Audição Pública sobre a definição de um limiar de Pobreza Estatísticas oficiais relativas à Pobreza O Inquérito às Condições de Vida e Rendimento das Famílias (ICOR) 17 de Outubro 2008 1 Em primeiro lugar, quero agradecer ao Senhor Ministro do Trabalho e da Solidariedade Social o convite para participar nesta Sessão, não podendo deixar de reconhecer a importância que nas sociedades de hoje assume a temática que vai ser abordada. Estando à frente da entidade que em Portugal é responsável pela produção das estatísticas oficiais, gostaria de reconhecer publicamente a responsabilidade que pende sobre os Institutos de Estatística em geral e o Instituto Nacional de Estatística em particular. As estatísticas são, cada vez mais, instrumentos indispensáveis para: • O conhecimento da realidade, • A definição das decisões para actuar sobre essa realidade, • A avaliação das medidas de política adoptadas e • A realização de comparações em diferentes vertentes, nomeadamente a geográfica, a nível nacional e internacional. A qualidade das estatísticas (incluindo neste conceito a sua disponibilização imparcial e atempada) é, assim, uma condição indispensável para o bom conhecimento da realidade, para a tomada das decisões adequadas, para a avaliação correcta dos seus impactos e para a sua pertinente comparabilidade com outras realidades. 2 A produção estatística pode considerar-se idêntica à de qualquer indústria: • existe um processo produtivo estabelecido, em modernização contínua, que se traduz, em termos simplificados, na operacionalização de conceitos, definições e metodologias préconvencionados e consensualizados a nível nacional e/ou internacional; • existe matéria prima adequada, constituída pela informação de base prestada por empresas, públicas e privadas, e por famílias e cidadãos e, ainda, pelos dados administrativos que detêm as características necessárias à sua apropriação para fins estatísticos; • existe um produto final constituído pelas estatísticas colocada à disposição da sociedade como bem público. A qualidade do produto final, dependendo inquestionavelmente dos factores técnicos (isto é, do processo produtivo adoptado), depende também, e muito, da qualidade da matéria prima utilizada, ou seja das respostas dos inquiridos. Concretamente na área temática da Pobreza, o INE, como produto final, coloca à disposição da sociedade, entre outros os seguintes indicadores: 3 • a Taxa de risco de pobreza antes de prestações sociais, que se situava em 41% em 2004 e em 40% em 2006 • a Taxa de risco de pobreza após transferências sociais, que se reduziu de 2004 para 2006, passando de 20% para 18%; Este risco de pobreza era mais elevado para mulheres (22% e 19% em 2004 e 2006 respectivamente) e ainda mais elevado para os idosos com + de 65 anos (29% e 26% naqueles anos) • a Taxa de risco de pobreza segundo a condição de trabalho, que revela que 11% dos empregados por conta de outrem em 2006 estavam em risco de pobreza; • A Linha de pobreza relativa que, de acordo com o conceito europeu, corresponde a 60% da mediana do rendimento mensal por adulto, se situava em 346€ em 2004 e em 366€ por mês em 2006 • O Coeficiente de Gini da distribuição de rendimento, que se situou em 38% no período 2004-2006 • O Indicador de desigualdade de distribuição dos rendimentos (definido, por exemplo, como o rácio entre a proporção de rendimento total auferido pelos 10% da população com mais elevados rendimentos e a proporção do rendimento total auferido pelos 10% da população com mais baixos rendimentos), o qual passou de 12,3% em 2004 para 11,9% em 2006. 4 Gostaria de explicitar como são apurados estes indicadores. A informação mais utilizada para a análise da pobreza (como os indicadores que acabei de referir) é produzida pelo Instituto Nacional de Estatística, no contexto do programa europeu EU-SILC (European Union Statistics on Income and Living Conditions), que consubstancia as recomendações da União Europeia sobre Estatísticas das Condições de Vida, Exclusão Social e Pobreza. Estas recomendações beneficiaram largamente dos resultados da experiência do Painel Europeu de Agregados Domésticos Privados, realizada entre 1994 a 2001 também sob a égide do EUROSTAT. A partir desta experiência, em 2004 evoluiu-se para a actual operação EU-SILC, que em Portugal corresponde ao Inquérito ao Rendimento e Condições de Vida das Famílias, mais conhecido por ICOR. Este inquérito caracteriza-se por uma grande exigência relativamente à harmonização de conceitos, de metodologias de amostragem, de tipos de apuramentos e de calendário de realização e disponibilização da informação, entre os vários Estados Membros da União Europeia. O EU-SILC é enquadrado e delimitado a nível europeu por um conjunto pesado de Regulamentos Comunitários que estabelecem os objectivos, a estrutura e os formatos de aplicação do programa. 5 Isto significa que todas as etapas da produção estatística relativas a esta operação, sejam os calendários, os conceitos, as técnicas de amostragem e, mesmo, os procedimentos de trabalho de campo, estão devidamente pré-estabelecidos e são regularmente monitorizados pelo EUROSTAT. Depois de ter colaborado em todas as “vagas” do Painel Europeu de Agregados Domésticos Privados, o INE participa no projecto EUSILC desde o primeiro momento, ou seja desde 2004. Com o exercício relativo a 2007, cujos apuramentos ainda não estão concluídos, passará a dispor-se de um ciclo completo do projecto, no sentido em que, pela primeira vez, se apresentará informação sobre os rendimentos monetários brutos e líquidos das famílias, bem como informação sobre o auto-consumo, componente importante para se poder perspectivar o seu rendimento total. O INE implementou as condições necessárias à realização de um projecto estatístico complexo como este, que recorre à utilização de um questionário particularmente extenso de cerca de 600 perguntas sobre matérias de grande sensibilidade para as famílias, designadamente as que se referem ao seu rendimento, em relação ao qual não dispõem normalmente de um sistema estruturado de contabilidade, como no caso das empresas. 