Contributo Linhas de Orientação Estratégica para o Ensino Superior A apresentação pelo Ministério de Educação e Ciência para discussão pública de uma proposta de «Linhas de Orientação Estratégica para o Ensino Superior» merece da parte do movimento associativo estudantil uma especial atenção e o necessário contributo. Tal documento, que vinha sendo anunciado desde setembro de 2013 como um documento estruturante na reforma da rede de ensino superior, acabou por vir a público por um lado com uma abrangência muito superior ao inicialmente anunciado, e por outro com uma concretização insuficiente em relação a muitas das medidas enunciadas, ignorando mesmo opções de base que devem ser assumidas antes do desenho de qualquer estratégia: é este o caso do RJIES e do CCES. O Governo enunciou, desde o início da legislatura, a necessidade de revisão do RJIES, tendo mesmo a Secretaria de Estado do Ensino Superior avançado com uma proposta de revisão. Nada se diz porém no momento de apresentação de linhas estratégicas para o ensino superior se haverá ou não revisão desse diploma, e em caso afirmativo se a proposta do Governo é a já divulgada anteriormente. A própria Lei consagra, no art.º 185.º, que o RJIES deveria ser «objeto de avaliação cinco anos após a sua entrada em vigor» avaliação que seria fundamental como ponto de partida para o debate e cujos resultados não são do conhecimento de nenhum dos intervenientes. Refira-se ainda que este atraso e adiamento da discussão se tem revelado demasiado prejudicial para as instituições de ensino superior, nomeadamente aquelas que apresentaram e concretizaram pedidos de passagem a fundação pública de direito privado, que continuam à espera de uma definição clara dos regimes de autonomia acessíveis às instituições de ensino superior. Contrasta também com as linhas gerais apresentadas o caso do CCES: apesar de previsto na lei há quase 7 anos, continua por constituir este órgão que foi desenhado como plataforma central na discussão, aconselhamento e formação de consensos em muitas das questões versadas nas linhas estratégicas em análise. A constituição do CCES já foi recomendada várias vezes, quer por parte do Conselho Nacional da Educação, no documento «Recomendação sobre a Autonomia Institucional do Ensino Superior», publicado em Diário da República a 7 de novembro de 2012, quer por parte da European University Association, no relatório «Portuguese Higher Education: a view from the outside», apresentado a 19 de fevereiro de 2013. Anda por isso mal o Governo quando apresenta linhas estratégicas sem constituir tal Conselho, por ausência de nomeação das personalidades externas, e sem assumir qual a sua opção no que toca à vigência ou revisão do texto atual do RJIES. Face às linhas estratégicas em concreto, o objetivo do presente documento é dar o contributo para a sua discussão, não fazendo por isso sentido pronunciarmo-nos novamente em relação às medidas já aprovadas e ou em execução, como os TESPs e o EEI. Afirma o Governo 6 linhas estratégicas, cada uma delas com um conjunto de medidas que pretendem concretizar a implementação da estratégia de base. Aumentar a participação no ensino superior é o caminho correto no entendimento do movimento associativo estudantil, mas a relação entre formação superior e empregabilidade tem sido abordada de forma errada, nomeadamente pelo despacho referente à fixação das vagas dos ciclos de estudos iniciais para o ano em curso, bem como na proposta do mesmo despacho para o próximo ano letivo. De facto, mesmo assumindo que os números do desemprego sejam critério válido para aferir a empregabilidade de um ciclo de estudos, analisando tais números do desemprego a primeira conclusão a que chegamos é que há muito menos desempregados com formação superior do que sem este tipo de formação, em qualquer faixa etária considerada. Daqui resulta que qualquer formação superior tenderá a contribuir para melhorar a empregabilidade dos estudantes; pelo que erram tais despachos quando limitam, com base no nível geral de desemprego registado pelo IEFP entre os desempregados com formação superior, a criação de vagas ou a abertura de cursos; a aceitar o critério do desemprego como número relevante para fixar tais vagas, deveria o nível de desemprego de cada ciclo de estudos ser confrontado com o nível de desemprego geral das pessoas inscritas sem formação superior (ou, pelo menos, do nível geral de todos os tipos de formação). Este seria o caminho correto para atingir o objetivo enunciado de contribuir positivamente para a empregabilidade através da formação superior. Um dos principais obstáculos ao sucesso deste aumento da participação no ensino superior é o abandono escolar. Louvamos por isso a medida de criar e implementar o Programa Retomar, que tem por objetivo o combate ao abandono escolar, fazendo regressar estudantes que interromperam a sua formação superior. A regulamentação de tal programa deve no entanto ser feita tendo em conta dois efeitos colaterais previsíveis: por um lado o programa não pode promover indiretamente