UMA VISÃO RONDONISTA DA REALIDADE POLÍTICA VINCULADA COM A QUESTÃO DOS GRANDES LATIFUNDIÁRIOS DA CIDADE DE COMERCINHO DO VALE DO JEQUITINHONHA MINEIRO Melo, Bruna Miranda Daher – Universidade Federal de Uberlândia [email protected] Santos, Lais Souza - Universidade Federal de Uberlândia [email protected] Araújo, Kárita de Fátima - Universidade Federal de Uberlândia [email protected] RESUMO: Este trabalho tem como objetivo analisar e discutir como se dão as relações entre latifundiários e a população de Comercinho – MG. Este município foi escolhido para participar do projeto, dentre outros fatores, por apresentar seu Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) muito abaixo da média nacional, sendo este de 0,603, segundo o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento/2000 (PNUD/2000). A partir das observações realizadas pelos próprios rondonistas em uma operação de retorno do Projeto Rondon ao município de Comercinho – que tinha como foco, ações relacionadas a saúde, questões ambientais e educacionais – estes puderam constatar o principal elemento fomentador da problemática local. Essa discussão fundamenta-se em diagnósticos elaborados, a partir, da vivência em campo atrelado a uma análise da questão agrária presente no município. O fator mais significativo que impulsionou esta discussão é a má distribuição de terras e o agravante destas estarem concentradas sob o poder dos políticos locais, contradizendo seus reais deveres como representantes do povo. Os principais problemas encontrados no local são, falta de saneamento básico e precariedade nos sistemas de educação e saúde e má distribuição de renda, estes podem ser pensados em dois territórios – urbano/rural – que parecem ser distintos, mas o que os estudos geográficos propõe é uma análise de complementaridade destas duas vertentes. Assim, utilizando o pensamento geográfico se conclui que pode encontrar a origem dos problemas locais advindos de um possível ponto comum, este dentro da problemática agrária. Palavras chave: Rondonistas, Concentração Agrária. ABSTRACT: This work aims to analyze and discuss how to make relation between landowners and the people of Comercinho - MG. This city was chosen to participate in the project, among other factors, by presenting its Human Development Index (HDI) below the national average, which is 0.603, according to The United Nations Program for the Development/2000 (PNUD/2000). From the observations made by the people who participate of Rondon Project (rondonistas) in an operation to return the project Rondon to the town of Comercinho which had the focus, activities related to health, educational and environmental issues these have seen the main factor promoting local problems. This discussion is based on diagnoses made on the basis of experience in the field coupled to an analysis of the agrarian question in this city. The most significant factor that spurred this discussion is the poor distribution of land and aggravating these are concentrated on the hands of local politicians, contradicting it’s actual duties as representatives of the people. The main problems are found in the location, lack of sanitation and poor in education and health, and poor distribution of income, they can be found in two areas - urban / rural - that seem to be separate but that the proposed geographic studies is an analysis of the complementarity of these two. Thus, using the geographic thought is that you can find the source of local problems arising from a possible common point, that within the agrarian problem. Key – words: Rondonistas, Land Concentration. INTRODUÇÃO: A história do município inicia-se em 1860 com a chegada de Bruno de Resende e comitiva na região. Com o desenvolvimento da agricultura e da pecuária, o povoado prosperou e foi denominado Comercinho do Bruno, em homenagem a seu fundador. Mais tarde foi elevado à categoria de distrito e, posteriormente, a vila, subordinado sucessivamente a Araçuaí e Medina. Em 1948, emancipa-se. Os primeiros relatos da história de Comercinho têm início com as primeiras expedições de bandeirantes ao interior do Brasil na primeira incursão de europeus ao território, conhecido hoje como o estado de Minas Gerais. Por possuir Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) muito abaixo da média nacional, sendo este de 0,603, segundo o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento/2000 (PNUD/2000), o município de Comercinho –MG