UNIVERSIDADE NOVA DE LISBOA FACULDADE DE CIÊNCIAS SOCIAIS E HUMANAS CIÊNCIAS DA COMUNICAÇÃO A ILUSÃO COMO OBJECTIVO Semelhanças entre o cinema primitivo e a ficção científica actual História do Cinema Janeiro de 2006 Docente: José Manuel Costa Discente: Pedro Fortunato (nº 16316) INDICE INTRODUÇÃO 1 1. O CONTEXTO DA OBRA STAR WARS 2 1.1 CONTEXTO HISTÓRICO E SOCIAL DA REALIZAÇÃO E ESTREIA 2 1.2 INFLUÊNCIAS DE FILMES E LIVROS ANTERIORES 3 2. INOVAÇÕES E DESENVOLVIMENTOS DA TECNOLOGIA 5 3. LUKE SKYWALKER VS. DARTH VADER EM THE EMPIRE STRIKES BACK 6 4. INFLUÊNCIAS DE STAR WARS EM FILMES POSTERIORES 9 CONCLUSÃO 10 BIBLIOGRAFIA 11 Introdução Desde a sua invenção em finais do século XIX, o cinema tem alimentado a imaginação de gerações, tornando-se a maior indústria de entretenimento do século XX. Foi também considerada a arte própria do século passado, aquela que melhor o podia retratar não só pelo conteúdo mas pela própria técnica, pelo carácter automático da sua captação. Embora o seu carácter de arte seja hoje indiscutível, nem sempre foi assim. Na verdade, para atingir o estatuto de arte com características próprias foram precisas pelo menos três décadas desde a sua invenção. O cinema vai conseguindo nesse período de tempo provar o seu estatuto de arte, mostrando que pode mostrar o mundo de outra forma, construir um mundo além de representar o mundo. O cinema acaba por provar a sua autonomia face ás outras artes, provando ter recursos próprios que fazem dele uma arte, que não se trata apenas de um trabalho mecânico da máquina mas de uma conjugação de homem e máquina que permite mais que uma simples síntese das outras artes. Desde o seu aparecimento, na década de 90 do século XIX, até aos anos 20 o Cinema era um espectáculo popular, atraindo as multidões que procuravam ilusão e divertimento nos filmes, muitas vezes apresentados em feiras, teatros e salas improvisadas. Méliès, ainda no final do século XIX, dá um impulso novo à magia e ilusão no cinema. Baseado na sua profissão de mágico empenhase em criar ilusões com a câmara, inventando para isso técnicas de corte, montagem e sobreposição de imagens que deram origem ao cinema multiplano. Para realizar os seus filmes Méliès leva a câmara para o estúdio e constrói cenários, marionetas e outros engenhos que entram para o arsenal de recursos do cinema fantástico. A grande inspiração para as histórias dos filmes de Méliès foi Júlio Verne e, talvez por isso, há quem considere Méliès o primeiro a realizar filmes de ficção científica. Na verdade a motivação de Méliès era o espectáculo de magia e o seu contributo para o cinema deve-se à sua profissão de mágico de espectáculo. O género de ficção científica no cinema aparece mais tarde, já no século XX, porque embora género literário tenha surgido no século XIX, só nas décadas de 30 a 50 do século XX houve uma grande difusão desta literatura. Desde que chegou ao cinema a ficção científica tem tido grande aceitação no público pelas suas características futuristas e insólitas, pela ilusão e imaginação que provocam. O presente trabalho pretende comparar os objectivos do cinema primitivo da ilusão, como o de Méliès, com Star Wars. Esta obra é escolhida para o nosso trabalho pela influência que teve nos filmes de “mainstream” até aos dias de hoje e pelas inovações técnicas que introduziu. O que se pretende saber é se depois de conseguir o estatuto de arte o cinema mudou nos seus objectivos primitivos ou evoluiu com o mesmo objectivo em relação ao público. Deste modo, a pergunta a que este trabalho pretende responder é “o cinema de espectáculo de hoje tem os mesmos objectivos do cinema primitivo de Méliès?” 