o abandono presente com vista à candidatura futura a um reingresso por via do Retomar; por outro lado, a mera existência de um apoio financeiro a estudantes não carenciados (não existe neste programa o critério de recursos como relevante para a candidatura ou seriação) reclama uma revisão do sistema de ação social, de forma a que este sistema e o Programa não criem na prática situações cuja comparação provoque distorções dos princípios de equidade e proporcionalidade subjacentes ao sistema de ensino superior. No que diz respeito à medida de manter o esforço para a melhoria da qualificação superior da população ativa, consideramos que tais esforços não são suficientes. Deve ser aumentado o esforço para feito, sobretudo estabelecendo um regime dos trabalhadores-estudantes adaptado à realidade da frequência do ensino superior simultaneamente ao exercício de uma atividade profissional, aprovando a lei especial para o efeito prevista no Código de Trabalho vigente, incluindo incentivos para a entidade patronal que tenha este tipo de estudantes como trabalhadores, no sentido de facilitar as relações laborais entre ambos. Quanto à segunda linha estratégica apresentada, parece-nos não existir uma efetiva relação entre a linha estratégica enunciada e as medidas apresentadas para a concretizar. Sendo certo o papel central que a qualidade joga e deve jogar no sistema de ensino superior, as medidas enunciadas que procurem alterar ou criar nova regulamentação de avaliação e acreditação (examinador externo, avaliação e acreditação do ensino a distância) estão atualmente subtraídas por lei à competência do Governo, por atribuição à A3ES. No que à avaliação e acreditação da qualidade diz respeito o movimento associativo reforça a necessidade de legislar no sentido de que esteja previsto um resultado de avaliação sob a forma de rating (de A a D, por exemplo), reforçando a transparência da avaliação e permitindo a comparabilidade, sem no entanto reduzir tal comparabilidade a rankings que nada informam sobre posição absoluta. Perante outra medida definida, não se vislumbra como se pretende implementar junto das IES, sem ingerir na sua atividade autónoma, uma promoção do acompanhamento dos estudantes com vista ao sucesso escolar. Ainda no que a esta linha diz respeito, mas já em estreita conexão com a consolidação da rede e a racionalização da oferta formativa, o movimento associativo reitera as enormes dúvidas que tem vindo a expressar sobre a que nível deve ser prevista e aplicada uma binariedade (institucional, de unidade orgânica ou de ciclo de estudos), definição que deve ser feita previamente a qualquer reorganização da rede e da oferta, que será uma necessária consequência da opção realizada. O movimento associativo é ainda frontalmente contra qualquer opção de dotar as instituições de ensino superior de instrumentos mais eficazes para a seleção dos seus estudantes. O princípio central subjacente à rede pública de ensino superior e à aplicabilidade de uma limitação quantitativa das vagas (numerus clausus) é o de um concurso geral de acesso que seria os candidatos com base em critérios objetivos de mérito, simplicidade de processo e equidade no preenchimento das vagas - é esta uma trave mestra prevista na Lei de Bases do Sistema Educativo, que não pode ser desvirtuada avulsamente por qualquer medida no sentido proposto. As terceira, quarta e quinta linhas estratégicas necessitam de uma articulação, que não está plasmada no documento proposto. De facto, pensar a rede sem a articular com a oferta, ou construir modelos de financiamento que não privilegiem as linhas definidas em termos de rede e oferta, é tratar desconexamente perspetivas diferentes duma realidade única e que tem de ser abordada de forma coerente, sob pena de ineficiência na aplicação de recursos. Tendo isto em mente, o movimento associativo reitera as medidas que considera necessárias no que à rede diz respeito: a constituição do CCES, a imediata integração das escolas politécnicas não integradas nos politécnicos correspondentes, bem como a fusão de universidades ou politécnicos, se de tal fusão resultarem ganhos de escala e considerando um critério de proximidade geográfica, não excluindo deste processo de fusões a integração de unidades orgânicas de institutos politécnicos em universidades, quando daí possam comprovadamente advir vantagens. Vê no entanto o movimento associativo com bons olhos a possibilidade de criação de estruturas formais suprainstitucionais - denominados consórcios na proposta, cuja figura pretende regulamentar. Esta regulamentação deve conter mecanismos que diferenciem positivamente os esforços institucionais de consolidação de instituições de ensino superior, bem como de fusão ou integração de unidades orgânicas de menor dimensão, com vista a obter ganhos de escala. É inegável o papel que o ensino superior tem no desenvolvimento regional das áreas geográficas onde se insere; mas não é indiscutível o papel que lhe cumpre ou não ter de um instrumento político de coesão territorial. A criação de