Cadernos de Educação de Infância
Out./Dez. 2001
Relatório do Desenvolvimento Humano 2001
Novas tecnologias e desenvolvimento humano
Alexandra Marques
Educadora de Infância - APEI
" Desenvolvimento e tecnologia não gozam de uma relação pacífica (...). No entanto,
se a comunidade do desenvolvimento rejeita a explosão da inovação tecnológica
nos alimentos, na medicina e informação, arrisca-se a marginalizar-se e a negar aos
países em vias de desenvolvimento oportunidades que, aproveitadas eficientemente,
poderão transformar a vida das pessoas pobres e oferecer possibilidades de
desenvolvimento aos países pobres."
Relatório do Desenvolvimento Humano 2001
O Relatório de Desenvolvimento Humano é da responsabilidade do PNUD Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento e vai já na sua 11ª edição. É
objectivo destes relatórios avaliar o estado do desenvolvimento humano1 em todo o
mundo e fornecer uma análise crítica de um tema específico, combinando a análise
política com dados pormenorizados dos países, pondo o enfoque no bem-estar
humano e não apenas nas tendências económicas.
Mas de que concepção de desenvolvimento é que estamos a falar?
Estamos a falar do desenvolvimento que contempla as pessoas e o alargamento
das suas escolhas para levarem uma vida a que dêem valor. De um
desenvolvimento que toma o crescimento económico apenas como um meio para
alargar as escolhas dos indivíduos, que aposta na criação das capacidades
humanas (conjunto de coisas que as pessoas podem ser, ou fazer, na vida.): ter
uma vida longa e saudável, ser instruído, ter acesso aos recursos necessários para
um nível de vida digno e ser capaz de participar na vida da comunidade. Estamos
também a falar do desenvolvimento que tem por fim último a liberdade humana, ou
seja, a liberdade individual para exercer as escolhas, para participar na tomada de
decisões que afectam a sua vida; referimo-nos ao respeito pelos direitos humanos
de forma a garantir o bem-estar e a dignidade de todos, criando respeito próprio e
respeito pelos outros.
Quando nos dispomos a reflectir sobre o nosso quotidiano, fundados nesta
concepção de desenvolvimento, poderemos ser assaltados pela angústia da
mudança e seus riscos, das assimetrias mundiais2 ou sentirmo-nos interpelados a
questionar qual a nossa responsabilidade e participação neste processo. Onde é
que eu, cidadão de um país do mundo, tenho lugar neste processo, num contexto
que se diz cada vez mais "impregnado" pela globalização, pela emergência de novos
saberes, pela eclosão de novas técnicas, pela expansão tecnológica, pela ruptura
1
O índice de desenvolvimento humano (IDH) é uma medida compósita de desenvolvimento humano. O conceito de desenvolvimento humano é,
contudo, muito mais amplo do que o IDH e outros índices complementares uma vez que existem dimensões vitais, tais como a participação na vida
da comunidade, que não são facilmente qualificáveis. Assim o IDH mede os progressos globais de um país, em três dimensões básicas do
desenvolvimento humano - longevidade, conhecimento e nível de vida digno. É pelos seguintes indicadores: esperança de vida, nível educacional
(alfabetização de adultos e escolarização combinada do primário, secundário e superior) e rendimento per capita ajustado, em paridades de poder
de compra..
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Dos 4,6 milhões de pessoas nos países em desenvolvimento, mais de 850 milhões são analfabetas, perto de mil milhões não têm acesso a fontes
de água melhoradas e 2,4 mil milhões não têm acesso a saneamento básico. Perto de 325 milhões de rapazes e raparigas estão fora da escola. E 11
milhões de crianças com menos de cinco anos morrem todos os anos de causas evitáveis - o equivalente a 30.000 por dia.
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das fronteiras tradicionais, pela constituição de redes, pelo esgotamento dos
recursos, pelo crescente gasto em armamento...
Os desafios do desenvolvimento humano, neste novo milénio, são ainda
incomensuráveis mas no relatório de 2001, o PNUD aborda especificamente o modo
como as novas tecnologias vão afectar os países em desenvolvimento e as pessoas
pobres, pondo a tónica em dois níveis: como é que os indivíduos podem criar e
utilizar a tecnologia para melhorar a sua vida e como criar políticas públicas que
orientem a tecnologia da informação e comunicações bem como a biotecnologia, no
sentido do desenvolvimento humano (vida mais saudável, maiores liberdades
sociais, conhecimento acrescido, meios de vida mais produtivos).
Seria pretensioso conseguir num artigo desta natureza, tratar de modo exaustivo
toda a informação disponibilizada pelo relatório. O objectivo traçado foi o de dar a
conhecer o documento e de tentar apresentar algumas das questões nele
levantadas, nomeadamente, os medos, as razões para adopção das novas
tecnologias e as recomendações apresentadas.