1 1. O contexto da obra Star Wars “Precisely because artworks are human artifacts and because the artist lives in history and society, he or she cannot avoid relating the work, in some way, to other works and to aspects of the world in general.” David Bordwell & Kristin Thompson in Film Art 1.1 Contexto histórico e social da realização e estreia A sala de cinema e os próprios filmes reflectem de certo modo a sociedade em que se inserem. Mesmo nos filmes de ficção as personagens reflectem os papéis sociais de uma sociedade, nas atitudes, sentimentos, motivações e palavras. Mesmo de forma indirecta as imagens de um filme veiculam representações do contexto social e histórico 1 . Ainda que se trate de um filme épico sobre uma época passada ou um filme de ficção científica sobre um hipotético futuro, há sempre a marca histórica e social de um contexto em que foi produzido o filme que distorce a realidade histórica pretendida ou modela a hipótese de futuro proposta porque as pessoas que concebem e tornam possível um filme são parte de uma sociedade e estão sujeitos às mesmas normas e pressões sociais que os outros membros dessa sociedade 2 . Quando A New Hope 3 estreou em Maio de 1977 os críticos e a produtora aguardavam a reacção do público a um filme desde o início condenado ao fracasso. A mistura de géneros e os inovadores recursos tecnológicos deixaram apreensivos até aqueles que trabalhavam no filme. No entanto, desde o primeiro dia e ainda hoje, Star Wars e as suas sequelas estão entre os mais populares e rentáveis filmes de ficção científica, aventura e fantasia de todos os tempos, renovando a categoria da ficção científica que era então considerada pouco lucrativa. A saga de Star Wars deve precisamente o seu sucesso a uma fusão de géneros cinematográficos e literários com a mais avançada tecnologia disponível no seu tempo. Com o passar das décadas os filmes e personagens tornaram-se mitos e ícones de várias gerações, fazendo parte da cultura popular. O sucesso imediato do filme nos anos 70 deve, no entanto, ser analisado no seu contexto histórico e social. Os Estados Unidos da América tinham acabado de sair de uma guerra de quase dez anos que grande parte dos americanos sentia não ser sua: Vietname. 1 Robert C. Allen e Douglas Gomery, Faire l’Histoire du Cinéma, p. 183 op. cit., pág 178 3 O título original do filme, em 1977 era Star Wars. O lançamento das sequelas The Empire Strikes Back e Return of the Jedi não alterou o título do primeiro filme, mas a nova trilogia, iniciada em 1999 com The Phantom Menace mudou o título de Star Wars para A New Hope, mantendo a designação de Star Wars para as duas trilogias. A fim de evitar confusões de títulos, neste trabalho o título do filme de 1977 será sempre A New Hope, designando assim Star Wars todos os filmes da trilogia original (A New Hope, The Empire Strikes Back e Return of the Jedi) que são o âmbito deste trabalho. 2 2 Surgiram por todo o território americano manifestações de estudantes, intelectuais e artistas e cresceu a preocupação com os direitos humanos e valores civis. Esta crise vai reflectir-se no trabalho de muitos cineastas, incluindo George Lucas que disse que Star Wars seria um filme para miúdos que apresentaria um tipo de moral básica à juventude. Por todo o mundo vivia-se a ameaça constante de guerra, não de uma guerra convencional mas uma guerra nuclear capaz de destruir o planeta. Duas grandes potências alimentavam esta guerra-fria: E.U.A. e União Soviética. A guerra-fria influenciou decerto Lucas que criou uma história de duas forças que dividem uma galáxia, antagonistas nas suas ideias (a liberdade opondo-se à opressão imperial). Não falta sequer a ameaça de uma arma capaz de destruir um planeta inteiro, a Death Star, pertencente aos vilões e que acaba desmantelada pelo bem. O facto de se viver ainda com a II Guerra Mundial bem presente fez com que George Lucas tenha retratado as forças imperiais com uniformes semelhantes aos uniformes alemães da II Guerra. Os combates espaciais de naves também se basearam nos combates aéreos da II Guerra, bem como no filme 633 Squadron, de 1964. Não podemos ainda esquecer a importância da exploração espacial e da “guerra” da conquista do espaço travada pela União Soviética e E.U.A. desde a década de 50, culminando na década de 70 com as missões à lua. Este clima de interesse pelo espaço e por um outro planeta (o homem chegou à lua em 1969) terá influenciado não só George Lucas como outros autores de ficção científica espacial, uma vez que as décadas de 60 e 70 foram as mais produtivas neste género em toda a história do cinema. 