O QUE SE VEICULA SOBRE O LIVRO DIDÁTICO
NA REVISTA NOVA ESCOLA
TOMIO, Samira Alessandra – FURB
[email protected]
Eixo Temático: Políticas Públicas, Avaliação e Gestão da Educação
Agência Financiadora: não contou com financiamento
Resumo
O objetivo da pesquisa foi analisar o conteúdo das reportagens da Revista Nova Escola sobre
o livro didático, buscando relações e aproximações com a política pública do livro didático no
Brasil. Neste contexto, investigou-se as edições da revista Nova Escola no período de março
de 1986 a dezembro de 2010, procedendo-se a seleção de reportagens que tinham como objeto
de estudo o livro didático. Selecionou-se 37 reportagens que compuseram o corpus de análise.
Com base na análise do conteúdo proposta por Bardin (2009), foram elaboradas três
categorias: a distribuição, o conteúdo e a escolha do livro didático, cujos dados levantados
foram relacionados com uma abordagem sócio histórica da política pública do livro didático
no Brasil. A análise permitiu observar que a revista sempre teve seus objetivos vinculados aos
interesses do MEC, seja no teor do conteúdo que foi divulgado nas reportagens, como no
número de reportagens publicadas em anos de reformulações da política pública do livro
didático. Houve predominância na abordagem do tema nos dez primeiros anos da revista,
período em que o Programa Nacional do Livro Didático (PNLD) foi implantado e recebeu o
maior número de críticas por parte de educadores, pesquisadores em educação e da mídia, fato
que justificou esclarecimentos do MEC por meio da revista. Sobre o conteúdo das reportagens
predominaram os temas como a distribuição dos livros didáticos pelo PNLD, os erros
conceituais e inferências ideológicas presentes nos livros didáticos e os movimentos surgidos
na sua escolha e avaliação. Concluiu-se que a revista Nova Escola na sua história, constituiuse em um instrumento de informação e consolidação dos interesses da política educacional
Brasileira, entre elas, da política pública do livro didático. A revista contribuiu também para a
veiculação e construção de representações acerca do livro didático na informação/formação
dos professores no Brasil.
Palavras chave: Livro Didático. Política Pública do Livro Didático. Revista Nova Escola.
Introdução
Na história da educação brasileira, o livro didático (LD) tem acompanhado o
desenvolvimento do processo de escolarização e tornado-se um dos símbolos da
nacionalização e universalização do ensino público. Regulamentador de práticas educativas de
2912
professores e de muitos programas de ensino, o LD representa muitas vezes, o recurso e a
estratégia de ensino que professores dispõem para driblar precárias situações de trabalho.
No Brasil, ancorado por decretos de leis desde meados dos anos de 1930 e um
programa nacional (PNLD) voltado para sua produção e distribuição, o LD tem garantido a
sua continuidade nas escolas, dada a sua importância histórica e econômica e pelas
representações ideológicas e políticas que difunde no país.
O seu pertencimento em diferentes épocas e espaços geográficos mobiliza pesquisas e
debates de naturezas diversas: políticas públicas do LD (FREITAG, COSTA e MOTTA,
1989; HOFLING, 2000), processos de escolha do LD (BATISTA, VAL, 2004); (CASSAB,
MARTINS, 2003), processos históricos de produção do LD (BITTENCOURT, 2008;
CHOPIN, 2009), práticas educativas dos professores e o LD (BUNZEN JUNIOR, 2009),
entre outros.
A popularização desses estudos e práticas sobre o LD vem sendo divulgadas em
espaços formais de formação de professores, como também, em materiais informais de
divulgação em educação, que acabam por contribuir também no processo formativo do
professor. A revista Nova Escola se insere neste contexto, como um dos materiais midiáticos
de caráter não científico que intenciona divulgar temas sobre educação, contribuindo como
fomentadora de representações dos temas que aborda.