foi escolhido para receber as equipes do Projeto Rondon, sendo estas da Universidade Federal de Uberlândia, da Universidade de Brasília. A operação aconteceu com apoio da Prefeitura Municipal de Comercinho, entre 30 de janeiro e 08 de fevereiro do ano de 2009. O Projeto Rondon é coordenado pelo Ministério da Defesa e envolve a participação voluntária de estudantes universitários buscando contribuir para o desenvolvimento de municípios carentes e revelando a estes jovens a realidade de nosso país (Foto 1). As equipes são orientadas e procuram realizar um trabalho de conscientização coma comunidade e auxiliar ao máximo a população residente no município de destino. Foto 1: Equipe da Universidade Federal de Uberlândia Fonte: MELO, B. M. D. 2009 O município de Comercinho – MG já havia sido beneficiado com a Operação Norte de Minas em julho de 2008, e neste verão de 2009 foi decidido que haveria um retorno à região para que se pudesse melhor trabalhar a questão da esquistossomose, muito presente no município, além de aspectos ambientais, educacionais e sanitários. Toda esta frente de trabalho no município se pautou sobre o mapeamento das coleções hídricas da região de Comercinho – MG. A equipe formada por alunos de graduação da Universidade Federal de Uberlândia e por dois Professores da Escola Técnica de Saúde, também da Universidade Federal de Uberlândia, percorreu fazendas, terrenos na cidade e nas redondezas em busca de nascentes de córregos a serem mapeadas (Foto 2). Além do mapeamento, a equipe procurou orientar os proprietários dos terrenos onde se localizavam estas nascentes e também os moradores da região, para que cuidassem da água que ali brotava do solo. Foi sugerido aos moradores que plantassem mudas ao redor das nascentes para que as protegesse. Todos acataram as orientações e se comprometeram a segui-las. Algumas nascentes estavam comprometidas, sem proteção vegetal. Os proprietários das terras onde se localizam as nascentes são em sua maioria latifundiários. Como se pode perceber, não somente as terras estão em mãos de grandes proprietários, mas também a água, o que impede que pequenos produtores plantem seu próprio sustento. Foto 2: Nascente visitada pela equipe em propriedade particular Fonte: SANTOS, L. S. 2009 De fato, o município é bastante carente em infra - estrutura e é nítida a ausência de políticas públicas eficazes. Trata-se de um município que não possui rede de esgoto e as casas ainda possuem fossas. Suas ruas não são asfaltadas e são mal iluminadas (Foto 3). Foto 3: Uma das ruas da cidade de Comercinho – MG Fonte: ARAÚJO, K. F. 2009 A educação é precária, e só é oferecida até o ensino médio. A equipe também realizou na escola de Comercinho – MG atividades com as crianças e jovens, relacionadas ao meio ambiente (Foto 4). Estas atividades não se realizaram, porém somente em Comercinho - MG, mas também nos seus distritos, sendo eles, Água Branca de Minas e Taboa. Foto 4: Oficina realizada na escola da cidade de Comercinho – MG Fonte: SANTOS, L. S. 2009 Nestes eventos, as crianças foram convidadas a criar brinquedos com materiais retirados do lixo e com isso, lhes foi explicado sobre a necessidade de retirarem o lixo das ruas e preservarem deste modo, o meio ambiente (Foto 5). Foto 5: Oficina para montagem de brinquedos com material reciclável Fonte: MELO, B. M. D. 2009 A população está em uma área de risco de infecção pela esquistossomose, além de demais doenças causadas pela utilização de água sem tratamento eficaz e pela falta de tratamento de esgoto. Todos estes aspectos foram decisivos para a realização deste trabalho. Já que, a carência de um município tem ligação direta com as decisões e com o empenho político de seus governantes. Foi então, a partir da observação da realidade local e da vivência desta realidade mesmo que por um curto período de tempo, que surgiu a necessidade de se relatar as condições precárias enfrentadas diariamente por esta população. OBJETIVOS: Esse trabalho tem por objetivo analisar e discutir como se dão as relações entre latifundiários e a população do município de Comercinho, estado de Minas Gerais. Como o trabalho é fruto de uma observação de campo durante uma missão do Projeto Rondon, o objetivo é buscar interpretações do que foi vivenciado podendo assim relacionar teorias ligadas à concentração de terra e dominação política. Para compreender a realidade do município, é preciso também, relacionar o espaço urbano e o