Jornadas Arte e Ciência
6 e 7 de Junho
UNIVERSIDADE CATÓLICA PORTUGUESA
Centro Regional do Porto
Escola das Artes
Centro de Conservação e Restauro
A realização material da pintura. Os suportes
Hélène Verougstraete e Roger Van Schoute
As molduras flamengas originais dos séculos XV e XVI subsistem na sua grande maioria.
Frequentemente ignoraram-se, já que foram repintadas e transformadas ao longo do tempo e pelo qual não é fácil
identificar a sua originalidade.
O interesse actual pelos suportes e as molduras deve-se, em parte, aos seus problemas de conservação.
O mau estado do suporte é uma das causas da deterioração das camadas pictóricas.
No século XV, os marcos e suportes flamengos constituíam um móvel que consistia num painel inserido numa
moldura entalhada. Este móvel era fornecido ao artista para ser pintado. Às vezes o artista decorava a moldura
cuidadosamente e marcava uma data, uma firma ou outras indicações. Algumas vezes até extravasa o tema sobre o
talude inferior.
Memling resolveu deste modo o Díptico de Martin Van Nieuwenhove (Bruges, Hospital de Saint Jean): o manto
vermelho da Virgem e a sombra da almofada situada por baixo do Menino extravasam o talude da travessa inferior.
Desde começos do século XVI pinta-se fora da moldura, inicialmente, sem dúvida por questões práticas, sem isso
supor uma modificação na concepção do “móvel para pintar”. Durante todo o século XVI pinta-se dentro e fora da
moldura, segundo as exigências.
No século XVII, devido ao crescente êxito dos suportes em tela, a concepção da moldura evolui: a moldura
transforma-se num elemento decorativo que oculta ou decora os bordos da pintura.
Nos antigos Paises Baixos, as diversas corporações de oficios ofereceram os suportes aos pintores. Os carpinteiros
realizaram a parte essencial, às vezes ajudados por um escultor, já que estavam autorizados a contratar um de entre
os seus aprendizes. Além disso, os entalhadores, os carpinteiros de armar, às vezes até os torneiros, proporcionaram
igualmente suportes aos pintores.
Os arquivos revelam processos judiciais entre estas corporações a propósito da repartição do mercado dos suportes
pelos artistas.
Relativamente ao assunto os artistas tinham um provedor habitual de suportes, não parece haver uma situação
uniforme na própria obra de um artista. Algumas molduras e suportes formam um grupo cuja homogeneidade evoca
uma origem comum; outras molduras podem ser muito diferentes.
Os dois pequenos painéis de Campir conservados na National Gallery de Londres, independentes no seu tema,
apresentam umas molduras muito semelhantes. Frequentemente os estudos dendrocronológicos revelam que os
painéis de pinturas diferentes procedem de uma mesma árvore, e portanto foram dispostas pelo mesmo carpinteiro.
A produção de Van Eyck ilustra bem o facto de não haver situações iguais. Um grupo de obras deste artista
apresenta molduras construídas segundo princípios semelhantes, enquanto outras molduras são muito diferentes.
O Cordeiro Místico conserva as molduras originais das portas. Estas molduras parecem ter sido realizadas em
Gante. O trabalho teria sido partilhado por carpinteiros e entalhadores.
Nenhuma outra moldura flamenga é similar.
A moldura, bastante pobre na qualidade dos registos, é diferente de outras molduras do próprio artista.
Poderíamos pensar que o motivo desta diferença é devida às dimensões do Cordeiro Místico.
Mais vemos que, até em obras de pequenas dimensões, as molduras podem ser diferentes umas das outras. A
moldura do retrato de Marguerite Van Eyck (Bruges, Musées Communaux), por exemplo, é diferente, mais
descuidada que as molduras de outras obras do mesmo mestre.
Assim, houve produtores habituais de molduras “standard” para um mestre, mas não era o habitual.
Os mandatários parecem ter proporcionado os suportes como já se verificou no caso da escola francesa.
