O Obstáculo da Informação nos Estudos Econômicos em Saúde
Edson Mamoru Tamaki1
Introdução
Em que pese a existência de estudos pontuais anteriores à década de 50, é a partir, desse
momento, segundo Levy (197?), que a economia da saúde dá a arrancada como uma nova
disciplina nos Estados Unidos e na França. No Brasil, podemos situar a emergência dessa
disciplina no início da década de 90, com a criação da Associação Brasileira de Economia da
Saúde e, posteriormente, com a realização do seu I Encontro Nacional de Economia da Saúde,
em 1993. Apesar do tempo decorrido, essa disciplina, ainda hoje, está buscando a consolidação
do seu campo de estudo. Definições buscando sua caracterização, estão sendo feitas, sem
contudo chegar a um consenso; no entanto, é aceitável adotar, como premissa que a existência de
uma Economia "da" Saúde pressupõe a existência de fenômenos que no plano teórico-conceitual
ou metodológico só podem ser explicados pôr essa disciplina.
Não fosse essa característica, a disciplina se reduziria, simplesmente, à economia aplicada
no campo da saúde. Nesse sentido, todas as aplicações setoriais do conhecimento econômico
poderiam ser denominadas como se constituíssem um novo corpo disciplinar, ou seja, economia
do comércio, do lazer, do esporte, da comunicação, da cultura, da seguridade social, etc. Apesar
dos avanços observados no plano conceituai e metodológico, a demonstração da especificidade e
da particularidade dessa disciplina, ainda está por ser feita.
Em função dessa situação, encontramos, no campo da economia da saúde, uma infinidade
de estudos que, apesar da abordagem do tema saúde, são aplicações de referencial teóricoconceitual e metodológico de outras conformações disciplinares, principalmente daquelas que
possuem significativas interfaces com o campo da saúde, como a administração e as ciências
sociais.
A existência ou não de uma Economia "da" Saúde, capaz de respeitar essa premissa, é uma
questão em aberto. Os reflexos dessa indefinição podem ser identificados no momento em que se
discute se essa disciplina é própria de economistas ou também de profissionais de outras
formações disciplinares, ou então, no momento em que se tem que definir um currículo básico
para a formação de economistas da saúde. Não há consenso estabelecido, porquanto a discussão
do que é a economia da saúde ainda não foi fechada.
Essa discussão, adianta-se, é meramente conceitual e não se refere à importância desses
estudos para a saúde. Com o conhecimento que se tem sobre os fatores que condicionam a
saúde, sabemos que ações desenvolvidas em outras áreas de conhecimento, ou em outros setores
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Universidade Federal da Mato Grosso do Sul
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da economia, podem ter impactos importantes na saúde dos indivíduos e da população. Um
programa de saneamento básico, de suplementação alimentar, de reestruturação da produção
agrícola, de redução da pobreza ou de reorganização da administração pública, pode gerar
impactos muito mais importantes na saúde, do que ações específicas do setor saúde.
Abrangência dos estudos econômicos
Pelo fato de a saúde ser um fenômeno multifatorial, exigindo um entendimento e uma
abordagem multidisciplinar, a economia da saúde, em função da necessidade de apreender esse
objeto, deve, obrigatoriamente, preservar essa característica, o que vai refletir no seu campo
teórico, com a incorporação dessa característica multidisciplinar.
Nesse sentido, estudos visando à melhoria da eficiência da e eficácia dos serviços de saúde,
no âmbito dos hospitais e das unidades básicas de saúde, se enquadram no campo da economia
da saúde. Tais estudos são, tipicamente, da área de administração, mas, pelo fato de a melhoria da
eficiência das unidades sanitárias ter um impacto econômico, reduzindo custos, aumentando a
eficiência e beneficiando a saúde da população, eles são facilmente enquadrados no campo da
economia da saúde. Tanto Médici (1994), como Del Nero (1995), incorporam essa dimensão, nas
abordagens que fazem sobre a economia da saúde.
A OMS adota uma definição abrangente de economia da saúde, conceituando-a como a
"aplicação da teoria econômica aos fenômenos e problemas associados à saúde e aos serviços de
saúde. Dentre os assuntos tratados por essa disciplina, figuram, notadamente, o significado e a
medida do estado da saúde, a produção de saúde e de serviços de saúde, a demanda em saúde e a
demanda de serviços de saúde, as análises custo-eficácia e custo-benefício, o seguro-saúde, a
análise dos mercados de serviços de saúde, o financiamento de serviços de saúde, a determinação
do custo das doenças, a avaliação de soluções possíveis para os serviços de saúde, o planejamento
de recursos humanos, a economia da indústria de suprimentos médicos, os determinantes das
desigualdades em matéria de saúde e de utilização de cuidados de saúde, a distribuição territorial
de recursos e os modos de remuneração do pessoal médico." (Kinnon, 1994, p. 80). Essa é uma
definição que alarga de forma incomensurável, o campo de estudo dessa disciplina,
descaracterizando-a, certamente, como pode ser observado através desse elenco de assuntos.
