Departamento de Educação Processos de (des)aceleração da aprendizagem em Língua Portuguesa identificados no GERES: o que informam os cadernos escolares? Bolsistas: Maria Ângela Cardoso Orientadora: Alicia Bonamino Introdução Este estudo faz parte do Projeto Inconsistências na Aprendizagem de Leitura e Matemática nos Anos Iniciais do Ensino Fundamental, desenvolvido no âmbito do Observatório da Educação Capes/INEP, no período 2011-2014. O projeto origina-se no Geres - Estudo Longitudinal da Geração Escolar 2005. O Geres acompanhou o desempenho escolar de um painel de alunos, em língua portuguesa (leitura) e matemática, nos anos iniciais do ensino fundamental, entre 2005 e 2008, a partir de uma amostra de aproximadamente vinte um mil alunos, de 302 escolas estaduais, municipais, federais e privadas em cinco cidades brasileiras. O Geres tem por objetivos identificar as características escolares que aumentam o aprendizado dos alunos e que minimizam o efeito da origem social dos alunos na aprendizagem. A pesquisa identificou ritmos diferenciados de aprendizagem, que evidenciaram inconsistências na aprendizagem das habilidades de leitura e matemática entre as escolas e redes de ensino, ao longo das cinco ondas de aplicação dos testes. Como parte das estratégias de investigação dessas inconsistências, foram selecionadas seis escolas municipais, na cidade do Rio de Janeiro, que apresentaram situações contrastantes de aprendizagem, isto é, escolas que tiveram uma desaceleração e escolas que apresentaram um aumento no ritmo de aprendizagem, especificamente nas habilidades de leitura, entre o segundo e o terceiro ano do ensino fundamental. Para tal, este estudo em particular toma como referência o currículo “real”, representado pelos saberes efetivamente trabalhados em sala de aula, e expresso através dos livros didáticos utilizados, dos questionários respondidos pelos docentes que participaram do Geres, de atividades ou registros de aulas de professores e, sobretudo, através de cadernos escolares dos alunos. No que diz respeito à análise de cadernos, faz-se necessário explicitar que esse tipo de documento possibilita identificar o ensino praticado em determinada turma e ano escolar. Em razão disso, cadernos de cada um dos anos escolares acompanhados pelo Geres foram coletados junto a alunos de parte das escolas cariocas selecionadas e estes cadernos foram analisados em busca de “pistas” ou “indícios” (GINZBURG 1991) que possibilitassem 1 Departamento de Educação iluminar relações, de processos já ocorridos, entre práticas de ensino e aprendizagem de habilidades de leitura e escrita (GVIRTZ 2009). Na escolha dos cadernos escolares como objeto de pesquisa não deixamos de levar em consideração que este tipo de fonte possui limitações, uma vez que, obviamente, nem tudo o que se passa em sala de aula é nele registrado. Também não tínhamos expectativas de recolhimento de um grande numero de cadernos, uma vez que este dispositivo escolar é usualmente descartado pelas famílias ao final do ano letivo. No entanto, em sintonia com a literatura sobre o tema, entendemos o caderno como sendo um importante documento escolar, no qual imperativos institucionais como exercícios e suas tipificações, organização da rotina, parte do currículo efetivamente ensinado entre outras dimensões, se fazem presentes. A partir do uso dessa documentação, uma planilha foi elaborada para registro das práticas de sala de aula de ensino da leitura e da escrita evidenciadas na análise dos cadernos dos alunos. Posteriormente, foram acrescentadas a esta planilha as respostas dos professores ao questionário contextual do Geres sobre suas práticas de ensino da leitura e da escrita, de forma a desenhar seu perfil pedagógico. Além desta introdução, o relatório esta organizado em cinco seções. Na próxima seção, apresentamos uma breve revisão da literatura sobre cadernos escolares como fontes de pesquisa. Na sequência apresentamos os objetivos. Na seção três