecimento auditivo de uma palavra, fonema ou até mesmo uma oração inteira
pelo usuário de implante coclear adulto pré ou peri-lingual acontece partindo de um contexto, o
qual pode ser fornecido por meio de “pistas auditivas”. É a partir de um contexto que se pode
explorar o melhor caminho para se levar à decifração do significante ao significado, quer dizer,
“saindo” da palavra escrita para “entrar” na palavra sonora, o que implica num processo ativo de
construção de significados. Em outras palavras, é a pista sonora que dá o contexto e quando se
conhece o contexto, o surdo implantado reconhece o que está escutando.
As percepções sonoras de um surdo adulto pré ou peri-lingual submetido a um implante coclear
é em geral um processo muito mais demorado devido à agnosia auditiva. Para ouvir, escutar,
entender e compreender as palavras, ele necessita primeiro “pegar” os sons dessas palavras para
fazer delas referências às imagens correspondentes e, por conseguinte, identificá-las até que se
tornem uma “coisa só”, isto é, sem mais necessitar fazer a associação entre audição (pelo som) e
visão (pela imagem). Assim, muito provavelmente essas pessoas surdas precisam criar uma “voz
interior”10 que normalmente não têm para aprenderem como se dizem as palavras e a escutá-las.
Referências
FUKUSHIMA, K., SUGATA, K., KASAI, N., FUKUDA, S., NAGAYASU, R., TOIDA, N.,
KIMURA, N., TAKISHITA, T., GUNDUZ, M. e NISHIZAKI, K. Better speech performance
in cochlear implant patients with GJB2 - related deafness. International Journal of Pediatric
Otorhinolaryngology, v. 62, p. 151-157, 2002.
MARCONDES FILHO, C. Depoimento [julho, 2003]. O Teatro do Mundo - A Canção, Programa
4: o som. São Paulo: Rádio USP, 2003. Script recebido por solicitação.
MELLO, A. G. O modelo social da surdez: um caminho para a surdolândia? Mosaico Social Revista do curso de graduação em Ciências Sociais da UFSC, Florianópolis: Fundação Boiteux, nº
3, ano 3, dez. 2006. p. 55-75.
MERLEAU-PONTY, M. Fenomenologia da percepção. São Paulo: Martins Fontes, 1999.
10
Uma criança com audição normal sabe, desde que aprendeu a falar, o som das letras e das palavras, e tem a voz interior, isto é, aqueles
pensamentos que soam no seu imaginário como se sua voz estivesse ”falando” consigo, coisa que os surdos de nascença ou de tenra infância
não têm. A correlação entre letras e palavras, tão clara para quem ouve, é de difícil compreensão para os que nunca ouviram.
67
SACKS, O. Um antropólogo em Marte - sete histórias paradoxais. São Paulo: Companhia das
Letras, 2002.
SANTOS, M. C. Trilhando caminhos para uma nova escuta: a musicoterapia e o usuário de
implante coclear. Monografia de Especialização em Musicoterapia, Universidade do Sul de Santa
Catarina, 2003.
TORRES, E. F.; MELLO, A. G.; MAZZONI, A. A.; ALVES, J. B. M. Una metodología para la
alfabetización auditiva de implantados cocleares. In: Congreso Iberoamericano de Informática
Educativa Especial, 5, 2005, Montevideo.
TORRES, E. F.; MELLO, A. G.; MAZZONI, A. A.; ALVES, J. B. M. Alfabetização auditiva através
da hipermídia. In: Congresso Nacional de Ambientes Hipermídia para Aprendizagem CONAHPA, 2006, Florianópolis.
TORRES, E. F.; MAZZONI, A. A.; MELLO, A. G. Nem toda pessoa cega lê em Braille nem toda
pessoa surda se comunica em língua de sinais. Educação e Pesquisa, v. 33, nº 2, p. 369-386, maio/
ago, 2007.
68
Deficiência e Tecnologia Assistiva: Conceitos e
Implicações para as Políticas Públicas
Jesus Carlos Delgado Garcia
Doutor em Ciências Sociais: Política. Coordenador de Projetos do Instituto de Tecnologia Social (ITS BRASIL).
Resumo: O presente texto aborda algumas perspectivas no
debate atual sobre os temas da deficiência e da tecnologia
assistiva, tendo como contexto a realidade das políticas
públicas no Brasil, e especificamente o âmbito da Pesquisa,
Desenvolvimento e Inovação (PD&I). Considera-se que
o principal desafio consiste na adequação do marco legal e
teórico ao disposto na Convenção Internacional sobre os
Direitos das Pessoas com Deficiência das Nações Unidas
com seu Protocolo Facultativo, aprovada no Brasil, assim
como na implementação da mesma nas políticas públicas e
na sociedade. Avalia-se que no Brasil tem havido nos últimos
anos avanços muito significativos na concretização do direito
à tecnologia assistiva. Ao tempo, propõe-se a necessidade
de um modelo investigativo e de inovação nos temas da
deficiência e da tecnologia assistiva que, tendo como ponto
de partida as necessidades das pessoas com deficiência,
estas sejam incorporadas como participantes das equipes de
trabalho dos diferentes projetos.
Palavras-chave: deficiência, tecnologia assistiva, modelo
médico e modelo social, políticas públicas.
Introdução
O presente texto procura recolher sinteticamente o teor da apresentação realizada no I Simpósio
Internacional de Tecnologia Assistiva do CNRTA, destacando tensões nos conceitos e nas práticas
sociais dentro do âmbito da tecnologia assistiva. O exame da relação teoria-prática no âmbito da
deficiência, a análise das interfaces discurso-comportamento no contexto das políticas públicas e
a observação das conexões concepção-realização no campo da tecnologia assistiva sempre podem
revelar situações contraditórias, e também, apontar propostas indicadoras tanto de estratégias de
superação de impasses como de realização de objetivos desejáveis.
No Brasil, percebem-se nos últimos anos avanços muito importantes, decisivos mesmo, em relação
ao conceito e às políticas públicas da deficiência e da tecnologia assistiva. Podemos escolher a
Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência das Nações Unidas com seu
Protocolo Facultativo e o Plano Viver sem Limite como principais estrelas destinadas a mostrar o
norte e a guiar a navegação da reflexão teórica, das práticas sociais e das políticas.
69
Nesse sentido, o desafio principal nos parece ser a urgente readequação dos diferentes âmbitos
legal, social, acadêmico, econômico e político a esse marco referencial, assim como a construção
de uma imensa rede de concretizações em melhoria de vida e participação social que podem se
derivar desses instrumentos, normativo e de política pública.
