ICPG
Instituto Catarinense de Pós-Graduação – www.icpg.com.br
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HOMENS E MULHERES:
Afinal, somos iguais ou diferentes?
JULIANA GREBE ROSA*
Curso de Pós-Graduação em Psicopedagogia
Instituto Catarinense de Pós-Graduação - ICPG
Marco Montarroyos Calegaro
Professor de Psicogênese da Aprendizagem
Instituto Catarinense de Pós-Graduação - ICPG
RESUMO
Sabe-se que a luta em prol da inserção da mulher na esfera pública e pela igualdade de direitos e
oportunidades dá-se desde os fins do século XVIII. Até então, tudo parecia certo: homens e
mulheres tinham seus papéis definidos e aprovados na sociedade. Mas, as funções atribuídas às
mulheres acabaram se transformando em desigualdades sociais, o que incitou as mulheres mais
liberadas a lutarem por direitos iguais. Esta guerra entre os sexos é histórica, levando a
sociedade a uma grande confusão, sem saber se são os direitos ou as capacidades cognitivas que
deveriam ser consideradas iguais. Tentando esclarecer estas dúvidas, ficam as perguntas: afinal,
homens e mulheres são iguais ou diferentes? De que forma isto pode implicar na aprendizagem de
nossas crianças? Estudos mostram uma nova situação e indicam os hormônios e o cérebro como
os principais responsáveis por nossas atitudes e comportamentos.
Palavras-chave: aprendizagem, evolução humana, diferenças de gênero em cognição.
1. INTRODUÇÃO
Historicamente, a questão da igualdade entre homens e mulheres vem mostrando conflitos
e contradições. Durante muito tempo, o homem é encarado como chefe da família, e a mulher
como responsável pela criação dos filhos e pelo zelo com a casa. Esta estrutura patriarcal vai sendo
substituída, mesmo que lentamente, desde as primeiras revoluções feministas, até que, com a
Constituição de 1988, é firmada a tão desejada igualdade de direitos. A partir daí, cogita-se que os
gêneros não tenham mais diferenças, que devam ser tratados da mesma forma. Embora a família, a
escola, a empresa, ou seja, a sociedade em geral, insista em acreditar que homens e mulheres
sejam iguais, neurocientistas, sociólogos, cientistas e antropólogos evidenciam, com suas
pesquisas, o contrário.
No final dos anos 80, acontece uma explosão nas pesquisas que procuram diferenciar homens e
mulheres e o modo como seus cérebros funcionam. Pela primeira vez, deixa-se de lado a
observância do comportamento e se estuda a reação diferenciada entre homens e mulheres a
estímulos idênticos, fazendo o mapeamento do cérebro com equipamentos computadorizados em
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[email protected]
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tempo real, como a ressonância magnética funcional por imagens (RMFI), a tomografia por
emissão de pósitrons (TEP ou PET) e a tomografia computadorizada por emissão de fóton único
(TCEFU). (GOLDBERG, 2002)
Estes novos estudos vêm para desmistificar o que se acreditou durante a maior parte do
século XX: que as diferenças entre homens e mulheres são explicadas pelo condicionamento
social; que as pessoas são como são em função das atitudes de seus pais, de seus parentes, de seus
professores e amigos; acabam, desta forma, refletindo atitudes da sociedade em que vivem e, por
conseguinte, agem de acordo com o que vêem e aprendem.
Estudos e pesquisas constatam que as diferenças entre os gêneros, já percebidas desde os
primeiros meses de vida, são programadas muito antes que as influências externas tenham a
oportunidade de se manifestar. O que até há pouco tempo era ignorado hoje é estudado, pesquisado
e discutido. As diferenças estruturais dos cérebros de homens e mulheres existem.
Várias diferenças sexuais estruturais têm sido descritas no encéfalo humano. [...] Certas
diferenças sexuais no desempenho cognitivo também foram bem demonstradas. Os
homens têm um desempenho melhor que as mulheres em tarefas visuoespaciais e as
mulheres, um desempenho melhor que os homens em tarefas verbais. [...] Uma diferença
sexual consistente é que os meninos excedem numericamente as meninas na proporção
de 13:1 quanto à capacidade de raciocínio matemático avançado. Além disso, a função
encefálica nos homens parece ser mais lateralizada do que nas mulheres. Essa observação
foi primeiro sugerida em um contexto clínico; existe uma maior probabilidade das
mulheres recuperarem a fala após um derrame que danifique as áreas corticais da fala, do
que os homens. [...] (KANDEL; SCHWARTZ; JESSEL, 2003, p. 1142)
Constatadas estas diferenças estruturais dos cérebros em gênero, a questão a ser discutida
objetiva analisar quais as implicações disto no desenvolvimento e aprendizagem das crianças.