abordamos a metodologia do trabalho. Na seção quatro, apresentamos a análise dos cadernos e dos questionários respondidos pelos professores. E por fim, na seção cinco, as considerações finais. Cadernos escolares como expressão do currículo ensinado De acordo com Vinão (2008, p. 17), a progressiva introdução, em substituição às folhas soltas, desde a segunda metade do século XIX, dos cadernos no âmbito escolar como o espaço gráfico adequado para conter boa parte das atividades de sala de aula, fez deles uma fonte de inescusável utilização para seu estudo. Por essa mesma razão, dada a natureza predominantemente escrita dos trabalhos incluídos nos cadernos, estes constituem uma fonte privilegiada para o estudo do ensino, da aprendizagem e dos usos escolares da língua escrita, ou seja, da alfabetização escolar e da difusão, nesse âmbito, da cultura escrita. Através do caderno escolar, é possível conhecer tanto o passado como o presente dos sistemas educativos. De acordo com o mesmo autor, os cadernos escolares configuram-se como uma fonte de conhecimento no cruzamento de três campos historiográficos complementares: a história da infância, a cultura escrita e a educação (Vinão. 2008, p. 15). 2 Departamento de Educação Quer seja da história do currículo das instituições educativas, das culturas e memórias escolares, ou de dentro delas, das disciplinas, das atividades e dos exercícios escolares, os historiadores da educação encontraram (ou acreditam ter encontrado) nos cadernos escolares vantagens indubitáveis frente ao livro texto (objeto de atenção preferente desde a década de 1980) para conhecer e estudar essa ‘caixa preta’ da história da educação – que eram, e seguem em boa parte sendo, a realidade e as práticas escolares, a vida cotidiana nas salas de aula e nas instituições educativas; enfim, o que ocorre definitivamente nas salas de aula quando o professor fecha a porta (VINÃO 2008, p. 16). Nesse sentido, os cadernos não são apenas um produto da cultura escolar e da atividade realizada nas salas de aula, e nesse sentido um dispositivo escolar diferente do livro didático que é um produto exterior introduzido em sala de aula, mas também uma fonte que fornece informação, por meio, sobretudo de redações e composições escritas, da realidade material da escola e do que nela se faz. A pesquisa sobre cadernos escolares utiliza esta fonte para conhecer tanto diversas práticas de escrita, como diferentes mecanismos de aquisição da cultura escrita, ou seja, para mapear recados, notas, exercícios, de modo a contribuir para examinar e reconstruir o que foi desenvolvido no cotidiano da classe. O caderno, além de revelar indícios de práticas, revela também escolhas e opções teóricas e metodológicas dos professores, concepções da língua e do seu ensino. Como explicita Chartier (2007, p.23), os escritos escolares constituem indicadores de desempenhos escolares de alunos. Através deles, é possível confrontar o ensino desejado com o aprendizado praticado, passar das teorias pedagógicas ou textos prescritivos à sua utilização. O caderno constitui, portanto, um dispositivo de transposição didática, um instrumento que permite inferências sobre uma parte do currículo real. Os cadernos escolares também permitem conhecer o livro didático que é utilizado e como o mesmo é utilizado. De outro lado, por vezes, o livro didático contém indicações, explícitas ou implícitas, sobre a natureza e o tipo de exercícios a serem realizados nos cadernos. Pela vantagem que os cadernos oferecem frente ao livro didático ou a currículo proposto oficialmente para se conhecer e se aproximar do currículo real, pode-se cair na tentação de crer que essa fonte reflita, de um modo fiel e exato, quase toda a atividade escolar. Na verdade, o que eles permitem são, no máximo, uma aproximação e uma reconstrução parcial 3 Departamento de Educação do passado. Embora o espaço de produção escrita dedicada a um exercício, atividade ou matéria não refletia exatamente