Modelo social da deficiência versus modelo médico da deficiência
Na atualidade, nos encontramos dentro de uma forte efervescência, sem dúvida promissora, que
reflete, se pergunta e debate sobre o conceito de deficiência. Trata-se, na verdade, de um processo
originado nos anos 60-70 quando pela primeira vez na história as próprias pessoas com deficiência
conseguiram ser ouvidas e levadas a serio ao levantar a voz e expressar o que elas são1. Até então,
foram outros, sem deficiência, intelectuais, religiosos, médicos, filósofos, autoridades, etc., os que
sempre disseram em que consiste a deficiência e o que se deve fazer com ela.
Essa irrupção no debate conceitual sobre o que seja a deficiência propiciado pelos movimentos
sociais das pessoas com deficiência, assim como pela convergência de diferentes estudos nas áreas
da psicologia, sociologia, bioética e outras disciplinas, pode ser vista ao mesmo tempo como
uma verdadeira revolução conceitual e também como uma luta por reconhecimento e dignidade
das pessoas com deficiência, que pugnam por um lugar ao sol na sociedade, por justiça, pela
possibilidade de realizar seu projeto de vida, pela participação social, em definitiva, pelo “direito
de estar no mundo como um ser humano”.
Essa revolução conceitual e reivindicativa pode ser caracterizada como a passagem da concepção
do “modelo médico da deficiência” para o “modelo social da deficiência”.
No “modelo médico da deficiência”, esta é considerada como um atributo da própria pessoa, como
algo que ela tem, uma anormalidade, um defeito, uma merma, algo causado por uma doença, por
um acidente, um trauma, uma alteração genética, uma violência...; em resumo: um problema no
interior da pessoa, uma “tragédia pessoal”, azar.
Diante disso, a resposta da sociedade nesse modelo médico consiste principalmente em dar
assistência médica, tratamento individual. Com qual objetivo? A cura, a reabilitação, buscando
a adaptação dessa pessoa ao contexto, ao ambiente físico-social, mediante a mudança do
comportamento dela. Caso não se consiga isso, a pessoa deve ser separada da sociedade, segregada
em ambientes especiais, impedida totalmente ou com graves restrições para ser responsável da sua
vida –casar e formar uma família, trabalhar, ter uma conta corrente no banco, estudar, administrar
seus bens, viajar, etc.- ou para participar na sociedade, porque ela, infelizmente, “não pode”, não
consegue, é incapaz.
Frente a essa situação teórico-prática da deficiência, denunciada pelos movimentos sociais das
pessoas com deficiência, se propôs outro conceito, radicalmente oposto: a deficiência nada mais
é do que uma opressão socialmente construída por um ambiente de hostilidade aos que são
Podem ser lembrados, por exemplo, no Reino Unido, Paul Hunt, Michael Olivier, Paul Abberley, Colin Barnes e Vic Finkelstein,
pessoas com deficiência, militantes e acadêmicos. Deve ser destacada a forte influência do movimento social UPIAS - Liga dos Lesados Físicos
contra a Segregação, assim como do Conselho Britânico de Organizações de Pessoas com Deficiência. Nos Estados Unidos, é mister mencionar,
nesse contexto, a Jacobus tenBroek, pessoa com deficiência visual total a partir dos 14 anos, com doutorado em Direito, professor na Universidade da Califórnia em Berkeley, autor de numerosos estudos e fundador do Conselho de Cegos, que mais tarde se tornou a Federação
Nacional dos Cegos da Califórnia. Também teve notória influência, Ed Robers, que na adolescência ficou com paralise do pescoço aos pés
como consequência de uma poliomilite, universitário, um dos pais do Movimento de Vida Independente, e Diretor do Departamento de
Reabilitação do Estado da Califórnia.
1
70
diferentes. Vejamos os seguintes exemplos:
• A deficiência é a desvantagem ou restrição de atividade provocada por uma sociedade
que tem pouca ou nenhuma conta de pessoas que têm deficiências e, portanto, as exclui de qualquer
atividade (Conselho Britânico de Organizações de Pessoas com Deficiência).
• A deficiência é o resultado do fracasso da sociedade para se adaptar às necessidades das
pessoas com deficiência (ABBERLEY, 1998).
• A deficiência é uma relação de dominação social que fica naturalizada na forma de um
déficit individual e biológico (OLIVIER, 1998)
Assim, numerosos estudos (ABBERLEY, 1995; MARKS, 1999; OLIVER, 1990; BARNES, 1997;
SHALOCK, 1999), questionaram a concepção vigente na época, denominada de “modelo médico”,
e postularam novas formas entender e de atender mediante políticas públicas às pessoas com
deficiência, de forma que a causa e a responsabilidade sobre a mesma não seja creditada à própria
pessoa com deficiência, mas à relação problemática dela com o ambiente, com a sociedade, com
o sistema.
A concepção e legitimidade social das práticas do “modelo médico” ficaram, com razão, fortemente
abaladas, ao ponto de ter sido nelas verificado o processo de “medicalização”, que expressa o
mecanismo mediante o qual situações sociais de opressão, injustiça, dominação, segregação, e até
de eliminação e extermínio, eram justificados “biomedicamente”. Um caso muito famoso foi o da
“drapetomania”, uma suposta doença proposta em 1851 por Samuel A. Cartwright, médico que
exercia sua profissão em Luisiana, nos Estados Unidos e que era membro da Louisiania Medical
Association. O termo drapetomania deriva do grego δραπετης (drapetes, "um [escravo] fugido") +
μανια (mania, "loucura, frenesi"). Assim, o dignóstico da drapetomania, “locura de fugir”, visava
explicar a tendência humana de querer escapar. Mas, curiosamente, somente pessoas negras em
situação de escravidão sofriam dessa “doença”, pois naquele momento elas eram as únicas que
fugiam da condição de escravidão, geralmente, para migrar aos estados em que ela foi abolida.
O caso mais grave de “medicalização” deve ser acreditado ao nazismo, durante o qual coube aos
médicos a tarefa de cumprir a política racial hitleriana, de natureza eugenêsica, primeiramente,
esterilizando pessoas com doenças supostamente hereditárias e depois mediante a eliminação nos
campos de concentração de pessoas com deficiência física ou psíquica. Nas palavras do Esteban
González:
A função do médico não era somente curar aos indivíduos, mas manter a
saúde do Estado. O próprio Hitler escreveu: “Posso ficar sem advogados,
sem engenheiros, sem construtores, mas sem vocês, os médicos nacionalsocialistas, não posso ficar nem um único dia, nem uma única hora. Se
vocês me falharem, tudo está perdido. Para que serve nossa luta se a saúde
do nosso povo está em perigo?” Em 1933, após a chegada ao poder de Hitler
foi aprovada a Lei de Esterilização, que afetou a mais de 400.000 alemães
com doenças psiquiátricas, cegueira e surdez congênita, malformações e
defeitos físicos e psíquicos, alcoolismo, inadaptação social, e inclusive baixo
rendimento escolar2.