Estudos indicam que a diferenciação cerebral tenha acontecido durante a evolução do
homem. Sabe-se que, em épocas mais antigas, cada sexo tinha seu papel muito bem definido para
garantir a sobrevivência da espécie. Os homens tinham como função caçar para levar alimento à
sua família, desenvolvendo, assim, seu senso de direção e noção espacial. Já a mulher era a
perpetuadora da espécie, desenvolvendo habilidades de guardiã da cria, tendo que mostrar
habilidades sensoriais mais aguçadas para proteger sua prole.
2. O HOMEM E A MULHER NA SOCIEDADE
Cansadas das injustiças e diferenças sociais aplicadas às mulheres, nos fins do século
XVIII surgem os primeiros movimentos feministas. As mulheres levantam a bandeira: “igualdade
de direitos e direito à diferença”. Entre suas reivindicações mais prementes estão o acesso à
educação de nível médio e superior, o trabalho remunerado e o direito de votar e ser votada, tudo
isto negado às mulheres até então.
No Brasil, algumas destas conquistas reivindicadas são obtidas: em 1871, as mulheres
ingressam nas Escolas Normais e, em 1928, conquistam o direito do voto, sendo precursor o
estado do Rio Grande do Norte, ampliando-se e firmando-se nacionalmente na Constituição de
1934.
Em pleno século XX, nos anos 60 e 70, uma segunda onda feminista marca a História,
tendo como referência o Ano Internacional da Mulher de 1975. Na maioria dos países, barreiras
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formais vão sendo superadas: as mulheres adentram o mercado de trabalho, Universidades,
sindicatos, partidos políticos, inserindo-se à representatividade democrática.
A total igualdade de direitos e obrigações entre homens e mulheres em nosso país acontece
bem recentemente, com a Constituição Federal de 1988.
Se, no Brasil, a igualdade de direitos entre homens e mulheres está garantida, o mesmo não
acontece nos continentes Africano e Asiático, onde, ainda sob respaldo da lei, as mulheres sofrem
a discriminação e a violência. Em alguns lugares, as meninas são proibidas de estudar e trabalhar
fora de casa, não têm direito à herança quando da morte do pai ou marido, ainda acontecem
mutilações sexuais de meninas e o direito do homem de matar as mulheres com quem coabitam.
Dentro de todo este panorama de intensas lutas e inúmeras conquistas, durante muito
tempo, e até hoje, a mulher é acusada de querer apropriar-se de seus direitos, mas de não aceitar os
mesmos deveres dos homens. Esta acusação parece injusta se levantarmos a simples questão:
homens e mulheres são diferentes. Não existe a superioridade ou inferioridade, mas sim uma
distinção e complementação.
Allan e Barbara Pease (2000, p. 19), estudando estas diferenças, asseveram: “Se homens e
mulheres têm direitos iguais, isto é uma questão política e moral. Se são idênticos, é uma questão
científica”.
A afirmação de Allan e Barbara Pease, anteriormente citada, é de fundamental importância
como esclarecimento para a sociedade como um todo, pois discrimina de forma evidente quais as
pretensões das mulheres em relação à aquisição de direitos iguais aos dos homens. Esta questão
científica sugerida na afirmação vem para propor uma pesquisa mais intensa sobre estas
diferenças.
3. A EVOLUÇÃO
Como concreto, tem-se que as diferenças existem e podem ser comprovadas
cientificamente; mas por que elas existem? A exeqüível razão dessa dessemelhança é explicada
através da evolução. Harris (1999, p. 164) afirma: “A mente da criança – a mente da criança
moderna – é um produto daqueles seis milhões de anos de história evolutiva”. Homens caçavam, e
mulheres ficavam com o grupo. Homens protegiam, e as mulheres tinham a função de cuidar.
Assim, seus corpos, cérebros e hormônios seguem rotas desiguais na evolução.