As molduras holandesas do século XVII foram objecto de uma importante exposição e de um excelente catálogo,
editado originalmente em holandês e depois revisto e reeditado em língua inglesa alguns anos mais tarde (1984,
1995).
Em 1989 retratamos uma obra consagrada às “Molduras e suportes flamengos dos séculos XV e XVI”. Este estudo
baseou-se numa sondagem realizada nos principais museus belgas. Diversas publicações, principalmente os
catálogos de exposições e museus, têm-se interessado pelos suportes e molduras.
Continuamos o nosso trabalho analisando as molduras de alguns grandes primitivos com motivo das exposições de
Menling em Bruxas e Van Eyck na National Gallery de Londres.
Examinamos igualmente as molduras de obras do grupo Campin/Weyden, algumas molduras de Jerónimo Bosch e
muitas outras molduras dos séculos XV e XVI conservadas no estrangeiro (norte de França, Madrid, Berlim, Paris,
Filadélfia...). Este trabalho teve como finalidade a preparação de uma edição revista e aumentada de nossa obra
sobre molduras flamengas.
É necessário destacar três aspectos nas molduras e suportes flamengos dos séculos XV e XVI.
Em primeiro lugar, a construção testemunha uma grande habilidade e um excelente conhecimento da madeira de
carvalho.
Em segundo lugar, as obras detêm um carácter funcional e o seu acabamento é feito em relação com a função a que
são destinadas.
Em terceiro lugar, houve uma evolução depois das rudimentares obras de carpintaria da época pré-Eyckiana até
alcançar o mobiliário perfeito que sustentam as obras mestras dos grandes primitivos.
Esta evolução pode ajudar nas cronologias e até na localização de certas obras. Estes três aspectos examinar-se-ão
seguidamente.
Habilidade durante a construção do suporte

Espécie e corte
Salvo raras excepções, a madeira utilizada para os suportes e molduras é o carvalho. Durante algum tempo
pensava-se que se tratava de madeira local. Isto é confirmado em várias escolas. Mas no que diz respeito aos
mestres flamengos, a análise dendrocronológica indica que a sua procedência é do Báltico. Esta madeira prestavase particularmente ao fabrico de suportes dada a sua estabilidade perante variações climáticas graças a anéis de
crescimento finos devido a um crescimento lento e regular. Ficava assegurada a aderência da camada pictórica e
limitada a formação de craquelets.
O corte e construções tentavam restringir a curvatura das tábuas. O tronco cortava-se em forma de tábua no
local, provavelmente no local de exportação. Alguns autores pensam que o carvalho era serrado em grandes tábuas
no Báltico, já que não se encontram apenas as traves deste tipo de carvalho entre os carpinteiros de armar, nos
Países Baixos deste período. Era no porto de Amberes que estavam estabelecidas as mais activas corporações de
serradores, que deviam serrar a madeira trazida de fora, nesse local. O corte em forma de tábua, a partir do tronco
era feito no sentido dos veios da madeira para evitar a curvatura da tábua. Os painéis bem aplanados asseguravam,
por mais tempo, a junção destes.
A madeira empregue para os suportes podia ser fendida ou serrada. A primeira era a melhor opção, já que as
fibras não eram seccionadas e preservada a solidez do material. A segunda opção, mais comum, era mais
económica e eficaz sobretudo para grandes painéis . As molduras constituídas por elementos mais espessos, eram
sempre compostos por peças serradas.
Alguns suportes circulares eram feitos de outras qualidades de madeira. Isto explica-se, pelo facto, de terem
sido torneiros, os únicos, que dispunham de instrumentos necessários para realizar este tipo de molduras. Nalgumas
cidades, o uso do carvalho estava proibido a estes artesãos, pelos regulamentos corporativos. Por esse motivo,
alguns tondos, são de madeira de árvores de fruto, nogueira, etc..

Assemblagem do suporte
Quando as dimensões da obra o permitiam, o suporte era constituído por uma só peça, Geralmente, dois ou
mais paineis formavam uma obra flamenga. A assemblagem a junta viva ( o plat joint) obtinha-se por simples
acercamento dos cantos; configuram quase 90% das pinturas desde finais do séc. XIV até inícios do sèc. XVII.