Entrevista: Esteban González: "Los médicos fueron una pieza clave para el Holocausto". La Vanguardia, 18/02/2015. Disponível em:
http://www.lavanguardia.com/cultura/20150218/54426272690/esteban-gonzalez-medicos-clave-holocausto.html
2
71
Contestando o modelo médico, as pessoas com deficiência, desde os seus movimentos sociais,
reivindicaram ser tratadas como pessoas, como sujeitos de direitos, em igualdade com as demais
pessoas, como pessoas não inferiores, mas diversas e iguais em dignidade, direitos, autonomia,
e participação social e política. Em resumo, o modelo social credita a situação de exclusão
e dependência às barreiras que a sociedade impõe as pessoas com deficiência. Nas palavras do
Giampiero Griffo, Vicepresidente de Disabled Peoples’ International/Comissionado da União
Europeia, eles não são “portadores de deficiência”, mas “recebedores de deficiência”:
Em alguns países europeus definem minha condição com as palavras de
“portador de deficiência”. Mas se reflexiono sobre a raiz dos meus problemas,
descubro uma verdade simples: os ônibus com escada inacessível, os edifícios
com barreiras arquitetônicas, os serviços públicos e os locais de trabalho,
que não foram adaptados a minhas habilidades, são uma dificuldade para
mim. Não porque ou me movimente com uma cadeira de rodas, mas porque
os engenheiros, os arquitetos, os projetistas e gerentes não me incluíram
entre os viageiros de ônibus, entre os espectadores de cinema e teatro,
entre os usuários de serviços ou entre os trabalhadores. Então, não sou um
portador de deficiência, mas um recebedor de deficiência. (GRIFFO, 1999:
2. Tradução nossa)
Para conseguir autonomia, assim como vida independente, participação social e política, as pessoas
com deficiência reivindicam se liberar da subjeção imposta pelo “modelo médico”, mediante o
argumento que a deficiência não é doença, mas uma condição de exclusão:
A primeira avaliação negativa chega da visão médica. (…) Lembro que o
maior objetivo que os médicos queriam conseguir depois de que eu fosse
golpeado pela poliomielite era conseguir que andasse na posição ereta. (…)
Aos 25 anos entendi uma verdade que me permitiu dar um grande passo
para frente: decidi andar –melhor, rodar- sem vergonha em uma cadeira
de rodas. (…) Não tenho que me considerar como doente permanente em
espera de uma improvável cura, mas valorizar minhas diversas capacidades
para realizar as atividades da vida cotidiana. O importante não é caminhar
de pé, mas conseguir minha autonomia, independência e interdependência
com a sociedade. (GRIFFO, 1999:1- 2. Grifos do autor. Tradução nossa)
O impacto e a influência do conceito de deficiência como dominação, dependência e opressão
socialmente construídas mediante a criação de todo tipo de estereótipos, preconceitos, estigmas
e formas diretas e indiretas de discriminação, têm sido notório. Ao mesmo tempo as lutas e
reivindicação de autonomia, de exercício de direitos e cidadania, de qualidade de vida e participação
social e inclusão na escola, trabalho, lazer e demais esferas da vida têm sido imensas e continuam
esperançadoras.
De alguma forma, pode-se dizer que os enormes avanços havidos nos últimos 40 ou 50 anos na
concepção e atenção social à deficiência não tem comparação com nenhuma outra época histórica
da humanidade. Os dois principais feitos no campo teórico e político da deficiência podem ser
sinalizados na incorporação dessa perspectiva conceitual do modelo social da deficiência às
mudanças havidas na caracterização da deficiência na Classificação Internacional de Funcionalidade,
Incapacidade e Saúde (CIF) da OMS3 e, sobretudo na Convenção Internacional sobre os Direitos das
Pessoas com Deficiência da ONU, assinada em Nova Iorque, em 30 de março de 2007.
72
Assim, em boa parte, foi graças à mobilização social das pessoas com deficiência que a Organização
das Nações Unidas (ONU) construiu um tratado internacional, o primeiro do século XXI,
inscrevendo esta temática de forma inequívoca no campo dos direitos humanos. Como define
Palacios:
A Comunidade Internacional conseguiu no ano de 2006, logo apos de um
processo de negociação surpreendentemente veloz e efetivo, adotar um
instrumento vinculante de direitos humanos, denominado Convenção
Internacional das Pessoas com Deficiência, que constitui à discapacidade4
como um âmbito temático específico no sistema universal de proteção dos
direitos humanos, e que desde a etapa da sua elaboração tem respeitado
muitas das consignas do modelo social (PALACIOS, 2008: 475. Tradução
nossa)
No Brasil, a norma internacional mais recente, completa e de maior destaque é a Convenção
Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência das Nações Unidas e seu Protocolo
Facultativo, que foram aprovados pelo Congresso brasileiro por meio do Decreto Legislativo 186,
de 9 de julho de 2008. Em 1º de agosto de 2009, o Brasil depositou a ratificação da Convenção e do
Protocolo Facultativo junto ao Secretário-Geral das Nações Unidas e, em 25 de agosto de 2009, por
meio do Decreto 6.949, o Presidente da República promulgou tais atos internacionais.
Dessa forma, a referência maior de tipo conceitual e normativo para todas as políticas públicas
relacionadas com a deficiência é o conceito da mesma, expresso na Convenção, no Artigo 1:
Pessoas com deficiência são aquelas que têm impedimentos de longo prazo
de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, os quais, em interação
com diversas barreiras, podem obstruir sua participação plena e efetiva na
sociedade em igualdades de condições com as demais pessoas (BRASIL, 2009).
Assim, o conceito de deficiência pode ser expresso na seguinte equação:
Pessoas
com
deficiências
3
=
Pessoas com
impedimentos,
como por
exemplo,
cegueira,
paraplegia,
surdez, síndrome
de down, etc.
+
Barreiras, como
por exemplo,
preconceitos,
estigmas,
discriminação,
inacessibilidade
urbana, barreiras de
comunicação, etc.
Note-se que o modelo médico foi o modelo inicialmente difundido pela Organização Mundial de Saúde
4 Na verdade, esta palavra não existe na língua portuguesa o que representa alguma dificuldade para compreender o conceito de
“deficiência”. Em inglês, utiliza-se a palavra ‘disability’, em espanhol utiliza-se ‘discapacidade`, que é uma palavra menos pejorativa do
que a expressão “deficiência”, porque se refere a uma condição ou situação excludente em que a pessoa se encontra, e não a algo pessoal.
Entretanto, ainda possui alguma conotação discriminativa. Por esse motivo, o Fórum de Vida Independente da Espanha propõe que as pessoas com deficiência sejam denominadas “pessoas com diversidade funcional” (ROMAÑACH e LOBATO, 2005; PALACIOS e ROMAÑACH, 2007).
