RELAÇÕES DE GÊNERO E DE DESEMPENHO MOTOR FRENTE AO EUROFIT TEST Profª Drª Elaine Romero Titular do Programa Stricto Sensu em Ciência da Motricidade Humana Universidade Castelo Branco - Rio de Janeiro Pesquisadora do CNPq [email protected] Andreia Cristine S. de Assunção Negrão Universidade Federal do Espírito Santo Vitória/ES Bolsista de Iniciação Científica do CNPq 1. INTRODUÇÃO O senso comum fornece indicativos para se acreditar que atividades motoras devem ser definidas por sexo. Isso provavelmente pelo fato de homens e mulheres serem diferentes biologicamente. Os papéis sexuais sempre estiveram ligados ao sexo biológico, o entendimento que ganhou corpo pela sociedade é que os sexos deveriam ser respeitados em suas particularidades oferecendo a cada um deles diferentes formas de movimento. Para que estas e outras questões ligadas ao sexo, raça e ao determinismo biológico pudessem ser melhor explicadas SCOTT (1990), afirma que: "o termo gênero emergiu como categoria útil de análise histórica, este fato representou um marco sobre este conceito. Ainda segundo a autora se faz necessário estudar este conceito e relacioná-lo com questões as quais abrangem as áreas política, histórica e social. Nesta compreensão o estudo do gênero se insere no contexto do homem e da mulher, partindo do pressuposto que a questão biológica exerce fortes influências para as "diferenciações" entre os sexos e que se estende até a construção social, e queremos aqui estabelecer as relações de poder que efetivamente se dão no contexto escolar, uma vez que o conceito de gênero é válido para crianças, adolescentes e adultos. Revisando a literatura percebemos que o processo socializador têm inicio logo após o nascimento do bebê e que logo depois deste acontecimento o papel de homem e de mulher já começa a ser passado para a criança através das expectativas dos pais, BELLOTI (1985), afirma que "da menina se espera que se torne um objeto e é considerada por aquilo que irá dar" e "do menino se espera que se torne um indivíduo, e é considerado por aquilo que irá ser". Acreditamos que as mulheres nunca tiveram as mesmas oportunidades de desenvolver suas capacidades motoras da mesma forma do que os homens, pois, elas sempre foram poupadas dos grandes esforços físicos e são elas desde muito cedo incentivadas a reproduzirem o comportamento da mãe ajudando nos afazeres domésticos, a elas são dados brinquedos como: bonecas, utensílios domésticos em miniatura, ao passo que aos meninos são dados bola, carrinho. As aulas de educação física também reproduz este 1 comportamento, quando a elas são propostas brincadeiras infantis e a eles jogo de futebol. Considerando o que foi exposto o propósito deste estudo foi averiguar a possibilidade de haver desempenho motor diferenciado entre meninos e meninas em idade escolar compreendida na faixa etária de 10 a 13 anos. O problema que norteou a pesquisa foi assim posto: "Existe desempenho motor diferenciado entre meninos e meninas em idade escolar?" 1.1 HIPOTESE H1 = Meninos e meninas têm diferentes respostas motoras frente a testes específicos. 2. MATERIAL E MÉTODO O delineamento do presente estudo foi de caráter exploratório descritivo. Os participantes do estudo compreendeu 126 sujeitos, devidamente matriculados em duas escolas da rede pública e duas da rede particular de ensino da cidade de Vitória/ES sendo 59 meninos e 67 meninas. Destes 57 pertenciam à rede particular e os outros 69 à rede pública de ensino. Para obtenção dos resultados que serviram de solução básica ao problema formulado, foi empregado o EUROFIT, constando o mesmo de uma bateria de oito testes, a saber: 1) 2) 3) 4) 5) 6) 7) 8) Teste de equilíbrio flamingo (trave) Tocando os discos Flexibilidade Salto em distância sem deslocamento Força manual Abdominal Barra Corrida com parada 10x5 metros 3. ANÁLISE E DISCUSSÃO DOS RESULTADOS Os dados coletados passaram por quatro etapas de análise estatística; o primeiro passo foi fazer histogramas para observarmos a normalidade dos dados. Em segundo, foi aplicada uma análise descritiva dos dados (média, desvio padrão, relação de comparação), a terceira fase, foi fazer uma análise exploratória dos dados (Boxplot) e por fim, a quarta fase, foi fazer uma representação gráfica que pode ser visualizada a seguir. 