Há milhões de anos, homens e mulheres viveram juntos em cavernas. Os homens, como
caçadores e provedores do alimento para a família, desenvolvem em seus cérebros o senso de
direção, pontaria e localização. Já a mulher, encarada como perpetuadora da espécie, tem que
cuidar e proteger a cria. Desta forma, desenvolve uma incrível sensibilidade para perceber as
pequenas mudanças no comportamento de sua prole, como doenças ou estados emocionais, por
exemplo. Isto explica o fato de que as mulheres tenham desenvolvido habilidades sensoriais muito
mais aguçadas do que os homens. Os homens, por sua vez, não ficam muito tempo perto de sua
família, não precisando, desta forma, interpretar os sinais não-verbais ou outras formas de
comunicação interpessoais.
Com esta rotina, a mulher acaba desenvolvendo, também, um campo visual com maior
abrangência à sua volta. Enquanto seus homens saem para as caçadas, as mulheres circulam por
perto das cavernas, procurando frutas nos arredores e, ao mesmo tempo, têm que estar atentas aos
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cuidados com sua prole. Os homens, responsáveis pelo alimento, precisam desenvolver a visão em
funil e a longa distância para abater sua caça.
As mulheres, com seu equipamento sensorial desenvolvido, recebem e analisam as
informações com maior rapidez. Gorski (apud PEASE, 2000, p. 59) comprova, em seus estudos,
que o cérebro feminino tem o corpo caloso mais denso e com mais 30 por cento de conexões que
o masculino e que é o estrogênio, hormônio feminino, que estimula as células nervosas a fazerem
novas conexões dentro do cérebro e entre os dois hemisférios.
Goldberg (2002, p.126) reafirma este dado: “O corpus callosum é a estrutura que, junto
com as comissuras anterior e posterior, conecta os dois hemisférios corticais. Certos aspectos do
corpus callosum são mais espessos nas mulheres que nos homens. [...] isto pode explicar a maior
interação funcional [...]”
Isto elucida porque a mulher tem mais facilidade em fazer coisas diferentes não
relacionadas entre si ao mesmo tempo e também conduzir uma conversação. No cotidiano,
percebe-se isto quando uma mulher, encontrando-se em uma reunião social onde não conheça
outras, logo inicia conversa e, em pouco tempo, já parecem velhas amigas. Por esta mesma
facilidade em se comunicar e fazer várias coisas ao mesmo tempo é que uma esmagadora maioria
de mulheres está nas profissões de professoras, secretárias executivas, recepcionistas, tradutoras
simultâneas, entre outras.
4. DIFERENÇAS DE GÊNERO EM COGNIÇÃO
As diferenças comportamentais entre homens e mulheres podem ser conferidas com
facilidade, sem a utilização de aparelhos com tecnologias mais sofisticadas como RMFI, PET OU
TCEFU. Basta observarmos apenas por alguns minutos como homens e mulheres se comportam e
reagem distintamente a situações idênticas. O que se tenta mostrar, aqui, é que esta distinção não é
apenas comportamental e aprendida, mas sim uma diferença de gênero em cognição.
Quando as diferenças de gênero dizem respeito à cognição, o assunto ainda é bastante
novo e intrigante, como afirma Goldberg (2002, p. 117):
Por décadas, os neurocientistas trataram a humanidade como uma massa homogênea,
ignorando a verdade auto-evidente aparente a todo homem e mulher na rua: os homens e
as mulheres são diferentes. Mas estamos descobrindo cada vez mais que quem ignora
diferenças de gênero em cognição o faz sob seu próprio risco.
Não só apenas os neurocientistas, mas também a sociedade em geral, encaram por
décadas a humanidade desta forma padronizada. Afinal, depois de uma história com tantas lutas
em prol da igualdade de direitos entre homens e mulheres, fica complicado distinguir que a
igualdade de direitos não significa igualdade em cognição. Tratar deste assunto é bastante
delicado, como enfatiza Goldberg (2002,p.121): “A pesquisa sobre diferenças cognitivas de
gênero, embora cada vez mais proeminentes, é às vezes frustrada quando uma afirmação de
diferença de gênero é militantemente colocada de modo equívoco com uma afirmação de
inferioridade de gênero.”
As diferenças entre os sexos existem, já são comprovadas e devem ser levadas à tona,
sim. O que se precisa deixar claro, para que não haja equívocos, é que estas diferenças não
implicam em sexo melhor ou pior, superior ou inferior, mas sim em habilidades variadas.