No Brasil, ver: PEREIRA, 2009.
73
Nesse conceito, ser pessoa com deficiência (person with disability) é fruto de uma interação,
concretamente, de uma relação obstrutiva das barreiras de comunicação, atitudinais ou ambientais
perante os impedimentos (impairments) que as pessoas têm. Assim, fica claro que a deficiência não
é um atributo que a pessoa tem, mas o resultado da inadaptação da sociedade diante de pessoas com
impedimentos. Quer dizer, a causa da deficiência não é da pessoa, nem dos impedimentos que a
pessoa tenha, mas da sociedade que coloca barreiras ou obstruções.
Com base nesse conceito, a Convenção explicita, mediante 50 artigos que recolhem os diversos
âmbitos da vida, a proteção dos direitos das pessoas com deficiência e as obrigações da sociedade e
dos poderes públicos de se adaptar para garantir a realização desses direitos.
Perspectivas atuais no debate atual sobre a deficiência
A Convenção é, sem dúvida nenhuma, um grande passo, um feito que deve ser celebrado e
valorizado enormemente, porque os direitos humanos e seu reconhecimento constituem o melhor
fundamento das políticas públicas. Entretanto, como a própria Convenção reconhece, já no
preambulo, “a deficiência é um conceito em evolução”.
Assim, esboçamos a seguir algumas perspectivas do debate atual sobre o conceito-realidade de
deficiência.
1. Cumprir a Convenção. No Brasil, o principal desafio, a tarefa primeira e mais importante
de todas consiste em realizar, aplicar e cumprir a Convenção. Ela não pode ficar apenas no papel.
Longe de se converter numa daquelas leis que “não pegam”, a Convenção deve orientar e normatizar
o amplíssimo espectro das políticas públicas da deficiência. No âmbito legal, ao possuir a Convenção
estatuto de emenda constitucional, ela prevalece sobre a legislação ordinária anterior, que em muitos
casos ficou desatualizada.
Nos debates sobre a aplicação da Convenção se escutam discussões sobre a necessidade da urgência
e pertinência de criar (ou adaptar à Convenção) toda a legislação infraconstitucional, porque o que
está acontecendo em muitos casos é inibição ou prevalência na prática da legislação ordinária sobre
o conteúdo da Convenção, mediante o argumento de que “ela não está ainda regulamentada”. Para
outros, trata-se de um falso debate, pois a Convenção “é autoaplicável”. Em todo caso, já é possível
inclusive as pessoas com deficiência processarem os respectivos poderes públicos, caso não esteja
sendo cumprida a Convenção, porque ela tem força legal. Mas, convenhamos em que o caminho
da judicialização não é o mais adequado para produzir avanços. Essa situação de “vácuo legal”, por
assim dizer, pode ser superada por governos com vontade política e criatividade na implementação
do disposto na Convenção, mas na ausência dessas qualidades dos poderes públicos são possíveis
retrocessos, perda de direitos.
2. O debate sobre o “modelo bio-psico-social”. Nas discussões sobre a deficiência escutam-se, às
vezes, posições como a seguinte: “Não vamos ser extremistas. Aqui não nos pautamos nem pelo
modelo médico nem pelo modelo social, mas pelo modelo bio-psico-social, como na CIF, viu?” Sobre
essa questão, precisa ser muito bem analisado como são pensadas as dimensões bio, psico e social
dentro da unidade biopsicossocial em que consiste a pessoa com deficiência. Pergunta reveladora:
O “bio” é entendido como aquilo que vem primeiro, e é o principal? O biológico é concebido como a
causa linear que determina o psicológico, o cultural e o social da deficiência? Poderia, graficamente,
(OMS) mediante a elaboração em 1981 da Classificação Internacional de Deficiências, Incapacidades e Desvantagens (ICIDH).
74
ser expresso assim: Bio → psico → social?
Na resposta positiva às questões acima, não há dúvidas: estamos diante de uma versão do modelo
médico, pois a deficiência, que é uma interação problemática com o entorno, se entende novamente
como um atributo pessoal, o “bio”, que desencadeia efeitos psicológicos (a perda de autoestima,
por exemplo) e sociais (o estigma, a discriminação). A culpa da segregação e da exclusão, da nãoparticipação plena da pessoa com deficiência em igualdade de oportunidades com as demais
pessoas continua estando na própria pessoa, nos seus atributos, nos impedimentos, na cegueira,
surdez, paraplegia, etc.
O processo, se quisermos ser consequentes com o conceito de deficiência da Convenção, deve ser
totalmente ao contrário. Se a deficiência é uma construção social, mediante a qual, se atribuem
estereótipos, estigmas, discriminações e barreiras, que configuram a interiorização e a identidade
das pessoas com deficiência enquanto “seres defeituosos”, o qual justifica a incapacidade e a
segregação, então, o caminho deve ser o inverso.
A pergunta principal, então, deve ser: como a sociedade constrói a exclusão das pessoas com
deficiência? Como se produz a interpretação delas como identidades deterioradas e condutas
desviadas da norma social? Como se atribuem estereótipos, estigmas e exclusões? É urgente,
então, transitar do biopsicosocio para o sociopsicobio se quisermos compreender as concretudes
e meandros da deficiência. Esse deve ser o marco dos processos epistemológicos interdisciplinares
sobre a deficiência.
Como demolir as barreiras e construir a inclusão? Como extinguir as violências da exclusão?
Como diminuir a dor existencial e os sofrimentos inseridos na discriminação e segregação? Como
propiciar apoios, ampla acessibilidade, recursos suficientes, estratégias de inclusão na educação, no
trabalho, no lazer, na mobilidade, produtos assistivos? Essas são as principais questões da política
pública.
3. O modelo da diversidade. Trata-se de uma proposta de um novo modelo teórico
do entendimento da deficiência, elaborado no interior do Movimento de Vida Independente
da Espanha (ROMAÑACH e LOBATO, 2005; PALACIOS e ROMAÑACH, 2007; PALACIOS,
2008. No Brasil, ver PEREIRA, 2009). De forma semelhante à língua inglesa, na qual as pessoas
com deficiência são denominadas pessoas com “disability”, no idioma espanhol prevalece hoje
a denominação de pessoas com “discapacidade”5 . Mas o Movimento de Vida Independente da
Espanha entende que a palavra “discapacidade” continua sendo pejorativa, atribuindo conotações
negativas e discriminativas para as pessoas com deficiência. Com apoio baseado na bioética e nos
direitos humanos, o Movimento de Vida Independente propõe um novo modelo de entendimento e
de políticas para as pessoas com deficiência, denominado de “modelo da diversidade” e recomenda
que as pessoas com deficiência não sejam mais denominadas como pessoas com discapacidade,
mas “pessoas com diversidade funcional”.
