X Encontro Nacional de Educação Matemática
Educação Matemática, Cultura e Diversidade
Salvador – BA, 7 a 9 de Julho de 2010
ENSINO DO SISTEMA DE NUMERAÇÃO DECIMAL: ANALISANDO A
PRÁTICA DOCENTE NUMA TURMA DE 2º ANO DO ENSINO FUNDAMENTAL
Maria Luiza Laureano Rosas
Prefeitura do Recife
[email protected]
Ana Coelho Vieira Selva
Universidade Federal de Pernambuco – UFPE
[email protected]
Resumo: O presente estudo investigou como uma professora de 2º ano do Ensino
Fundamental da Rede de Municipal do Recife abordava Sistema de Numeração Decimal
(SND) em sala de aula. Os dados foram coletados a partir de observações de aulas de
matemática na abordagem do SND. As observações de aula apontaram para uma
abordagem do sistema com ênfase nos aspectos formais e nos procedimentos de resolução
de algoritmos. Foi observado também o uso frequente e sequenciado do livro didático em
sala de aula ao abordar o SND. Dessa forma, a abordagem do Sistema de Numeração
Decimal pareceu determinada pela proposta do livro didático. Isso nos leva a refletir sobre
o papel do professor diante da aprendizagem dos alunos, da abordagem do conteúdo e do
livro didático.
Palavras-chave: Matemática; Sistema de Numeração Decimal; Prática Docente.
Introdução
O ensino e aprendizagem do Sistema de Numeração Decimal (SND) têm sido foco
de pesquisas no tocante a sua importância, seus princípios, as dificuldades enfrentadas
pelos alunos. No entanto, a prática do professor ao trabalhar esse conteúdo é muito
raramente pesquisada. Desta forma, o presente trabalho pretende analisar a abordagem do
SND realizada por uma professora de uma turma de segundo ano do Ensino Fundamental
da Rede Municipal do Recife, a partir, da análise de observações de aula. Ele se constitui
em parte de um trabalho mais amplo que analisa o uso do livro didático de Matemática na
abordagem do Sistema.
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Consideramos inicialmente que o SND é usado na maioria dos países, por se tratar
de um sistema econômico, que simplifica a leitura e a escrita de números. Todavia,
enquanto sistema de notação numérica é composto por princípios que o fundamentam e
que precisam ser entendidos por seus usuários.
Nunes e Bryant (1997) acreditam que as crianças já chegam à escola com muitas
informações sobre o sistema de numeração e que reproduzir seqüências numéricas não é
garantia de compreensão de seus princípios. Isso contraria a ideia tradicional de que as
crianças aprendem os princípios do sistema por meio da escrita numérica, com
intermináveis reproduções de sequências numéricas. Pesquisas como as de Lerner e
Sadovsky (1996), Carraher, Carraher e Schliemann (1988) corroboram com Nunes e
Bryant (op. cit.), uma vez que nos levam a considerar que não se faz necessário que as
crianças reproduzam sequências numéricas para que venham a compreender o SND.
Desde cedo, as crianças convivem com o SND, por meio do levantamento de
hipóteses e criação de estratégias para leitura, interpretação e produção de números. Essas
hipóteses e estratégias estão muito relacionadas às informações numéricas que elas têm
acesso cotidianamente. Assim, respaldados nos autores acima citados, é importante que a
escola oportunize momentos de discussão e reflexão sobre as informações numéricas,
lendo, interpretando e produzindo números. Nesse contexto, as regularidades do sistema e
seus princípios tendem a se tornar transparentes e compreensíveis.
O SND é um conhecimento básico para a construção de outros conhecimentos
matemáticos. Se a criança não se apropriar das especificidades desse sistema poderá ter
dificuldades de continuar na caminhada da construção do conhecimento matemático.
A teoria de Vergnaud (1986, 1997) fundamenta a discussão do processo de ensino e
aprendizagem do SND. Vergnaud (ibid) aborda o conhecimento matemático a partir de
campos conceituais, enfatizando as relações existentes entre diferentes conceitos. Campo
conceitual, de acordo com o próprio Vergnaud (ibid), é o conjunto de situações cuja
apropriação requer o domínio de uma série de conceitos de naturezas diferentes. Segundo
Vergnaud (ibid) um conceito é formado por invariantes, situações e representações. Os
invariantes são as propriedades invariantes dos conceitos, os princípios; as situações dão
significado aos conceitos; e as representações simbólicas permitem representar os
conceitos. Assim, uma única situação não esgota um conceito, bem como um conceito
pode ser representado de diversas formas. Neste sentido, no estudo dos conceitos
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matemáticos se devem buscar diferentes situações relativas ao conceito que se está
trabalhando e oportunizar que o mesmo seja representado por diversas formas com a
finalidade de se garantir uma maior compreensão do conceito que se quer estudar.