Com uma tiragem mensal de 850 000 exemplares impressos e um site que divulga o
seu conteúdo na integra, a revista é ainda distribuída gratuitamente às escolas por algumas
Secretarias de Educação, como a do Estado de Santa Catarina. Tais fatos demonstram que a
amplitude da distribuição da revista colabora para divulgação de seus conteúdos aos
professores. Com base nas informações divulgadas pela Revista Nova Escola ao longo dos
seus vinte cinco anos de publicação, buscou-se analisar o conteúdo que é veiculado sobre o
LD, observando a ocorrência e a distribuição do tema ao longo da história da revista e
buscando no seu conteúdo, aproximações/ relações entre o LD e a política pública que o
legitima no Brasil.
Desenvolvimento
A Política do livro didático no Brasil pós PNLD
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Autoras como Freitag, Costa e Motta (1989) argumentam que a política pública do LD
no Brasil foi elaborada da intencionalidade do Estado compensar as diferenças sócioeconômicas existentes no país. Sendo assim, uma política de caráter assistencialista, voltada
ao aluno desprovido de recursos financeiros para custear o seu material didático.
Em contraposição a esta justificativa, Hofling (2000) caracteriza a política do LD
como uma ação do Estado na consolidação da política educacional e na garantia do ensino
público e gratuito, conforme inscrito no art. 205 da Constituição Federal de 1988.
Desta forma, conhecer a política do LD no Brasil contribui na compreensão das
ações/intenções do Estado que foram desenvolvidas em relação a este objeto e que perpassam
o cenário educacional, econômico, político e cultural do país e são veiculadas pela mídia, na
revista Nova Escola. Nesta perspectiva, o Programa Nacional do Livro Didático (PNLD) pode
ser considerado um marco na história da política pública do LD no Brasil.
Lançado no ano de 1985, pelo decreto nº 9.154, de 19/8/85, o PNLD substituiu o
antigo programa PLIDEF e se tornou o maior e mais duradouro programa voltado ao LD. O
PNLD teve sua implantação em um período pós-ditadura, no qual o Brasil passava por
renovações governamentais com princípios mais democráticos nas decisões políticas do país.
Problemas na educação como evasão e repetência estavam associadas à falta de material
didático e o governo visualizou no PNLD um dos meios para superar tais problemas.
Mudanças significativas ocorreram com o PNLD: os professores puderam participar
na escolha do LD, o livro descartável foi substituído visando a sua reutilização por três anos e
houve aumento no número de LDs distribuídos a todas as séries do Ensino Fundamental de
escolas públicas com recursos do Governo Federal. As mudanças elencadas tiveram sua
eficácia comprometida por limitações orçamentárias até meados do ano de 1996. A partir do
ano de 1997, com a extinção da FAE e a transferência do PNLD para FNDE, que a aquisição
e distribuição dos LDs voltaram a ser regularizadas e universalizadas a todas as séries do
Ensino Fundamental.
Em 1995, o Ministério de Educação e Cultura (MEC) nomeou-se o avaliador oficial
dos LDs distribuídos pelo PNLD. Uma comissão formada pela Secretaria de Educação
Fundamental, professores de diferentes áreas de ensino e assessorados pelo CENPEC
definiram critérios de análise para os LDs que resultaram na publicação do Guia do Livro
Didático, no ano de 1996. Desde então, o Guia tem passado por modificações em suas
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edições e universidades públicas participam do processo avaliativo. O guia é enviado às
escolas como um instrumento para orientar os professores nas suas escolhas.
Outras ações do programa continuaram a ser feitas ao longo dos anos: atendimento aos
alunos portadores de deficiência visual com LDs em Braille (2001), o PNLEM (Programa
Nacional do LD para o Ensino Médio) lançado no ano de 2004 e o PNLA (Programa Nacional
para a Alfabetização de Jovens Adultos) no ano de 2007.
