Mudanças na Educação – uma pauta necessária para o Brasil e o mundo.
Benício Schmidt*
As críticas ao modelo de Educação que se difundiu pelo mundo ocidental na sociedade moderna até
os dias de hoje não são novas. Surgem desde a segunda metade do século passado em formulações
muito bem definidas, ainda que modelos alternativos ao formato tradicional datem já do século XIX.
Mas o cenário de crise na Educação vem tornando imperativo que se pense numa mudança urgente
no atual modelo. O nível de evasão e baixo aproveitamento, agravados nos anos finais do ensino
básico, entre as etapas do ensino fundamental e médio; o alto índice de adoecimento entre os
professores; e as notícias de violência nas escolas são evidências claras da falência do atual modelo
educacional.
As alternativas para transformar a Educação e solucionar os problemas atuais estão enumeradas e,
em alguns casos, devidamente testadas, há muito tempo. As respostas das burocracias estatais a
estes modelos têm sido quase sempre as mesmas (falsas) evasivas: são soluções muito complicadas;
custam muito caro; têm resultados muito lentos; entre outras. Se analisarmos o que está proposto
nas diversas metodologias ditas alternativas ao modelo educacional tradicional, seria fácil confirmar
que as justificativas da burocracia não refletem mais do que puro comodismo diante da necessidade
de mudança.
Em algumas das propostas críticas ao modelo educacional tradicional mais recente, o psiquiatra
chileno Claudio Naranjo propõe que a educação se ocupe não apenas de formar o indivíduo para o
desempenho de um papel na escala produtiva da economia, mas também para o seu próprio
desenvolvimento, enfatizando principalmente o papel do desenvolvimento emocional do indivíduo
através da escola. A proposta pode soar insólita, pouco factível, e com resultados pouco mensuráveis
para a burocracia estatal e suas tradicionais desculpas. Mas se considerarmos que se trata, antes de
tudo, de propiciar aos professores e demais profissionais da educação este processo de
desenvolvimento emocional, antes mesmo de aplicá-lo aos alunos, é possível vislumbrar uma saída
rápida, barata e eficiente para a solução dos problemas de saúde laboral que têm atingido estes
profissionais – já isto bastaria pra entender o impacto rápido desta política para a educação de um
país.
Ainda que as críticas às transformações no modelo tradicional de educação persistam, é preciso que
se encarem os problemas de frente, evitando as evasivas que muitos desses críticos costumam usar
para, mesmo constatando a crise, refutar toda e qualquer alternativa de mudança. É comum ouvir a
queixa de que os jovens atualmente não respeitam a autoridade dos professores, não se interessam
pelo conteúdo, e outras reclamações de profissionais da educação que sempre pousam a culpa do
insucesso do processo sobre os estudantes. Fato é que os anos finais do ensino básico são os que
apresentam maior percentual de evasão e reprovação, e que os profissionais desta etapa do ensino
são os que apresentam maiores índices de afastamento das funções por problemas de saúde; mas é
preciso que se faça uma análise mais esmiuçada dos fatores envolvidos neste cenário.
Em primeiro lugar, é preciso levar em consideração que neste período da educação os estudantes
deixam uma forma de relação mais familiar com seus educadores e começam uma relação mais
“profissional”, envolvendo um maior número de professores e um menor tempo de relacionamento
entre os educadores e estudantes. Assim, as relações deixam de se pautar pelo entrosamento entre
educador e educando, e passam a se dar entre o conteúdo (e autoridade de exposição deste
conteúdo, expressa pelo professor) e receptor deste conteúdo. Em uma sociedade permeada pelas
inúmeras alternativas de acesso ao conhecimento, dadas pelos recentes avanços nos meios de
comunicação, não deve causar estranheza que os jovens questionem a autoridade daqueles que lhes
transmitem este conteúdo, uma vez que não constituíram com estes qualquer relação de confiança
ou de proximidade.