espaço rural, uma vez que existe complementaridade entre eles. Com esse trabalho, pretende-se, investigar a razão de problemas que fazem de um Vale tão rico naturalmente, se tornar o “Vale da Miséria”. Esse estigma de miséria é contestado por ser uma possível visão industrialista, mas é nítida a extrema desigualdade presente na região e mais especificamente no município Comercinho, foco da discussão, e como exemplo numérico da situação é possível observar a tabela abaixo de estatísticas do IBGE entro os períodos de 2000 a 2007: Principais aspectos de Comercinho-MG entre 2000 e 2007 Contagem da População 2007 8.720 Área da unidade territorial (Km²) 657 PIB per capita (2006) 3.081 reais Pessoas residentes - 10 anos ou mais de 2.416 habitantes idade - rendimento nominal mensal - até 1 salário mínimo - municípios vigentes em 2001 Pessoas residentes - 10 anos ou mais de idade - rendimento nominal mensal - mais de 1 a 2 salários mínimos - municípios vigentes em 2001 491 habitantes Pessoas residentes - 10 anos ou mais de 141 habitantes idade - rendimento nominal mensal - mais de 2 a 3 salários mínimos - municípios vigentes em 2001 Pessoas residentes - 10 anos ou mais de 107 habitantes idade - rendimento nominal mensal - mais de 3 a 5 salários mínimos - municípios vigentes em 2001 Pessoas residentes - 10 anos ou mais de 52 habitantes idade - rendimento nominal mensal - mais de 5 a 10 salários mínimos - municípios vigentes em 2001 Pessoas residentes - 10 anos ou mais de 11 habitantes idade - rendimento nominal mensal - mais de 10 a 20 salários mínimos - municípios vigentes em 2001 Pessoas residentes - 10 anos ou mais de 3 habitantes idade - rendimento nominal mensal - mais de 20 salários mínimos - municípios vigentes em 2001 IDH (2000) 0,603 Tabela 1: Principais aspectos de Comercinho entre os anos de 2000 e 2007 Fonte: Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) Não é objetivo desse trabalhar generalizar a análise do Vale do Jequitinhonha como um todo partindo apenas de um município do Médio Jequitinhonha, pretende-se apenas colocar em questionamento o domínio político que se apresenta vinculado aos grandes latifundiários. É uma realidade comum de pequenas localidades os moradores mais ricos e detentores de bens se tornarem os governantes, mas a questão proposta é uma inversão, ate que ponto um governante pode usufruir de seu poder em beneficio próprio. O enriquecimento através da concentração de terra, que nitidamente é a fonte de riqueza da localidade, exemplificada pelos dados da tabela 2, não é uma fonte de riqueza de altos valores em dinheiro, mas é a comparação a proposta dessa discussão, onde a desigualdade é extrema e as políticas públicas parecem falhas, por diversos possíveis motivos como má administração, falta de recursos, destinações indevidas, etc. Dessa forma fica cabível nessa discussão as relações urbanas e rurais, tão nítidas nessa localidade, onde na área rural se destaca a fonte de sobrevivência da maioria da população e fonte de enriquecimento para uma minoria. Produto Interno Bruto (PIB) a preços correntes ANO 1998 1999 2000 2001 2002 AGROPECUÁRIA 4.790 4.788 4.942 4.591 5.283 INDÚSTRIA 549 2.282 2.734 2.721 3.561 Unidade R$(mil) SERVIÇO TOTAL 3.459 8.798 8.988 16.058 10.407 18.083 11.156 18.468 12.291 21.135 Tabela 2: Produto Interno Bruto (PIB) a preços correntes. Fonte: Fundação João Pinheiro (FJP) Centro de Estatística e Informações (CEI) Esse trabalho é construído com a intenção de transferir, de maneira conclusiva, as diferentes visões relatadas por moradores do município Comercinho de diferentes idades e situações. Foi possível acompanhar reuniões e assembléias públicas e ter acesso aos governantes que manifestaram as diversas dificuldades de administração e também a visão da população da área urbana e rural. Em meio à complicada realidade brasileira da questão agrária, proponho-se com esse apanhado de informações, e a busca na extensa literatura a cerca do assunto, entender uma relação de poder que surge como possível causador de uma grave situação encontrada em todo o país que a desigualdade territorial. O objetivo desse trabalhar é também elucidar a vinculação do urbano e do rural, onde o local de pesquisa, município Comercinho, tem claramente esses dois ambientes extremamente atrelados com intensa relação. REFERENCIAL TEÓRICO: O Vale do Jequitinhonha é uma região marcada por conflitos e conhecida pela miséria enfrentada por sua população, pelo