2 Gráfico n. º 1 – Trave Os resultados dão conta de que no teste da trave, analisando a variável escola, tanto os meninos quanto as meninas obtiveram resultados iguais. Quando se analisou o desempenho motor neste teste, observamos que também não houve diferença entre os sujeitos da rede pública em relação aos da rede particular. O gráfico que segue espelha o teste tocando os discos e quando se estuda a variável escola, vimos que os sujeitos da rede particular sobressaíram cerca de 2,30% sobre os sujeitos da rede pública. E quanto ao desempenho motor tendo em conta a variável sexo, os resultados mostraram novamente que não houve diferença entre meninos e meninas frente ao teste proposto. Gráfico n. º 2 — Tocando os discos O resultado observado no Gráfico 2 aponta para igualdade de desempenho para ambos os sexos. Isso talvez possa ser explicado por BARBANTI (1996) quando afirma que "valências físicas flexibilidade, agilidade e força podem ser trabalhadas de maneiras iguais entre os sexos. No entanto, os alunos da rede particular se saíram melhor nesta prova do que os da pública. 3 Gráfico n. º 3 – Flexibilidade Os resultados espelhados no gráfico n. º 3, apontam para um êxito feminino na prova de flexibilidade, conforme as instruções contidas no protocolo do teste, o que vai ao encontro com os escritos científicos. Aqui as meninas foram 246% melhor sucedidas do que os meninos e contradizendo a literatura investigada. AZEVEDO (1997), é de opinião que "a flexibilidade, de maneira geral, é considerada socialmente um atributo do sexo feminino, a autora ainda afirma que as mulheres são geralmente mais flexíveis que os homens em todas as faixas etárias". Em relação à variável escola, foi observado que os alunos da rede particular foram 215% melhores em relação aos sujeitos da rede pública. Entendemos que o grau de flexibilidade depende do tipo de movimento habitual do indivíduo, daí podemos concluir que o desempenho melhor do sexo feminino em flexibilidade pode ser um fator mais social do que herdado. Gráfico n. º 4 — Salto em distância No teste de salto em distância, exibido no Gráfico nº 4, as respostas obtidas dão conta que os meninos foram 11,97% superiores às meninas. Neste teste, o principal fator é a força de explosão, e segundo a revisão de literatura feita por AZEVEDO (1997), os homens são (em termos absolutos) mais fortes, cerca de 30% a 40%, do que as mulheres, e que o índice de gordura corporal mais acentuado nas mulheres contribui para um índice de força mais baixo nas mulheres. Assim sendo, os resultados encontrados confirmam o que se supunha, os meninos poderiam vir a ter resultados superiores nesta prova. 4 Analisando a variável escola os resultados obtidos pelos alunos da rede pública foram 4,79% superiores aos da rede particular. Gráfico n. º 5 - Dinamômetro Aqui os resultados deste teste corroboram a literatura, pois foi observado que os meninos foram 21,17% melhores do que as meninas na prova do dinamômetro, cujos dados estão no Gráfico 5. Revendo a literatura, AZEVEDO (1997) enfatiza "que a qualidade do músculo nas mulheres e nos homens é idêntica, isto é, que as propriedades de concentração e a capacidade de exercer uma força são iguais", entretanto a literatura mostra que o fator força têm sido culturalmente um empecilho à prática esportiva da mulher, pois ela tem sido sempre considerada como um ser frágil. Quanto à variável escola, os alunos da rede pública foram 7,91% melhores do que os sujeitos da rede particular. O outro teste aplicado foi o de exercício abdominal, cujos resultados estão espelhados no gráfico abaixo. 5 Gráfico n. º 6 – Abdominal Percebe-se que os meninos obtiveram percentuais superiores as meninas, sendo 21,43% melhores do que elas. Analisando a variável escola, verificamos que os alunos da rede pública conseguiram um percentual de 38,46% de superioridade em relação aos sujeitos da rede particular. Observamos que em relação à valência física força, os alunos da rede pública se saíram melhores do que os da rede particular. Isso pode ter acontecido pelo fato dessas crianças em seu cotidiano utilizar a valência força com freqüência. Possivelmente isso possa ser explicado em razão de muitos alunos já nesta idade já terem ingressado no mercado de trabalho para ajudar no sustento da família, e muitas vezes com trabalho manual usando a força. Outro