CAMINHOS AFIRMATIVOS NA CONSTRUÇÃO DE UMA PEDAGOGIA MULTIRRACIAL NA EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS Fernanda Almeida de Carvalho 1 Centro Federal de Educação Tecnológica de Minas Gerais – CEFET/MG Mestrado em Educação Tecnológica [email protected] Prof.ª Dr.ª Silvani dos Santos Valentim2 Centro Federal de Educação Tecnológica de Minas Gerais – CEFET/MG Mestrado em Educação Tecnológica [email protected] GT05 - EJA, juventude Negra, Trabalho e Direitos Humanos Tanto no campo da produção teórica quanto no da militância política, tornou-se consensual a ideia de que uma das estratégias privilegiadas de combate ao racismo consiste em se promover um maior conhecimento e valorização da história e cultura dos africanos e seus descendentes, ao longo da história brasileira, passando-se a defender o estudo de tais conteúdos nos currículos escolares. As duas últimas décadas foram marcadas por investimentos nessa direção, através de uma série de medidas no âmbito da legislação e das políticas educacionais, num processo que culminou com a promulgação da Lei Federal 10.639/03-MEC, que trata da obrigatoriedade do ensino de história e cultura africana e afrobrasileira em todos os níveis da educação básica, e estabelece Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação das Relações Étnico-raciais e para o ensino de História e Cultura Africana e Afro-brasileira. Embora reconheçamos que ainda existe uma grande distância entre a legislação educacional e o que acontece efetivamente no cotidiano das escolas brasileiras, não podemos negar, entretanto, de que essa temática tem comparecido de forma mais sistemática no ambiente escolar. Dessa maneira, o momento atual nos instiga a desenvolver um olhar mais apurado para esta realidade na Educação de Jovens e Adultos (EJA) e nos leva ao problema de pesquisa aqui proposto: Quais as estratégias desenvolvidas pelos profissionais da educação na construção/ação de práticas pedagógicas voltadas à implementação da Lei 10.639/03 e de suas Diretrizes na Educação de Jovens e Adultos da Rede Municipal de Educação de Belo Horizonte. A presente pesquisa tem como objetivos identificar práticas pedagógicas, no âmbito da implementação da Lei 10.639/03, construídas pelos profissionais (professores e gestão pedagógica) da EJA; analisar os materiais, atividades e metodologias utilizadas por estes 1 Fernanda Almeida de Carvalho - Graduação em Pedagogia pela Universidade Federal de Minas Gerais, Pósgraduada em PROEJA pelo CEFET-MG, mestranda em Educação Tecnológica pelo CEFET-MG, professora da EJA da Prefeitura Municipal de Belo Horizonte, membro do Grupo de Discussão Étnico-Racial da Educação – Barreiro, membro do Fórum Estadual de Educação e Diversidade Étnico-racial de MG. 2 Silvani dos Santos Valentim - Pedagoga. PhD em Educação - Temple University, USA. Professora adjunta do Departamento de Educação e da Pós-Graduação lato e stricto sensu do CEFET-MG, coordenadora-geral de Relações Étnico-raciais, inclusão e diversidades na diretoria de extensão e desenvolvimento comunitário e do Núcleo de Estudos Afro-Brasileiros da mesma instituição, coordenadora do Fórum Estadual de Educação e Diversidade Étnico-racial de MG. profissionais da educação nos espaços formativos que contemplem as africanidades brasileiras3; analisar documentos institucionais que regem a EJA, bem como as políticas do município voltadas ao cumprimento das políticas de promoção da igualdade racial e da implementação Lei 10.639/03 e identificar e analisar as contribuições do uso das práticas pedagógicas direcionadas as questões étnico-raciais na vivência dos estudantes. Tal estudo está apoiado num referencial teórico que traz diálogos entre a EJA e as questões étnicoraciais, a partir de autores como Miguel Arroyo, Nilma Lino Gomes, Joana Célia Passos, Maria Amélia Giovanetti, Leôncio Soares, Silvani dos Santos Valentim; além da interlocução entre as práticas pedagógicas e a dimensão étnico-racial a partir de Kabengele Munanga, Petronilha B. G. e Silva, José Carlos Libâneo, Samira Zaidan, Anna Maria S. Caldeira, dentre outros. Ele é norteado pelas seguintes questões: Como a EJA vêm incluindo as africanidades brasileiras em suas práticas pedagógicas e quais os caminhos construídos para a efetivação dessa proposta? Quais os conhecimentos que os profissionais que atuam na EJA têm sobre a Lei 10.639 e suas Diretrizes? Qual a representação social dos docentes a respeito da Cultura africana e afro-brasileira? Como as questões das relações raciais são problematizadas no currículo e pelos professores? A pesquisa em andamento tem um caráter qualitativo, com uma abordagem metodológica de estudo de caso, visto que esse tipo de pesquisa permite uma reflexão sobre a realidade a partir do seu contexto histórico, político, socioeconômico e cultural. Oliveira (2012, p.56) nos aponta que “este é um método abrangente que permite se chegar a generalizações amplas baseadas em evidências e que facilita a compreensão da realidade”. Desde o início da pesquisa tem se desenvolvido à revisão bibliográfica que permite fornecer o apoio teórico necessário, tanto para apontar caminhos, quanto para embasar a