Rotineiramente escutam-se dos homens brincadeiras e piadas em relação à mulher ao
volante. Apesar das mulheres se envolverem menos em acidentes, os homens têm mais facilidade
de dirigir automóveis, aviões, motos ou espaçonaves. Em suas pesquisas, Allan e Barbara Pease
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(2000) mostram que esta maior habilidade espacial deve-se ao fato de os homens terem no cérebro
uma região específica para o senso de direção, que fica na parte frontal do hemisfério direito do
cérebro. Gostam de planejar rotas e sentem-se atraídos por ocupações e passatempos em que
possam utilizar suas capacidades de orientação e navegação. Além disto, o sexo masculino tem a
capacidade de pensar em três dimensões e movimentar mentalmente um objeto para visualizá-lo
por diferentes ângulos. No caso de uma planta em construção, por exemplo, enquanto a mulher só
vê em duas dimensões, o cérebro masculino a concebe tridimensionalmente, imaginando o prédio
depois de pronto.
Em contrapartida, como já se apresentou anteriormente, a mulher tem uma incrível
capacidade de se comunicar. Estudos comprovam que o cérebro da mulher reserva duas áreas
específicas para a fala. A primeira, que prevalece, encontra-se no hemisfério esquerdo do cérebro,
na parte frontal. Uma segunda, e menor, está localizada no hemisfério direito. Isto faz com que as
mulheres sejam muito boas em conversas. Allan e Barbara Pease (2000, p.82) demonstram em
suas pesquisas que, “Como a fala é restrita a áreas específicas, o cérebro fica livre para executar
outras tarefas, permitindo que façam várias coisas ao mesmo tempo.” Pelas mesmas razões,
Carlson (2003, p. 324) assevera:
[...] neurologistas descobriram que os dois hemisférios de um cérebro de mulher parecem
partilhar mais funções que o cérebro de um homem. Se um homem sofrer um derrame
cerebral que danifique o lado esquerdo do cérebro, ele terá maior probabilidade de
mostrar deficiências na linguagem do que uma mulher com um dano similar.
Presumivelmente, o hemisfério direito da mulher divide funções de linguagem com o
esquerdo, de tal forma que o dano de um hemisfério é menos devastador do que no
homem.[...]
Ao contrário das mulheres, os homens têm o cérebro compartimentado, especializado
para realizar uma tarefa de cada vez. Como nos tempos de caça, ele tem um objetivo a cumprir,
desenvolve seu cérebro para a solução de problemas. “Sempre que o homem fala, seu pensamento
está orientado para uma solução, e ele precisa chegar ao fim do período, senão a conversa parece
sem rumo. Ele não consegue seguir vários raciocínios ao mesmo tempo”. (PEASE, 2000)
Habitualmente observa-se que, se um homem e uma mulher conversam e a mulher muda
rapidamente o assunto, o homem fica desconsertado, perdendo-se no seu raciocínio.
Carlson (2003, p.324) afirma que cérebro humano é um órgão sexualmente dimórfico,
que este dimorfismo sexual do cérebro resulta de uma diferente exposição de hormônios no
período pré-natal e início da vida pós-natal.
Sabe-se que os hormônios têm fundamental importância no equilíbrio de toda a vida de
uma pessoa. Se os hormônios exercem tal influência nos adultos, é preciso imaginar sua
potencialidade no período pré e pós-natal.
“O molde básico para o corpo e o cérebro humanos é feminino – todos começamos como
meninas – e é por isso que homens têm características femininas, como mamilos e glândulas
mamárias.” (PEASE, 2000, p. 62).
Se a definição padrão no programa da natureza para o sistema reprodutor é feminina,
seria o mesmo verdade para o encéfalo? Durante as últimas décadas se tornou claro que o
sistema reprodutor depende do encéfalo. Assim, se poderia esperar que aquelas regiões
do encéfalo diretamente envolvidas com reprodução sofressem uma diferenciação sexual
hormônio-dependente (KANDEL; SCHWARTZ; JESSEL, 2003. p. 1134).