menos, por grande parte dela, afinal, latifundiários também habitam a região. É uma localidade extremamente rica ecologicamente, mas que vê na seca um sério agravante para o progresso da região. É evidente que, a seca por si só causa estragos e gera empecilhos, mas, a captura das terras e da água por parte destes grandes proprietários de terra, é certamente o maior problema enfrentado pelos moradores do Vale. Para auxiliar a busca por soluções aplicáveis para esta região de Minas Gerais, é necessário que haja um conhecimento prévio das dificuldades enfrentadas por este povo, e para tal, a obra “Políticas Públicas no Vale do Jequitinhonha: a difícil construção da nova cultura política regional” de autoria de Joaquim Celso Freire Silva, revela questões relevantes que não podem deixar de ser discutidas quando mencionada esta região do Vale do Jequitinhonha. Afinal, as políticas que coordenam e definem o desenvolvimento do Vale do Jequitinhonha devem basear-se nas características próprias do local, levando sempre em consideração seus aspectos econômicos, culturais e, sobretudo sociais. O autor discute o conceito de região a partir da óptica globalizada, que defende uma política de inserção no mundo da globalização, e também a partir da óptica regionalista que defende as forças do próprio território para sustentá-lo. De fato a globalização trás muitos progressos e é capaz de inserir uma região no contexto político mundial através dos meios de comunicação que facilitam o diálogo e o debate, em busca de melhorias para cada localidade. A inserção no contexto global permite também que o capital se mova de região para região trazendo benefícios nas áreas de transporte, saneamento, moradia, educação e saúde, sendo todas estas necessidades básicas e direito de todo cidadão. Com a mobilidade do capital, também podem ser gerados novos empregos que movimentarão a economia regional. Contudo, a globalização não proporciona tantos benefícios quanto poderia, caso contrário, não haveria disparidades regionais tão marcantes entre as regiões de nosso país. Segundo o autor, a competição entre as regiões leva a uma uniformização do território, e assim, as características particulares de cada localidade se perdem, ficando cada vez mais difícil contornar problemas que dizem respeito às condições econômicas e sociais da região. Enquanto os globalistas recomendam uma política regional de inserção no mundo globalizado, a visão regionalista assinala uma política pública que busque as soluções de desenvolvimento dentro do próprio território. É a partir das particularidades de cada região que vai se encontrar e criar o encaminhamento de soluções para suas demandas. Se a proposta globalista aponta para fora, para uma zona de livre comércio, a proposta regionalista aponta para dentro, para a construção da alternativa regional. (SILVA, J. C. F., 2006). Por isso, obter um conhecimento claro e objetivo das características particulares de cada região é extremamente necessário para a elaboração de políticas públicas que de fato atendam a comunidade como um todo. No Vale do Jequitinhonha, contudo, a pobreza da região revela a falta de políticas públicas que sirvam para sustentar e apoiar os habitantes daquela localidade. Esta ausência de uma política efetivamente atuante deve-se principalmente ao fato de que o poder na região, assim como em outras regiões de nosso país, está concentrado nas mãos de poucos, que atendem suas próprias necessidades e deixam de lado as necessidades coletivas. O latifúndio certamente é a principal causa da estagnação da região do Vale do Jequitinhonha, assim como acontece no Nordeste brasileiro, regiões estas muito semelhantes socialmente, economicamente e politicamente. A criação de gado, por exemplo, é uma atividade predominante que ocupa pouquíssima mão – de – obra, levando milhares de lavradores a deixarem o trabalho nas fazendas, e migrarem em direção aos centros urbanos em busca de emprego e de sustento. Além de ser a razão pela qual trabalhadores são expropriados de sua terra, ficando sem condições de sustentar suas famílias, o latifúndio também é motivo para conflitos entre estes lavradores e os proprietários e também entre proprietários. Salientando que, conflitos estão presentes na região do Vale do Jequitinhonha desde sua colonização. O conflito dos novos colonizadores com o indígena havia iniciado com o minerador no Alto Jequitinhonha tornando agora mais intenso. Segundo Moreno