No processo de ensino, bem como nos livros didáticos, isso se reflete na
proposição de situações-problema, que possibilitam que os estudantes criem, confrontem e
socializem estratégias de resolução de problemas. Isso também se reflete no estímulo ao
uso de diferentes representações na medida em que uma representação pode favorecer a
compreensão de um aspecto do conceito enquanto que outra pode ser mais transparente
para outro aspecto (VERGNAUD, 1986).
Alguns estudos também trazem contribuições importantes para a discussão do
processo de ensino do SND, como por exemplo:
Rosas e Selva (2007) concluíram que há uma desarticulação entre o que é ensinado
e o que é avaliado no processo de ensino e aprendizagem do SND, de acordo com o
contexto pesquisado e que essa desarticulação pode ser, primordialmente, decorrente de
falhas no processo de formação matemática do professor dos anos iniciais. A referidas
pesquisadoras investigaram como tem ocorrido o ensino do SND na 1ª série do Ensino
Fundamental da Rede Municipal do Recife, entrevistando onze professoras. Os resultados
mostraram que, no ensino do SND, de acordo com a análise das atividades propostas e dos
recursos utilizados, alguns aspectos conceituais do sistema são privilegiados em detrimento
a outros. Como exemplo, foi citado o fato de que a seqüência numérica e os agrupamentos
na base dez são trabalhados de forma mais frequente, enquanto que o valor posicional tem
sido pouco abordado. Entretanto, quando se trata de avaliação da aprendizagem, os
aspectos mais cobrados pelas professoras são justamente os que foram menos explorados
na abordagem do conteúdo. As docentes pesquisadas, ainda, reconhecem que as maiores
dificuldades de aprendizagem apresentadas por seus alunos estão muito relacionadas aos
aspectos conceituais pouco trabalhados, no entanto, para superar essas dificuldades, são
propostas as mesmas estratégias usadas no momento do ensino do conteúdo. O estudo
também aponta que há alguns professores tentando mudar essa prática, contudo, a
fragilidade de sua formação matemática parece dificultar o desenvolvimento de novas
estratégias de ensino.
Neste estudo de Rosas e Selva (2007) parece transparecer a dificuldade que os
docentes dos anos iniciais do Ensino Fundamental têm em explorar os conteúdos
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matemáticos em sala de aula. Isso pode estar relacionado ao não entendimento do conteúdo
matemático em si, ou ao não conhecimento dos objetivos da matemática, ou ainda à falta
de reflexão acerca da abordagem teórico-metodológica matemática. Levando-nos a
considerar que há uma necessidade de investimento em formação inicial e continuada,
possibilitando, assim, momentos de reflexão conjunta sobre os objetivos e conteúdos
matemáticos e as formas mais adequadas de abordá-los.
Os estudos de Lerner e Sadovsky (1996) apontam, de modo geral, que o ensino do
SND tem acontecido de forma linear e gradual, sendo estabelecidas metas por série. Num
primeiro momento, são trabalhados os algarismos, em seguida trabalha-se a noção de
unidade e dezena e vai-se apresentando novas ordens. Para, só depois de explorar bem
esses aspectos, começar a trabalhar o valor posicional e as operações matemáticas. Dessa
forma, o conteúdo é trabalhado um passo de cada vez. Quando um aspecto parece estar
esgotado é que se começa outro. Entretanto, as crianças parecem não seguir sempre essa
mesma lógica. Quando pensam sobre o sistema de numeração, pensam simultaneamente
em várias ordens, não importando a quantidade de dígitos que tenham que operar.