Resultados e discussão
Neste estudo foram coletados dados de 37 reportagens sobre LD, do período de março
de 1986 (primeira publicação) a dezembro de 2010, na Revista NOVA ESCOLA. Uma leitura
analítica foi realizada em cada edição da Revista seguida de uma seleção de reportagens que
continham a palavra LD no título ou no lead do texto.
Para a organização das fontes documentais, um roteiro de observação foi elaborado
com critérios pré-estabelecidos: ano e mês da publicação, área do conhecimento e tema da
reportagem. As informações coletadas foram apresentadas em função dos objetivos propostos
pelo estudo.
Distribuições das reportagens sobre LD na história da revista
No quadro 1, sobre a distribuição do tema livro didático ao longo da história da
Revista, pode-se observar uma predominância do tema entre os dez primeiros anos, de 1986 a
1996, com um total de 34 reportagens entre as 37 selecionadas.
Observa-se que, o primeiro ano de publicação da revista Nova Escola em 1986
coincide com a criação do PNLD em substituição ao PLIDEF no mesmo ano.
Década de 80
Década de 90
Anos 2000
86 87 88 89 90 91 92 93 94 95 96 97 98 99 00 01 02 03 04 05 06 07 08 09 10
6
4
6
6
4
1
1
0
3
1
2
0
0
0
0
1
0
0
1
1
0
0
0
0 0
Quadro 1- Número de reportagens sobre o LD por ano da publicação da Revista
Pressupõe-se que a coincidência entre o ano da publicação da revista e a concentração
de reportagens sobre o LD nos primeiros anos não foi ao acaso, uma vez que neste período, a
2915
Revista assumiu um convênio com o MEC e o PNLD recebeu suas maiores críticas. Segundo
Cassino (2007), até meados de 1995 o PNLD apresentava problemas de centralização no
poder de escolha dos LDs, uma insuficiência de LDs distribuídos e atrasos no recebimento
dos LDs pelas escolas.
Baseado nestes apontamentos supõe-se que a Revista colaborou como um instrumento
do MEC para esclarecimentos das limitações do PNLD e para amenizar as críticas ao
programa. Constata-se que, no mesmo período, a revista chegou a possuir em seu editorial
uma seção exclusiva para o LD e que foi extinta ao final dos anos 90, quando o MEC assumiu
a avaliação dos LDs. Tal constatação pode sinalizar uma mudança de posição da Revista em
relação à temática, pois com a responsabilidade da avaliação e qualidade dos LDs assumidas
pelo MEC, que também atuava como financiador da Revista, as críticas aos LDs precisariam
ser atenuadas.
A mesma justificativa pode ser considerada para compreender a redução de 03
reportagens sobre o LD nos anos de 1997 a 2010. Com a divulgação do Guia do Livro
Didático em 1996, as críticas não poderiam mais recair sobre o MEC, mas sim apresentar os
avanços do PNLD. Baseado nestes pressupostos entende-se que a Revista Nova Escola
corroborou na implantação da política educacional, atuando como um instrumento de
divulgação sobre temas da educação amparados e/ou conjugados pelo MEC, especialmente ao
publicar temas concernentes ao LD.
Informações veiculadas sobre o LD pela revista
Para a análise do conteúdo das reportagens selecionadas, os dados coletados foram
organizados com base em Bardin (2009) e sistematizados em três categorias de análise na
finalidade de melhor apresentar os dados, sendo elas: a distribuição, o conteúdo e a escolha
dos LDs. As categorias foram organizadas a partir da leitura do conteúdo das reportagens e
pela quantidade de ocorrências que apareceram nas reportagens selecionadas, publicadas entre
os anos de 1986 a 2010.