a proposta econômica era buscar os portos comerciais do litoral para escoamento dos produtos agropecuários e aquisição de produtos industrializados oriundos da Europa, o sal do Nordeste e querosene. Quando D. João VI se transferiu para o Rio de Janeiro em 1808 autorizou a construção de estradas no Jequitinhonha de modo a estabelecer intercâmbio com a Bahia. (MORENO, 2001, p.50) No Alto Jequitinhonha, região de Serro e Diamantina, onde predominava a mineração, os índios eram destruídos, como bem ilustra a novela “Acaica” de Joaquim Felício dos Santos, publicada em 1868, quando não podiam ser aldeados para fins de trabalho escravo. No médio e no baixo Jequitinhonha os índios conseguiram refúgio por mais um tempo, através de condições geográficas e pastoris favoráveis, que facilitavam a sua resistência contra as agressões dos aventureiros e caçadores. Mas no médio Jequitinhonha nos primórdios do século XIX as autoridades determinam guerra aos indígenas através da carta régia de 13 de maio de 1808. Esse documento justifica a “guerra como justa” levando em conta as agressões indígenas aos colonizadores. A guerra, segundo a carta régia só deveria ter fim enquanto não fosse ocupada toda a região e patenteada a superioridade dos brancos [...]. (MORENO, 2001, p.62) Como observado, o Vale do Jequitinhonha foi palco para diversos conflitos que se estendem até a atualidade. Questões políticas são as causas mais comuns para os desentendimentos, que geralmente terminam em tragédia. No dia 16/03/2009, por exemplo, o prefeito da cidade de Palmópolis, localizada no Vale do Jequitinhonha, foi baleado ficando em estado grave no hospital. A polícia trabalha a suspeita de crime político, já que a vítima teria se desentendido com a oposição nas últimas eleições. Em um quadro geral, podemos afirmar que, a partir do século XVII, as regiões do Alto e do Médio Jequitinhonha, nordeste de Minas Gerais, constituíram um cenário no qual as grandes fazendas de gado - com cativos, parceiros e agregados - disputavam o espaço com pequenas propriedades familiares comandadas por lavradores independentes (RIBEIRO, 1993). Assentada historicamente sob a agricultura, a pecuária e a mineração, a economia da região apresentou momentos de crise e prosperidade. Contudo, embora tenha sido significativa sua importância na produção de víveres para o abastecimento de outras regiões do estado, sua história ficou conhecida a partir de imagens de isolamento e estagnação econômica forjadas no âmbito das políticas estatais que priorizavam a modernização industrial do país em moldes urbanos (RIBEIRO, 1993). Já em meados dos anos de 1940 e 1950, observamos um conjunto de profundas transformações dadas pela inserção da economia regional em um mercado capitalista mais amplo, onde as novas condições de concorrência dificultaram a venda dos produtos tradicionais fornecidos pela região. A partir de 1960 e 1970, esse quadro se agravaria em conseqüência de programas e intervenções governamentais, que, pautados por uma visão desenvolvimentista com parâmetros industriais, tecnológicos e urbanos, consolidavam imagens de pobreza e miséria atribuídas ao Vale (RIBEIRO, 1993). Assim, identificada como “área problema” ou “bolsão de pobreza”, a região sofreu o impacto de três grandes frentes de modernização do capital: a expansão da pecuária, a introdução da cafeicultura e implantação das reflorestadoras (RIBEIRO, 1993). Auxiliadas por políticas de incentivos fiscais e créditos, essas três frentes de expansão provocaram mudanças significativas na distribuição e no acesso à terra. Os reflorestamentos, por exemplo, foram implantados em áreas de chapada, consideradas terras devolutas e concedidas pelo Estado às empresas privadas, para a exploração. As chapadas, no entanto, eram tradicionalmente destinadas ao uso comum pelos lavradores locais, a partir de então, privados de grande parte das terras onde realizavam o extrativismo coletivo e a criação do gado na larga (RIBEIRO, 1993). Mesmo com medidas provenientes do Estado, em parceria com grandes empresas nacionais e multinacionais, a região do Vale do Jequitinhonha ainda sofre com a miséria e com a falta de oportunidades para seus habitantes. O fato é que com a entrada de empresas capitalistas altamente lucrativas, o latifúndio tradicional acaba dando espaço para o latifúndio movido pelo sistema capitalista, ou seja, o pequeno lavrador que antes se submetia ao latifúndio, agora esta entregue nas