fator que nos chamou atenção foi a variável idade; percebemos que a faixa etária de 10 a 13 anos, abrigava alunos da rede pública na 5. ª série, ao passo que na rede particular os alunos nesse mesmo nível de escolaridade tinham idade compreendida entre os 10 e 11 anos, ou seja, eram mais jovens. Como se poderá ver a seguir, os resultados do teste de força (barra), exibidos no Gráfico n. º 7, dão conta que os meninos se saíram superiores às meninas cerca de 68%.. Este fato parece indicar que a influência do meio social é bastante relevante no desenvolvimento da força muscular já que desde cedo as mulheres são pouco solicitadas para atividades que envolvam força de braço. Gráfico n. º 7 - Barra Em relação as escolas os resultados obtidos neste teste, os alunos da rede particular foram superiores cerca de 6,25% em relação da rede pública. 6 Gráfico n. º 8 – Corrida Os resultados do teste de corrida ilustrados no Gráfico n. º 8, mostraram que as meninas obtiveram um desempenho melhor em relação aos colegas do sexo oposto, sendo que os dados percentuais apontam em torno de 9,52% acima dos meninos. Voltando à literatura, ZACIORSKY (apud, BARBANTI, 1996), afirma que "a velocidade é uma qualidade física, no movimento humano, a capacidade de executar, no espaço de tempo mínimo, ações motoras sob exigências dadas". E por analogia podemos inferir que sendo a valência velocidade nata do ser humano, é possível afirmarmos que, quando bem trabalhada, tanto meninos quanto meninas possam desenvolver suas capacidades igualmente. Os resultados não parecem indicar que meninos e meninas tenham sido trabalhados de forma similar. Comparando os resultados obtidos em relação à variável escola, vimos que os alunos da rede pública foram superiores 4,76% em relação aos particular. Esse fato talvez possa ser explicado pelo fato de os alunos da rede pública, pela sua condição sócio econômica, passarem mais tempo brincando e correndo na rua, o mesmo não acontecendo com da rede particular, que por maior condição financeira podem adquirir jogos eletrônicos e trocar a atividade ao ar livre, dispendendo mais tempo frente ao computador e ao vídeo game. 4. CONCLUSÃO Em relação a questão norteadora, que buscava saber se os meninos e meninas tinham diferentes respostas motoras frente a testes específicos, a hipótese foi confirmada. Os resultados obtidos quando confrontados com a literatura pertinente auxiliam firmemente na aceitação da premissa de que atividades motoras desenvolvidas por um ou outro sexo traduzem uma concepção social do indivíduo. Isso pode ser melhor traduzido quando inferimos que na maioria dos testes os resultados foram de encontro com a literatura, onde notamos a superioridade dos meninos em relação as meninas. Os meninos se saíram melhor em salto em distância, flexibilidade, dinamômetro, abdominal e barra. 7 Em apenas dois testes as meninas foram superiores aos meninos, a saber: corrida e flexibilidade. No teste da trave o resultado foi igual para os dois sexos. No que se refere a variável escola, foi observado pelas autoras que dos oito testes, os alunos da rede pública foram superiores, aos da particular em quatro deles; salto; abdominal; corrida e força manual. No teste da trave o resultado encontrado foi igual para escolas da rede pública e particular, e nos testes de barra e flexibilidade, os alunos da rede particular foram superiores. BIBLIOGRAFIA AZEVEDO, Tania Maria Cordeiro de. A mulher na educação física e no esporte. In. Romero (org.) Mulheres e movimento. Vitória: EDUFES, 1997, p.113-35. BARBANTI, Valdir. Treinamento físico: base científica. 3 ed. São Paulo: CLR Balieiro, 1996 GASPARINI, Alair Aparecida. Gênero: diferenças em respostas motoras entre meninos e meninas. (Monografia) Curso de especialização em educação física escolar. Vitória/Es Universidade Federal do Espírito Santo-CEFD, 1996. ROMERO, Elaine. A arquitetura do corpo feminino e a produção do conhecimento. In Corpo, mulher e sociedade. Campinas: Papirus, 1995, p. 235-66. ROSEMBERG, Fúlvia. A educação física, os esportes e as mulheres: balanço da bibliografia brasileira. In ROMERO (org.) Corpo, mulher e sociedade. Campinas, 1995, p. 271-308. SCOTT, Joan. Gênero: uma categoria útil de análise histórica. Revista Educação & Realidade. Porto Alegre, n 16 (2): 5-22, jul./dez, 1990. 8