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Hoje, sabe-se que, nas primeiras semanas de vida intra-uterina, o feto ainda não tem seu
sexo definido. O Dr. Gunther Dorner (apud PEASE, 2000, p.62), renomado cientista alemão, foi o
pioneiro nos estudos desta área e demonstrou que
[...] nossa identidade sexual se forma entre seis e oito semanas depois da concepção. [...]
se o feto é geneticamente um menino (XY), desenvolve células especiais que fazem
circular pelo corpo grandes quantidades de hormônio masculino, especialmente
testosterona, formando os testículos e configurando o cérebro para traços e
comportamentos masculinos, tais como a visão à longa distância e habilidades que lhe
permitam perseguir, atirar e caçar.
5. E COMO FICAM AS CRIANÇAS?
Não é complicado perceber as diferenças entre meninos e meninas desde a mais tenra
idade. As meninas, geralmente mais calmas, tentam ninar ou trocar as fraldas de uma boneca; os
meninos, por sua vez, mais elétricos, correm e tentam ganhar uma luta.
Alguns ainda crêem que estas diferenças percebidas entre os sexos são “aprendidas”
pelas crianças; que a mãe ensina a menina como se comportar e ter boas maneiras, a ser delicada, a
brincar de boneca e a adorar a idéia de vestir um lindo vestido de babados. Já o pai ensina o
menino a ser forte, a não chorar, a brincar de carrinho e armas e a não gostar de usar roupas corde-rosa.
[...] O comportamento marcado pelo sexo, como por exemplo, brincar com armas, não é
algo que as crianças peguem, como um vírus, do genitor do mesmo sexo que elas.
Mesmo na América do Norte, os pais da maioria dos menininhos não brincam com
armas. Nem as mães da maioria das menininhas pulam corda ou brincam de
amarelinha.[...] ( HARRIS, 1999, p. 223)
Sabe-se que uma ampla fatia das famílias modernas não pensa mais desta forma. Procura
tratar meninos e meninas de forma igualitária, proporcionando a ambos educação, esportes, formas
similares de se vestir e até de se comportar. Isto, para que se tornem adultos modernos, aptos a
viver neste novo século de uma suposta valiosa igualdade social.
Mas, mesmo com toda esta mudança na criação das crianças, o que acontece com as
mesmas para que tenham comportamentos sexistas? Harris (1998, p.278) explora o assunto
relatando dúvidas de pais:
O que há de errado com essas crianças? Damo-lhes nomes que servem para os dois sexos
e os vestimos com roupas unissex. Dizemos as nossas filhas que elas podem ser
caminhoneiras e a nossos filhos que não há problema em brincar com bonecas. E damos
o melhor de nós para nos constituirmos um bom exemplo para eles. Por toda a América
do Norte e toda a Europa, os pais estão trocando fraldas, as mães fazendo mudança de
marcha. E mesmo assim os nossos filhos e filhas ainda conservam estas noções
antiquadas. Os adultos reviram suas idéias, mas as crianças não. No decorrer do século
passado a cultura adulta foi-se tornando cada vez mais igualitária, mas a infância
continua mais sexista do que nunca.
Como com todos os problemas, há sempre de existir um culpado. Neste quesito, os
primeiros a serem colocados no banco dos réus, sob acusação de influência sexista, são, é claro, os
pais e os professores. Porém, ponderando todos os estudos aqui já explanados, podemos absolver
os referidos réus desta acusação. A diferença sexista mostrada pelas crianças já desde muito
pequenas, não é ensinada por pais ou professores: já está impressa em seus cérebros há milhares de
anos.
Voltando ao passado, Harris (1999) reafirma o que já foi apresentado:
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“Os machos são os caçadores e guerreiros. As fêmeas são as que colhem e nutrem. Os
meninos podem ser forçados a servir como babás se não há nenhuma menina disponível,
mas em todo o mundo prefere-se meninas para este serviço. As meninas disputam umas
com as outras para segurar um bebê; os meninos não parecem achar os bebês nada
interessantes. Uma pesquisadora israelense contou que nos lares que ela observou, muitos
pais davam bonecas a seus filhos. Mas as fraldas das bonecas dadas a meninos nunca
eram mudadas. A pesquisadora viu os jovens donos das bonecas arrastando-as, ou
batendo-as contra móveis, como se fossem martelos”.
6. AS CRIANÇAS NA ESCOLA
Muito antes da escola, observam-se, com grande facilidade, as diversidades entre
meninos e meninas. Seus comportamentos totalmente distintos fazem com que as meninas sejam
mais bem aceitas por mostrarem mais calma e afetividade. Em contrapartida, os meninos mostram
sua euforia com brincadeiras mais violentas: correm, lutam, pulam, fingem que são aviões e
imitam metralhadoras.