Frequentemente, a junta viva estava reforçada com cavilhas mais ou menos cilíndricos inseridas paralelamente do
plano do suporte em entalhes ou orifícios realizados nos cantos. Nas obras de grandes dimensões, a chave podia
substituir a cavilha. Trata-se de uma espécie de cavilha em madeira, de alguns cm2, que é inserida nos cantos e
segura com quatro cavilhas pequenas transversais, visíveis ou não pela parte da frente.
Durante o sec XVI, alguns grandes painéis assemelhavam-se com este sistema, podendo ter ou não cavilhas.
Outras junções menos frequentes eram os diversos tipos de embutidos com penetração de um elemento no outro.
A união de “grão de centeio” foi adoptada, principalmente, para unir um elemento horizontal a elementos verticais
(Rubens, tríptico da Descida 12, portas, Amberes, Catedral).

Assemblagem dos elemento à moldura
Durante o sec.XV praticou-se uma grande variedade de assemblagens nas molduras. Algumas dessas
assemblagens são características de cada centro de produção de onde provinham. Encontramos umas quarenta
variantes em seis grandes famílias: assemblagens de cavilha e oco, em cauda de andorinha, de assemblatura a meia
madeira, em elementos agregados e ligação
A assemblagem em cavilha e oco foi adoptada nalgumas molduras de Van Eyck, principalmente nas
molduras das portas do registo inferior do Cordeiro Místico. Esta sólida assemblagem apresentava, em principio,
cortes a direito, que dificultavam a realização dos cantos: era preciso entalhar o canto da moldura a formão. O corte
misto (uma parte a direito e a outra em ângulo nas molduras) soluciona este problema e permite ajustar o ângulo à
moldura que limita com a aresta interior da moldura.
Quando a decoração invade toda a moldura adoptar-se-á o ajuste em ângulo completo. As peças podiam ser
emolduradas mediante “guillaumes” empurradas de um lado ao outro das peças e, assim, a junção era feita com
facilidade. O ajuste em ângulo tem participado na concepção geral da perspectiva.
O artista, às vezes, pintava um falso ajusto em ângulo ao lado de um corte a direito. Este ajuste pintado harmoniza
com as linhas de perspectiva colocadas pelo artista para conduzir o olhar em direcção ao centro do quadro. O ajuste
em ângulo pintado acompanhou a concepção ilusionista através dos tempos. O extravasar da composição pintada
sobre a travessa inferior em forma de tábua, ao qual já foi feita referencia, é outro aspecto da concepção. As
junções em cola de andorinha verificam-se num número reduzido de obras nas quais a moldura inclui uma ou
várias marcas de Bruxelas.
No sec. XVI, generaliza-se em todos os centros o uso da assemblagens envaziada de ajuste em ângulo num
ornamento. Fácil de realizar e considerada suficientemente sólida, permitia o alinhamento correcto de uma moldura
cada vez mais complexa. A origem desta assemblagem parece que está na carpintaria de Bruxelas. Quem sabe
deriva da carpintaria dos estábulos esculpidos.
A assemblagem a média-madeira adoptou-se para a parte interior das duplas molduras, sobretudo na
produção dos Francken em Amberes, durante a segunda metade do sec. XVI. É rara a união a média-madeira para
uma moldura exterior. Excepcionalmente a moldura é construida com um sistema de cavilhas e somente encolado.
(Hans Memling, Diptico de Martin Van Nieuwenhove, Hospital de San Juan). Pode-se fazer uma união com
elementos acrescentados (chaves, cantoneiras). Uma chave pode unir em seu vértice as duas partes de uma travessa.
O exemplo mais antigo de cantoneiras data de 1610. São junções de madeira dispostas uma atrás da outra.