Tentando romper com esse modelo de ensino Lerner e Sadovsky (ibid) e Vergnaud
(1991) trazem algumas contribuições para a reflexão sobre o processo de ensino e
aprendizagem do SND. Dentre elas, podemos destacamos a importância de desenvolver
atividades voltas para a comparação de números multidígitos, produção, leitura e
interpretação de números; reflexão sobre a organização posicional e decimal do sistema;
articulação dos princípios do sistema às regras das operações matemáticas; exploração de
diferentes representações; trabalho com outras bases de numeração. Consideramos que as
orientações desses autores podem contribuir para que os professores dos anos iniciais
reflitam sobre sua prática e busquem alternativas viáveis para a reflexão sobre o
funcionamento do sistema.
Metodologia
Como mencionado anteriormente, esse trabalho faz parte de uma pesquisa maior
que analisou o uso do livro didático de matemática no ensino do SND, através de análise
do livro didático de matemática, observações de aula e um relato de aula feito pela própria
professora, entrevistas com a professora.
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No entanto, no presente trabalho nos detemos principalmente às observações de
aula, apesar de nos apoiarmos em alguns momentos em outros procedimentos de pesquisa
realizados para a análise e discussão dos dados, como no caso do livro didático, uma vez
que era um dos critérios de escolha da participante da pesquisa que fizesse uso desse
recurso pedagógico no ensino do SND.
A pesquisa teve como participante uma professora do 2º ano do Ensino
Fundamental da Rede Municipal do Recife, que se dispôs a ter suas aulas observadas.
Assim, durante um período de oito meses, realizamos 14 observações relativas ao SND.
Essas observações foram gravadas e transcritas.
Analisando as aulas sobre o Sistema de Numeração Decimal
As atividades desenvolvidas pela professora para abordar o conteúdo SND foram
organizadas de forma a privilegiar o uso do livro didático de Matemática.
A introdução do conteúdo foi feita com a leitura de história em quadrinhos, trazida
logo no início livro, que referencia a história dos números. Foram usados palitos de picolé
para fazer os agrupamentos na base dez, a partir da história lida. Cada agrupamento de dez
palitos foi amarrado por elástico e chamado de “amarradinho”. Vejamos como a professora
relata essa atividade:
Fizemos agrupamentos de 10 palitos, chamamos esse agrupamento de
“amarradinhos”. Lembrando sempre que um grupo de amarradinho é
igual a uma dezena. E os palitos que ficaram soltos, nós chamamos de
“soltinhos”. Lembrando que cada soltinho representa uma unidade.
Mostramos que os amarradinhos e os soltinhos representam números.
(Professora).
A professora fez uso da mesma estratégia de agrupamento trazida pelo livro
didático, “amarradinhos”. Ela também usou a mesma terminologia “amarradinho” para se
referir às dezenas.
Consideramos que essa maneira de trabalhar com os agrupamentos que aparece em
alguns livros didáticos (amarradinhos, montinhos, etc.) favorece a reflexão sobre a base do
sistema de numeração, mas não favorece, por exemplo, a compreensão do valor posicional.
O professor precisa ter clareza sobre este aspecto de forma a que também utilize outras
representações que favoreçam a compreensão dos demais princípios do sistema.
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Após esse momento de introdução do conteúdo, foram trabalhados alguns conceitos
relacionados a número e quantidade, como: algarismos, seu traçado, seqüência numérica,
relação número e quantidade. E ainda foram trabalhados outros conteúdos, como cores,
formas, lateralidade.
Apenas em maio, depois de três meses da introdução do conteúdo, a professora
retomou em sala de aula o trabalho com o SND, fazendo a leitura de uma situação de
agrupamento também proposta pelo livro. Na situação, o livro didático apresentava
amarradinhos de dez margaridas. Após a leitura, a professora rememorou a estratégia de
fazer amarradinhos de dez palitos utilizada em fevereiro. Vejamos um extrato dessa aula:
P – Quem lembra qual foi o outro amarradinho que a gente estudou
aqui na sala?
A1 – Eu.
A2 – De palito.
P – Ela vai fazer amarradinhos com as flores. Os amarradinhos são
de... de...
AA – 10.
P – 10. Nós fizemos amarradinhos com... (mostra um amarradinho de
palito de picolé).
AA – Palitos.
(Observação 02, 09/05/2007)
A professora fez alguns agrupamentos de dez palitos, colando-os no quadro branco
e registrando a quantidade de dezenas e de unidades contidas nos “amarradinhos”. Um fato
que queremos enfatizar é que foram três meses sem discussão de um conteúdo que já havia
sido iniciado. Isso também foi verificado na distribuição do conteúdo feita pelo livro
didático.