Em função da dificuldade de definir os limites do campo da economia da saúde, não há a
pretensão, nesta comunicação, de cobrir todo o campo, mas, sim, de abordar alguns tipos de
estudos, característicos da área. Por conseguinte, serão analisadas as necessidades de informações
na aplicação dos métodos de avaliação econômica e no cálculo do financiamento dos gastos de
saúde.
Métodos de avaliação econômica
Os métodos de avaliação econômica já estão suficientemente descritos na literatura, razão
pela qual só serão abordados os aspectos relacionados às informações tidas como necessárias
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para a aplicação dos métodos de análise custo-eficácia ou efetividade, análise custo-utilidade e
análise custo-benefício.
Há, nesses métodos, uma característica que chega a demandar dúvidas quanto à
terminologia utilizada, haja vista a palavra "cost-effectiveness" do inglês, ou "coût-efficacité" do
francês, não ter o mesmo significado, em português, sendo traduzida, ora como "custo-eficácia"
(Aguilar e Ander-Egg, 1994), ora como "custo-efetividade" (Cohen e Franco, 1995; Ugá, 1995).
Na aplicação desses métodos, é necessária diferenciação das avaliações "ex-ante" e "expost". As avaliações "ex-ante", ou avaliações prospectivas, são aquelas realizadas para a tomada
de decisão, antes que as ações previstas sejam implementadas; as "ex-post", ou avaliações
retrospectivas, são aquelas realizadas após a conclusão da ação. No primeiro tipo, as informações
que originarão a aplicação do método de análise econômica, serão produtos do processo de
planejamento e programação da ação, enquanto que no segundo, elas terão origem nos registros e
na contabilização de todas as atividades e procedimentos realizados, assim como dos produtos ou
efeitos obtidos.
No caso das avaliações "ex-ante", que serão desenvolvidas a seguir, as informações
necessárias para aplicação dos métodos de avaliação se confundem com as necessárias para o
planejamento e programação, em saúde. Ambos os métodos, são construções teóricas, baseadas
em pressupostos do que vai acontecer, na realidade. A aproximação com a realidade e,
consequentemente, a melhoria da qualidade do planejamento e dos estudos econômicos, serão
cada vez maiores, à medida em que for maior a capacidades dos pressupostos utilizados, para
explicar/explicitar/ representar os fenômenos do setor saúde.
Os métodos de avaliação econômica têm, como objetivo, calcular o custo de todos os
recursos utilizados na implementação de uma ação e estabelecer relações com resultados obtidos.
O encadeamento lógico dos métodos é simples, como pode ser observado no esquema a seguir.
A complexidade surge, porém, no momento da sua aplicação.
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As diferenças básicas, entre os vários métodos, residem nas formas com que esses
resultados são mensurados. Das mensurações quantitativas simples (p. ex.: número de mortes
evitadas, número de vidas salvas), derivam as análises: custo-eficácia ou custo-efetividade; das
mensurações quantitativas qualitativas, ou seja, quando a variável utilizada para medir o resultado
possui também um atributo qualitativo (p. ex. anos de vida ganhos com boa saúde) derivam as
análises custo-utilidade; e das mensurações de resultados expressas em valores financeiros ou
monetarizados derivam as análises custo-benefício.
1.1. A mensuração do custo da ação
O primeiro termo dos métodos de avaliação econômica consiste no cálculo do custo de
uma ação. Para determinar esse custo, é necessário conhecer o volume das atividades que serão
desenvolvidas e, a partir daí, calcular o custo da ação.
Para calcular o custo de um programa de "Assistência à gestação, ao parto e ao puerpério",
por exemplo, é importante conhecimento do volume de cada tipo de atividade para que se possa
dimensionar o volume de recursos financeiros que serão necessários para a implementação da
ação, ou seja, é necessário saber o número de gestantes que serão cobertas, o número de
consultas médicas, o número de atendimentos de enfermagem, o número de puérperas que serão
atendidas, o número de visitas domiciliares, enfim, a quantidade de todos os procedimentos que
serão realizados e que consumirão recursos financeiros do programa.