mãos gananciosas do capital. O Estado, ao viabilizar os complexos agroindustriais e favorecer o empresariado rural em detrimento dos produtores familiares camponeses, tem mantido os velhos pactos entre os setores do bloco hegemônico, contando sempre com a resistência, algumas vezes manifestada com violência, desses camponeses que desenvolvem estratégias de sobrevivência particulares ou coletivas, quando integrados a movimentos sociais rurais (embora não exclusivamente com contingentes rurais) como o MST, o de maior expressão até o momento. (RUA, 2005, p.48) Tanto descaso com a população local, todo este jogo que deixa sempre o trabalhador a mercê de sua própria sorte, é muito presente na região do Vale. E foi esta a realidade observada na operação de retorno do Projeto Rondon neste início de 2009. ComercinhoMG apresentou-se como um município carente socialmente, que deixa a desejar quando o assunto são as políticas públicas da região. Isso acontece principalmente porque as terras estão concentradas sob o comando de poucos latifundiários, enquanto os lavradores se submetem a uma vida de pobreza. Além disso, o governo municipal é composto por estes mesmos latifundiários que acabam se beneficiando de alguma maneira. Toda esta situação ainda é agravada pelo clima da região, que trás sérios problemas decorrentes da seca. Ressaltando que, a seca é sim um agravante que dificulta a vida e a lida de milhares de moradores do Vale do Jequitinhonha, mas, este fator climático não pode ser utilizado como justificativa para a pobreza existente na região. Afinal, é muito cômodo para o Estado apoiar-se na seca para acobertar o latifúndio, a má distribuição de renda e terra e a conseqüente miséria da população. Diante de tantas carências, aliadas à falta de apoio governamental e somado a isso, as conseqüências da seca na região, fazem com que a cada dia mais pessoas busquem na migração a possível solução para seus problemas. Os deslocamentos de habitantes da região do Vale acontecem principalmente em direção ao Sudeste do país, para servirem de mão – de – obra em culturas sazonais como a cana – de – açúcar e o café. A migração torna-se então a solução mais imediata para as dificuldades enfrentadas pelos habitantes que ficam sem trabalho e sem meios para sustentar suas famílias. Contudo, sabe-se que, o deslocamento destas pessoas para centros urbanos acaba colocando-as à margem da sociedade e fazendo-as enfrentar novamente um cotidiano de muita luta e poucas vitórias. Mesmo que esta população não se desloque para outros municípios, ou grandes centros urbanos, a saída do campo pode resultar em mais moradores na cidade de Comercinho – MG. E, devido suas precárias condições de saneamento, infra – estrutura, isso pode piorar a qualidade de vida da população. Como se pode observar na Tabela 2, a população residente na área urbana cresceu entre 1970 e 2000, sendo que, houve um crescimento significativo desta população entre 1980 e 2000, ou seja, em 20 anos de contabilização da população urbana no município de Comercinho - MG observa-se que este número praticamente dobrou. Com isso, o número de habitantes da zona rural deste município sofreu redução considerável no decorrer de 30 anos de contabilização, resultado da migração da população rural para a área urbana do município, ou para demais municípios da região e do país, provavelmente em busca de melhorias na qualidade de vida, já que o campo deixa de ser a fonte de sustento de diversas famílias. ANOS 1970 1980 1991 2000 2005(1) População Residente 1970, 1980, 1991, 2000, 2005 URBANA RURAL 1.472 8.295 1.437 7.869 2.311 7.929 2.949 5.756 Tabela 2: População residente no município de Comercinho - MG Fonte: Fundação Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) TOTAL 9.767 9.306 10.240 8.705 10.181 (1) Dados preliminares É neste contexto que o presente trabalho pretende apresentar as relações entre os latifundiários e a população habitante de Comercinho- MG, e também como estas relações afetam a migração de pessoas do campo para a cidade, mesmo que a cidade não possua condições favoráveis para receber e abrigar estes novos habitantes. METODOLOGIA: Característica da área de Estudo Comercinho é um município localizado no Vale do Jequitinhonha (Mapa 1), na microrregião de Pedra Azul, segundo informações do IBGE/2008. Possui uma população de 8.637 habitantes, segundo o IBGE/2009. Mapa 1: Localização de Comercinho – MG Fonte: http://pt.wikipedia.org/wiki/Comercinho