Quando entram na escola, estas diferenças ficam ainda mais evidentes. Pesquisas
realizadas na Universidade de Yale por um grupo de cientistas chefiados pelos Drs. Bennet e Sally
Shaywitz (PEASE, 2000, p. 58) sugerem um desenvolvimento mais rápido do lado esquerdo do
cérebro das meninas. Conseqüentemente, elas falam melhor e mais cedo, apresentando, aos três
anos, o dobro do vocabulário dos meninos. Alfabetizam-se e aprendem com mais facilidade uma
língua estrangeira.
Nos meninos, a vantagem no desenvolvimento acontece com o lado direito do cérebro,
fazendo com que superem as meninas na percepção, na lógica e na orientação espacial, tornandoos melhores alunos em Matemática, na montagem de quebra-cabeças e na resolução de problemas.
A construção da fala deles acontece com maior dificuldade. Esta é a razão de, habitualmente,
vermos os consultórios dos Fonoaudiólogos com um número expressivo de meninos. Em muitas
situações, este fator ainda é agravado pela própria família que, ao perceber esta dificuldade, acaba
atropelando o processo de construção da fala. É comum vermos mães e irmãs respondendo pelo
garoto.
Nos primeiros anos escolares, os meninos se mostram menos interessados, pois se
consideram inferiores às meninas, que se destacam pela sua comunicabilidade. Como não
conseguem manter sua concentração nas aulas, encontram outro passatempo bem familiar às
professoras: a bagunça. Nos anos posteriores, os meninos superam as meninas em matérias como
física, matemática, química e ciências.
[...] Na Inglaterra, várias escolas têm turmas separadas para meninos e meninas em
algumas cadeiras, como Inglês, Matemática e Ciências. [...] Esse tipo de separação tira
proveito das aptidões naturais dos cérebros masculinos e femininos, e os resultados são
impressionantes. Como as diferenças foram respeitadas nessa escola, em Inglês os
meninos conseguiram notas quatro vezes mais altas que a média nacional. Em
Matemática e Ciências as meninas alcançaram quase o dobro da pontuação das colegas
de outras escolas. (PEASE, 2000, p. 81)
Outra diferença bastante visível entre garotos e garotas, na escola, diz respeito à
receptividade. A menina mostra valorizar mais os relacionamentos. Deste modo, é mais receptiva
com novos colegas que ingressam na escola e também com colegas que sejam portadores de
necessidades educacionais especiais. A cientista e pesquisadora canadense Sandra Witleson (apud
PEASE, 2000, p.122) testou homens e mulheres para localizar a emoção no cérebro e concluiu:
“Na mulher a emoção está presente em uma região bem mais ampla de ambos os hemisférios e
consegue operar ao mesmo tempo em que outras funções cerebrais.”
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Essa dessemelhança entre meninos e meninas faz com que crianças e adolescentes
formem grupos separados. Harris (1999, p. 226) assevera que “Nos cinco anos de co-educação, do
jardim-de-infância à quarta série, o grau de simpatia das meninas por seus pares masculinos, e o
grau de simpatia dos meninos por seus pares femininos, decresce fortemente.” Macoby (apud
HARRIS, 1999, p. 291) se manifesta a este respeito:
As estruturas sociais que surgem nos grupos de pares masculinos e femininos são
diferentes. Os grupos masculinos tendem a ser maiores e mais hierárquicos. Os modos de
integração que ocorrem nos grupos do mesmo sexo, tanto nos de meninos quanto nos de
meninas, tornam-se progressivamente diferenciados, e os estilos diferentes parecem
refletir programas diferentes. Os meninos estão mais preocupados com a competição e a
dominação, em estabelecer e proteger um território, e em provar a dureza deles, e para
atingir esses fins eles tendem mais a se confrontar diretamente com outros meninos, a
correr riscos, a provocar ou aceitar provocações, a fazer exibições do ego, e a esconder a
fraqueza. Entre os meninos, há uma certa dose de um papo erótico (e sexista)
dissimulado, havendo também a elaboração de temas homofóbicos. As meninas, embora
preocupadas em atingir seus objetivos individuais, preocupam-se mais do que os meninos
em manter a coesão do grupo e as amizades cooperativas, mutuamente solidárias. As
relações delas são mais íntimas do que as dos meninos.