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Como o processo de calculo de custo é uma operação essencialmente mecânica e que
estabelece relações diretas com o volume de atividades, a qualidade do custo que será calculado
(em termos de representação do custo efetivo que se terá, na prática, ao ser implementada a ação)
dependerá da qualidade do processo de planejamento e de programação.
Se para uma população de 30.000 habitantes fosse previsto que o número de gestantes seria
de 4% da população, ou seja, 1.200 gestantes, e que seriam feitas 4 consultas médicas pré-natais,
teríamos a previsão de 4.800 consultas médicas no ano. Se o custo de uma consulta médica na
rede de saúde fosse de R$ 10,00, teríamos um custo total de R$ 48.000,00, em consultas médicas.
Desenvolvendo esse mesmo processo, em todas as outras atividades previstas no programa e
somando todos os totais, teríamos o custo total do Programa. Não há o que discutir com os
cálculos feitos. No entanto, o que garante que as previsões feitas refletem a realidade?
O exemplo acima, certamente seria superestimado, pois a capacidade de cobrir todas as
gestantes da área é hipotética. Na prática, os serviços de saúde cobrem uma parcela menor de
gestantes pois algumas delas não se submetem ao acompanhamento, enquanto outras o fazem
fora do sistema de saúde (atendimento particular, p. exemplo). É necessário, portanto, que no
processo de programação tenha sido levado em consideração a taxa de cobertura da população de
gestantes pelos serviços públicos de saúde. Uma tal falha no processo de programação é
transmitida, automaticamente, para o resultado da análise econômica.
O número previsto de consultas médicas, segundo o exemplo, também é hipotético, uma
vez que 4 consultas por gestante, correspondem a uma meta a ser atingida. A possibilidade de
atingir essa meta, depende da qualidade com que esse parâmetro (4 consultas por gestante) foi
estabelecido, ou seja, se o foi aleatoriamente, se foi produto da observação de experiências
passadas ou de estudos desenvolvidos para esse fim.
Para a determinação do custo total da ação, foi considerado como parâmetro para o cálculo
de custo, o valor de R$ 10,00 por consulta. Da mesma forma que é preciso, verificar a qualidade
da determinação dos parâmetros de programação de atividades utilizados, também o é verificar a
qualidade dos parâmetros de programação dos custos da atividade.
Para a determinação de um custo consistente, seria necessário que as unidades sanitárias
possuíssem sistemas de cálculo de custos, por procedimentos. Referidos sistemas têm a
capacidade de determinar um custo mais próximo da realidade, pois nele se incluem todos os
custos diretos e indiretos. No entanto, o que se observa é que a implantação de sistemas de
custos, além do conhecimento técnico do seu cálculo propriamente dito, exige um investimento
na organização da unidade, de forma que existam registros e controles detalhados sobre todas as
atividades desenvolvidas pela unidade, seja em termos físicos, seja em termos financeiros. Essa
segunda etapa, sem dúvida nenhuma mais complexa, é uma realidade não encontrada nos
serviços de saúde.
O que se observa é que o conhecimento existente, que permitiria o estabelecimento de
parâmetros de planejamento e programação com maior consistência, é bastante escasso, apesar da
sua importância. Até hoje, para elaboração do planejamento de atividades do SUS, são utilizados
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o ainda parâmetros de planejamento que foram estabelecidos em 1982, com base em estudos
feitos pelo Ministério da Previdência e Assistência Social para a população previdenciária. Quase
duas décadas, após a instituição de um novo modelo de sistema de saúde, em que os direitos à
saúde foram estendidos a toda população, depois de ter havido a promoção de uma profunda
reorganização dos serviços de saúde, modificando, quantitativamente e qualitativamente, a oferta
e a demanda de serviços de saúde, é de se esperar que esses parâmetros estejam um tanto quanto
desatualizados. Apesar das recomendações feitas no sentido de que esses parâmetros sejam
redefinidos, a cada nível de governo, para contemplar as particularidades locais, esse
procedimento se faz raro, pois, em geral o nível local não possui conhecimento e nem estrutura
para elaborar tais adequações. Na feita, continua-se a usar o que já existe.
A qualidade do processo de planejamento, tem repercussões, diretas, na qualidade dos
estudos econômicos. Se a taxa de cobertura da população de gestantes, o número de consultas
médicas previstas por gestante ou o custo de cada consulta, não forem representativos do que vai
acontecer, na realidade, inevitavelmente os resultados da análise econômica serão irrealistas,
inadequados, portanto, para a tomada de decisão.