A distribuição do LD
2916
A Nova Escola divulgou 08 reportagens sobre o PNLD no período de implantação do
programa. As reportagens abordam as mudanças na transição do PLIDEF para o PNLD e os
objetivos/ações do programa para garantir a distribuição dos LDs a todos os alunos de escola
pública e não somente aos alunos carentes. Na reportagem da edição de abril de 1986, fica
evidenciada a intenção do MEC: “[...] a primeira grande novidade apresentada pelo PNLD
neste ano diz respeito à quantidade de livros distribuídos: são 42 milhões, contra apenas oito
milhões em 1985[...]”. (NE, abr. 1986, p.36)
A declaração da Revista em relação ao aumento de LDs como “a grande novidade”
aponta para uma intenção do governo em veicular o PNLD ao projeto da política educacional
nacional para melhorar a educação em relação aos problemas do antigo sistema de governo e
para apresentá-lo como um dos referenciais de redemocratização do país.
Conforme expõe Cassiano (2007) o governo na época da implantação do PNLD
apontava como os grandes problemas da educação, a inadequada oferta de vagas nas escolas,
a repetência e a evasão escolar. Tais problemas advinham do antigo sistema de governo e
estariam associados à realidade dos alunos, somadas a ausência de bibliotecas e de material
didático.
Na reportagem da edição de abril de 1986, a revista transmite: “O PNLD está em
condições de começar a suprir a falta de material escolar, buscando diminuir a evasão dos
alunos matriculados e que não chegam sequer a concluir o 1º ano”. (NE, abr. 1986, p.36). Na
mesma reportagem, o Secretario da Educação de Alagoas reforça: “É principalmente pela
falta de livros que muitos deixam a escola: por não conseguirem acompanhar as aulas, ou
por vergonha de não possuírem o material”. (NE, mar. 2001, p.37)
É pertinente observar que conforme foram se desenvolvendo novas estratégias para
aumentar e facilitar a distribuição dos LDs, o MEC buscou divulgá-las na Revista. Uma
amostra está nas reportagens das edições de abril de 1986 e agosto de 1987 que esclarecem a
mudança do livro descartável para consumível em 1986 como uma estratégia na redução dos
gastos com LDs e a inclusão de disciplinas não contempladas pelo PNLD. “A terceira
novidade do PNLD é que, neste ano, a distribuição visou acabar, de uma vez por todas, com
o livro descartável. [...] “Agora os livros terão duração de três anos, podendo passar de um
aluno para outro”. (NE, abr. 1986, p.36)
Na edição de Agosto do mesmo ano, observa-se também: [...] “a adoção dos livros
reutilizáveis, desde o ano passado, significa aumentar, a médio prazo, a capacidade de
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atendimento do Programa e permitir a implantação do Banco de Livros nas escolas”. (NE,
ago. 1987, p.38)
Podemos ainda encontrar nas reportagens, entrevistas com representantes do PNLD
esclarecendo as mudanças na forma de entrega dos LDs, em razão das críticas das escolas ao
recebimento parcial de LDs, como nota-se nos excertos: “Foram requisitados helicópteros,
balsas e aviões para o trabalho de distribuição dos livros nas escolas do interior dos estados,
mas mesmo assim, houve atraso nas entregas, principalmente no Amazonas, Acre e Rondônia
onde, nesta época chove muito, deixando as estradas intransitáveis.” (NE, abr. 1986, p.36)
Como na reportagem da edição do ano de 1992, a parceria do MEC com os Correios
em 1986 é apresentada como a empresa responsável pela entrega dos LDs às escolas: “Desde
janeiro a ECT, empresa responsável pelo serviço de correios, está encarregada de
transportar e distribuir os 90 milhões de livros didáticos destinados às escolas públicas de
todo o país. [...] Com a nova forma de distribuição todos saem ganhando. A escola
continuará com a eficiência do serviço postal e os correios abrirão uma fonte de receita”.
(NE, jun.1992, p.55)
Cabe ressaltar que após o ano de 1995 somente 02 reportagens são publicadas sobre a
distribuição dos LDs e ambas têm como objetivo não mais apresentar as melhorias do PNLD,
mas ressaltam a importância da comunidade escolar na manutenção e conservação dos LDs.