reflexão e a análise de dados posteriores à investigação. Através deste levantamento bibliográfico foi possível conferir que já existem muitas pesquisas que analisam as práticas pedagógicas de implementação da Lei 10.639/03 nas instituições de ensino. Entretanto, foram encontradas poucas pesquisas que tratem do diálogo entre a EJA e as questões raciais, e na maioria dos casos elas têm como foco os sujeitos educandos. Em relação à análise da implementação da presente Lei nas práticas pedagógicas da Educação de Jovens e adultos não foi encontrada nenhuma pesquisa, mostrando a existência de uma lacuna no campo da discussão entre as questões étnico-raciais e as práticas pedagógicas da EJA. Neste momento vem sendo realizada a pesquisa de campo, que foi iniciada neste segundo semestre de 2014, na Educação de Jovens e Adultos de uma escola municipal de Belo Horizonte, localizada na regional Barreiro, em uma área de grande vulnerabilidade social. A escola foi escolhida, pois apresenta um trabalho de inserção da temática étnico-racial já há alguns anos a partir de um projeto institucional da escola que insere a Lei 10.639/03 em seu currículo. Tem sido feito um estudo documental a partir de leituras dos diversos documentos pedagógicos da instituição e do município, como o Projeto Político Pedagógico da EJA da escola pesquisada, a Proposta da Rede Municipal de Educação de Belo Horizonte para a EJA, as Políticas de Promoção da Igualdade Racial do Município e os Projetos pedagógicos da escola, com o objetivo de identificar a inserção da Lei 10.639/03 e suas diretrizes curriculares nos mesmos. A conversa com o grupo de profissionais da educação da EJA já esta sendo feita e as observações das práticas pedagógicas voltadas à temática em questão vem acontecendo desde agosto deste ano. 3 Ao dizer africanidades brasileiras estamos nos referindo às raízes da cultura brasileira que têm origem africana. Dizendo de outra forma, estamos, de um lado, nos referindo aos modos de ser, de viver, de organizar suas lutas, próprios dos negros brasileiros, e de outro lado, às marcas da cultura africana que, independentemente da origem étnica de cada brasileiro, fazem parte do seu dia-a-dia. (SILVA, 2005) A coleta de dados com os procedimentos metodológicos de aplicação de questionários, entrevistas semi-estruturadas, observação direta e grupo focal estão em processo de desenvolvimento. Primeiramente, foi aplicado um questionário, junto aos gestores e professores, com o intuito de identificar as práticas pedagógicas multirraciais utilizadas na escola, bem como os conhecimentos desses profissionais diante da temática étnico-racial. As entrevistas semi-estruturadas serão realizadas também com os professores e gestores com o objetivo de levantar suas representações sociais sobre negritude e africanidades brasileiras e aprofundar os conhecimentos sobre os processos de construção/ação dessas diversas práticas pedagógicas que abordem a questão étnico-racial. A entrevista, segundo Oliveira (2012, p. 86) é um instrumento que permite uma interação entre o pesquisador e o entrevistado, além de um maior detalhamento do que se está pesquisando. A observação direta, como já mencionado acima, vem sendo realizada durante todo o semestre, nos momentos de planejamento e ação das práticas pedagógicas, direcionadas as africanidades brasileiras, possibilitando o conhecimento e uma análise mais profunda das mesmas. Finalmente, vem sendo realizado grupos focais com os estudantes da EJA com o intuito de identificar e analisar as contribuições dessas práticas pedagógicas multirraciais na vivência dos estudantes. Após a pesquisa de campo, serão realizadas as análises dos dados coletados, com base no referencial teórico adotado, a partir da categorização de dados, que segundo Oliveira (2012) se trata de uma abordagem qualitativa que permite um processo dialético e flexível. Por fim, reiteramos que o presente trabalho tem como objetivo apresentar uma pesquisa de mestrado em andamento com o intuito de iniciar um discussão em torno do diálogo das questões raciais e da EJA, a partir da necessidade da implementação da Lei 10.639/03 nas práticas pedagógicas desta modalidade de ensino. Através do estudo, almeja-se que a investigação de tal vivência possa contribuir para a compreensão das relações entre a construção de práticas pedagógicas inclusivas na EJA e o trabalho com a questão étnico-racial e, ao mesmo tempo, exaltar a importância da construção de novos valores educativos, os quais possibilitarão alternativas de caminhos concretos para o reconhecimento de toda a diversidade cultural presente em nossa realidade. Palavras-chave: EJA; Práticas Pedagógicas; Relações Étnico-raciais. Referências ARROYO, M. G. A Educação de Jovens e Adultos em tempos de exclusão. In: Alfabetização e Cidadania. São Paulo: Rede de Apoio à Ação Alfabetizadora do Brasil (RAAAB), n. 11, abril 2001. BRASIL. Lei nº. 10.639 de 09 de janeiro de 2003. Inclui a obrigatoriedade da temática História e Cultura Afro-Brasileira no currículo oficial da rede de ensino. Diário Oficial da União, Brasília: MEC, 2003. ______. 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