1.2. A mensuração dos resultados da ação
O segundo termo dos métodos de avaliação econômica consiste na mensuração dos
resultados ou, ainda, dos efeitos da ação. O resultado obtido dessa mensuração, relacionado com
o custo da ação, é que permitirá realizar as análises: custo-eficácia ou custo-efetividade, custoutilidade e custo-benefício.
Mensuração quantitativa dos resultados da ação.
Na realização de uma avaliação custo-eficácia ou custo-efetividade confrontamo-nos,
novamente, com a necessidade de um conhecimento, capaz de permitir a previsto dos efeitos que
um programa de ação poderá produzir em termos de impacto, na sua população alvo. No caso do
Programa assistência à gestação, ao parto e ao puerpério, tomado como exemplo, é necessário
mensurar os resultados que serão obtidos sobre a população de gestantes. Esse resultado pode
ser medido através de vários indicadores, como o número de abortos evitados, número de mortes
maternas evitadas, número de mortes fetais evitadas, dentre outros.
Para se calcular o número de mortes maternas evitadas, deve-se estimar o número de
mortes que iria ocorrer, se não houvesse o programa, e deduzir o número de mortes estimadas
que ocorrerá com a implementação do programa. Para realizar esse cálculo, é necessário ter duas
informações básicas: a mortalidade materna, observada historicamente e a mortalidade esperada
com a implementação do programa. A primeira informação pode ser obtída através das
estatísticas epidemiológicas dos serviços de saúde, e a segunda informação, através do conhecimento existente sobre o impacto desse tipo de programa.
Considerando que essa informação seria necessária, no momento em que se pretende
tomar a decisão de implementar ou não uma ação, essa informação já deveria estar disponível no
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momento do estudo, ou seja, seria necessário que estudos e pesquisas que avaliassem esse tipo de
ação já tivessem sido feitos, a fim de fornecer informações que permitissem estimar o impacto da
implementação do programa, com um mínimo de confiabilidade. Sem isso, os resultados da
análise econômica se encontrariam seriamente comprometidos. Infelizmente, não são observados
esforços sistematizados para produzir, bem assim de acumular esse ripo de informação.
Mensuração quantitativa dos resultados da ação com atributos qualitativos.
O método de avaliação custo-utilidade é considerado o mais adequado para a análise
econômica das ações em saúde uma vez permitir a agregação de aspectos qualitativos,
indissociáveis às concepções de saúde. Para aplicar esse método, é necessário mensurar o
resultado de uma ação, através de variáveis objetivas e quantificáveis, mas que trazem, como
atributo, um fator qualitativo a ser considerado.
Há que ser dito que não basta aumentar a esperança de vida; mais do que isso, é necessário
que os anos ganhos sejam vividos com qualidade. Médici (1994, p.25) refere que o AVAQ, Anos
de Vida Ajustados pela Qualidade, seria a melhor medida da eficiência dos gastos em saúde, por
contemplar esse fator. Um programa capaz de aumentar a esperança de vida em 10 anos, mas
cuja qualidade de vida seja considerada pelos beneficiados como sendo de 60% do desejado, teria
seu impacto medido como tendo um ganho de 6 AVAQs (60% de 10 anos).
Independente do feto de que vários indicadores que medem a qualidade de vida, virem
sendo desenvolvidos em estudos do setor saúde, todos, em sua essência, convergem para os
mesmos princípios do AVAQ.
Para a aplicação desse método, seria necessário possuir informações sobre o impacto da
ação, medido através da sobrevida obtida pelos indivíduos, após serem submetidos a uma
intervenção (o que pressupõe um conhecimento consistente a respeito) e sobre a opinião dos
pacientes que foram submetidos ao mesmo tipo de intervenção, a fim de determinar o valor que
eles atribuem à sua qualidade de vida.
O método, em referência, é aplicado, principalmente, para a comparação de tratamentos
diferenciados, em casos de doenças crônicas. No entanto, apesar desses estudos "constituírem
uma interessante vertente da análise da avaliação econômica de serviços de saúde, sua
aplicabilidade é mais reduzida que a dos demais, tendo em vista a sofisticação da sua medida de
efetividade" (Ugá, 1995, p.233).
Mensuração qualitativa dos resultados da ação
O terceiro tipo de avaliação econômica em saúde, é aquele que apresenta maior
complexidade e flexibilidade, dispondo de capacidade, para levar em conta todos os elementos,
diretos e indiretos, tangíveis e intangíveis e que são resultados da ação desenvolvida.