4. A deficiência ao longo da vida como condição universal: Pessoas com deficiência
somos todos. Nessa concepção da deficiência (PRIESTLEY, 2001 e 2003), se enfatiza que ela é
5 Na língua portuguesa não temos uma palavra equivalente de disability ou de discapacidade, o qual representa às vezes alguma dificul-
dade para compreender o conceito de “deficiência”. A partir da Convenção, na qual disability foi traduzida por deficiência e impairment por
impedimento, fica ao que parece consagrada essa terminologia. Entretanto, muitas vezes ainda se diz pessoa com deficiência, quando na
verdade se refere à pessoa com impedimento.
75
uma possibilidade-realidade para todos os seres humanos, já que ao longo da vida, principalmente
na velhice, estamos ou estaremos na situação de relação problemática entre os impedimentos e o
ambiente. Como diz Colin Barnes:
as pessoas deficientes são qualquer pessoa e todas as pessoas. (...) Todas as
pessoas são, potencialmente, pessoas deficientes, porque o impedimento é
uma constante humana, não é peculiar a um segmento da comunidade.
O impedimento é inevitável, caso se viva bastante tempo, porque todos
adquirimos impedimentos à medida que envelhecemos. (DINIZ, 2013:
238)
Nessa perspectiva, não se propõe um novo conceito de deficiência, apenas se enfatiza sua dimensão
universal, do qual podem se seguir algumas virtualidades, como por exemplo, a interiorização
da potencialidade-realidade de ser pessoa com deficiência, a solidariedade, o engajamento. Esse
destaque na condição universal da deficiência pode ter a propriedade de não segmentar ou classificar
as pessoas com deficiência como aqueles pertencentes a grupos ou comunidades específicas,
geralmente “os outros”. Ao tempo, essa perspectiva possibilita ações de todos na redução das causas
sociais que provocam a deficiência: seja na redução das causas sociais que produzem impedimentos
como a pobreza, a violência e os acidentes de trabalho e do trânsito, ou seja nos cuidados para a
prevenção de desenvolvimento de impedimentos.
5. A deficiência como necessidade de apoio. Uma outra perspectiva na reflexão e nas
políticas de atenção às pessoas com deficiência tem surgido nos países em que as políticas de provisão
de apoios, como produtos de tecnologia assistiva e de assistentes pessoais, tem sido destinadas para
aquelas pessoas que se encontram em situação de dependência. Nesses casos, tem sido ampliada a
avaliação patológica do corpo com impedimentos para a análise das atividades da vida diária.
Desde esse ponto de vista, resulta norteador o conceito de autonomia versus dependência. Assim,
por exemplo, o Conselho de Europa entende a dependência como “um estado no qual se encontram
as pessoas que, devido à perda física, psíquica ou em sua autonomia intelectual necessitam assistência
ou ajuda significativa para se manejar nas atividades diárias” (Conselho de Europa, 1998: 9).
Um exemplo dessa forma de abordagem da deficiência pode ser contemplada na tabela seguinte, na
qual os tipos de deficiência não se correspondem com a tipologia convencional de deficiência física,
auditiva, visual e intelectual.
Perspectivas atuais no debate atual sobre a tecnologia assistiva
À diferença do que acontece com o conceito de deficiência, não existem diferenças significativas sobre
o conceito de tecnologia assistiva (COOK e HUSSEY, 1995; HEART 6; Norma ISO, vários anos7;
EUSTAT, 1999a e 1999b; CAT, 2007) quando ele se refere a “produtos”, sejam eles concretizados
6 O Estudo HEART (Horizontal European Activities in Rehabilitation Technology), surge no âmbito do Programa TIDE (Technology Initiative
for Disabled and Elderly People), da União Europeia. A realização desse projeto de investigação, que se estendeu durante os anos 19931995, foi coordenado pelo Swedish Institute of Asssistive Technology, e incorporou um grupo de trabalho composto por 21 instituições e
empresas em 12 países. Publicou aproximadamente 50 informes, livros e folhetos.
7 Por exemplo, na versão de 2011: Qualquer produto (incluindo dispositivos, equipamentos, instrumentos e software), especialmente
produzido ou disponível de modo generalizado, utilizado por pessoas com deficiência ou para eles, para permitir a participação; para
proteger, apoiar, treinar, medir ou substituir funções/estruturas e atividades orgânicas; ou para evitar dificuldades, limitações de atividades
ou restrições à participação (ISO 9.999: 2011)
76
1. Uma mesma pessoa pode estar em mais de uma tipologia de deficiência. 2. Somente foram consideradas tipologias de deficiência com
uma taxa superior a 5%. Fonte: INE (2001) Alonso F. 2002. Tradução nossa.
pela expressão “ajudas técnicas” (desde a versão na Norma ISO 9.999: 1999) ou “produtos de apoio”
(a partir da versão ISO: 2007). Entretanto, com exceção das normas ISO, que apenas objetivam a
classificação dos produtos, as demais definições propostas incluem, também, dentro do conceito de
tecnologia assistiva, os serviços.
Nas políticas públicas de TA no Brasil se adota o conceito elaborado pelo Comitê de Ajudas Técnicas
77
(CAT), segundo o qual a TA engloba:
Produtos, recursos, metodologias, estratégias, práticas e serviços que
objetivam promover a funcionalidade, relacionada à atividade e
participação, de pessoas com deficiência, incapacidades ou mobilidade
reduzida, visando sua autonomia, independência, qualidade de vida e
inclusão social. (CAT, 2007: Ata VII)
Destaca-se do conceito de tecnologia assistiva sua enorme amplitude e diversidade quanto aos
produtos e serviços compreendidos no conceito. A amplitude dos produtos pode ser observada no
seguinte quadro:
Classes de Produtos de Tecnologia Assistiva, segundo classificação da ISO 9.999: 2007
Fonte: ISO, 2007
78
Ao examinar o conceito de tecnologia assistiva percebe-se uma diferença substancial em relação
às definições de tecnologia correspondentes a outros tipos de tecnologia. Estas remetem às
especificidades temáticas ou setoriais, como por exemplo, tecnologia digital, tecnologia mecânica,
eletrônica, etc. Entretanto, a tecnologia assistiva possui uma diferença caracterizadora. Ela se
define pela sua finalidade, isto é, por estar destinada a promover a funcionalidade, autonomia,
independência, qualidade de vida e inclusão social das pessoas com deficiência, mobilidade reduzida
ou pessoas idosas, seja qual for o campo temático dessa tecnologia. Dessa forma, a tecnologia assistiva
- junto com a tecnologia social – é uma tecnologia que se diferencia das demais tecnologias pela sua
finalidade explícita de servir de para a maior autonomia, participação ou inclusão social das pessoas
com deficiência e pessoas idosas.