Após o resgate dos amarradinhos, a professora fez a atividade da Figura 1, abaixo:
Figura 1: Atividade de composição de números mimeografada proposta pela professora.
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Consideramos que a forma como a atividade da figura acima foi organizada, com a
indicação das ordens do sistema (D e U) solta, acima do espaço para a escrita dos números,
pode induzir o aluno ao erro, visto que dá a possibilidade da criança pensar que se trata de
uma adição de algarismos no seu valor absoluto e não de uma junção de ordens do sistema
decimal para compor o número. Assim, a criança poderia responder 3+2=5, e não 3
dezenas mais 2 unidades, que formariam o número 32. Se a professora tivesse usado o
QVL da mesma forma que usava nas aulas (em forma de casinha ou de quadrado),
acreditamos que esse tipo de entendimento poderia ser evitado. Isso mostra o cuidado que
o docente deve ter ao elaborar uma atividade. É preciso pensar em todas as formas de
entendimento possíveis diante do que está sendo proposto para a criança.
Dentre os recursos pedagógicos utilizados na abordagem do SND pela professora,
encontramos com mais freqüência o uso do livro didático. Além do livro, também foram
usados os recursos contidos no Gráfico 01.
90
80
70
60
50
40
30
20
10
0
QVL
Material Dourado
Palitos
Tabela numérica
Gráfico 01: Freqüência de uso de recursos pedagógicos na abordagem do SND
Percebemos no gráfico acima que o QVL (quadro-valor-do-lugar) foi bastante
explorado na abordagem do SND, entretanto isso foi decorrente do trabalho com as
operações, visto que em todas as atividades com situações-problema ou com o algoritmo
apenas. O QVL também é o recurso pedagógico mais utilizado pelo livro didático na
proposição de atividades. Esse recurso pedagógico pareceu contribuir para a discussão dos
princípios da posicionalidade, relação entre as ordens, base 10 e o papel do zero no
sistema.
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Esse último não foi explorado na proposta do livro didático, entretanto, a docente
fez uma discussão muito interessante em sala sobre o papel do zero no sistema. Vejamos o
extrato de diálogo abaixo que ilustra isso, quando a professora faz questionamentos sobre o
número 108:
P – Por que não falou nada da dezena, heim?
A1 - Porque não tem.
A2 – Porque tem nada na dezena. É um zero. [...]
P – Agora, 1 centena mais 8 unidades, forma que número?
A1 – 18.
A3 – 108.
P - 1 centena mais 8 unidades? [...]
P – Ah, ta. Teve gente que disse 18. É 108. Por que é que 108 tem um
zero aqui no meio? [...]
A4 – Tia, é 100, tirou um zero e botou 8. [...]
P – Por que é que temo zero no lugar da dezena?
A1 – Porque não tem... porque... [...]
P – Porque a gente coloca zero?
A1 – Por que não tem dezena
P – Porque não tem dezena.
(Observação 06, 30/05/2007)
O papel do zero no sistema é considerado um aspecto importante para a leitura e
escrita de números, que proporciona dificuldades de compreensão para os estudantes, por
isso, não poderia ser excluído da abordagem do SND. A professora promoveu discussão
sobre esse aspecto, possibilitando o levantamento de hipótese e o confronto de idéias,
entretanto, acreditamos que nesse momento poderia ter sistematizado melhor o papel do
zero como guardador de posição no sistema, fazendo questionamentos sobre como ficaria o
número sem o zero, por exemplo. Como vimos no extrato de aula acima, um aluno
respondeu que uma centena mais oito unidades são dezoito e a professora não aproveitou a
oportunidade para levantar questões sobre a função do zero no sistema, que é guardar a
posição vazia, caso contrário, haveria confusão no registro numérico. Observações desse
tipo, com o uso do QVL e/ou do ábaco, poderiam enriquecer a discussão.
Em relação ao material dourado, o mesmo foi usado com frequência. O livro
didático também explorava bastante o material dourado. Como a escola não tinha esse
recurso pedagógico, a professora confeccionou-o com os alunos. Consideramos que foi
importante esse momento. A professora poderia simplesmente parar no obstáculo de não
ter esse recurso na escola. Entretanto não o fez e transformou uma dificuldade em
oportunidade de aprendizagem, já que cada aluno pôde, além de confeccionar seu próprio
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material relacionando cubinhos e barrinhas, representar os números ditados pela professora
com a manipulação de material concreto. Os alunos saíram do papel de expectador da
manipulação do recurso por parte da professora para agentes da manipulação do recurso e
representação de números.
