TERRORISMO VERBAL
Luís Roberto Barroso
Não é surpresa que na guerra implausível movida, há mais de trinta anos, ao
ex-militante de esquerda Cesare Battisti, a verdade seja uma vítima constante. A inverdade mais
repetida, como uma lavagem cerebral de padrão soviético, é a de que ele seria um terrorista.
Battisti jamais foi acusado por terrorismo. O uso da palavra maldita tem fins propagandísticos e
apenas revela a falta de serenidade e o ânimo persecutório.
A história documentada, que raramente se consegue contar ao público, é a
seguinte. Entre 1976 e 1979, Battisti foi membro de uma organização política chamada Proletários
Armados pelo Comunismo (PAC), que se opunha ao poder da máfia nas instituições italianas e à
aliança entre o partido comunista e a democracia cristã. Nesse contexto, o PAC envolveu-se em
ações subversivas, com quatro mortes. Em 1979, a organização foi desbaratada e seus membros
julgados. Battisti não foi sequer acusado de participação em qualquer dos homicídios. Foi
condenado, apenas, pelo delito político de subversão.
Dois anos depois, em 1981, Battisti fugiu da prisão, com a ajuda de um dos
líderes do PAC: Pietro Mutti. Refugiou-se no México e depois na França, onde recebeu abrigo do
governo Mitterrand. Após a fuga, quando Battisti já se encontrava em segurança, Mutti foi preso.
Acusado de participação nos homicídios, transferiu a culpa das quatro mortes para Battisti,
mediante delação premiada. A acusação foi “confirmada” por quatro dos condenados por
homicídio no julgamento em que Battisti nem fora acusado. Não houve testemunhas, prova
pericial, nenhuma arma encontrada. Só a delação dos principais acusados. Diante disso, Battisti foi
julgado novamente, à revelia, e condenado à prisão perpétua. Os “advogados” que o defenderam no
segundo julgamento se utilizaram de procurações falsas, segundo perícia realizada na França. Hoje,
os delatores premiados estão soltos e só Battisti continua sendo perseguido.
Cesare Battisti é inocente das acusações de homicídio que lhe foram feitas.
Embora não tenha se tornado uma ditadura, em muitos momentos a Itália não foi capaz de
assegurar devido processo legal aos adversários do regime. Foi um período de exceção, com
prisões preventivas de mais de três anos e violência nos presídios. Por isso o governo brasileiro o
acolheu. E dois Procuradores-Gerais da República manifestaram-se pela validade do refúgio e pela
extinção do processo. O Supremo Tribunal Federal, por cinco votos a quatro, anulou o refúgio
concedido pelo Ministro da Justiça, com a chancela do Presidente da República, e autorizou sua
extradição. Também por cinco votos a quatro, o STF entendeu que a decisão final é do Presidente
da República.
Alguns dos principais juristas do país escreveram ao Presidente pedindo-lhe
que não entregue Battisti para que sofra um justiçamento histórico tardio e injusto. O mesmo
pedido foi feito por um dos principais filósofos franceses, Bernard-Henri Levy. Há diversas
possibilidades de não entrega compatíveis com o tratado de extradição entre Brasil e Itália, uma das
quais apontada no voto do Ministro Eros Grau. Cabe ao Presidente Lula, soberanamente, a decisão
final. Mas não deve passar despercebido que a insistência em chamar Battisti de terrorista é um
artifício de quem não tem a verdade nem a história do seu lado. Precisa da retórica.
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Luís Roberto Barroso é professor titular de direito constitucional da UERJ e advogado
de Cesare Battisti no Supremo Tribunal Federal.
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