Assim sendo, essa dimensão social da TA implica na adoção de uma matriz epistemológica e
metodológica peculiar, que possui: i) como ponto de partida os problemas, necessidades e barreiras
enfrentadas pelas pessoas com deficiência, mobilidade reduzida e pessoas idosas; ii) como caminho
(methodé) a aplicação de conhecimentos, sejam estes científicos (em diversas especialidades),
metodológicos ou populares; iii) como modus operandi a participação, tendo como princípios a
democracia e os direitos de cidadania; e iv) como resultado buscado a melhora da qualidade de vida,
a inclusão social, autonomia e o bem-estar social.
Essa matriz epistemológica exige por tanto, uma conexão nítida e clara entre investigação,
formalização da mesma, relevância científica, relevância social e aplicação prática (DELGADO
GARCIA e GALVÃO FILHO, 2012).
Ao mesmo tempo, devido a sua finalidade, a tecnologia assistiva pode e deve ser vista como direito
humano e social. Efetivamente, os produtos de tecnologia assistiva, enquanto produtos de apoio,
podem e devem ser considerados como uma verdadeira extensão e complementação da própria
corporeidade e do próprio ser da pessoa com deficiência, que através deles pode se expressar, se
comunicar, se movimentar, realizar as atividades da vida diária e, em fim, se realizar como pessoa
no meio social e político. Como destacou RADABAUGH (1993): Para as pessoas sem deficiência a
tecnologia torna a vida mais fácil, para as pessoas com deficiência a tecnologia torna a vida possível
(RADABAUGH, 1993).
Dessa forma, deve ser enfatizado que para as pessoas com deficiência a tecnologia assistiva
compreende produtos de primeira necessidade, tão essenciais à vida quanto podem sê-lo produtos
alimentares, remédios, material escolar, roupa ou itens de saneamento básico, amparados como
direitos fundamentais.
Por esse motivo, o acesso e a utilização dos produtos de TA constituem-se, então, para as pessoas
com deficiência recurso e condição sine qua non da qual depende sua realização como pessoas e sua
integração social. Consequentemente, os produtos de tecnologia assistiva devem ser considerados
como integrando os direitos humanos e sociais.
Por outro motivo, o acesso e o usufruto de produtos e serviços de TA no Brasil torna-se uma questão
de enormes proporções sociais, uma vez que apenas uma pequena parte das pessoas com deficiência
possui acesso a eles, como pode ser observado nos seguintes quadros.
79
Fonte: DELGADO GARCIA e PASSONI, 2012: 64.
Pessoas com deficiência: Utilização de produtos de tecnologia assistiva – Distrito Federal,
2009/2010 (em %)
Não
Não
sabe/não
conhecem
responde
Pessoas com deficiência/Tipos de produtos de TA
Utiliza
Não
utiliza
Pessoas com deficiência visual segundo utilização do sistema
Braille
1,50%
98,50%
-
-
Pessoas com deficiência visual segundo utilização de outro tipo
de tecnologia assistiva para ler (lupa, lupa eletrônica, etc.,
excluindo óculos ou lentes de contato)
15,00%
85,00%
-
-
Pessoas com deficiência visual segundo utilização de tecnologia
assistiva para acessar o computador.
8,50%
56,70%
34,8
-
Distribuição de pessoas com deficiência auditiva segundo
utilização da Língua Brasileira de sinais (LIBRAS)
17,00%
82,40%
-
0,60%
Distribuição de pessoas com deficiência auditiva segundo
utilização de alguma outra forma de comunicação (comunicação
aumentativa, alternativa, símbolos de comunicação pictórica,
etc.)
22,30%
77,77%
-
-
Fonte: ITS BRASIL/DIEESE (2010) Pesquisa Especial: Mercado de Trabalho e Perfil Ocupacional das Pessoas com Deficiência em Região
Metropolitana (Brasília – DF). IN: DELGADO GARCIA, (Coord.) Projeto Centro Nacional de Tecnologia Assistiva: Estudos e pesquisas
para elaboração de proposta de implantação (2008-2010). ITS BRASIL/CNPq. Mimeo. São Paulo.
80
6. Situação legal e avanços no Brasil na efetivação do direito a TA das pessoas com
deficiência
Ao examinar a situação jurídica do direito das pessoas com deficiência no Brasil é necessário
incluir e situar esses dois temas no eixo central dos direitos das pessoas com deficiência. Assim,
na compreensão deste trabalho, a normativa sobre TA abrange muito mais que as leis referentes a
produtos de apoio, equipamentos e serviços que auxiliam no cotidiano das pessoas com deficiência,
ou aos serviços de intermediação de pessoas com deficiência no mercado de trabalho; abrange
também toda proteção jurídica destinada à inclusão social, à não-discriminação, à equiparação de
igualdade legal e de oportunidade, pois são todos dispositivos destinados à promoção do bem estar,
autonomia, e qualidade de vida destas pessoas.
Nessa perspectiva, o direito a TA encontra-se contemplados, também, na legislação referente ao
direito à igualdade e não discriminação, inclusão, direito à assistência social, direito à saúde, direito à
educação, direito ao trabalho, direito ao lazer, esporte, cultura e recreação, acessibilidade, que inclui
locomoção em meios de transporte, locomoção em edificações e vias públicas e a acessibilidade à
informação em meios de comunicação; além de normas técnicas, proteção judicial, e normas penais.
É oportuno, neste momento, considerar que para o Brasil a normativa internacional, uma vez
ratificada e entrando em vigor internacional, deverá ser absorvida automaticamente com força de
lei infraconstitucional, de forma que revogaria expressamente a legislação de qualquer ordem que
dispusesse de forma contraria ao estabelecido na Convenção e seu Protocolo. No entanto, no caso em
tela esta absorção vai muito além. Na verdade, os dispositivos da Convenção e seu Protocolo possuem
força constitucional, revogando de forma expressa o eventualmente disposto em contrário na nossa
Carta Magna. Isto porque estamos diante do que a Emenda Constitucional 45/2004 denominou de
Tratados de Direitos Humanos.
Efetivamente, a referida emenda acrescentou um parágrafo terceiro ao artigo quinto (que dispõe
sobre os direitos fundamentais) da Constituição Federal estabelecendo que os tratados e convenções
internacionais sobre direitos humanos aprovados, em cada Casa do Congresso Nacional, em dois
turnos, por três quintos dos votos dos respectivos membros, serão equivalentes às emendas à
Constituição.
Com bem pondera PIOVESAN (2005: 71), esse tratamento jurídico diferenciado aos tratados de
direitos humanos se justifica, na medida em que apresentam um caráter especial, distinguindose dos tratados internacionais comuns. Enquanto estes buscam o equilíbrio e a reciprocidade de
relações entre Estados-partes, aqueles transcendem os meros compromissos recíprocos entre os
Estados pactuantes, tendo em vista que objetivam a salvaguarda dos direitos do ser humano e não
das prerrogativas dos Estados.