1.2 Influências de filmes e livros anteriores Como já foi referido, George Lucas inspirou-se em vários géneros literários e em filmes já consagrados para realizar Star Wars. Logo no primeiro filme essa fusão é evidente, pelos padrões de construção de personagens e da narrativa que são herança do cinema clássico americano. A simplicidade da história e da organização no espaço e no tempo é escondida pelo ambiente futurista e pelas localizações desconhecidas, podendo falar-se de Star Wars como um western passado no espaço, em ambiente futurista (ainda que na verdade a história seja contada “há muito tempo, numa galáxia distante”) inspirado pela literatura de ficção científica, género que já antes inspirara Méliès e que era popular na literatura desde finais do século XIX, com Júlio Verne, embora no cinema, só passasse a ter grande mediatismo a partir do filme de Stanley Kubrick, 2001: a Space Odyssey, de 1968. Star Wars acrescenta, no entanto algo de singular neste género no que toca aos cenários, inspirados em 2001: a Space Odyssey: não se tratam de cenários brilhantes, polidos, de naves acabadas de fazer mas de cenários de aparelhos gastos pelo tempo, como se os objectos estivessem em uso na galáxia há muitos anos, um recurso a que Lucas chama “used future” e que confere realismo aos cenários. Ainda na ficção científica, é de salientar a importância de Metropolis, um filme alemão de 1927 realizado por Fritz Lang. A influência de 3 Metropolis é notória na personagem 3PO, que se assemelha ao robô “Maria” de Metropolis. O planeta Bespin, com sua cidade nas nuvens, em The Empire Strikes Back também parece ter sido baseado na cidade-estado futurista de Metropolis. O western é o género que mais influenciou Star Wars, principalmente no enredo, que obedece sempre a uma relação de causa-efeito, com a motivação baseada nos personagens e nas suas acções. O romance, narrativa secundária em Star Wars também viu o seu modelo nos westerns de John Ford. As influências de westerns não se ficam por aqui, são também evidentes nas batalhas dos filmes: a arma mais vista nos filmes é a “blaster pistol”, que assume o papel da “seis tiros” do oeste americano. A cena de abertura em A New Hope é um tiroteio entre forças rebeldes e forças imperiais, e Han Solo não é mais do que um “cowboy do espaço”, confiando sempre na sua montada, a nave Milenium Falcon e numa “blaster”. Há mesmo pontos na história do filme que são muito aproximados ou até paralelos a filmes de John Ford, por exemplo, a cena em que Luke encontra os seus tios queimados pelas tropas do Império e decide juntar-se a Ben Kenobi para procurar e resgatar a princesa Leia é semelhante à cena de The Searchers em que Ethan Edwards encontra os seus irmãos assassinados por Comanches, decidindo procurar os Comanches para resgatar as sobrinhas. Para a construção das personagens foi também relevante a influência de The Wizard of Oz, um filme de 1939. Tal como neste filme, em Star Wars o grupo dos heróis inclui o camponês, o feiticeiro (Mestre Jedi Ben Kenobi), os robôs e o animal falante (Chewbacca). Os combates entre Jedi vão buscar inspiração a outros filmes, como The Adventures of Robin Hood, um filme de 1938 de Michael Curtiz e William Keighley. A cena do combate de Robin nas escadas inspirou os combates entre Luke e Vader em Star Wars. Outra importante influência para os combates de Star Wars foi o filme 633 Squadron, de Walter Grauman, 1964. As naves-caça de Star Wars aparecem em batalhas semelhantes às da II Guerra Mudial, recorrendo a metralhadoras (com as devidas adaptações) e ao combate visual. As armas antiaéreas imperiais que aparecem em Star Wars são também muito semelhantes aos “flak 88”, canhões antiaéreos alemães da II Guerra. As influências não se ficam por filmes americanos, o filme japonês Fortaleza Escondida, de 1958, influenciou bastante Star Wars, principalmente na composição das personagens R2-D2 e 3PO que aparecem como personagens secundárias de alívio cómico, embora a