6 Por outro lado, há que reconhecer também que o inquérito é particularmente pesado para os inquiridos, assumindo uma sobrecarga que não é comum nos inquéritos que habitualmente o INE realiza. De facto, o inquérito relativo ao projecto EU-SILC é realizado junto de uma amostra representativa de famílias (mais de 6000 no primeiro ano e cinco mil nos seguintes), com uma rotação anual de um quarto, o que significa que as famílias da quarta rotação de 2004 permaneceram na amostra para inquirição até 2007, durante 4 anos portanto. Como consequência, a adesão e permanência das famílias neste projecto é normalmente difícil. Um claro indício desta dificuldade é o facto de, das famílias que constituíam a quarta rotação de 2004 anteriormente referida, apenas 62% terem permanecido na amostra do ICOR de 2007. A superação desta dificuldade requer esforços adicionais por parte do INE, quer no que se refere ao trabalho dos entrevistadores, quer no que diz respeito às metodologias de estimação. Como já referi e é, certamente, do senso comum, a qualidade das estatísticas depende muito dos factores técnicos; contudo, e definitivamente, sem boas respostas dos inquiridos, em termos de quantidade e qualidade, não há, de certeza, boa informação estatística. 7 No caso dos inquéritos às famílias, é evidente que a qualidade da informação estatística final depende da boa colaboração dos inquiridos, a qual pode, de algum modo, ser suscitada, designadamente pela capacidade da entidade estatística em cativar o seu interesse e motivação para a importância da informação em causa para a sociedade. Há ainda que reconhecer que a utilização de um questionário de cerca de 600 perguntas e um tempo médio de entrevista superior a uma hora, constitui inquestionavelmente uma das fragilidades do inquérito. Além disso, a maior parte das perguntas visa a recolha pormenorizada de dados sobre as receitas do agregado e dos seus vários membros, os quais não decorrendo normalmente de uma compilação documental exaustiva, conduzem a um esforço considerável de memória com todos as imprecisões, que daí podem advir, afectando a qualidade da informação e consequentemente das estatísticas. É a componente das receitas das famílias do ICOR que tem vindo a ser explorada e utilizada para avaliação do nível pobreza e dos indicadores que lhe estão associados. 8 Gostaria de informar que, nos próximos dois anos, e procurando a intensificação da utilização de todos os recursos de informação disponíveis, os Estados Membros da União Europeia irão ser chamados a dar os primeiros passos firmes no tratamento dos dados sobre privação material dos cidadãos. Este projecto passará necessariamente pelo estudo prévio de indicadores sintéticos sobre pobreza não monetária, que evidenciem as questões base do acesso das famílias a bens de conforto e as suas dificuldades financeiras. Por último, gostaria de alertar para a abrangência e potencialidades de um inquérito da dimensão do ICOR, muito superiores à mera produção anual de alguns indicadores estruturais sobre pobreza e a desigualdade. A utilização plena dos seus resultados permitirá complementar as medidas correntes de pobreza e desigualdade e também, decididamente, aumentar o conhecimento e a compreensão das diversas problemáticas sociais. Não posso deixar de lançar daqui um desafio à comunidade científica para a utilização mais intensa da informação do ICOR, designadamente em parceria com o INE, cujas equipas, nesta área, pela sua reduzida dimensão, têm sido exclusivamente pela produção da informação. 9 absorvidas quase A relevância da informação produzida e a sua crítica construtiva representam para o INE um desígnio e a melhor forma de valorização do serviço que presta à sociedade. Reconheço que, embora respeitando rigorosamente os prazos de divulgação da informação estabelecidos no Regulamento Comunitário, a disponibilização de resultados desta operação estatística ocorre dois anos depois do período de referência dos rendimentos e que a disponibilização das bases de dados para investigação se tem verificado entre 3 a 6 meses mais tarde. É muito tempo. Mas é o tempo que tem sido necessário ao INE, face aos recursos de que dispõe nesta área da produção. Uma parte excessivamente relevante da produção do INE está associada a Regulamentos Comunitários, de cumprimento obrigatório. É um facto que, no contexto europeu, as estatísticas económicas se impuseram muito mais cedo e rapidamente do que as estatísticas sociais, absorvendo a maior parte dos recursos disponíveis nas autoridades estatísticas nacionais que, por circunstâncias conhecidas, não têm podido aumentá-los. Nos últimos anos, constata-se a emergência, de intensidade crescente, de necessidades de estatísticas sociais maioritariamente por parte de entidades públicas das mais diversas áreas. 10 Também a nível europeu se intensifica a preparação de normativos para a elaboração de estatísticas para a esfera social. A situação não é de modo algum confortável para o INE, dado que os seus recursos financeiros e, especialmente humanos, têm estado alocados na quase totalidade às operações já estabelecidas, não dispondo de margem de manobra para acolher novas operações. Concluo, formulando os melhores votos para que esta sessão seja proveitosa para todos os participantes e que, particularmente o INE, possa nela recolher ensinamentos que lhe permitam adequar cada vez melhor as estatísticas que produz às necessidades dos utilizadores, particularmente dos utilizadores nacionais. Muito obrigada. 11