1. União do Suporte e Moldura
A moldura talhada em vulto encontra-se sobretudo nos séc. XIV e XV nos suportes constituídos por uma única
peça ou, excepcionalmente por vários elementos, mas sempre de dimensões reduzidas. A moldura era aplicada
(raramente era pregada pelo reverso) sobre uma das faces do painel que era rebaixado, enquanto a outra face se
mantinha plana. Encontramos este sistema de execução nos volantes do retábulo ou nos painéis sem volantes. Este
costume, pouco apropriado para uma carpintaria estrutural permanece em vigor até ao séc. XVII. Uma variante
antiga é constituída por um sistema misto: molduras parcialmente talhadas em vulto e parcialmente aplicadas.
As réguas no sentido do veio da madeira estão talhadas em vulto e as réguas de sentido contrário estão aplicadas ao
suporte rebaixado, como no antigo auto-retrato (?) denominados impropriamente “o Homem do Turbante” (o
turbante não é mais do que um capuz) de Jean Van Eyck (1411), Londres, National Gallery.
Até cerca de 1520, o painel era embutido na moldura envaziada.
O painel é rebaixado e os seus topos encaixam-se num envaziado que o mantém firme mas ao mesmo tempo
permite o movimento inevitável da madeira. A moldura com volantes aparece pouco antes de 1520; o painel apoiase no rebordo interior da moldura e é fixo com pregos ou, excepcionalmente, por cunhas de madeira.
O uso de volantes generaliza-se até meados do séc. XVI e o seu uso permanecerá até aos nossos dias.
Podem intervir dois sistemas em simultâneo num mesmo artista.
Num tríptico, a moldura central pode ser rebaixada e as molduras dos volantes terem um envaziado ao centro para
que sejam vistos de ambos os lados.
A grande diversidade de tipos de ensambladura dos painéis entre si, dos elementos da moldura assim como do
painel à moldura, demonstram claramente a excelente habilidade dos artífices da madeira que forneciam os suportes
aos Primitivos Flamengos.
2. Carácter funcional e de revestimento final
O destino da obra (retábulo de altar, retábulo doméstico, obra para pendurar ou para pousar...) explica certas
peculiaridades de construção. Com frequência, a carpintaria é elaborada em função das propriedades mecânicas
requeridas para cada caso. O tamanho dos retábulos e o seu peso jogaram um papel importante na sua construção.
Uma obra para pendurar devia suportar o seu próprio peso. Um tríptico de grandes dimensões devia sustentar as
pesadas portas.
Os retábulos destinados a um altar de Igreja são de maiores dimensões que os domésticos apoiados sobre um
pedestal e destinados a ornar uma credência. O peso das obras, desde cedo, preocupou os artesãos da madeira. Esta
preocupação reflecte-se de diversas maneiras.
No caso de um tríptico, não é somente o painel central que frequentemente é maior, como é comum estar reforçado
no reverso por travessas fixas à moldura. Estas travessas podem “flutuar” sobre o painel ou estar inseridas (por
vezes com perfil trapezoidal) na madeira do suporte.
No caso do “Cordeiro Místico” de Van Eyck, a parte superior inclui no reverso, por cima da Anunciação, travessas
“flutuantes” apoiadas sobre o painel, embutidas em forma de cauda de andorinha nas réguas da moldura. Estas
travessas não têm outra função senão contribuir para resistir ao peso dos volantes. A forma em cauda de andorinha
é particularmente apta para contrariar a tendência que as uniões têm em se sair da esquadria. Sabemos que no
“Cordeiro Místico” apesar das precauções, os volantes se soltaram sob o efeito do seu próprio peso e que foram
encurtados na parte superior para que pudessem fechar.
No caso de Van der Weyden, a construção dos grandes retábulos varia de obra em obra e revela o desejo de
construir solidamente a peça central, que devia ser capaz de sustentar os volantes.