A vantagem do método de avaliação custo-benefício, é que ele pode comparar programas,
visando ao atingimento de objetivos e possuindo produtos completamente diferentes uns dos
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outros, uma vez que todos os seus resultados são medidos em valores monetários. Outra
vantagem do método, é que ele permite tomar uma decisão sobre a implementação de uma ação,
sem a necessidade de compará-la com outras ações, até porque basta verificar se o valor dos
benefícios obtidos é maior do que o custo da ação.
No processo de cálculo do valor monetário dos resultados obtidos, pode-se, por um jogo
de ponderações, atribuir um valor maior ou menor a efeitos que não podem ser levados em
consideração, segundo os métodos precedentes. "Por exemplo: o benefício particular de uma
vacinação é limitado à proteção do indivíduo, mas o beneficio social inclui também a redução do
risco de infecção pelos não vacinados; uma ponderação mais forte pode estar associada a uma
redução da morbidade entre os jovens, em comparação com os velhos, ou aos custos submetidos
aos pobres, em comparação aos ricos. Paralelamente, um benefício distante vale menos que um
benefício imediato e será atualizado por uma taxa de desconto social. Todas essas ponderações
exprimem as nossas preferências sociais" (Griffiths, 1981, p.367)
A possibilidade de levar em consideração todos os efeitos julgados decorrentes da ação
implementada, constitui o ponto forte desse método, mas, ao mesmo tempo, o seu ponto fraco
pois esse jogo de ponderações exige um nível de subjetividade bastante elevado. Pode-se, por
exemplo, mostrar a validade do fundamento ("bien-fondé") de levar em consideração efeitos
indiretos e efeitos intangíveis, mas não se pode, frequentemente, demonstrar que a taxa de
ponderação é correta. Essa arbitragem, for respaldada em conhecimento sólido para lhe dar força
e consistência ou, ao menos, um forte consenso sobre a sua validade, será sempre colocada em
discussão questão (Tamaki, 1984).
De acordo com esse neste tipo de análise, os resultados mais significativos no setor saúde
são aqueles expressos por número de vidas salvas ou mortes evitadas. Na aplicação da avaliação
custo-benefício, uma das formas de mensurar esses resultados é através do cálculo do preço da
vida humana. Este é um tipo de estudo em que todas as dificuldades do método, bem assim as
necessidades de conhecimento, para estabelecê-lo, acabam por se manifestar.
Le Net (1978), ao desenvolver a sua abordagem analítica do preço da vida humana, em seu
estudo sobre acidentes em estradas, leva em consideração os elementos econômicos (perdas de
produção e as perdas diretas) e os elementos subjetivos relacionados aos acidentes em estradas.
As perdas de produção foram levadas em consideração, pois no momento em que cessa
uma vida, deixa-se de produzir bens que seriam produzidos, caso o indivíduo não viesse a
morrer. A partír do conhecimento da idade, sexo e categoria sócio-profissional dos acidentados, é
possível calcular a produção anual média e o número de anos de vida economicamente ativa que
teriam os acidentados. Os valores anuais, assim obtidos, são atualizados, em seguida, a fim de
permitir o cálculo do valor presente das perdas de produção. Esse valor poderia ainda ser
refinado através da dedução dos consumos que o indivíduo teria, ao longo de sua vida ativa
(alimentação, moradia, vestimentas, etc), para fins de cálculo das perdas de produção líquida. Para
isso, haveria também a necessidade de conhecer o comportamento do consumo da população,
com características sócio-econômicas dos acidentados.
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As perdas diretas, levadas em consideração, foram: a) custos médicos e sociais (ambulância,
hospitalização, exames, medicamentos, materiais especiais, indenizações, custos funerários); b)
custos materiais (danos a veículos, a propriedades, despesas gerais de transporte, reboque, etc); e
c) custos gerais (gastos com polícia, investigação, seguro e outros).
Os elementos subjetivos podem incluir uma infinidade de possibilidades. Le Net, dentro do
seu estudo, restringiu-os às perdas afetivas, ou seja, aquelas "ligadas ao drama humano,
provocado pela desgraça, e que toca, diretamente, com maior ou menor intensidade, os próximos
da vítima" (p. 42). Com esse recorte, foram considerados como elementos que deveriam ter uma
compensação monetária: a) os prejuízos morais (dor moral provocada pela morte); b) o "pretíum
mortis" (a dor sofrida pelo indivíduo entre o acidente e a morte); c) os prejuízos estéticos; d) e
outros. O cálculo de um valor monetário, para esses tipos de prejuízos, é revestido de uma
extrema subjetividade. O autor, para conseguir estabelecer um valor para esses prejuízos, valeu-se
de sentenças judiciais, em que tais tipos de indenizações foram concedidos.