Foi, portanto, mediante este tratamento jurídico diferenciado que o governo brasileiro aprovou a
Convenção e seu Protocolo. Fica patente, desta forma, que a nossa Constituição Federal incorpora
integralmente o seu conteúdo, derrogando inclusive aquelas normas do seu sistema que não
coadunam com a incorporação.
A legislação brasileira, no entanto, já previa significativa proteção dos direitos da pessoa com
deficiência e já atribuía ao Estado a obrigação de promover o bem estar e inclusão desses indivíduos.
A principal fonte da proteção dos direitos das pessoas com deficiência é a Constituição Federal de 5
de outubro de 1988, que apregoa a igualdade entre os indivíduos ao mesmo tempo em que cuida dos
direitos que buscam proporcionar às pessoas com deficiência igualdade de oportunidade (ARAUJO,
1994).
81
Nesse sentido, destaca-se a posterior criação da Lei Federal 7.853, de 24 de novembro de 1989, que
passou a estabelecer diretrizes para a proteção dos direitos das pessoas com deficiência, reconhecendolhes o direito à educação, à saúde, ao trabalho, ao lazer, à previdência social, ao amparo à infância e
à maternidade. Assegura a representação dos interesses das pessoas com deficiência ao Ministério
público, que tem o dever de combater o preconceito e a discriminação e observar os princípios
constitucionais de proteção à pessoa com deficiência. E, classifica como crime a discriminação
contra a pessoa com deficiência.
Esta lei foi regulamentada pelo Decreto 3.298, de 20 de dezembro de 1999, que consolida a proteção
dos direitos elencados na Lei Federal 7.853, de 24 de novembro de 1989, reforça a Política Nacional
para a Integração da Pessoa Portadora de Deficiência, e dispõe sobre as atribuições do Conselho
Nacional dos Direitos da Pessoa Portadora de Deficiência (CONADE), criado pelo Decreto 3.076,
de 1º de junho de 1999, para acompanhar e avaliar o desenvolvimento de uma política nacional para
inclusão das pessoas com deficiência e das políticas setoriais de educação, saúde, trabalho, assistência
social, transporte, cultura, turismo, desporto, lazer e política urbana destinadas a elas.
Outra norma regulamentadora importante será o Decreto 5.296, de 02 de dezembro de 2004, que
regulamenta a Lei Federal 10.048 de 08 de novembro de 2000, a qual dá prioridade de atendimento
às pessoas portadoras de deficiência.
Em relação à legislação sobre TA, de acordo com a legislação nacional, conforme determina o Decreto
3.298 de 20 de dezembro de 1999, produtos assistivos são “elementos que permitem compensar uma
ou mais limitações funcionais motoras, sensoriais ou mentais das pessoas portadoras de deficiências,
com o objetivo de permitir-lhe superar as barreiras da comunicação e da mobilidade e de possibilitar
sua plena inclusão social”.
Para o MCTI, a TA vem sendo objeto de políticas importantes, tendo sido contemplada nos Planos
Plurianuais com várias ações. A Secretaria de Ciência e Tecnologia para Inclusão Social (Secis), em
parceria com o Instituto de Tecnologia Social - ITS BRASIL, realiza três edições da Pesquisa Nacional
de Tecnologia Assistiva com o objetivo de subsidiar as ações da política pública. Para fomento da
inovação, a Financiadora de Estudos e Projeto (FINEP), desde 2005, vem realizando editais para
financiamento de Tecnologia Assistiva, assim como o CNPq tem custeado pesquisas diversas.
Dentre todas as iniciativas das políticas públicas brasileiras destaca-se a articulação interministerial
e intersetorial de ações de Tecnologia Assistiva que culminou na implementação do Plano Nacional
dos Direitos da Pessoa com Deficiência – Viver sem Limite, instituído pelo Decreto 7.612, de 17 de
novembro de 2011.
Para melhorar o acesso das pessoas com deficiência à TA, o Plano Viver sem Limite reduziu a zero as
alíquotas do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) incidentes sobre os utilizados por pessoas
com deficiência. Em paralelo, foi criada uma linha de crédito especial, o BB Crédito Acessibilidade,
para financiar bens e serviços que auxiliem na acessibilidade, independência motora, autonomia
e segurança para as pessoas com deficiência. Ao tempo, o Ministério da Saúde, vêm ampliando a
disponibilização gratuita de produtos de TA8.
8 Por exemplo, Banco do Brasil. Categorias de Tecnologia Assistiva (TA) Bens e serviços que não necessitam de recomendação de profissional
de saúde. Disponível em http://www.bb.com.br/docs/pub/siteEsp/diemp/dwn/ListaBensFinanciav.pdf . No Ministério da Saúde, Portaria
nº 1.272, de 25 de junho de 2013 e site http://portalsaude.saude.gov.br/portalsaude/noticia/6047/162/ministerio-da-saude-ampliaassistencia-oftalmologica.html <Acesso 12 de novembro de2012>
82
O Plano Viver sem Limite lançou o Centro Nacional de Referência em Tecnologia Assistiva
(CNRTA), precedido por várias pesquisas do Projeto CNPq 48.6257/2007-0: Projeto Centro Nacional
de Tecnologia Assistiva: Estudos e pesquisas para elaboração de proposta de implantação (2008-2010. O
CNRTA foi instituído pela Portaria MCTI 139 de 23 de fevereiro de 2012 e ficou vinculado ao Centro
de Tecnologia da Informação Renato Archer.
O CNRTA foi estruturado como uma rede de pesquisa, desenvolvimento e inovação e já conta com
mais de 80 núcleos no país. Dentre seus objetivos destaca-se: “Contribuir para o planejamento,
elaboração e implementação da Política Nacional de Tecnologia Assistiva e para a execução do Plano
Viver sem Limite”.
Outra ação do Plano Viver sem Limite na área da TA foi o lançamento do Catálogo Nacional de
Tecnologia Assistiva (http://assistiva.mct.gov.br/) que foi preparado e desenvolvido no citado Projeto
CNPq 48.6257/2007-0. O Catálogo oferece informações on line sobre mais de 1.300 produtos de TA
comercializados no Brasil.
Essas políticas, que podem ser consideradas como avanços na efetivação do direito a TA, se tornam
oportunas e necessárias, em especial porque nos encontramos diante de uma população que está
aumentando consideravelmente nos últimos anos, por causa da confluência de vários fatores como
o envelhecimento da população e a sobrevivência, cada vez maior, de pessoas a acidentes e doenças
que anteriormente não eram curáveis. Trata-se de um contingente de 45,6 milhões de pessoas (IBGE,
2010) que se encontram, majoritariamente, em situação de exclusão social e sobre as quais recaem
múltiplas discriminações, por motivos de pobreza, gênero e raça.