Somado a este problema, a autoridade de hoje não é mais a autoridade de outros tempos, pautada
por uma hierarquia incontestável, quer herdeira de tempos ditatoriais, quer herdeira de uma
sociedade patriarcal e tradicional. Vivemos em tempos democráticos, e o questionamento à
legitimidade das autoridades é parte deste cenário, senão essencial ao equilíbrio da própria
democracia. É incoerente esperar que estudantes, nos dias de hoje, respeitem de modo inconteste
as autoridades; do contrário estaríamos construindo uma geração capaz de retroceder nos valores
democráticos sem questionamento. Como solução, retornamos à proposta de Naranjo, e aos saberes
acumulados pelos educadores dos primeiros anos do ensino básico: o estreitamento das relações
entre educadores e estudantes; e a criação de processos educacionais que permitam que os
educandos possam expressar melhor suas individualidades durante e através destes processos.
Por mais que estas propostas pareçam extravagantes, é necessário colocar, antes de tudo, alguns
questionamentos sobre a Educação que temos e o mundo de constantes transformações que
vivemos. A primeira poderia ser: é necessário, num mundo de constante transformação da economia
e do trabalho, que ensinemos nossos jovens a se tornarem bem sucedidos em padrões pautados em
um mundo do passado? E, também: é eficiente, num mundo em que o acesso à informação é
amplamente difundido, que a educação de nossos jovens se baseie na recepção destas informações
pelos tradicionais métodos de transmissão professor-aluno?
A respeito do primeiro questionamento, é importante pensar que a Educação para a inserção no
mercado de trabalho pode ser uma armadilha para nossas gerações futuras, uma vez que este
mercado está em transformação e que o maior diferencial para as gerações que estamos formando
em nossas escolas durante este período poderá ser a capacidade de iniciativa, inovação e de criar
espaços para inserção neste mercado em transformação: algo que no vocabulário brasileiro
contemporâneo poderia ser traduzido como empreendedorismo. Ou seja, precisaríamos ter uma
escola capaz de criar empreendedores, e não trabalhadores; e isto é muito coerente com as
propostas políticas dos últimos governos.
Sobre a segunda questão, surge a oportunidade de transformar a escola em um espaço propício aos
estudantes para o desenvolvimento de uma capacidade crítica diante da sociedade inundada de
informações que vivemos atualmente, que também permitiria ao professor retomar o seu lugar de
autoridade, que, em vez de imposta como única fonte do conhecimento, seria reconstruída no papel
de auxiliar no caminho da descoberta e da avaliação do aprendizado. Neste caminho existe uma
enorme quantidade de propostas para permitir que a escola deixe de ser um lugar de passividade na
transmissão de conhecimento, para um lugar de iniciativa e descoberta, atraente aos jovens e
eficiente para o desenvolvimento de suas habilidades. A pedagogia de projetos, proposta pela Escola
da Ponte, é um bom exemplo de como desenvolver a autonomia dos estudantes, mantendo a
qualidade do ensino dos conteúdos ao longo de processos mais interessantes e produtivos de
Educação. Resulta que se desenvolvem estudantes mais capazes de conhecer, mais ricos em
conhecimentos, e mais preparados para utilizar o quê conhecem. Em um mundo em crise, estas são
habilidades fundamentais para que se possam encontrar soluções para os problemas.
Por fim, vale lembrar o livro de Hillary Clinton, cujo título faz alusão a um provérbio clássico: “É
preciso uma aldeia para educar uma criança”. No seu livro, “É preciso uma aldeia: e outras lições
que as crianças nos ensinam.”, a ex-primeira dama, e futura candidata à presidência dos EUA, relata
diversos ensinamentos que se podem depreender da educação das crianças e, principalmente, das
próprias crianças durante o processo educacional. Se o Brasil pretende ser a Pátria Educadora, como
promete o dístico do governo para este mandato, precisa estar atento às mudanças necessárias (e
urgentes) no cenário da Educação, e ao mesmo tempo ser sensível às novas propostas que pautam a
Educação na atualidade.
Sendo verdade que é preciso uma aldeia para educar uma criança, vale o contrário, que uma criança
por si educa uma aldeia. Isso significa pensar que educar nossas gerações vindouras não é apenas um
investimento no futuro, mas também um investimento para recuperarmos as gerações existentes de
diversos problemas que parecem insolúveis.
*colaborador do IAEUGT
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