o tempo dedicado a cada uma dessas tarefas no horário escolar, no sentido de que, mais produção escrita não equivale necessariamente a mais tempo empregado em uma atividade ou disciplina, esse tipo de registro no caderno indica sua importância dentro das atividades ou matérias que envolvem a escrita, a concepção de aprendizagem da língua, a ênfase dessas atividades na produção escrita do caderno e sua sequência e distribuição temporal (CHARTIER, 2007, p. 25). Nesse sentido, nem tudo está nos cadernos. Eles silenciam, não dizem nada sobre as intervenções orais ou gestuais do professor e dos alunos, sobre seu peso e o modo como ocorrem e se manifestam, sobre o ambiente ou clima da sala de aula, sobre as atividades que não deixam pistas escritas ou de outro tipo, como os exercícios de leitura (a leitura em voz alta, por exemplo) e todo o mundo do oral, nem tampouco sobre os tempos improdutivos ou intervalos entre uma e outra tarefa. Em razão dessas limitações, a literatura recomenda que o uso dos cadernos se complete e se combine com outras fontes, em especial com o livro didático e informações, no caso deste estudo, provenientes dos questionários contextuais respondidos pelos professores, no âmbito da pesquisa Geres, sobre suas práticas de ensino da leitura e da escrita nos anos iniciais do ensino fundamental. Objetivos São dois os objetivos principais deste trabalho, a saber: • Construir o perfil pedagógico dos professores investigados em relação às práticas de ensino da leitura e da escrita, em cada ano escolar, de modo a contextualizar a reflexão sobre a aceleração e desaceleração nos ritmos de aprendizagem das habilidades de leitura identificadas pelo Geres. • Elaborar, a partir desses perfis, subsídios para a reformulação de instrumentos contextuais de avaliação sobre práticas de ensino a serem oferecidos à pesquisa e às avaliações estaduais em larga escala do período de alfabetização. Metodologia Do ponto de vista metodológico, a opção é, então, a de tentar desvelar experiências de ensino e de aprendizagem a partir de uma análise integrada de resultados Geres e de 4 Departamento de Educação documentos1 que possibilitem a apreensão de trajetórias de ensino e de aprendizagem já vivenciadas tanto por turmas de alunos e escolas que apresentaram manutenção ou desaceleração na aprendizagem quanto por aquelas que demonstraram avanços. Pretende-se, assim, a partir da análise dos resultados do Geres, tentar identificar diferenças e aproximações nos processos de ensino-aprendizagem da leitura e da escrita, tomando-os tanto em suas regularidades quanto naqueles aspectos que são peculiares, singulares. Nessa perspectiva há de se observar, no processo de transposição didática, diferentes formas de organização e de relação com o saber escolar e, sobretudo, a existência de diferentes concepções acerca do que ensinar e de como exercitar a transposição didática. Sobre a transposição didática, Perrenoud (1933, p.24) destaca que os saberes doutos e daqueles oriundos das práticas sociais pouco se relacionam com o seu modo de apropriação no contexto escolar. Segundo o mesmo autor, o conhecimento, para ser ensinado, adquirido e avaliado sofre transformações como segmentação, cortes, tradução em lições, aulas e exercícios, organização a partir de materiais pré-construídos. Perrenoud distingue três fases no processo de transposição didática: - dos saberes doutos ou sociais aos saberes a ensinar (ou, de uma forma mais geral, da cultura extraescolar ao currículo formal); - dos saberes a ensinar aos saberes ensinados (ou do currículo formal ao currículo real); - dos saberes ensinados aos saberes adquiridos (ou do currículo real à aprendizagem dos alunos) (1993, p.25). Considerando que o professor é um dos principais atores da “segunda fase”, ainda que participe de modo indireto da produção do currículo formal, a apreensão de práticas já exercidas indica que se tome como eixo para a elaboração deste estudo, o currículo, tal