LEXICOGRAFÍA, METALEXICOGRAFÍA, DICCIONARÍSTICA Dolores Azorín Fernández (2003) Wiegand (1984) defende o caráter científico da lexicografia e propõe a seguinte estruturação do âmbito próprio da metalexicografia: METALEXICOGRAFIA História da lexicografia A) Seção Geral Teoria Geral da lexicografia B) Teoria da organização Investigação sobre o uso do dicionário C) Teoria da investigação lexicográfica sobre a linguagem Crítica dos dicionários D) Teoria da descrição lexicográfica da linguagem A teoria geral da lexicografia constitui o núcleo fundamental que abrange quatro seções inter-relacionadas: A) A seção geral se ocuparia das relações da teoria lexicográfica com 1. o entorno social: o dicionário tem o objetivo de atender às necessidades comunicativas e cognitivas dos destinatários; 2. outras teorias: relação com outras teorias de campos afins (especialmente as que estudam o léxico), dada a orientação aplicada da lexicografia; 3. a história da lexicografia: conhecimento dos métodos e princípios aplicados na elaboração de repertórios e seu aproveitamento futuro. B) A teoria da organização do trabalho lexicográfico compreende três campos de atividade: 1. atividades de estabelecimento de um plano de dicionário ou desenho da planta do dicionário; 2. atividades de estabelecimento da base de dados do dicionário e seu registro em um arquivo lexicográfico; 3. atividades relacionadas com a redação de textos lexicográficos. C) A teoria da investigação lexicográfica sobre a linguagem tem como objetivo concreto a classificação de todos os métodos científicos que podem ser aplicados no âmbito da lexicografia. Há três componentes: 1. teoria da coleta de dados lexicográficos, isto é, uma teoria sobre como compilar a base de dados de um dicionário (coleta, composição, representatividade, função e tipologia dos corpora lexicográficos); 2. teoria sobre os métodos de processamento dos dados linguísticos frente ao seu aproveitamento em diferentes tipos de dicionários; 3. teoria sobre o auxílio de computadores na lexicografia. D) A teoria da descrição lexicográfica da linguagem teria como objetivo a classificação de todas as possíveis apresentações dos resultados das compilações lexicográficas, isto é, uma tipologia geral das obras lexicográficas. Há dois componentes: 1. elaboração da tipologia dos dicionários e explicação de seus fundamentos; 2. estrutura dos textos lexicográficos. Há certa confluência de ideias entre autores como Wiegand (1984), Quemada (1987) e Porto Dapena (2002) sobre a delimitação do componente teórico da práxis lexicográfica, isto é, a metalexicografia. WIEGAND (1984) → Teoria geral da lexicografia QUEMADA (1987) → Metodologia dicionarística PORTO DAPENA (2002) → Lexicografia técnica teórica Esse componente teórico se ocuparia: 1) dos princípios metodológicos que regem a prática ou confecção de dicionários; 2) do estudo científico dos dicionários do ponto de vista descritivo (crítica dos dicionários atuais, uso do dicionário, estatuto sociocultural do dicionário) e histórico (estudo evolutivo dos diferentes tipos de dicionários e dos métodos empregados para sua confecção). → Independentemente das diferenças que se observam nos autores que têm tratado de organizar o âmbito disciplinar da lexicografia, é a existência do componente teórico ou metalexicográfico que possibilitou a conversão do trabalho do lexicógrafo em disciplina linguística, deixando de ser só “técnica ou arte de compor dicionários”. OS PRIMÓRDIOS DA METALEXICOGRAFIA 1960-1970: nascimento da teoria lexicográfica moderna. 1971: obras fundamentais de Jean e Claude Dubois, ReyDebove e Zgusta. Dois momentos na constituição da metalexicográfica na Europa, ambos na França: corrente 1) 1967 e 1968: Wagner, Quemada, Matoré 2) 1970 e 1971: Jean e Claude Dubois, Rey-Debove A partir dessas datas, o panorama dos estudos metalexicográficos se ramifica e se propaga por diversos países da Europa, dando lugar a diferentes tendências na investigação. ALEMANHA: 1) Wiegand → a ele se deve uma das maiores tentativas de delimitar o terreno da metalexicografia no interior das disciplinas linguísticas; 2) Haensch e Werner → figuras de destaque para a teoria e a prática lexicográficas