Com esta breve descrição dos elementos que são considerados no cálculo do preço da vida
humana, é possível dimensionar o volume, o custo e as dificuldades de se obter as informações
necessárias para elaborar os cálculos necessários. Essas características, aliadas ao alto grau de
subjetividade, necessário ao emprego da aplicação do modelo, fazem com que os resultados
obtidos sejam um foco de dúvidas e questionamentos, que acabam por dificultar a sua aplicação.
Financiamento dos gastos de saúde
Os estudos sobre o financiamento dos gastos em saúde, elaborados de forma sistemática e
praticamente inexistentes no Brasil, podem ser considerados importantes investimentos na área
da Economia da Saúde. Uma das razões dessa inexistência tem assento na própria abrangência do
campo da saúde, uma vez que vários setores da administração contribuem para a sua promoção,
ou seja, o estado de saúde da população não depende apenas das atividades e dos gastos feitos
pelos órgãos da saúde, mas, também, dos gastos feitos pelos órgãos da educação, da agricultura,
da previdência social, da infra-estrutura (saneamento), além de outros.
Com essa abrangência, para apurar os gastos realizados apenas só pela administração
pública, seria necessário levantar, nas contabilidades setoriais, a parcela dos gastos tendo como
objetivo principal a melhoria da saúde da população. Mach e Smith (1984, p.46) afirmam que "o
que é necessário, é examinar, a fundo, as contas, das despesas de investimento de funcionamento
de todos os ministérios, até porque é possível descobrir despesas com relação à saúde, em setores
totalmente imprevistos".
O critério para identificar se um gasto é para a saúde, ou não, seria determinado pelo
objetivo do gasto pois, em princípio, dentro de uma definição alargada de saúde, qualquer ação
do homem, teria repercussão na saúde do indivíduo. Servem de exemplo, essas indicações: - os
gastos com abastecimento de água, são despesas de saúde? - E o abastecimento de água, para uso
comercial e industrial? - E os gastos de água, utilizados para limpar as mas, casas, calçadas e para
regar plantas, são gastos de saúde? - Seria aceitável considerar que todo o consumo doméstico de
água, é um gasto para a saúde, ou então, que só os gastos com abastecimento de água para
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populações de baixa renda, seriam considerados? Essas questões ilustram a dificuldade de definir
quais são os limites dos gastos com a saúde.
A contabilização dos gastos com saúde, é uma tarefe tão complexa que a OCDE, para
poder apurar esses gastos públicos dos seus países membros, criou as contas satélites, ou, como
se queira, seja contas que contabilizam os gastos realizados com saúde, em todos os setores da
administração pública.
O Brasil, na elaboração dos seus orçamentos, utiliza o orçamento-programa. Nesse sistema,
todos os gastos devem ser enquadrados em uma classificação funcional-programática, que prevê a
função Saúde e Saneamento (que por sua vez é subdividida em 3 programas: Saúde; Saneamento;
e Proteção ao Meio Ambiente). Esse mecanismo permite que qualquer órgão setorial possa
classificar as suas despesas como sendo de saúde, ou seja, se o Ministério da Agricultura
desenvolver um programa de apoio à produção comunitária de alimentos, para a população
carente, ele poderá classificar esse projeto como sendo da saúde.
Esse sistema permite apurar os gastos públicos com a função Saúde e Saneamento, assim
como com o programa Saúde, isoladamente. Apesar da existência dessa possibilidade, não
encontramos, na literatura, trabalhos alusivos a essa questão. Por outro lado, para validar
conclusões que, eventualmente, venham a ser tiradas, com base em tais estudos, seria necessário
avaliar a qualidade da classificação feita pelos vários órgãos da administração pública, uma vez
que a relação entre as atividades que desenvolvem e a saúde, não é tão evidente e nem tão
conhecida quanto seria desejável.
É necessário lembrar que esse mesmo trabalho deve ser feito para todos os níveis de
governo, tomando o cuidado de não fazer dupla contagem, ou seja, considerar transferências
recebidas de outras instâncias de governo como se fossem desse nível. Tem-se, como exemplo, as
transferências de gastos para os municípios, feitas pelo SUS já e contabilizadas, pelo governo
federal, como gastos da saúde. Mesmo que esses recursos sejam executados dentro do orçamento
do município, eles não podem ser contabilizados novamente, pois o mesmo recurso seria
contado duas vezes. O que deve prevalecer é a fonte inicial dos recursos, ou seja, o governo
federal.
Segundo Mach e Smith (1984, p.21) na maioria dos países é permitida a classificação de
todas as fontes de financiamento, sob as seguintes rubricas:
Fontes públicas: ministério da saúde; outros ministérios; administrações regionais e locais;
seguro-saúde obrigatório.