Além das diferenças estruturais já existentes entre meninos e meninas enquanto crianças,
com a adolescência este fator parece se evidenciar desunindo ainda mais os grupos. Neste período,
a quantidade de testosterona liberada aos meninos aumenta. A testosterona é o hormônio
responsável pela configuração do cérebro do feto do sexo masculino (XY). Faz com que meninos
tenham sede por sucesso e competitividade, mas também incita à violência. Isto elucida a
satisfação que os meninos têm ao assistir filmes e jogar games violentos e de se envolver em
brigas. Estudos revelam que o hormônio pode ser perigoso se não for aproveitado. O excesso de
testosterona, se não utilizada através de atividades físicas, pode aumentar a agressividade e
provocar conduta anti-social, como nos alertam Allan e Barbara Pease (2000, p. 143): “Com a
testosterona invadindo seus corpos, rapazes de 12 a 17 anos ficam mais propensos a cometer
crimes”.
O incentivo à prática de esportes é sempre importante, mas se torna praticamente
necessário na adolescência. É indispensável que pais e professores tenham acesso a esta
informação para que saibam lidar com situações comuns de agressividade nesta fase. Durante este
período, o nível de testosterona é de 15 a 20 vezes mais alto nos meninos que nas meninas.
7. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Na última década, as inovações tecnológicas que mapeiam o cérebro em tempo real
foram imprescindíveis para as descobertas entre as diferenças de gênero. Os estudos comparativos
dos cérebros de homens e mulheres mostram de forma cientificamente comprovada, e não só
empiricamente, que as estruturas desiguais e os hormônios agindo de formas distintas determinam
as particularidades de cada sexo.
Viu-se que a forma de estandardizar a criação e o ensino das crianças teve sua origem
ainda tímida nos fins do século XVIII, um momento em que as mulheres lutavam por direitos
igualitários. Não se está dizendo, aqui, que a sociedade deveria ter parado no tempo e suportado as
diferenças injustas entre homens e mulheres. Mas, sem dúvida, nesta oportunidade, houve um
desvio de objetivos que acabou trazendo complicações na criação e educação das crianças,
fazendo-as acreditar que meninos e meninas fossem iguais. Cobram-se, desde então, posturas
comportamentais e cognitivas idênticas de ambos os sexos, exigindo-se, muitas vezes, de um
determinado gênero o que biologicamente ele não pode oferecer. Esta cobrança não se restringe
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apenas às crianças; ela estende-se, também, aos jovens e aos adultos, o que acaba por complicar
muito as relações em coletividade.
Vê-se esta dificuldade em relacionamentos cotidianamente: pais que não conseguem lidar
com seus filhos; filhos que não conseguem se fazer entender pelos pais; um número cada vez
maior de casais que não consegue sustentar seus casamentos e ainda professores que não
conseguem manter uma relação sustentável com seus alunos. Allan e Barbara Pease ( 2000, p.
232) asseguram que
Qualquer teoria que insista na uniformidade sexual é muito perigosa porque exige os
mesmo comportamento de pessoas com circuitos cerebrais completamente diferentes. A
boa notícia é: ao entender a origem dessas diferenças, fica mais fácil conviver,
administrar, apreciar e até gostar das diferenças entre os sexos. Prever os conflitos que as
diferenças podem causar ajuda a prevenir e resolver, quando elas se evidenciam.
Foi possível confirmar as inúmeras variações entre as cognições de meninos e meninas e
também a forma distinta de ação deles. Fica, deste modo, uma questão séria a ser pensada e
discutida entre as autoridades em educação: Será adequado manter em nossas escolas uma
estrutura de educação que prepondere a padronização do ensino? Por certo, se nosso objetivo é
atender à individualidade em ensino e avaliação de nossas crianças, uma mudança elaborada na
estrutura da educação se torna fundamental.
Os estudos e as pesquisas já estão à mostra. Fica o desafio à sociedade de romper as
barreiras do preconceito e analisar qual a proposição mais acertada a ser efetuada. Que os
equívocos já praticados por décadas, em termos de criação e educação, possam ser usados como
fonte para uma sublevação adequada.
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Janeiro: Sextante, 2003.
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SABBATINI, Renato M. E.. Existem diferenças cerebrais entre homens e mulheres? Cérebro &
Mente; revista eletrônica de divulgação científica em neurociências, seção mentes e
comportamento nº 11.
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