qual ele se materializa nos contextos intraescolares. Em consonância com essa perspectiva, a investigação acerca das três dimensões curriculares é interpretada tendo em vista os seguintes instrumentos de análise: (1) currículo formal: através de documentos oficiais da Escola e outro(s) documento(s) que subsidiem prática(s) docente(s); (2) currículo real, representado por saberes efetivamente trabalhados em sala de aula, expresso através dos livros didáticos utilizados, dos questionários respondidos pelos docentes que participaram do Geres, de atividades ou registros de aulas de professores e, sobretudo, através de cadernos de alunos. 1 O termo documento é aqui usado em sentido amplo, tal como definido por Le Goff (s.d., 95-105), como um monumento decorrente do esforço das sociedades históricas de impor, prospectivamente, dada imagem de si mesmas. O documento é, segundo o autor, produto da sociedade que o produziu segundo as relações de forças, resultado (ainda que não consciente) da história, da época da sociedade que o produziu e, também daquela(s) que o manipula(m); ele é uma coisa que fica, que dura e, enquanto tal, “pode ser um documento escrito, ilustrado, transmitido pelo som, a imagem, ou de qualquer outra maneira”. 5 Departamento de Educação Esse tipo de documento possibilita identificar o ensino praticado em determinada turma e permite confrontar currículo formal e currículo real. Isto significa que, com a coleta dos cadernos de cada um dos anos iniciais de um único aluno Geres, por exemplo, pode-se ter acesso, ao menos parcial, ao trabalho de toda a turma e ao tempo e tipo de atividades desenvolvidas pelo professor polivalente no ensino da leitura e da escrita. Análise dos cadernos escolares recolhidos Neste texto, reportamos o resultado da análise de quatro cadernos escolares, fornecidos por alunos que estudaram com duas professoras ao longo de três dos quatro anos letivos pesquisados pelo Geres. Trata-se, assim, de quatro cadernos correspondentes ao 2º; 3º; 4º e 5º ano do ensino fundamental de alunos que frequentaram a mesma escola e turma ao longo desse segmento do ensino fundamental e que estudaram apenas com duas professoras diferentes, uma delas somente no 3º ano. Assim, no que se refere ao número de cadernos, a análise centrou-se em alguns poucos cadernos, tomados como microestudos de caso significativos, dos quais se podem extrair conclusões em relação a atividades de ensino da leitura e da escrita no contexto de determinada turma e escola. Neste estudo, os cadernos foram utilizados como fonte para o conhecimento de diferentes atividades escolares de ensino da leitura e da escrita, o que envolveu o estudo da distribuição do tempo (ritmos, sequências de realização das diferentes atividades e tarefas), da distribuição real do currículo no dia-a-dia da escola, entre os diferentes dias e meses do ano letivo, e sobre a organização do trabalho em sala de aula, e que culminou na elaboração de uma tipologia das atividades e exercícios em cada ano escolar. Enfim, os cadernos foram utilizados como fonte de conhecimento sobre o currículo ensinado, ou ao menos daquela parte que tem seu registro escrito nos cadernos escolares, e para o estabelecimento de hierarquias entre disciplinas e matérias, que aparecem classificadas e ordenadas temporalmente nos cadernos escolares. Do ponto de vista do conteúdo, trata-se de cadernos únicos para o conjunto das matérias lecionadas nesses diferentes anos escolares. Na análise desses documentos, optou-se, num primeiro momento, por fazer uma leitura do conjunto de cadernos e registros, em forma de lista, acerca dos tipos de exercício constantes dos cadernos, tendo em vista a natureza da atividade neles privilegiada. Essa etapa preliminar se justifica face à necessidade de não definir categorias a priori, mas de apreendê6 Departamento de Educação las a partir dos dados empíricos observados, materializados a partir do conjunto de atividades constante dos cadernos. Após