Outro recurso usado foi a Tabela Numérica. Entretanto, semelhantemente ao
encontrado no livro didático, a professora usou esse recurso sem refletir com os estudantes
a respeito das regularidades do sistema, sendo solicitado apenas o preenchimento da
sequência numérica.
É importante observar também que a professora não fez uso do ábaco na
abordagem do SND, assim como o livro didático adotado também não o fazia.
As atividades desenvolvidas pela professora para abordar o conteúdo SND, como já
mencionado, estiveram muito atreladas às propostas do livro didático de Matemática.
Observamos, assim, que a professora seguiu a mesma distribuição e sequência de
atividades propostas pelo livro, trabalhando mais atividades de composição e
decomposição. Em relação ao trabalho com as operações matemáticas, também enfatizou
a formalidade dos algoritmos, assim como o livro.
É importante salientar mais uma vez, que a professora sugeriu poucas atividades
além das propostas no livro tanto como tarefa de classe, quanto como tarefa de casa. E
essas poucas pareciam mais reproduções do proposto pelo livro.
Diante do exposto, observamos que a abordagem do SND feita pela professora
privilegiou as atividades propostas pelo livro didático, sendo em sua maioria atividades
repetitivas e pouco reflexivas. Apesar disso, encontramos alguns momentos de ampliação
de discussão, como no papel do zero, por exemplo. É importante colocar que o livro deve
realmente ser apenas um apoio para o professor e que as discussões conceituais devem ser
de responsabilidade do professor. Assim, a professora mostrou em alguns momentos
assumir este papel de ator principal do processo juntamente com os alunos, transformando
o livro em mais um recurso que podia contribuir para o seu trabalho em sala de aula.
Considerações finais
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A abordagem do Sistema de Numeração Decimal na realidade pesquisada esteve
relacionada ao uso frequente do livro didático de matemática em sala de aula. As
discussões, atividades e exemplos foram, na sua maioria, oriundos do livro.
No entanto, observamos que há momentos, nos quais a professora buscou ampliar a
proposta do livro didático como, por exemplo, nos agrupamentos na base 10 e na reflexão
sobre o papel do zero. Em outros, ainda, ela deixou de aprofundar e contextualizar alguns
aspectos abordados com a exploração, por exemplo, de outras bases de numeração, ou do
ábaco, ou da tabela numérica. E ainda poderia ter sistematizado melhor alguns aspectos
que foram trabalhados, como o papel do zero.
Percebemos também uma ênfase nos aspectos formais da Matemática
(nomenclaturas e algoritmos), com atividades repetitivas, mecânicas e de aplicação de
modelo. Isso pareceu não considerar muito os resultados de pesquisas, como a de Lerner e
Sadovsky (1996), que apontam para a necessidade de se estimular a reflexão dos aspectos
conceituais do sistema através de comparação, produção e operação com números,
buscando-se as regularidades do sistema, e de estudos e como os de Nunes e Bryant (1997)
que nos remetem à exploração de estratégias espontâneas das crianças para resolver
problemas, levantando-se hipóteses e testando-as.
Dessa forma, a abordagem do sistema observada indica a presença determinante do
livro didático no processo de ensino e de aprendizagem do SND e nos leva a pensar no
papel que o professor tem em sala de aula diante da aprendizagem dos alunos, dos
conteúdos e dos recursos pedagógicos. O professor deve estar suficientemente preparado
para direcionar conscientemente sua prática e fazer dos recursos pedagógicos disponíveis
instrumentos facilitadores de reflexão sobre os conteúdos.
Bibliografia
CARRAHER, T. N; CARRAHER, D. & SCHLIEMANN, A. Na vida dez, na escola zero.
3ª edição. São Paulo: Cortez, 1988.
LERNER, D. e SADOVSKY, P. O sistema de numeração: um problema didático. In:
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Porto Alegre: Artes Médicas, 1996.
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ROSAS, M. L. L.; SELVA, A. C. V. Ensino do Sistema de Numeração Decimal: o que
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Um exemplo: as estruturas aditivas. In: Análise Psicológica. V. 1, 75-90, 1986.
. El niño, las matematicas y la realidad: problemas de la enseñanza de las
matematicas en la escuela primaria. México: Trillas, 1991.
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