um programa como o + Superior tem como pressuposto uma resposta afirmativa, constituindo o ensino superior como um meio de coesão territorial. Este programa está pensado de forma a subsidiar a frequência do ensino superior em determinadas regiões, com base num critério geográfico; contudo, parece olvidar-se que em muitas das regiões que virão a ser destinatárias da medida já estão implementados um conjunto de incentivos económicofinanceiros (custo de vida mais barato, propinas tendencialmente de menor valor) que nem por isso se traduziram num incentivo suficiente para inverter a tendência de pouca atratividade dessa oferta formativa, o que aponta para um tendencial insucesso de um programa deste tipo. Além disso, este tipo de programa, se criado de forma desconexa com o modelo de rede e oferta formativa que se quer implementar a nível nacional, provocará distorções contraproducentes face aos objetivos gerais da rede e da oferta formativa. Não se deve entender do que foi dito que o movimento associativo desconsidera a importância do papel desempenhado pelas IES no interior do País; antes pretende sublinhar-se que as medidas a tomar devem ser coerentes entre si e sensíveis às consequências sistémicas das opções tomadas. Defende o movimento associativo que a proposta de burocratizar o processo de criação de novos cursos, introduzindo a obrigatoriedade de consultas prévias a tal criação, vai no sentido oposto do caminho de simplificação dos processos administrativos e de licenciamento que o País tem vindo a desenvolver, levantando mesmo fundadas dúvidas sobre a sua legitimidade face à Diretiva Serviços no que às IES do ensino particular e cooperativo diz respeito. Salvaguardada a qualidade das formações a ministrar, ao invés deste caminho, o movimento associativo defende que a racionalização da oferta formativa deve ter em conta aspetos como a procura e a intervenção junto dessa procura deve ser promovida pelo Estado mais sob a forma de informação disponibilizada sobre os ciclos de estudos (empregabilidade, acreditação, qualidade-rating) do que sob outras formas de intervenção que distorçam a procura por ação na alteração da oferta, sem prejuízo de evitar duplicações desnecessárias com base em critérios de eficiência. O financiamento deve ser construído de forma a promover os objetivos definidos em termos de oferta formativa e de rede de ensino superior desejada. As medidas propostas são grosso modo resumidas no cumprimento efetivo da lei de bases do financiamento vigente. O movimento associativo concorda com tal cumprimento, que há muitos anos denuncia como necessário e não tendo sido feito pelos sucessivos governos, com exceção de um único ano em mais uma década de vigência da lei. Reiteramos assim que somos favoráveis a um financiamento com base numa fórmula previamente desenhada e conhecida, que promova padrões de qualidade e incentive resultados (mais qualificação docente, maior captação de receitas próprias não provenientes de propinas e outras taxas devidas pelos estudantes, maior produção e transferência de conhecimento, maior capacidade de incentivar o desenvolvimento de competências que melhorem a empregabilidade dos diplomados, etc.), juntamente com a existência de programas de desenvolvimento institucional, plurianuais, que promovam melhorias alinhadas com os objetivos sistémicos definidos para a totalidade da rede. Neste aspeto, o movimento associativo é sensível à necessidade de um período de transição (convergência) suficiente, mas que não se prolongue tanto no tempo que torne ineficaz a fórmula definida - o horizonte de três anos parece-nos razoável para equilibrar ambas as tensões. Desta forma, permite-se que as instituições de ensino superior se reestruturem com base no novo modelo de financiamento sem sofrerem impactos graves no período de implementação desse modelo. Em relação às alterações necessárias no modelo de financiamento, passando a cumprir-se o definido na lei que estabelece as bases do financiamento do ensino superior, urge a discussão da fórmula a aplicar, uma vez que o orçamento para 2015 é a última oportunidade que resta a este Governo para fazer tal reforma, sendo este o seu último orçamento. Finalmente, concordamos que o desenvolvimento estratégico do ensino superior português deve passar pela sua abertura à internacionalização. Com este objetivo, as medidas propostas, para além do EEI, são bem-vindas se significarem a assunção de responsabilidades do Governo na coordenação efetiva de políticas de desenvolvimento sistémico do ensino superior. Neste sentido, quer a implementação de um portal único quer o desenho de uma estratégia comum de internacionalização para o ensino superior português são medidas úteis. Mas o movimento associativo sublinha que é o CCES a sede privilegiada para desenhar e promover a implementação de tal estratégia comum. A criação do portal proposto deve ainda ter como pressupostos não duplicar o que já existe a este nível em cada instituição e sobretudo deve responder às efetivas necessidades do público-alvo em causa.