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85
Comissão organizadora do livro do
I Simpósio Internacional de Tecnologia Assistiva do CNRTA
Andressa I. Fonseca
Fisioterapeuta formada pela Universidade Metodista de São Paulo, especializada em atendimentos na
área de neurologia adulta e pediátrica.
Mestra em Saúde, Interdisciplinaridade e Reabilitação pela Universidade Estadual de Campinas
(UNICAMP).Possui experiência e atuação nas áreas de Paralisia Cerebral, AVC, Saúde do Trabalhador,
Tecnologia Assistiva e Inclusão Social.
Atua no Centro de Tecnologia da Informação Renato Archer, em Campinas SP, pesquisadora no Centro
Nacional de Referência em Tecnologia Assistiva - CNRTA.
Deise Aparecida de Araújo Fernandes
Membro da equipe do CNRTA - Centro Nacional de Referência em Tecnologia Assistiva. Formada em
Sociologia, com pós-graduação em Gestão Estratégica de Negócios pela Faculdade de Economia da
UNICAMP, Gestão de Pessoas, pela Universidade Salesiana UNISAL de Americana, Gestão Responsável
para a Sustentabilidade, pela Fundação Dom Cabral, Desenvolvimento de Tecnologia de Grupo
para Intervenção Psicossocial, pela Faculdade de Sociologia e Política de São Paulo, e Gestão para
a Sustentabilidade, pela Faculdade de Economia da UNICAMP. Ganhou o Premio “Talento de RH”
da revista Gestão de RH em 2009 pelo trabalho realizado à frente do Programa de Valorização da
Diversidade.
Fabiana Fator Gouvêa Bonilha
É graduada em Psicologia pela PUC de Campinas (2001) e em Música (bacharelado em Piano Erudito)
pela UNICAMP (2003).
É doutora (2010) e mestre (2006) pelo Programa de Pós-Graduação em Música do Instituto de Artes
da UNICAMP, tendo como tema de sua pesquisa a Educação Inclusiva e o ensino/disseminação da
Musicografia Braille.
É colunista da Rede Anhanguera de Comunicação (RAC).
É integrante, como servidora Pública Federal (cargo Técnico em Tecnologia Assistiva), do Centro
Nacional de Referência em Tecnologia Assistiva (CNRTA)
Irma Rossetto Passoni
Graduação em Pedagogia (1974). Professora e Supervisora de Treinamento Pessoal em empresas
privadas. Parlamentar por quatro mandatos e Constituinte; Relatora da CPMI Causas e Dimensões
do Atraso Científico e Tecnológico Brasileiro (1992); Presidente da Comissão de Ciência Tecnologia
Comunicação e Informático (1992), Presidente da Comissão de Serviços Públicos (1993). Como
consultora em comunicação, trabalhou na implantação de canais de acesso público legislativos
(Câmara Federal, Assembléia Legislativa, Câmaras Municipais) e canais educativo-culturais (Canal
Comunitário, Canal Universitário). Participou das atividades de articulação com entidades da sociedade
civil organizada na Conferência Nacional de âmbito da Ciência, Tecnologia e Inovação (2002, 2004
e 2010). Gerente executiva do Instituto de Tecnologia Social (2001-2011). Educadora popular, atua
na elaboração de conceitos, métodos e práticas em políticas públicas no âmbito da Tecnologia Social,
Tecnologia Assistiva, o Desenvolvimento Local Participativo nos Municípios, entre outros.
86
Francisco Exner Neto
Graduado em Engenharia Industrial Mecânica pela Universidade Metodista de Piracicaba (1990).
Licenciatura Plena em Matemática com Especialização para Professores de Matemática pela Escola de
Extensão da UNICAMP (2006).
Experiência adquirida em tecnologia de impressão 3D para desenvolvimento de produtos industriais
e experimentais utilizando ferramentas CAD, tendo atuado como integrante da equipe da Divisão de
Tecnologia 3D – DT3D do CTI Renato Archer.
Faz parte da equipe da ABNT/CB26 que trabalha na certificação e normatização de cadeiras de rodas,
ISO 7176, com o objetivo de uma estruturação de laboratórios de ensaios e testes para cadeira de rodas.
Atua como pesquisador no Centro Nacional de Referência em Tecnologia Assistiva (CNRTA) com foco
no levantamento de novas tecnologias, produtos e serviços em TA concebidos segundo os princípios da
acessibilidade e do desenho universal voltados à mobilidade.
Maria Aparecida Ramires Zulian (Mari)
Terapia Ocupacional UNIMEP(1983) Psicopedagogia UNISAL (2000), Mestre em Educação na
linha de formação de professores pela PUC – Campinas (2002), Doutorado em Engenharia Elétrica
UNICAMP. Membro da equipe do CNRTA – Centro Nacional de Referencia em Tecnologia Assistiva.
Larga experiência na área saúde física e educação, com ênfase nas áreas de: tecnologia assistiva,
acessibilidade, educação especial e inclusão, trabalha com formação de profissionais e capacitação nas
áreas da tecnologia assistiva e inclusão, é consultora do MEC-SECADI em projetos de inclusão escolar.
Vanessa Maria de Vargas Ferreira
Possui graduação em Fisioterapia pela USP (2008), Mestrado em Ciências pela UNICAMP (2012) e
Especialização em Biomecânica pela UNICAMP (2013). Atualmente é integrante do CNRTA – Centro
Nacional de Referência em Tecnologia Assistiva, atuando principalmente em apoio à políticas públicas
na área de Tecnologia Assistiva, Pessoa com Deficiência e Inclusão Social. Tem experiência na área
de Fisioterapia, com ênfase em Neurologia e Biomecânica, atuando em: tetraplegia, lesão medular,
cinemática, esporte paralímpico e estimulação elétrica funcional.
Victor Pellegrini Mammana
Físico pela USP-SP (1993), mestre USP (1996) e doutor em Física USP (2000) e Lawrence Berkeley
Laboratory. Trabalhou de 2002 a 2004 no International Technology Center, empresa de P&D da Carolina
do Norte, EUA. Atualmente é diretor do Centro de Tecnologia da Informação Renato Archer, cargo para o
qual foi nomeado em junho de 2011. Foi chefe da Divisão de Mostradores de Informação do Centro de
Tecnologia da Informação Renato Archer, atuando na gestão de várias atividades, incluindo pesquisas
nas áreas de displays de emissão de campo, displays flexíveis, células solares, preparação de roadmaps,
ergonomia e educação e projeto UCA (Um Computador por Aluno).
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Livro do Simpósio Internacional de Tecnologia