Os municípios limítrofes à Comercinho são Medina, Salinas, Santa Cruz de Salinas, Rubelita e Itinga. O município é conhecido como "Terra da Cachaça" por produzir artesanalmente uma das melhores aguardentes do país. Dentre elas, estão a Contra-veneno, a Vencedora, a Baianinha e a cachaça Favorita. O Município também se destaca na produção de fumo e pecuária. Procedimentos metodológicos Etapa 1: Conhecimento da área de estudo: A partir da Operação Verão 2009, que consistia em um retorno ao município de Comercinho – MG, foi possível conhecer a estrutura política, social, dentre outros do local surgiu a necessidade de se relatar a situação do latifúndio neste município e como isso afeta diretamente o bem-estar da população local. Etapa 2: Questionamentos com a população: Após uma análise prévia da situação do local, via-se a necessidade de compreender a visão da população acerca do cenário político e social do município, para isso foi realizado questionamentos, com anotações e discussões com os moradores locais e a equipe da operação do projeto. Etapa 3: Organização dos dados coletados: Para relato do que foi presenciado na Operação do Projeto Rondon, os dados coletados no local foram atrelados a bibliografias referentes ao assunto para que se complementassem na fundamentação do trabalho. RESULTADOS: Após constatar a situação de carência enfrentada pela população de Comercinho-MG, deve-se salientar que a mesma pode ser considerada insustentável por acreditar que ela pode não possuir uma solução em curto prazo, já que, o governo municipal composto por latifundiários concentradores da renda do município, não demonstram aparentemente medidas que atuem na modificação desta realidade encontrada. Observa-se que a população almeja e promove algumas ações na tentativa de mudar o cenário que estão inseridos, mas, geralmente ao se depararem com algumas situações, tais como, políticas que menosprezam os pequenos trabalhadores, promessas não cumpridas pelos políticos, são desmotivados. Enquanto o latifúndio concentra as terras da região, deixando lavradores sem sua fonte de sobrevivência, a cidade vem abrigando estes habitantes que deixam a zona rural em busca de trabalho no meio urbano. Mas, como se pode observar, a cidade não possui a mínima estrutura para acolher esta população que vem se deslocando, deixando-os em situação igualmente precária e miserável. Toda a análise do trabalho conclui que o país tem um histórico grave de desigualdades territoriais. E se tratando essa análise de poder público, como grande colaborador de tal situação, é preciso solucionar primeiramente a política do Brasil, para depois propor leis que favoreçam territorialmente e igualmente os moradores dessa nação, e assim fazê-las cumprir. A reforma agrária precisa ser vinculada à reformas políticas para futuramente se tornar uma realidade concreta e vigente. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS: MORENO, C. A colonização e o povoamento do Baixo Jequitinhonha no século XIX: a guerra contra os índios. Belo Horizonte: Canoa das Letras, 2001. RIBEIRO, R. Campesinato: Resistência e Mudança – O caso dos atingidos por barragens do vale do Jequitinhonha. 1993. 504 f. Dissertação (Mestrado em Sociologia) – Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas, Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, 1993. RUA, J. A resignificação do rural e as relações cidade-campo: uma contribuição geográfica. Revista da ANPEGE, Fortaleza, n. 2, ano 2, p. 45-66, 45-66, 2005. SILVA, J. C. F. Políticas Públicas no Vale do Jequitinhonha: a difícil construção da nova cultura política regional. Alpharrabio Edições, São Caetano do Sul, 2006. Vasconcelos, Adriana. Prefeito de cidade do vale do Jequitinhonha baleado. O Globo, 18 mar. 2009. Disponível em < http://oglobo.globo.com/sp/mat/2009/03/18/prefeito-decidade-do-vale-do-jequitinhonha-baleado-754885925.asp >. Acesso em: 16/08/2009. Vieira, Ana Maria. UFMG finaliza diagnóstico sobre a região do Jequitinhonha em parceria com a população. CEDEFES. 14 jul. 2006. Disponível em <http://www.cedefes.org.br/new/index.php?conteudo=materias/index&secao=5&tema= 11&materia=2783 >. Acesso em: 16 ago. 2009. Autor desconhecido. Municípios Mineiros: Município Comercinho. Assembléia Legislativa do Estado de Minas Gerais, 2003. Disponível em <http://www.almg.gov.br/index.asp?grupo=estado&diretorio=munmg&arquivo= municipios&municipio=17009>. Acesso em: 17 ago. 2009.