Exemplo disso, na reportagem da edição de outubro de 2005, uma escola é relatada como
modelo de sucesso na manutenção do material distribuído pelo PNLD: “A Escola Estadual
Rui Barbosa conseguiu mostrar a importância da conservação dos livros quando realizou, no
início do ano, o dia do encapamento”. (NE, out. 2005, p.33).
Os funcionários da escola também declaram na matéria: “Trabalhamos a conservação
do livro didático e a preservação da escola como um todo [...] É preciso motivar a
comunidade para que perceba o valor do livro didático como patrimônio coletivo”. (NE, out.
2005, p.34).
Com base nas reportagens analisadas, pressupõe-se que a diminuição no número de
reportagens pode estar relacionada aos avanços do PNLD ao aumentar o número de LDs
distribuídos e pela incorporação de mais disciplinas contempladas com LDs em todo o Ensino
Fundamental.
O conteúdo dos LDs
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Discussões sobre erros conceituais e inferências ideológicas existentes nos LDs
distribuídos pelo PNLD foi o conteúdo mais representativo no que se refere ao número de
reportagens publicadas sobre o tema, num total de 16 reportagens nas edições entre os anos de
1986 a 1996.
Nas reportagens, pesquisadores e educadores são entrevistados e destacam a
necessidade de avaliação dos LDs distribuídos pelo PNLD, pois os mesmos eram provindos
do acordo MEC/USAID e veiculavam, maiormente, princípios ideológicos do antigo regime
militar. Como se faz notar em uma reportagem de 1986, o professor Chico Alencar tece sua
crítica a qualidade do LD de História: [...] “os militares não estavam interessados em que os
jovens lessem muito menos que refletissem”. (NE, mar. 1986, p.44)
Observa-se que, as reportagens que teciam críticas ao conteúdo dos LD, publicavam
juntamente no mesmo texto, entrevistas com responsáveis pelo PNLD justificando os
problemas encontrados nos LDs. O MEC ainda aparecia em reportagens como o financiador
de pesquisas sobre o conteúdo dos LDs em cursos de Mestrado e Doutorado.
Como ilustra o excerto da reportagem de uma das edições do ano de 1986, o diretor
pedagógico da FAE confirma: “A FAE está desenvolvendo um amplo estudo com o objetivo
de levantar os maiores problemas dos livros didáticos. “Para isso, muitos professores e
instituições analisaram e criticaram os livros didáticos disponíveis em suas comunidades”.
(NE, ago. 1986, p.50)
Destaca-se que as reportagens sobre o conteúdo dos LDs fez parte de uma tendência
mundial que segundo Freitag, Costa, e Motta (1989) se intensificou no Brasil nos anos 70 e
80. Esta tendência dividia as pesquisas em duas vertentes: as pesquisas que analisavam a
fundamentação psicológica, pedagógica, lingüística e semiológica dos textos dos LDs e as
pesquisas que analisavam os preconceitos e concepções ideológicas nos LDs.
Na Revista Nova Escola houve predominância de reportagens da segunda vertente.
Exemplos disso podem ser visualizados nos recortes de críticas de pesquisadores ao conteúdo
dos LDs na Nova Escola: “O corpo humano é visto nesses livros de uma maneira
fragmentada, isolada e atemporal. A conseqüência é que os alunos não conseguem se
identificar com esse corpo apresentado de maneira didática e não humana.” (NE, ago.1989,
p.44)
2919
“Os conceitos, quando não são confusos, estão errados. A integração com a
Aritmética é pobre e inadequada e as atividades propostas são desinteressantes ou contêm
erros que inviabilizam sua execução.” (NE, set.1989, p.36)
Nas reportagens sobre as inferências ideológicas nos LDs, as críticas aparecem em
relação a diferentes conceitos, entre eles, as representações de mulher, afro-descendente,
indígena, corpo, sociedade conforme exemplificado pelas reportagens sobre LDs de Ciências
e História: “O livro mostra o organismo como uma máquina onde cada peça tem a sua
função específica, sob o comando do cérebro. Acaba passando a idéia da divisão social do
trabalho, na qual uns desempenham papéis mais importantes que outros. Sutilmente, segundo
as biólogas, as crianças vão sendo preparadas para um mundo de opressores e oprimidos”.