Será importante referir que todo o esforço que os governos/estados e os indivíduos
têm vindo a desenvolver no âmbito das novas tecnologias e que é analisado neste
relatório, se insere num programa mais amplo para erradicação da pobreza até
2015, iniciado e traçado na Cimeira do Milénio das Nações Unidas, cujo fundamento
é que os avanços tecnológicos promoverão o desenvolvimento humano.
A adesão à mudança é um processo embuído de resistência, constrangimentos,
inseguranças e, porque não dizê--lo, de medos, daí que a adesão às novas
tecnologias, nomeadamente na área da comunicação e da informação, possa gerar
interrogações como:
-
que utilidade têm as novas tecnologias para o mundo em
desenvolvimento?
será que estas não estão a acentuar e alargar as desigualdades
Norte/Sul?
não poderão elas tornar-se uma fonte de exclusão?
Embora os dados apresentados evidenciem assimetrias significativas a nível
mundial é assumido que "... os investimentos em tecnologia como os investimentos
em educação, podem dar às pessoas melhores instrumentos e torná-las mais
produtivas e prósperas. (...) A tecnologia pode causar mudanças descontínuas e só
uma inovação pode mudar rápida e significativamente o curso de uma sociedade
inteira (...) e pode ter efeito multiplicador no aumento do conhecimento, na saúde, na
produtividade, nos rendimentos e construindo a capacidade para a inovação3 futura,
revertendo totalmente para o desenvolvimento humano.".
Relativamente aos medos, o presente relatório aponta três razões para que se
adoptem as novas tecnologias:
3
O relatório refere como condições necessárias para a criação de um ambiente propício à inovação tecnológica: estabilidade política,
estabilidade macroeconómica e políticas pró-activas de estímulo à inovação (Ex: estimular a investigação orientada para a tecnologia,
estimular o risco empresarial).
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1. Há benefícios potenciais na medida em que as possibilidades de
promoção de desenvolvimento humano através das transformações
tecnológicas são enormes para os países em desenvolvimento.
2. As novas tecnologias melhoram frequentemente as que vão substituir
(nesta base será necessário considerar os custos de inércia versus custos
de mudança).
3. Os perigos potenciais podem ser geridos e a sua ocorrência ser reduzida
operacionalizando os seguintes meios: investigação científica sistemática,
e de regulação e capacidade institucional.
Pese embora o optimismo sugerido por estas razões será imprescindível que os
governos reconheçam que a política tecnológica afecta as grandes áreas de
desenvolvimento (saúde pública, educação e criação de emprego) e que todos os
cidadãos reconheçam que os processos inerentes à mudança e inovação resultam
da combinação da responsabilidades públicas e privadas. Se a revolução
tecnológica pode implicar maior globalização (e esta facilita a criação de redes)
também é certo que é exigido aos países a capacidade para compreender e adaptar
as tecnologias mundiais às necessidades locais (Pensar global. Agir local.), assim
como garantir ambientes económicos flexíveis, competitivos e dinâmicos
(promotores da expansão de qualificações humanas e da criatividade das
populações).
O relatório identifica quatro grandes problemas mundiais decorrentes da introdução
de novas tecnológicas, a saber: rendimentos baixos e instituições fracas (A pobreza
humana e as instituições fracas alargam o fosso entre as tecnologias adequadas aos
rendimentos e às capacidades de países ricos e de países pobres.), bens públicos,
produtores privados (... sem uma forma eficaz de coordenar a procura latente e reter
estes benefícios externos, nem os investidores privados, nem as agências públicas
nacionais serão motivados a investir na inovação a níveis socialmente óptimos, ou
nas áreas mais importantes.), mercados mundiais, preços mundiais (Com a
crescente abertura de fronteiras, os produtores temem que reimportações de
produtos fortemente descontados reduzam os preços mais altos, cobrados para
cobrir as despesas gerais e os custos de investigação e desenvolvimento),
capacidade tecnológica fraca em muitos países em desenvolvimento (É fundamental
construir a capacidade tecnológica nos países em desenvolvimento para criar
soluções de longo prazo, porque as tecnologias de desenvolvimento, só por si, não
têm, não podem e não serão fornecidas através do mercado mundial.).
Para finalizar esta breve "visita" ao Relatório de Desenvolvimento Humano 2002, das
Nações Unidas, apresentam-se as recomendações que se consubstanciam num
apelo "para a acção em quatro frentes":
1. Criação de parcerias inovadoras e novos incentivos à investigação e
desenvolvimento.
2. Gestão de direitos da propriedade intelectual.
3. Expansão do investimento em tecnologias para o desenvolvimento.
4. Prestação de apoio institucional regional e mundial.
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Espero que estas breves informações possam ser o motor para uma pesquisa
individual mais aprofundada 4 e, sobretudo, que permitam a cada um de vós reflectir
sobre as questões e desafios que se lhe levantam quotidianamente enquanto
profissionais de Educação e na condição de cidadãos.
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O Relatório de Desenvolvimento Humano pode ser adquirido gratuitamente no Centro de Informação da ONU, na Rua Latino Coelho,
Bloco A-1, 10º Lisboa; telefone 213 190 790.
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