No reverso das molduras da parte central do “Juízo Final” de Beaune subsistem marcas de uma estrutura original de
travessas aplicadas à moldura. Este sistema foi, infelizmente retirado em algum momento para permitir a colocação
de um sistema de travessas embebidas. Para além disto, certas zonas formam transferidas da madeira para um
suporte de tela. Ao manter-se o retábulo desmontado, forçosamente apresentam-se as peças separadamente. Este
tipo de intervenção, que deriva de uma incompreensão do antigo processo de construção, praticou-se, infelizmente,
com bastante frequência. Muitos dos grandes retábulos apresentam-se, actualmente, como peças soltas por razões
semelhantes. É o caso do “Retábulo de Anchin” de Jean Bellegambe (Douai, Cartuxa).
Se a parte estrutural de um retábulo deve ser sólida e como consequência, bastante pesada, os elementos internos,
ao contrário, deviam ser leves. As molduras dos volantes eram, frequentemente mais finas que as molduras das
zonas centrais, mesmo quando incluíam decoração. Certos volantes estão decorados no interior com simples
molduras aplicadas em cujo caso, o reverso é completamente liso.
Juntamente com estas estruturas de volantes há obras de dimensões mais reduzidas, geralmente destinadas a serem
penduradas.
Parece que o costume de pendurar obras não era frequente no início do séc. XV. Não se estendeu até meados desse
século.
Quase todas as obras de Van Eyck incluem um cuidadoso acabamento do reverso, sobretudo um marmoreado
pintado. Normalmente não se expunha a madeira nua à vista. Daí que, naturalmente os reversos dos volantes
fossem pintados, às vezes com uma simples cor uniforme, enquanto que o reverso da tábua central não recebia
tratamento pictórico. Por isso as obras de Van Eyck que apresentam um marmoreado pintado no reverso estavam
destinadas a ser vistas, a ser seguras entre as mãos e depois, provavelmente guardadas num estojo ou bolsa...um
pouco à maneira dos manuscritos. Temos sugerido esta relação entre as obras de Van Eyck e os manuscritos.
Os arquivos testemunham a existência de pinturas “em forma de (livros) de Horas”. Talvez esta relação tenha sido
explicada a Van Eyck pelo Duque de Borgonha, homem erudito e por isso familiarizado com o mundo do
manuscrito. de quem o pintor foi pagem.
As obras de pequenas dimensões de Van der Weyden como as “Pietas” produzidas em série na oficina não se
pintavam pelo reverso. Parece que estavam destinadas a ser penduradas.
Poucos reversos receberam um acabamento tão requintado como os de Van Eyck. Mas se o princípio do
amrmoreado foi adoptado com frequência, algumas vezes limitou-se a uma camada de cor uniforme, negra ou
castanha no reveros dos volantes. Às vezes, sobre estes fundos negros ou castanhos pintou-se o texto de uma
oração, no interior ou no exterior dos retábulos. Às vezes, os textos foram adicionados no local de exportação. em
alguns pequenos retábulos de Amberes conservados em espanha, o texto foi manifestamente inscrito em Espanha.
Do mesmo modo encontramos sobre os volantes, doadores que foram realizados por uma mão distinta da do painel
central. Esta práctica acontece sobretudo nos trípticos importados. Por esta razão, em certos volantes, os doadores
que aparecem pintados sobre um fundo negro e apresentam outra factura diferente da parte central que etsá pintada
em fundo esbranquiçado. Estas prácticas convidam à prudência quanto à determinação do local e data da produção
de peças.
3. Evolução dos séculos XIV e XVI: datação e determinação do centro de produção
Os processos de fabrico evoluiram bastante entre os séculos XIV e XVI. Muitas vezes, consoante as regiões. Não
conservamos mais do que 15 obras do séc. XIV. Os suportes são mais sumários do que nos séc. ulteriores. Os
painéis são grossos (de 3 a 4 cm) e a madeira contem defeitos, colmatados com fibras ou pergaminho. Sobre a
madeira dispunha-se tela engessada , às vezes sobre toda a superficie, às vezes em bandas sobre uma junta ou
sobrepondo pequenos pedaços. No entanto ficavam muito pesadas, por isso desde o séc. XV foi-se alcançando
tábuas com espessuras de cerca de 1 cm (às vezes irregular). No séc. XVII esta espessura passa para menos de 1
cm. A evolução também é visível noutros aspectos.