(NE, abr. 1989, p.45)
[...] o livro didático de maneira geral veicula imagens negativas sobre o negro,
através de visões estereotipadas, simplificadas, falsas, e desvaloriza sua cultura por meio da
estigmatização e folclorização. Além disso, textos e ilustrações trazem a figura do branco
com maior freqüência, a mulher negra sempre aparece como empregada doméstica [...]”.
(NE, jun.1990, p.42).
As autoras Freitag, Costa, e Motta (1989) analisam que o grande problema deste tipo
de pesquisa foi que “ao evocarem a teoria da reprodução e ao denunciarem a perpetuação das
relações de classe dominante à ideologia veiculada através dos livros didáticos, correm o risco
de contribuírem eles próprios para a reprodução do mesmo.” (FREITAG, COSTA e MOTTA,
1989, p.85)
Em outras quatro reportagens analisadas nesta categoria, há uma abordagem ao uso de
LDs regionais em oposição aos LDs distribuídos pelo PNLD, como uma conseqüência à
inadequação do conteúdo dos livros à realidade das escolas locais. Exemplos dessa crítica
aparecem na reportagem de uma edição de 1988, no lead da reportagem é anunciado:
“Gaúchos adotam textos de autores locais [...] para eles, a produção vinda do centro do país
é deficiente.” [...] (NE, nov. 1988, p.57)
Do mesmo modo, o lead da reportagem da edição de abril de 1996 menciona:
“Insatisfeitos com as obras que usavam em sala de aula, professores de Araucária, no
Paraná, escrevem os livros didáticos, fazem referências à cidade e à rotina dos seus alunos e
conseguem melhorar muito o rendimento escolar”. (NE, abr. 1996, p.323)
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A última reportagem sobre a adoção de LDs regionais foi em 1996. Sugere-se que a
avaliação do MEC dos LDs e a criação do Guia do LD em 1996 tenham contribuído de forma
significativa para a melhoria dos LDs e a ausência posterior do tema na Revista.
Outro argumento está no fato que o uso de LDs regionais apresentava muitas lacunas
na sua produção e uso. Como Freitag, Costa, e Motta (1989, p.38) afirmam “a regionalização
do livro didático no Brasil somente teria condições de produzir um livro de melhor qualidade
se ocorresse uma reestruturação global do sistema educacional e uma elevação geral no nível
de profissionalização de todos os agentes envolvidos”.
As autoras ainda elucidam que em muitos estados, os projetos de trabalho com LDs
regionais foram sinônimos de banalização e improvisação devido ao ecletismo teórico
metodológico nos livros utilizados e pelos projetos serem voltados a um tratamento
diferenciado da criança carente. (FREITAG; COSTA; MOTTA, 1989)
O baixo nível de qualificação dos profissionais da educação envolvidos nos projetos
também seria um agravante no uso destes materiais, conseqüências que teriam resultado no
desuso de LDs regionais e conseqüentemente, na diminuição de reportagens sobre o tema na
Revista Nova Escola.
A escolha dos LDs
O segundo maior número de reportagens sobre o LD com 09 reportagens aborda as
nuances entre educadores, Secretarias de Educação e o MEC a partir da concessão via PNLD
da participação dos professores na escolha dos LDs. Esta concessão é aprovada no PNLD em
1986 e a Nova Escola no mesmo ano, publica uma entrevista com o diretor da extinta FAE
com o título Agora é você quem escolhe, onde se pode ler: “A escolha dos livros didáticos a
serem adotados ficou a cargo dos professores de cada escola, que já conhecem o nível
didático de cada livro”. (NE, abr. 1986, p.36)
Observa-se em outras duas reportagens de edições publicadas nos anos de 1989 e
1990, que a revista ao entrevistar pesquisadores sobre a participação dos professores no
processo de escolha do LD, incita o movimento de responsabilizá-los pela qualidade do uso
do LD escolhido e não mais de única responsabilidade do PNLD, como se pode notar no
excerto: “O professor precisa ficar atento para que não se torne porta-voz de autores
descompromissados com a qualidade e a correção daquilo que veiculam: o saber”. (NE, set.