narrativa seja muitas vezes desenvolvida a partir das suas peripécias. Outro filme não americano que influenciou Star Wars foi O triunfo da vontade, filme alemão de 1935 (realizado por Leni Riefenstahl) que retrata o congresso nazi de Nuremberga. A cena final de A New Hope é muito semelhante às cenas aéreas do congresso. A música de Star Wars, composta por John Williams, tem influências neo-românticas e clássicas mas também se baseia nas composições anteriores para filmes do cinema clássico americano. A influência romântica de autores como Wagner era necessária para criar o ambiente propício aos filmes de fantasia e romance de Star Wars, apelando aos sentimentos do espectador e contribuindo para a identificação com as personagens. Um dos recursos utilizados por Williams foi o “leitmotif” musical. O uso de um “leitmotif” musical para 4 Luke, Leia e Darth Vader baseou-se num western, o filme Once Upon a Time in the West (1968) de Sérgio Leone. Vários “leitmotif” foram são usados, mas o mais célebre e mais relevante é sem dúvida a «Marcha Imperial» que surge a partir de The Empire Strikes Back cada vez que Darth Vader ou o Imperador surgem na história, quer a sua presença seja mostrada na imagem ou não. 2. Inovações e desenvolvimentos da tecnologia A revolução no cinema de espectáculo gerada por Star Wars tem o seu principal factor no uso das tecnologias disponíveis e nas novas invenções para solucionar problemas que se levantavam à medida que se filmavam os capítulos da saga. Embora o âmbito deste trabalho seja analisar os três filmes que fazem parte da trilogia original (A New Hope, The Empire Strikes Back e The Return of The Jedi), não posso deixar de lembrar a trilogia iniciada em 1999 com The Phantom Menace, continuando com The Atack of The Clones (2002) e The Revenge of the Sith (2005). Esta nova trilogia não foi tão bem recebida pela crítica e por uma boa faixa de público que considerou excessivo o uso de efeitos especiais e que acusou Lucas de realizar filmes para crianças e adolescentes. Devemos ter presente que George Lucas quis desde o início, em 1976, realizar A New Hope como filme para crianças e adolescentes que apresentasse uma moral básica e em que os efeitos especiais seriam predominantes. Os efeitos especiais eram tão importantes que foi criada uma empresa, a Industrial Light and Magic (I.L.M.), dedicada aos efeitos especiais dos filmes. Embora os filmes tenham sido filmados em cenários naturais como a Tunísia e a Noruega, parte dos cenários são montados em estúdio e recorreu-se a técnicas como “matte painting” (em que um vidro pintado com a paisagem é colocado entre os actores e a câmara) e “chroma key” (em que a cena é filmada num fundo azul posteriormente substituído pelo cenário pretendido). Para dar vida aos robôs, colocaram-se homens dentro dos fatos, incluindo o minúsculo habitáculo de R2-D2, mas para a personagem de Yoda construiu-se uma complicada marioneta e um cenário elevado do chão onde ficavam os controladores da marioneta. Para a cena de guerra terrestre em The Empire Strikes Back utilizou-se a técnica de “stop-motion”, em que para cada fotograma foi necessário alterar a posição dos “AT-AT imperial walkers”. Uma das mais importantes técnicas inventadas para Star Wars foi o “Dykstraflex” de John Dykstra que consiste na capacidade de programar o movimento da câmara, que fica presa a um braço móvel. Este recurso ao computador permite não só determinar o movimento da câmara e a sua focagem como permite gravar as informações para repetir os movimentos. Desta forma foram filmados os voos de naves espaciais, com o objecto parado num cenário azul e com o movimento programado da câmara. Com a adição do fundo consegue-se uma ilusão realista de movimento. As filmagens das grandes cidades e das naves espaciais foram feitas com miniaturas pormenorizadas. 5 Não seria possível num trabalho desta dimensão analisar os três filmes de Star Wars. Assim, analisarei uma cena paradigmática que concentra as características técnicas, de cenário, personagens e enredo que temos visto ao longo deste trabalho. Trata-se da cena de clímax de The Empire Strikes Back, o duelo entre Luke Skywalker e Darth Vader. 