esse primeiro momento, as variáveis identificadas foram categorizadas e estruturadas em forma de planilha. Essa atividade envolveu as seguintes etapas: [1] leitura de um conjunto de cadernos e registros, em forma de lista, dos tipos de exercícios constantes dos cadernos, tendo em vista a natureza da atividade neles privilegiada; [2] organização das variáveis identificadas em categorias e [3] produção de uma planilha. O propósito da planilha é permitir uma visão global das categorias e respectivos itens apreendidos ao longo de um caderno e/ou de um conjunto de cadernos de um mesmo aluno. Por exemplo, no conjunto de cadernos do mesmo aluno tinha-se um caderno relativo a 2005, três a 2006, um a 2007 e dois a 2008. Tem-se, nesse caso, uma planilha referente a cada ano, posteriormente agrupada às demais, obtendo-se assim, uma visão ano a ano e, também, uma visão global do conjunto de propostas ao longo do período 2005-2008 de um mesmo aluno em dada instituição. Pode-se, também, comparar conjuntos de tarefas privilegiadas ao longo de cada ano, entre diferentes anos numa mesma escola, entre turmas, tendo em vista o universo e a diversidade dos materiais disponíveis. Viabiliza-se, a partir desse modo de sistematização dos dados, uma visão “panorâmica” da composição do conjunto das atividades identificadas em duas dimensões: vertical, organizando as categorias de análise de língua portuguesa contidas nos cadernos; e horizontal, organizando a distribuição das atividades e a sua quantidade no decorrer do tempo. Procurou-se, nesse percurso, levantar o maior número de itens possíveis para definição das categorias da planilha, independente da frequência com que figuravam. Só após essa primeira aproximação com os dados, partiu-se para um levantamento mais apurado das variáveis identificadas, organizando-as em categorias ou conjuntos analíticos. Foram identificados, também, aspectos que não guardam relação direta com um componente curricular, mas que indiciam modos de utilização desse dispositivo escolar, como as atividades de rotina e os cabeçalhos que, face à suas especificidades, foram registrados separadamente. Outra estratégia foi a delimitação de um espaço específico para observações visando à inclusão de variáveis que, no desenho preliminar, não tivessem sido contempladas e que pudessem constituir-se em objeto de análise quer como uma nova categoria, quer como uma variável particular, notável por sua singularidade. Consta, também, no inicio da planilha, um espaço dedicado à identificação dos cadernos como: disciplina, nome do aluno, período de escolaridade, número de páginas utilizadas, período letivo a que se refere. A tabela abaixo é um fragmento extraído da versão final da planilha e permite visualizar sua estruturação. 7 Departamento de Educação Tabela 1. Demonstração da estrutura da planilha de análise dos cadernos. CÓD. L.PORTUGUESA - ATIVIDADES 1. AQUISIÇÃO DO SISTEMA DE ESCRITA 1.1. 1.2. 1.3. 1.4. 1.5. 1.6. 1.7. 1.8. 1.9. 1.10. 1.11. 1.12. 1.13. 1.A. 1.B. 1.C. recorte de palavra com base na escrita recorte de palavra com base no som escrita ou formação de palavra formação de frase escrita do alfabeto ordem alfabética diferentes tipos de letras (cursiva e de imprensa) palavra (tamanho, nº de letras, letra inicial...) identificação de letra e ou palavra (circule, risque, sublinhe...) separação silábica famílias silábicas encontro vocálico e encontro consonantal relacionar desenho à palavra ou frase correção do professor estímulo do professor auto-correção/correção de pares Análise das respostas declaradas pelos professores Complementarmente, foram estudadas, nas bases de dados Geres, variáveis sobre o estilo de alfabetização dos professores e a sua declaração acerca da frequência com que realizavam atividades específicas de leitura e de escrita com seus alunos. Identificadas as variáveis e seu significado pedagógico, as mesmas foram transformadas em categorias e incluídas numa planilha. Na tabela 2, podemos visualizar um fragmento da planilha das professoras que permite observar sua estrutura. As respostas foram retiradas dos questionários Geres respondidos individualmente pela professora que, em 2005, lecionava na turma do 2º ano escolar e, sucessivamente, por quem lecionou para esses mesmos alunos em 2006, 2007 e 2008. Tabela 2. Demonstração da estrutura da planilha de respostas dos professores. 