1989, p.38)
2921
A pesquisadora Nilse Wilk Ostermann reforça o discurso do professor como
responsável em uma das edições da Revista: “[...] a falta de consciência política dos
professores como um elemento de peso na hora da escolha do livro: Ainda hoje o professor
de Historia tem receio de ser envolvido ideologicamente. [...]”. (NE, ago. 1990, p.45)
Em contrapartida a exigência do envolvimento dos professores, as reportagens
divulgam as dificuldades dos professores nas avaliações dos LDs devido à qualidade de suas
formações iniciais e permanentes, da influência das precárias condições de trabalho e dos
baixos salários que dificultam sua qualificação profissional, como demonstrado pela
reportagem de uma das edições do ano de 1990: “Hoje os bons livros não são comerciais
porque não conseguem atingir o professor comum, só poderemos contar com bons didáticos
depois de uma ampla reformulação no ensino e na formação dos professores”. (NE, set.
1990, p.48)
O ex-presidente do MEC reforça as dificuldades enfrentadas pelos professores em
entrevista para a Revista em 1994: [...] “mal pagos, com dificuldades de se atualizar e, muito
mais, de prepararem suas aulas e exercícios e de se capacitar para avaliar, escolher e
indicar o livro didático”. (NE, ago. 1994, p.25)
Em outras quatro reportagens, Nova Escola apresenta a intenção da revista em auxiliar
os professores na escolha dos LDs entrevistando especialistas em educação que sugerem
critérios para “bons” LDs de determinadas disciplinas. Em uma destas reportagens de 1990, o
professor Antonio Jose Lopes aponta critérios para os LDs de Matemática: “Antes de mais
nada o livro deve ser correto, do ponto de vista conceitual. Deve conter sugestões de
propostas de atividades que possibilitem discussão com os alunos e manipulação de materiais
facilmente encontráveis, capazes de despertar a curiosidade e estimular a exploração da
criatividade. Através da programação visual, o bom livro deve sugerir desafios aos
alunos”[...]. (NE, ago. 1990, p.44)
Na reportagem do mês de setembro do mesmo ano, a pesquisadora Maria Helena
Almeida da Costa apresenta critérios para os LDs de Estudos Sociais: [...] “é necessário que
o conteúdo contribua para o raciocínio, da criatividade, da reflexão, da análise, da crítica e
da responsabilidade e também favoreça o desenvolvimento de atitudes sociais desejáveis”.
[...]. (NE, set. 1990, p.49)
Entre as reportagens, uma única reportagem das edições do ano de 1999 veicula as
ações da Secretaria de Estado de Pernambuco ao capacitarem seus professores para os
2922
processos de escolha dos LDs: “Vários seminários foram realizados, durante os quais a
Secretaria efetuou uma pesquisa para saber como os professores vêem e utilizam o livro
didático e o que pensam do processo de escolha desse material”. (NE, jun. 1999, p.42)
Observa-se que a projeção na incapacidade intelectual dos professores pela Revista
encontrou seus argumentos paralelos a criação dos PCNs. Nesta direção, Souza (1999) alega
que os PCNs teriam contribuído para disseminar uma representação de professor ora como
vilão pelos problemas da baixa qualidade do ensino e ora enquanto vítima. No papel de
vítima, o professor é situado em questões como desvalorização salarial do magistério, longas
jornadas de trabalho e com pouco tempo disponível para atualização profissional,
considerando-o incapaz de avaliar os LDs, como veiculado pela Revista.