modernas. ESTADOS UNIDOS: As diversas correntes de estudos metalexicográficos iniciadas no fim dos anos 1960 levaram à formação da Dictionary Society of North America, que edita a revista anual Dictionaries, cujo objetivo é informar sobre os dicionários publicados no mundo, bem como dar a conhecer as investigações mais notáveis no campo da metalexicografia. A partir dos anos 1970, houve uma forte aproximação entre lexicografia e linguística teórica, o que influenciará decisivamente na renovação do trabalho lexicográfico e na consolidação de uma corrente teórica para a lexicografia. Anos 1980: ressurgimento definitivo da lexicografia, com o Congresso Internacional de Lexicografia, após o qual se constitui a EURALEX. Em outros países da Europa e da América, a lexicografia (teórica e prática) é também uma disciplina que atrai a atenção dos especialistas em linguística e consegue espaço próprio nos planos de estudo das universidades. PAÍSES HISPÂNICOS: 1) Casares → Introducción a la lexicografía moderna (1992) 2) Fernández-Sevilla → precursor da lexicografia teórica. Em Problemas de lexicografia actual (1974), são enfocados, pela primeira vez, e da perspectiva da linguística moderna, aspectos centrais para a metalexicografia, tais como: - especificidade do âmbito disciplinar da lexicografia ou sua relação com matérias afins; - o conceito de dicionário; - as relações entre lexicografia e geografia linguística; - o vocabulário científico e técnico nos dicionários; - os problemas que suscita a elaboração de uma história da lexicografia espanhola. 3) Haensch, Wolf, Ettinger, Werner → La lexicografía. De la linguística teórica a la linguística práctica (1982). Essa obra tem ensinado a várias gerações os princípios da teoria lexicográfica. Anos 1990 e início do século XXI: grande difusão dos estudos metalexicográficos. O dicionário, sua história, seus métodos, seus destinatários, bem como suas múltiplas possibilidades didáticas como instrumento para o aprendizado de línguas ou como veículo para a interação comunicativa, têm atraído a atenção dos linguistas, que vêem nele um objeto multidimensional, suscetível de ser abordado a partir de enfoques e interesses variados. GÉNERO Y DICCIONARIOS: UN ANÁLISIS METALEXICOGRÁFICO DEL TRATAMIENTO DE UNOS LEMAS RELACIONADOS CON LOS SEXOS Josef Johansen (2010) OBJETIVO: Analisar a imagem que os dicionários espanhóis transmitem dos gêneros sociais, com base nas definições de: - três lemas cujo referente é a mulher: femenil, feminidad e femenino - três lemas cujo referente masculinidad e masculino é o homem: varonil, CÓRPUS - Diccionario de Autoridades (DDA), que é o primeiro dicionário publicado pela Real Academia Española (RAE), de 1726 a 1737; - a quinta edição do DRAE, de 1817; - a décima quinta edição do DRAE, de 1925; - a vigésima segunda edição do DRAE, de 2001; - Diccionario de Uso del Español (DUE), de 1990, mais conhecido como María Moliner; - Diccionario Clave, de 1999; - Wikcionario, de 2010. 1) Diccionario de Autoridades (DDA), 1726-1737 As definições do DDA transmitem duas imagens muito claras: - gênero masculino: o homem é esforçado, corajoso e forte; - gênero feminino: a mulher é submissa. 2) DRAE (5ª edição), 1817 - a imagem do gênero masculino se manteve desde o DDA; - as imagens estereotipadas do gênero feminino estão ausentes. 3) DRAE (15ª edição), 1925 A partir dessa edição do DRAE, aparece nas definições a explicação dos sexos com referencia à fecundação → uma explicação neutra, que não contém valores. FEMENINO, NA. (Del lat. femininus.) adj. Propio de mujeres. 2. Dícese del ser dotado de órganos para ser fecundado. 3. Perteneciente o relativo a este ser. 4. fig. Débil, endeble. MASCULINO, NA. (Del lat. masculinus.) adj. Dícese del ser que está dotado de órganos para fecundar. 2. Perteneciente o relativo a este ser. 3. fig. Varonil, enérgico. 