8 Departamento de Educação ESCOLA Escola Municipal X ANO 2005 2006 2007 2008 PROFESSORA A B C D Categoria: Aquisição do sistema de escrita 1.14. Ensino primeiro os sons das letras, depois as sílabas e por último as palavras e frases.(Q94A) 1.15. Trabalha leitura a partir das vivências dos alunos e de pequenos textos, decompondo-os em frases, palavras e sílabas até chegar aos fonemas.(Q94B) x x 1.16. Faço a relação entre as letras e seus respectivos sons (pronúncia prolongada dos sons, gestos e movimentos das mãos que acompanham a pronúncia). (Q95A) 1.17. A partir de textos significativos seleciono palavras para serem analisadas (tamanho, quantidade, posição das letras na palavra, semelhanças e diferenças na sua estrutura).(Q95B) X x 1.18. Começo apresentando as vogais, as famílias silábicas mais simples, depois as mais complexas e termino o ano trabalhando algumas regras ortográficas. (Q96A) 1.19. Identificando as hipóteses dos alunos sobre o funcionamento da escrita e planejo atividades diferenciadas de acordo com o desenvolvimento dos grupos. (Q96B) X X x x Posteriormente, os dados dos cadernos, dos anos escolares e das duas professoras investigados foram computados em uma planilha única, para permitir diversas formas de comparação. Logo a seguir foi realizado o cruzamento entre as práticas observadas nos cadernos e as respostas do mesmo professor ao questionário contextual do Geres, o que permitiu a análise conjunta das práticas de ensino da leitura e da escrita declaradas e observadas nos cadernos e oportunizou o delineamento do perfil pedagógico desses professores. Cruzamento entre práticas observadas e declaradas As análises realizadas dos cadernos e dos itens do questionário respondidos pelas professoras permitiram, até o momento, um mapeamento descritivo e comparativo das práticas observadas e declaradas que, por ora, apresentaremos. A continuidade da pesquisa corresponderá a uma interpretação pedagógica do conjunto das práticas mencionadas.. A professora responsável pela turma que cursava o 2º ano em 2005, ano escolar tipicamente caracterizado como o momento de aquisição do código de leitura e de escrita, declarou no questionário optar por práticas de alfabetização mais contextualizadas. Suas escolhas compreendem “trabalhar com as vivências dos alunos”, “utilizar pequenos textos 9 Departamento de Educação significativos”, “identificar as hipóteses dos estudantes sobre o funcionamento da escrita” e “planejar atividades diferenciadas, de acordo com o desenvolvimento dos grupos”. Suas declarações evidenciam, ainda, uma preferência pelos métodos analíticos de alfabetização, nos quais parte-se de um pequeno texto para a sua decomposição em frases, palavras e sílabas, até chegar aos fonemas. A observação, sistematização e análise das atividades de ensino do sistema de escrita registradas nos cadernos utilizados pelos alunos deste professor mostram sua ênfase no trabalho com famílias silábicas, separação de sílabas e formação de palavras por meio da junção de sílabas dadas. No ano de 2006, a professora que lecionava para o 3º ano declarou partir das vivências dos alunos e de pequenos textos, decompondo-os em palavras, frases, sílabas e fonemas, no processo de alfabetização. No entanto, suas opções de resposta recaíram mais frequentemente no trabalho com a relação letra/som, no qual são apresentadas as vogais, as famílias silábicas mais simples e depois as mais complexas, caracterizando sua opção pelos métodos sintéticos. O professor declarou, ainda, terminar o ano letivo trabalhando algumas regras