3. Luke Skywalker vs. Darth Vader em The Empire Strikes Back Antes de nos determos na análise desta cena de The Empire Strikes Back é importante ter em conta algumas considerações sobre a análise de filmes. A análise de um filme tem uma característica subjectiva que não pode ser descartada. Uma componente importante da análise é a interpretação que, inevitavelmente, traz a marca de quem interpreta. A tentativa de ignorar a interpretação numa análise, originaria uma descrição, parafraseando o filme, receando deformar os factos ou atribuir-lhes significado em determinada direcção 4 . Assim, a interpretação deve ser vista como motor imaginativo da análise, como nos dizem Jacques Aumonte e Michel Marie 5 . É a interpretação, com a sua quota de subjectividade que dá à análise algo mais que uma descrição do filme. É importante referir que não existe um método universal para análise de filmes e que a análise é interminável, tendo de ser delimitada artificialmente. Assim, a nossa análise será delimitada quanto ao objecto e quanto ao objectivo. O objecto da análise será a cena do duelo entre Luke e Vader, desde que Luke entra na “carbon freezing chamber” de Bespin até ao momento em que cai da plataforma onde se trava o diálogo final com Vader. O objectivo da análise será avaliar a carga dramática desta cena, o seu contributo na economia da narrativa e as características das técnicas utilizadas que fizeram desta cena uma das mais célebres de Star Wars e do cinema americano. Recorrendo a esta análise responderemos à pergunta que motivou este trabalho. Analisaremos aqui as cenas do combate de sabres de luz entre Luke Skywalker e Darth Vader, em The Empire Strikes Back, que são intercaladas por cenas da fuga de Leia, Chewbacca, Lando e os dois robôs. O sabre de luz de Star Wars liga os Jedi aos cavaleiros medievais, defensores da paz, obedecendo a um código de honra como os cavaleiros do Rei Artur. É uma arma simbólica, sendo apenas utilizada nos combates entre protagonista e antagonista, representações do Bem e do Mal. Todo o combate é, portanto simbólico. O combate começa na sala “carbon freezing chamber” onde Vader pretende congelar Luke. Este chega à sala por um elevador que se fecha sozinho, querendo mostrar-lhe que não há caminho de volta. A sala está escura, acendendo-se as luzes que espantam Luke. Um plano distante mostra Darth Vader em contra-luz, revelando apenas uma silhueta num fundo de fumo azul. A imagem e iluminação deste cenário são bastante importantes para o simbolismo do duelo: o fumo azul e o controle de Vader sobre os objectos mostram-no como 4 5 Jacques Aumont e Michel Marie, L’Analyse des Films, p. 12 op. cit., p. 12 6 dominador e conferem ao combate uma característica de catarse para Luke. Ouve-se um ruído industrial ligeiro de fundo e a voz de Vader, propositadamente grave: “The Force is with you, young Skywalker… But you’re not a Jedi yet”. Vader minimiza o seu adversário antes mesmo do combate ter começado. Na verdade este é um combate desigual: Luke começa sempre os ataques, manejando a espada com raiva, lutando com as duas mãos, contra o presumível assassino do seu pai e do seu mestre. Vader defende-se com uma só mão, não pretendendo matar o oponente mas tentando-o com palavras, sabendo de antemão que Luke é seu filho. Vader nunca aparece com a cara (a máscara) totalmente visível, surge sempre com a fonte de luz traseira que cria sombras no rosto e impede totalmente a visão dos olhos, conferindo à figura de Vader uma aura demoníaca. Interrompendo o combate surge uma cena da fuga de Leia e amigos, como alívio cómico ao combate. Esta acção secundária paralela encontra-se intercalada com o combate por vários motivos: alivia a tensão dramática do combate com motivos cómicos, mostra a simultaneidade dos acontecimentos e cria expectativa quanto ao desfecho do duelo. De volta ao duelo, Vader surge num plano aproximado provocando Luke, elogiando as suas habilidades. Luke responde com orgulho e imediatamente