A autora explica que é segundo a concepção de professor incapaz que o MEC decide
convidar especialistas da academia para decidir e elaborar critérios para avaliação dos LDs
(SOUZA, 1999). Tal concepção parece estar explicita nas reportagens das edições dos anos de
1994 e 1995 quando Nova Escola publica sobre os trabalhos das comissões contratadas pelo
MEC para avaliação dos LDs: “Uma comissão de especialistas vai examinar os livros atuais
durante seis meses. A FAE fará um grande catálogo que ficará pronto em janeiro de 1996,
eliminando os livros ruins”. (NE, ago.1994, p.53)
“Comissão formada pelo MEC estabelece critérios para avaliar didáticos e reprova a
maioria dos distribuídos à rede escolar. [...] “Agora que há critérios de avaliação, os maus
didáticos não chegarão aos 28 milhões de crianças da rede pública de ensino, promete o
MEC”. (NE, mai.1995, p.24)
A comissão referenciada nas reportagens é mesma responsável por lançar no ano de
1996 o Guia do Livro Didático. Neste mesmo ano, Nova Escola publica uma reportagem
sobre o Guia, onde afirma: “Numa decisão inovadora, o Guia de Livros Didáticos passará a
orientar as compras do MEC e pode também servir de base para escolhas das escolas
particulares”. [...] “Segundo a diretora de políticas publicas educacionais do MEC, Virginia
Fahra, é a primeira vez que o Ministério vincula a compra de livros a uma avaliação previa
de qualidade”. [...] “A partir de agora, só chegarão às escolas títulos que passaram na
seleção”. (NE, out. 1996, p.39)
Após a reportagem sobre o Guia do Livro Didático apenas uma única reportagem foi
publicada pela Revista em edição de agosto de 2004. A reportagem é um fórum a respeito da
2923
classificação dos LDs em: recomendado, recomendado com ressalvas e recomendado com
distinção.
Considerações finais
Buscou-se caracterizar e analisar o conteúdo sobre livro didático veiculado aos
professores pela Revista NOVA ESCOLA, desde a sua primeira publicação em 1986 até o
ano de dezembro de 2010, procurando aproximações/ relações com a política pública que
legitima o LD nas escolas brasileiras.
Observou-se na análise dos dados que a Revista teve seus objetivos vinculados aos
interesses do MEC, seja na quantidade de reportagens publicadas que tratam da política
pública do LD, como no teor do conteúdo que foi divulgado concomitantemente as mudanças
que eram realizadas no PNLD.
No que se refere à ocorrência do tema LD na Nova Escola, houve predominância na
abordagem do tema nos dez primeiros anos da revista, período em coincidentemente o PNLD
foi implantado e apresentou maiores limitações, fato que justificaria esclarecimentos do MEC
através da revista.
Contata-se assim, que a revista contribuiu na estabilização e legitimação da política
pública do LD no Brasil ao publicar reportagens como a distribuição dos LDs pelo PNLD, os
conteúdos dos LDs em relação aos erros conceituais e inferências ideológicas e a
escolha/avaliação do LD que aparecem relacionados aos objetivos/ações do programa PNLD.
Ao escolher para divulgar em sua publicação, as representações de LD, de professor,
de ensino, de PNLD, entre outras, a revista ainda mobilizou valores, crenças,
comportamentos, saberes, que contribuíram
na constituição e ressignificação de
representações acerca dos temas apresentados.
Por fim, o conhecimento elaborado sobre a Revista NOVA ESCOLA pode ser
relevante para professores e pesquisadores que investigam processos sócio-históricos do Livro
Didático, uma vez que buscou-se apresentar uma compreensão das informações divulgadas na
revista e que podem servir de subsídio para outras análises e investigações da educação como
construção histórica e social.
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REVISTA NOVA ESCOLA. Disponível em: <http://revistaescola.abril.com.br>. Acesso
em: 12 de janeiro de 2011.
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