Fontes privadas: seguro-saúde privado; empregadores privados; donativos locais (em
espécie); particulares; mão-de-obra fornecida gratuitamente.
Cooperação externa: oficial; não oficial.
As fontes públicas possuem, obrigatoriamente, um registro. A cooperação externa oficial,
também possui registros, mas, a não oficial (ONGs por exemplo), já coloca dificuldades, pois não
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há um controle eficaz nem sobre o número de organizações existentes e nem sobre os recursos
que elas movimentam.
Quando passamos para a contabilização dos gastos privados, a tarefa se complica ainda
mais. Como poderíamos nos contabilizar os gastos feitos pelos empregadores, com a saúde dos
seus funcionários? - E os gastos feitos com seguros saúde privados? - E os gastos feitos através
de donativos ou com trabalho voluntário? - E os gastos feitos pelos particulares?
Para obtenção das informações necessárias ao cálculo dos gastos com saúde de um país,
seria necessária a existência de sistemas de informações que registrassem e contabilizassem esses
gastos. Onde eles não existissem, as lacunas seriam preenchidas com pesquisas especialmente
concebidas para esse fim. Infere-se daí que essas são tarefas complexas, custosas e de difícil
implementação. Apesar das dificuldades envolvidas, o conhecimento do financiamento das
despesas de saúde, seria capaz de constituir um importante instrumento para a formulação de
políticas e para a alocação de recursos no setor saúde.
No Brasil, as referências ao financiamento dos gastos de saúde, são bastante raros. Médici
(1994, p. 77), com base em dados de 89, estima que os gastos com saúde foram de 4,66% do PIB,
sendo que 3,26% de responsabilidade do setor público e 1,40% do setor privado (do qual, 0,92%
foram gastos privados autônomos). Isso quer dizer que o setor público respondeu então, por
cerca de 2/3 dos gastos com saúde no país. Com a implementação do SUS e com as repercussões
geradas pelos ajustes macroeconômicos introduzidos no país, nos anos recentes, provocando
mudanças estruturais importantes, o conhecimento do financiamento dos gastos com saúde, por
fonte (público, privado e outros), por níveis de governo (federal, estadual e municipal) e por tipo
de despesa (atenção primária, secundária e terciária), certamente forneceria informações
importantes para a melhoria das decisões e para o direcionamento das políticas de saúde do país.
Produção e acumulação de conhecimento em economia da saúde
Considerando os aspectos até aqui expostos, verifica-se que o avanço da aplicação do
conhecimento da economia da saúde, põe-se em confronto com um considerável obstáculo que é
a falta de informações necessárias para a realização dos estudos econômicos A qualidade dos
resultados da aplicação dos métodos de análise econômica é diretamente proporcional à
qualidade das informações utilizadas e que são produzidas nos vários setores que compõem o
setor da saúde. Tal assertiva se refere, em particular, às informações que subsidiam o processo de
planejamento e programação em saúde. Sem informações consistentes, confiáveis e de qualidade,
não é possível fazer análises econômicas consistentes, confiáveis e de qualidade.
O que se observa é que não há como identificar um esforço sistematizado de produzir
informações de qualidade que possam subsidiar o processo de planejamento e programação em
saúde. É justamente por essa razão que, até hoje, são usados parâmetros de planejamento,
concebidos há quase duas décadas, ou ainda, que são utilizados dados estimados sobre o
financiamento das despesas de saúde, de 10 anos atrás.
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A forma mais corrente para ultrapassar esse bloqueio, é começar a produzir as informações
de interesse da economia da saúde. Ao invés de dependermos de informações produzidas por
outros setores, devemos partir para produzir essas informações. O que não se pode, é ficar refém
do desenvolvimento de outras áreas.
Para a produção do conhecimento, necessário à economia da saúde, duas fontes principais
podem ser exploradas. A primeira consiste no aproveitamento do conhecimento existente e que
está disperso nas várias instituições de ensino, pesquisa e serviços do país, sendo, por essa razão,
inacessível ao tempo em que dele se necessita. É preciso identificar, cadastrar, sistematizar e
analisar pesquisas, artigos, livros, relatórios e demais documentos, com o objetivo de extrair
informações, indicadores e parâmetros de interesse da economia da saúde, o que significa,
simultaneamente, obter dados de interesse para o planejamento, programação e avaliação em
saúde. A segunda fonte consiste no desenvolvimento de estudos e pesquisas que visem
especificamente, à formação de um conhecimento no campo da economia da saúde, capaz de
servir de base aos desenvolvimentos futuros, teóricos e aplicados, dessa disciplina.