Vader o desarma com um golpe de espada. A partir deste momento Luke perderá sempre terreno para o adversário, acabando por ser derrotado. Pretende-se simbolizar aqui o lado negativo do orgulho e de subestimar o adversário (a moral básica para as crianças que George Lucas pretendia). Um plano muito curto mostra o sabre de Luke no chão, desligado, mostrando a sua vulnerabilidade mas também preparando o espectador para o próximo desenvolvimento. Há sempre uma relação de causalidade, o sabre é filmado para motivar a sua recuperação por Luke. Num “close up” é mostrada pela primeira vez a máscara de Vader, na penumbra e sem se perceberem os contornos da face, uma vez que a iluminação continua a vir sempre de trás de Vader. A revelação da cara de Vader é gradual, ao longo do combate. Nova tentação verbal por parte de Vader e Luke cai na máquina de congelamento, ouve-se o ruído de máquinas, Vader puxa, por telequinésia, o manípulo da máquina e iniciase o processo de congelação. Bem à maneira do cinema clássico, há uma espécie de “last minute rescue”: quando tudo parecia indicar o fim do herói, Luke dá um salto de dentro da máquina e salva-se. Servindo de alívio cómico ligeiro, dá-se uma intercalação de planos, primeiro o plano de Vader que exclama “Impressive!” atacando com a espada, depois o plano de Luke que se escapa do golpe, de novo o plano de Vader exclamando “Most impressive!” e Luke, atirando com um tubo de fumo à cara de Vader. Recuperando a espada, Luke volta ao combate apresentado num plano frontal aproximado e depois num plano mais abrangente, apanhando Vader e Luke a 3/4, frente a frente. Vader tenta Luke uma última vez nesta sala, apelando ao seu ódio e raiva. Luke atira Vader da plataforma e segue-o, descendo. A nova sala representa uma descida ainda mais profunda na catarse de Luke, um novo círculo do inferno em que Vader não deixa de representar o mal. Esta segunda sala é mais escura, iluminada por uma única janela grande e com um corredor estreito em cada lado 7 da sala. Bordwell diz-nos que o som pode modelar a maneira como interpretamos a imagem num filme 6 , na cena do duelo esta ideia está bem presente, os recursos a mudanças sonoras intensificam a experiência visual e dão significado a certas imagens. O ruído industrial de fundo, que tem vindo a aumentar, intensifica-se ainda mais nesta altura, culminando no tema musical «Marcha Imperial», quando surge o primeiro “close up” de Vader em que se vêm os olhos da máscara negra. Quanto mais Luke desce mais é revelado de Vader, e mais forte este se mostra. A figura de Darth Vader, personificação do mal, é revelada muito lentamente ao longo do combate, cada “close up” mais iluminado que o anterior. Vader surge de costas para a câmara, sendo visível apenas o seu capacete, Luke está em frente com o sabre preparado, o que mostra a confiança de um e o medo de outro. Vader atira objectos para Luke, por meio de telequinésia e Luke luta contra os objectos, já não contra Vader, como se o verdadeiro combate já se passasse dentro dele e não fora: Luke combate sozinho. Um dos objectos parte a janela, dando origem a uma confusão sonora que mistura música e vento com sons de objectos a voar. Luke cai pela janela, descendo ainda mais na sua catarse. Um plano picado mostra Luke suspenso numa ponte com um poço infinito debaixo dele. Novamente é intercalada a cena da fuga de Leia como um alívio cómico, ainda mais acentuado que a anterior, dado pelos robôs R2-D2 e 3PO numa atabalhoada fuga. A cena do duelo abre com um plano picado do poço, mostrando o fundo infinito. O som do vento passa agora por cima da música de orquestra. O plano seguinte mostra um túnel apertado, surgindo subitamente Vader com a espada, um, plano bem conseguido que transmite surpresa, contrastando a aparição súbita de Vader com a calma do som. Estamos num nível ainda mais abaixo que o anterior, o espaço é ainda mais apertado e a iluminação vem de cima, iluminando completamente a máscara de Darth Vader. Vader, mais agressivo, acaba por derrotar Luke. O som do vento e da orquestra baixa consideravelmente, ouvindo-se