ortográficas. O conjunto de escolhas feitas dos itens do questionário pela professora mostrou uma ênfase em práticas menos contextualizadas de alfabetização. Os registros dos cadernos dos alunos desta professora mostram uma boa frequência para as práticas de leitura, embora direcionada principalmente à leitura de palavras. Quanto às atividades voltadas para a aquisição do sistema de escrita, as práticas observadas nos cadernos foram: separação silábica, formação de frase, abordagem das famílias silábicas, atividades de escrita ou formação de palavras, atividades envolvendo a identificação de letras ou palavras (por exemplo, “Circule a palavra que completa a frase”) e atividades de escrita/ordenação do alfabeto. Além disso, houve uma frequência ainda maior de exercícios relacionados a categorias gramaticais. Em 2007, quando a pesquisa investigou as práticas em relação ao 4º ano, a professora declarou desenvolver todas as modalidades de leitura (leitura silenciosa, leitura em voz alta de textos do livro didático, leitura oral, individual e alternada etc.) muitas vezes por semana. Já com relação à prática de redação, a professora afirmou que nunca solicitava aos alunos que escrevessem sobre um tema escolhido por eles e que cerca de uma vez por semana solicitava que escrevessem sobre tema definido pela própria professora. Esta professora afirmou também utilizar a prática de ditado várias vezes por semana e pedir a seus alunos que realizassem a atividade de cópia algumas vezes por bimestre. As práticas observadas nos cadernos utilizados por seus alunos evidenciaram uma baixa frequência de atividades referentes à leitura. Quanto à redação, foi encontrado apenas um registro. Já as cópias e as questões gramaticais foram às atividades mais enfatizadas. 10 Departamento de Educação Em 2008, a professora responsável pela turma que cursava o 5º ano foi a mesma professora dos anos de 2005 e 2007, e talvez por isso não tenha respondido o questionário Geres. Nos cadernos de seus alunos há apenas dois registros de atividades relativas à apropriação do código de escrita, o que é natural para esse momento da escolaridade. No que se refere à produção de textos, foi encontrada apenas a escrita de um conto. A atividade de cópia se limitou a enunciados do livro didático. As atividades relacionadas a categorias gramaticais ocorreram com frequência relativamente alta ao longo do ano letivo. Na sequência da pesquisa, além da interpretação pedagógica do conjunto de práticas descrito, pretendemos desenhar o perfil das professoras, verificando a abordagem sobre alfabetização e ensino da leitura e escrita presente no livro didático por elas selecionado para cada ano escolar, no contexto do Programa Nacional do Livro Didático (PNLD), para, posteriormente, refletir sobre possíveis relações entre as práticas pedagógicas dessas professoras e a evolução dos resultados em leitura de seus alunos e turmas no Geres. Finalmente, será feita uma análise sobre o que esses perfis nos permitem aprender em relação ao aprimoramento dos questionários destinados a investigar praticas pedagógicas nos anos iniciais do ensino fundamental, notadamente no período da escolarização destinado a alfabetização. Referência bibliográfica CHARTIER, Anne-Marie. Práticas de leitura e escrita; história e atualidade. Belo Horizonte: Autêntica, 2007. GINZBURG, Carlo. Chaves do mistério: Morelli, Freud e Sherlock Holmes. In: ECO, U. e SEBEOK, R. (Orgs.). O signo de três. São Paulo: Perspectiva, p. 89-129, 1991. GVIRTZ, Silvina. Del curriculum prescrito al curriculum enseñado. Una mirada a los cuadernos de clase. Ciudad de Buenos Aires, AIQUE Educación, 2009. PERRENOUD, Philippe. Práticas pedagógicas, profissão docente e formação; perspectivas sociológicas. Lisboa: Dom Quixote, 1993. 11 Departamento de Educação VIÑAO, Antonio. Os cadernos escolares como fonte histórica: aspectos metodológicos e históricos. In: MIGNOT, A. C. 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