No séc. XV estabelecem-se os princípios de carpintaria descritos no ponto 1. Estabelece-se a qualidade da madeira,
o corte e a manufactura. Não sabemos de onde procede esta ciência da madeira.
Os suportes flamengos são de uma qualidade que não se encontra igual noutros países. Não tem comparação, assim
como para a aplicação da cor pelos Primitivos, a observação da deterioração ocasionada nas pinturas devido a
medíocres suportes usados em séc. precedentes e que quisesse pôr cobro a isso. Os artesãos da madeira
encontravam-se na obrigação de encontrar remédio para os defeitos da madeira e assegurar a perenidade das
pinturas que nos chegaram aos dias de hoje.
Uma evolução notável é visível nas uniões dos elementos da moldura. No séc. XV observamos uma grande
diversidade: aparecem numerosas variantes de emsamblagem ligações de espiga e encaixe. Nos finais do séc. XV
as oficinas de Bruxelas distinguem-se pela adopção da cauda de andorinha, que encontramos num grupo de
molduras com a marca da cidade.
Desde começos do séc. XVI simplifica-se e adopta-se, quase de forma generalizada e quase exclusiva, a ensamblaje
embutido. É um processo muito mais fácil de executar do que a espiga e encaixe.
A construção das molduras também se desenvolve.
No séc. XV as molduras apresentam um corpo único e muitas vezes confinado à aresta interior da moldura. Quase
nos fins desse século as molduras de Bruges adornam-se com um filete sobre o perímetro exterior. No séc. XVI
ampliam-se. As molduras dos trípticos de Amberes, até 1520, são com canto plano. No perfil das molduras
complica-se progressivamente.
Nos séc. XIV e XV a policromia das molduras tem tendência para ser de cores vivas (sobretudo vermelho, verde,
azul). Também é moda toda a imitação do mármore. Van Eyck recorreu abundantemente a ale para decorar as suas
molduras e o reverso das obras: outros seguidores fizeram o mesmo, pr ex. para ornar o reverso dos volantes dos
trípticos. Progressivamente, a partir de meados do séc. XV, a aplicação d ecores na maoldura foi bastante
estereotipada. Predominam o negro e o ouro. O negro foi adoptado quando essa cor foi moda para as vestes da corte
de Filipe o Bom, Duque de Borgonha.
No séc. XVI a selecção das cores é, todavia mais estereotipada (negro e ouro, castanho e ouro). Paradoxalmente,
esta simplificação vai a par do incremento na decoração emoldurada ou esculpida nos casos em que se introduziram
elementos de decoração renascentista na superestrutura das obras.
A evolução na forma e na concepção mecânica dos grandes retábulos é mais difícil de delimitar. Já fizemos alusão
ao desejo de remediar o peso dos volantes. Até 1438, Rogier Van der Weyden pintou “A descida da Cruz” do
Prado. Por outro lado, como dissemos anteriormente, o reverso deste painel conservado em Madrid apresenta traços
da existência de uma grade fixa à moldura, hoje desaparecida mas que, provavelmente explica a necessidade de
resistir ao peso dos volantes e de dar maior coerência ao conjunto. Até 1446-1448 Van der Weyden realizou o
políptico do “Juízo Final” de Beaune. O remate da parte central saliente está segura por duas pequenas portas que
foram acrescentadas directamente e que se articulam com esta parte central.- Isso permitiu um aligeiramento
considerável dos grandes volantes e uma viragem para melhores proporções da parte elevada.
Esta solução foi adoptada com frequência nos finais do séc. XV.
Como consequência desta evolução podemos incluir a forma contornada que aparece nos começos do séc. XVI.
Permite uma maior repartição de cargas e também tem a vantagem de trazer elegância e solidez.
É importante observar estes suportes, estes móveis funcionais. esta atitude permitirá conservá-los com a sua
estrutura primitiva e compreender a função inicial. É indispensável salvaguardar a integridade das obras.
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