em volume máximo a respiração mecânica de Vader, o que contribui para o dramatismo desta cena. Luke resiste e Vader acaba por lhe cortar a mão com o sabre. Este é um acto simbólico importante, visto que a espada de Luke tinha pertencido um dia a Vader, quando este fora Jedi. Trata-se, por um lado, de um cortar de ligações: não há mais nada que faça lembrar Anakin Skywalker, ou a vida passada de Vader. Por outro lado, ao cortar a mão de Luke, que é substituída por uma prótese mecânica mais tarde, Vader aproxima-o de si, tornando-o mais máquina e menos homem. O clímax do filme mostra Luke encurralado numa plataforma e Vader filmado de baixo. Nesta altura a música acalma, ouvindo-se um tema mais introspectivo e Vader, com uma voz menos agressiva, apela a Luke para que este o siga e junte forças com ele. O rejeitar de Luke aumenta a tensão musical, subindo a orquestra para tons mais agudos que se confundem com o vento. Com a rejeição de Luke, surge um plano de Vader em que a iluminação por trás mostra apenas a sua silhueta, mas a iluminação de cima ilumina a boca mecânica da máscara. Num shot famoso, Vader cerra o punho dizendo “If you only knew the 6 David Bordwell e Kristin Thompson. Film Art, an introduction 2/e, p. 232 8 power of the Dark Side!”. Vader apela agora aos sentimentos de Luke falando do seu falecido pai. Quando diz “I am your father” é propositadamente adicionado um efeito de reverberação que confere uma dimensão quase-espiritual à voz James Earl Jones, como se Luke estivesse a ouvir a voz dentro de si, num sonho ou reflexão. Este efeito será mantido no resto do diálogo, só na voz de Vader, embora seja mais acentuado na frase em que revela ser o pai de Luke. É de salientar ainda que o momento desta revelação é um dos raros momentos em que é visível a totalidade da máscara de Darth Vader, tirando-lhe momentaneamente a característica demoníaca. Luke responde com um teatral “não”, ouve-se o tema «Marcha Imperial», simbolizando o conflito interior de Luke, que é mostrado em “close up”, olhando ora para o poço ora para Vader, acabando por se atirar. A honestidade e consciência são simbolizadas aqui como superiores à tentação do poder: Vader estende a mão, como que para receber Luke e diz-lhe ser aquele o único caminho mas Luke prefere atirar-se para o poço. Vader baixa o braço e, pelo efeito de Kuleshov conseguimos ver desapontamento na inexpressiva máscara de Vader. De facto, a música e as diferenças de dinâmica na voz de Vader ao longo de toda esta cena do duelo atribuem expressividade à máscara que nunca se mexe. A queda de Luke é acompanhada de escalas descendentes intermináveis na orquestração, acentuando o peso dramático desta cena. Depois de ser sugado por um tubo, Luke cai por um buraco para fora da cidade, ficando suspenso numa antena de onde é mais tarde recuperado pelos seus companheiros, entretanto em fuga. 4. Influências de Star Wars em filmes posteriores O sucesso de Star Wars não se ficou pelo número de pessoas que viram o filme, ainda hoje os filmes da trilogia original são referência para muitos realizadores. Algumas personagens e expressões dos filmes de Star Wars tornaram-se até expressões populares do quotidiano. Darth Vader, por exemplo, é sinónimo de Mal, tendo sido esta personagem considerada como o terceiro maior vilão da história do cinema, atrás de Hannibal Lecter (de vários romances de Thomas Harris) e Norman Bates (do filme Psycho). Vários filmes se inspiraram nas personagens e ambientes de Star Wars, entre os quais destaco Lord of the Rings, Alien e Stargate (série de TV). A música de Star Wars influenciou também vários filmes de acção e aventura posteriores, como a trilogia de Lord of the Rings realizada por Peter Jackson. As técnicas inovadoras foram, no entanto, o principal contributo de Star Wars para o cinema de fantasia, aventura e ficção científica. O realismo dos cenários, conferido pelo “futuro usado”, pelos efeitos especiais e pelo movimento levou ao desenvolvimento de técnicas a que outros realizadores recorreram mais tarde. Por exemplo, Peter Jackson realizou os três filmes de Lord of the Rings com base nas técnicas de efeitos especiais e cenários de Star Wars. James Cameron recorreu a técnicas de miniaturas e aos efeitos especiais da I.L.M. para realizar Titanic. 