4) DRAE (22ª edição), 2001 - gênero masculino: o homem é esforçado, corajoso, firme, varonil e enérgico; - gênero feminino: a mulher é fraca. Esta caracterização se manteve constante em quase todas as edições do DRAE. 5) DUE, 1990 - A ênfase no aspecto biológico está mais presente nas definições do DUE do que em outros dicionários, o que é mais apropriado para enciclopédias. FEMENINO, -A. De [De la, de las] mujer[es]. (T., «femenil, feminal».) Del individuo que en la *reproducción tiene el papel de sostener en sí al óvulo o elemento que ha de ser fecundado y, después de la fecundación, al nuevo ser o a las semillas, suministrándoles el alimento para que crezcan hasta que se separan de él. MASCULINO, -A (adj.). 1 Se aplica al elemento de la generación, tanto en las plantas como en los animales, que desempeña el papel fecundante; a los órganos que lo producen, al individuo en que están al sexo correspondiente: “Los estambres son los órganos masculinos de la flor. Un individuo del sexo masculino”. 5) DUE, 1990 - O DUE distingue entre gênero e sexo, dado que indica que os termos relacionados a um gênero podem se aplicar ao sexo oposto. Como resultado, a palavra adquire sentido negativo. MASCULINO, -A (adj.). 2. Se aplica a las cosas de los *hombres para diferenciarlas de las propias de las mujeres, o a las que tienen las cualidades propias de los hombres o las tienen en alto grado: “Una mujer masculina. Un rasgo muy masculino”. VARONIL. (laudatorio). «Viril». Propio de hombre. *hombre: “Una mujer de aspecto varonil”. Como de 6) Diccionario Clave, 1999 - Os referentes são estereótipos dos dois gêneros. 7) Wikcionario, 2010 O wikcionario é construído de uma maneira diferente dos outros dicionários: - as definições são formuladas por autores diferentes e sem colaboração e coordenação; - não se pode controlar quem são os autores. Essas irregularidades dificultam a análise do tema. CONCLUSÕES - Os dicionários indicam que atualmente existe uma distinção entre os conceitos de gênero e sexo. As características masculinas e femininas são referências aos estereótipos de cada gênero. - O desenvolvimento do DRAE foi lento ao longo do tempo, e sua versão atual é uma mera versão da primeira edição. - O DRAE, bem como os outros dicionários, permanece escrito de um ponto de vista do homem católico e heterossexual. ANÁLISE DE DOIS DICIONÁRIOS GERAIS DO PORTUGUÊS CONTEMPORÂNEO: O AURÉLIO E O HOUAISS Maria Tereza Camargo Biderman (2001) De modo geral, AURÉLIO e HOUAISS revelam desconhecimento da Teoria Lexical, Gramatical e Linguística. AURÉLIO: classifica como locuções unidades léxicas complexas típicas das línguas de especialidade. Ex: resistência dos materiais. AURÉLIO e HOUAISS: é discutível a inclusão de muitas unidades como elementos de composição em desacordo com a Teoria Lexical. Um dicionarista precisa conhecer bem o processo de formação de palavras: composição x derivação. AURÉLIO e HOUAISS: não se fundamentam em um córpus informatizado como fonte de referência na extração e seleção das entradas. HOUAISS: a lista de nomenclaturas está inchada com criações virtuais não documentadas. Em vários casos, os autores registram exemplos citados por eles próprios para validar a palavra-entrada, o que não serve como comprovante de sua pertença ao léxico da língua. Ex: latinismos. AURÉLIO e HOUAISS: nomenclatura com muitos termos técnico-científicos, regionalismos, palavras desusadas, obsoletas, vocábulos literários raros. AURÉLIO e HOUAISS: consideram homônimas apenas as palavras de étimos diferentes. Ex.: direito (adj.), direito (sub), e direito (adv.) constituem a mesma entrada. O critério etimológico se sobrepõe ao semântico-lexical e sintático. → INTERFERÊNCIA DIRETA NA MACROESTRUTURA AURÉLIO: incorpora muitas palavras raras (autoridade literária como fonte privilegiada de coleta vocabular com fins lexicográficos). As palavras eruditas eram consideradas modelo ideal de língua escrita. Na lexicografia moderna, uma palavra faz parte do patrimônio léxico de uma língua se tiver sido usada um dado número de vezes por diferentes falantes e se ocorrer em diferentes gêneros textuais. AURÉLIO: algumas acepções e a ordem em que aparecem são contestáveis. Ex: verbete cabeçalho cabeçalho [De cabeça + alho] S.m. 1. Timão do carro, do qual pende a canga. 2. Título de jornal ou de outra publicação periódica, que compreende data, número, periodicidade, etc.; cabeço. 