Não se desconhece que o elenco de necessidades de informação, em saúde, é bastante
vasto, donde, não ser possível, sequer recomendável, acumulá-lo na totalidade. No entanto, no
momento em que surge a necessidade, não há tempo necessário para produzir as informações
necessárias. Segundo Kervasdone (1980, p.11), "não há solução sistemática para esse problema. A
melhor alternativa é prever, antecipadamente, e com um tempo suficientemente longo, as
questões que vão se colocar e iniciar estudos a fim de que elas estejam disponíveis, no momento
em que elas precisão ser utilizadas".
O fator acumulação e disponibilidade da informação é fundamental, em particular no setor
saúde, onde as atividades são desenvolvidas através de programas de ação que, nem sempre,
possuem caráter permanente. Em que pese o feto, eles se repetem ao longo do tempo, ou seja,
em ciclos mais ou menos longos. Essa repetição pode ser de nível nacional, estadual ou
municipal. Nesse momento, o conhecimento acumulado, proveniente da avaliação de
experiências passadas ou de pesquisas e estudos realizados, precisaria estar disponível para
propiciar um aperfeiçoamento do programa e para a tomada de decisão; caso contrário, o
aperfeiçoamento esperado acaba sendo frustrado, gerando prejuízos para toda a sociedade.
Conclusão
No presente trabalho, ficou evidenciada a dependência da economia da saúde do
conhecimento existente no campo da saúde. Essa dependência se reflete, de forma mais aguda,
no caso da aplicação dos métodos de avaliação econômica. Referidos métodos, se caracterizam,
essencialmente, pela aplicação do raciocínio econômico, sobre dados e informações obtidos, no
caso de avaliações "ex-ante", no processo de planejamento e programação das ações em saúde; o
mesmo acontece, no caso de avaliações "ex-post", dos registros e da contabilização das atividades
executadas e dos produtos da ação. Em ambos os casos, o setor saúde ainda não conseguiu
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acumular um conhecimento e desenvolver uma prática satisfatória: consequentemente, as análises
econômicas refletirão essas mesmas deficiências.
No que se refere aos estudos sobre o financiamento das despesas de saúde, verificamos
que, para sua implementação, haveria a necessidade de que a preocupação com a saúde estivesse
disseminada em todos os setores da administração pública, de forma que fosse possível identificar
todos os esforços desenvolvidos em atividades que visam à melhoria do estado de saúde da
população, os quais não se restringem apenas aos órgãos responsáveis, diretamente, pela saúde.
Haveria também a necessidade de mensurar os gastos feitos por organismos de cooperação, por
empresas, por ONGs, assim como os gastos feitos pelos indivíduos, de forma direta a obtenção
dessas informações se revestem de complexidade e exigem um investimento importante. Talvez
seja essa a razão de não se encontrar na literatura, qualquer estudo versando sobre o assunto.
Se quisermos avançar no desenvolvimento aplicado dos estudos econômicos do setor
saúde, é necessário que seja despendido um esforço de acumulação do conhecimento, necessário
para viabilizar e garantir a realização de tais estudos e com uma qualidade compatível com a
importância do setor. Parte desse conhecimento, que não foi motivo de abordagem neste
trabalho, comunicação por se inserir no campo economia ao exemplo dos estudos de oferta, de
demanda, de custos, de elasticidade, de eficiência alocativa, os quais poderiam ser produzidos
pelo próprio setor. Cabe ressaltar que eles também se fazem raros e se, eventualmente existem,
perdem toda a capacidade de contribuição à gestão do setor saúde, por serem anônimos e
desconhecidos. Outra parte do conhecimento depende do seu próprio desenvolvimento, voltado
para o planejamento e para a gestão do setor saúde, deixando muito, a desejar. Finalmente, há
uma última parte, dependente da existência de uma preocupação com a saúde, que esteja
disseminada por toda a sociedade, como algo com sentido de permanência contínua, sempre
como um objetivo a atingir.
Apesar do porte do obstáculo, ele precisa de enfrentamento. Faz-se, assim, importante, um
compromisso maior, que possa contribuir para a melhoria da tomada de decisão; fundamental é,
portanto, apoiar o desenvolvimento de ações mais eficientes, mais eficazes, que maximizem os
benefícios possíveis de obtenção, com os limitados recursos alocados ao setor. Essa é uma
possibilidade que, por si só, nos encoraja a aceitar o desafio.
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O Obstáculo da Informação nos Estudos Econômicos em Saúde