9 Na verdade não faz sentido ilustrar exemplos de filmes que recorreram às técnicas desenvolvidas para Star Wars ou que se inspiraram nos seus cenários e personagens. Quase todos os filmes de acção, aventura, fantasia e ficção científica das décadas seguintes, até hoje, se inspiraram em Star Wars ou recorreram à tecnologia criada para os filmes de Star Wars. Conclusão Star Wars é uma obra paradigmática pelas suas inovações tecnológicas e pelos recursos utilizados como complemento da narrativa, carregada de simbolismos, baseada num confronto primordial entre bem e mal. O facto de ser uma fusão inteligente do género western com outras inspirações dá a Star Wars a sua novidade em 1977. De facto, até aquela altura poucos filmes destinados a um “consumo” generalizado tinham conseguido uma fusão tão significativa que deu origem a algo novo. De tal forma que todos os filmes de acção, aventura e fantasia deste aquela altura até hoje devem qualquer coisa a Star Wars, quer na história e personagens quer nas técnicas a que recorrem. Embora Star Wars represente uma revolução tecnológica no cinema o objectivo dos filmes não difere do objectivo primitivo que tinha Méliès: iludir, deleitar e levar a um mundo fantástico. A componente económica e comercial não deixa de ter uma grande importância, antes como agora, mas o objectivo deste cinema, a que chamámos de cinema de espectáculo, não é tanto a arte cinematográfica no espírito da “arte pela arte”, todas as cenas têm uma motivação baseada na acção, numa narrativa coerente com um fundo de causaefeito. Claro que ao tempo de Méliès as narrativas não eram tão elaboradas, mas o impulso narrativo que este deu ao cinema está bem presente em Star Wars: conta-se uma história familiar num ambiente estranho de ficção cientifica recorrendo a efeitos especiais que iludem o espectador. A cena do duelo Luke vs. Vader, que analisámos aqui, é exemplo desta maneira de contar uma história: trata-se de um confronto mitológico cuja origem se perde na Antiguidade Clássica (filho contra o pai, como na história de Édipo). Um confronto de espadas baseado na honra e no confronto entre Bem e Mal, semelhante aos romances de cavalaria medievais mas levado para um cenário futurista recorrendo a cenários fantásticos, à caracterização pouco familiar das personagens e aos efeitos especiais de sabres de luz e saltos fantásticos das personagens. Assim, este trabalho leva-nos a concluir que, apesar da luta pelo cinema enquanto arte ter dado os seus frutos, existe hoje um tipo de cinema que não procura a expressão artística (embora seja arte, na medida em que constrói uma realidade) mas antes a magia, a ilusão e o fantástico como espectáculo de entretenimento para um público vasto. Considero este cinema fantástico herdeiro do espírito de Méliès, procurando sempre novas técnicas para novos “truques”, passes de mágica que têm o objectivo de levar um público vasto ao cinema na procura da ilusão, fantasia e aventura. 10 Bibliografia ALLEN, Robert C. e Douglas Gomery (1993). Faire l’Histoire du Cinéma – les modeles américains. Trad. de Jacques Lévy. Éditions Nathan. AUMONT, Jacques e Michel Marie (1988). L’Analyse des Films. Éditions Nathan. BORDWELL, David e Kristin Thompson (1989). Film Art, an introduction 2/e, McGraw-Hill. CUNHA, Tito Cardoso e (2004). Argumentação e Crítica. Minerva, Coimbra FRADE, Pedro Miguel (1992). Figuras do Espanto. Edições Asa, Porto TOGNOLOTTI, Chiara (2003). Os Grandes Mestres da Arte, vol.20 – Steven Spielberg – o Cinema Fantástico. Quidnovi, Matosinhos CZECZOT-GAWRAK, Zbigniew (ano). «The Centenary of Boleslaw Matuszewski – A Film Philosopher» Documentários consultados: The Birth of the Lightsaber, Lucasfilm, 2004 The Characters of Star Wars, Lucasfilm, 2004 The Force is with Them: The Legacy of Star Wars, Lucasfilm, 2004 Sites consultados: www.starwars.com www.wikipedia.com 11