3. Título destacado de artigo, notícia, etc. 4. Título de capítulo. HOUAISS: inclui como sinônimos e antônimos palavras que não o são. Muitas vezes apenas pertencem ao mesmo campo semântico-lexical da entrada. HOUAISS: a etimologia e a datação de palavras são questionáveis. A língua portuguesa não tem estudos confiáveis sobre a história de seu léxico. HOUAISS: ordena as acepções em ordem cronológica, assumindo a postura de um dicionário histórico. Por isso, o consulente que desconhece a diacronia da língua ficará surpreso ao constatar que o sentido mais comum na atualidade pode aparecer na 2ª ou mesmo na 8ª acepção. POR QUE OS DICIONÁRIOS BRASILEIROS SÃO TÃO RUINS? Cláudio Weber Abramo (2013) Cláudio Weber Abramo → publicou artigo polêmico publicado no caderno "Mais!" da Folha de S. Paulo em janeiro de 2000, intitulado "Dicionários, que horror". O autor critica principalmente o dicionário Aurélio, nos seguintes aspectos: - ausência de método em sua compilação; - definições circulares e eruditas. Ex.: pera → 1. O fruto da pereira; - sinônimos precisam ser buscados em obras específicas; - presença de muitos lusitanismos (dialecto, facto, fenómeno) e decalques (randômico); - crítica aos significados: significado primário da entrada provável é apresentado como “aquilo que se pode provar”; - preferência a grafias obsoletas (caftina x cafetina, cáften x cafetão); - remissão: a denominação preferencial de samambaia é gleichênia; “Mas a crítica pública aos dicionários oferecidos à comunidade não seria obrigação de quem é pago para lidar com os assuntos da língua? E como é que nunca formaram uma equipe para fazer um dicionário decente, mesmo que seja para demorar uma década?” Réplica: A edição de fevereiro de 2000 do "Mais!" trouxe réplica assinada pelas coordenadoras do Aurélio, Marina Baird Ferreira e Margarida dos Anjos: - os dicionários não impõem usos; apenas os registram, filtrandoos segundo critérios que respeitem a norma culta; - os lexicógrafos continuadores da obra de Aurélio Buarque de Hollanda não pretendem ter realizado um dicionário acima de críticas, mas útil nos atributos que busca preencher: abrangência, precisão, acuidade, clareza, concisão etc., aliadas a fatores como tamanho (e, portanto, custo e preço), praticidade e as reais necessidades do público a que se destina. Tréplica: o ponto central do artigo é que o Aurélio carece de metodologia e esclarecimento do processo de compilação. Paulo Geiger (editor das obras de referência da Editora Nova Fronteira): Concebe o dicionário como o acervo de palavras de uma língua, em que se registram os seus significados, em suas várias nuanças e variações de uso. A língua é um código de comunicação social: é o registro da memória das coisas, e, mais que tudo, é o código da transmissão e recepção de informações, pensamentos e ideias. Para que haja comunicação e transmissão de ideias é preciso que cada palavra tenha para o transmissor e para o receptor os mesmos significados possíveis. O valor do dicionário está na capacidade de atender aos usos específicos para os quais é concebido. Ele deve, antes de tudo, reunir o máximo de palavras relevantes em uso e o máximo de significados possíveis para cada palavra. Como toda ferramenta, o dicionário deve ser acessível aos usuários. E uma abrangência não programada irá refletir-se no custo. Assim, a primeira missão do lexicógrafo é conceber o modelo conceitual de seu dicionário: o público a que se destina, o tamanho, a área de cobertura, o modelo de definição que atenda aos requisitos de concisão e clareza, a estrutura dos verbetes, o ponto de equilíbrio entre número de vocábulos, definições e informações adicionais de forma a aproveitar ao máximo o espaço com dados relevantes e úteis naquele determinado contexto etc. Para ser eficiente, o dicionário deve fornecer, além dos significados, o maior número possível de informações sobre a palavra: etimologia, pronúncia, categorias gramaticais e regências verbais, exemplos contextualizados, informações gramaticais, sinônimos etc. “O Aurélio foi e continua a ser planejado e realizado de acordo com regras, conceitos, métodos, critérios e técnicas cuidadosamente pensados e aplicados. E a colaboração de leitores tem sido insumo constante na correção de possíveis erros e omissões, na busca de uma perfeição improvável, mas sempre desejada”.