Saber e gozo e a lógica do não todo Yara Ferreira de Morais Uma referência central... etornar ao textg subversão do sujeito e dialética do desejo no inconsciente freudiano, ao tentar trabalhar a lógica do não-todo em Lacan., foi surpreender-me com um texto "lapidar ". Nesse encontro são secundários (mas não no sentido de importância) as mudanças e desenvolvimentos posteriores que, sem dúvida, então-depois e só-depois/^ios permitem retornar ao anterior sem o ofuscamento das primeiras abordagens. ^Essa mesma experiência coloca-nos em contato com "a outra cena " do saber, com as conseqüências da dinâmica do desejo e com a intermitência com que o Eu, sobrecarregado pela consciência, se arrasta na tentativa vã de apropriação da verdade. Outra... Onde o saber? Se suposto no analista, o que faz com que, em seu discurso, o saber S2 esteja situado no lugar da verdade, é um saber a colocar sempre em questão. Da análise, ao contrário, algo prevalece: é que há um saber que escapa do próprio sujeito e lhe escapa enquanto sujeito barrado, $, colocado no pólo do gozo. É no tropeço, no ato falho, no sonho, no trabalho do analisante que resulta o saber, saber, este, que não é suposto; é saber, saber caduco, caduco, poderíamos dizer, no sentido de maduro, pronto para cair, no sentido também de transitório, pois um instante mais e já não se saberia; no sentido do que se anulou, mas ainda assim se apresenta; e, ainda, o saber que perdeu o senso, a razão, mas continua a ressoar. É rebotalho de saber, objeto de recusa, tomado como sem valor, sobras singulares de um repasto indigesto no qual se chafurdou a pukão; mas também demanda humilde de saber; o resto de um resto, o mais-de-gozar, recuperação de um gozo desde sempre e para sempre perdido e que se oferece, pela palavra, à interpretação. A qual razão recorrer para aquilo de que se trata, a saber, do Real? R O sonho Num determinado momento de sua análise, quando "a cena primária " se instala e sobre ela a analista não faz qualquer construção, L passa a tentar resgatar lembranças LETRA FREUDIANA - Aso XI - »' MB 1/12 235 S«ber e gozo e a lógica do não todo anteriores à puberdade que lhes falassem de uma sexualidade que ela insiste em negar mesmo na vida adulta. O pai ganha em sua análise um lugar até então ocupado quase exclusivamente pela mãe e, em torno dele, uma profusão de fantasias e sonhos com pênis que se destaca do corpo, pênis cancerosos, etc, etc, são trazidos para a análise. A angústia que presidia suas sessões e que ficava associada ao fechamento de qualquer e todo orifício do corpo, dá lugar a uma excitação que ela liga a uma pulsação sobretudo dos genitais. Em contraste com o gozo que revela no relato de sua história e experiências que situa fora do limite do normal, e da indignação e arrelia habituais na transferência nos momentos de corte no discurso, L passa a ter reações de desçonserto e vergonha do que o ato falho desnuda como o fading do sujeito. Entretanto, ela se apega à relação com o filho como a única relação de "afeto " em que obtém o que quer e não corre risco. De uma intervenção da analista no sentido de colocar um limite aí, decorre uma sessão em que L usa de um discurso, que já teve um lugar em sua análise,sobre o estar fora da "normalidade", e agora acrescentando o que tem aprendido com as teorias psicanalíticas. A questão "sub-posta " é: "O que é que você (pensa que) sabe disso "? Parece um momento de quarto-de-volta no discurso é> Histérica, qtíe vinha se esforçando na construção de um saber, mas que oscila, atrasando-se, no sentido do discurso do Mestre? A mudança urge e é momento de fazê-la no sentido do discurso do Analista. A questão não é o que a analista possa saber ou não sobre a perversão; fio pouco que, na falta de um saber suposto, deixe-se de conduzir o saber - S2 - ao lugar da Verdade. NfinhtThtervenção é um "entrar no jogo" e se dirige ao discurso que ela então sustenta; digo: "Eu estou de saco cheio de ouvir você falar de normalidade e do quanto é boa aluna". Ela replica: Você é incoerente; me pede para dizer qualquer coisa que me passe e me corta". E eu concluo a sessão: "Eu não estou nem um pouco preocupada com a coerência aqui. Nem tudo que você diz presta p'ra análise". A sessão posterior é de desabafo e crítica ao modo pelo qual intervi que ela não acha nada "legal" e, na seguinte, traz um sonho do qual acordara muito agitada: "Estou numa sala em que está você misturada com a psicóloga "X" (quem me indicou a ela). Eu tinha que reconstruir a história e falava em determinados momentos. Eu pegava as pastilhas como as de um jogo de minha filha em que, com letras, vão se formando palavras. Eu pregava as pastilhas no quadro e eram não letras, mas fatos. Havia algumas em branco e numa delas, no final da linha, uma palavra: "AMIR"; e eu dizendo ao colocá-la: " Não está no lugar certo; não é esse o local". Era uma reconstituição histórica e eu dizia: "Eles não estiveram aqui". Todo mundo da sala encantado; vocês também. Faço o mesmo na mesa e topo com a mesma coisa. E você pega um quadrado em branco e diz: "Vamos guardá-lo que ele pode ser colocado em qualquer lugar". E eu preocupada com a Internacional Comunista: já não sabia situá-la no tempo histórico, se aconteceu antes ou depois de Marx e Engels". Sem qualquer pausa vai entrar no relato de um segundo sonho: corto a sessão. 236 LETRAFREUDIANA - Ano XI - a' 10/11/12 Saber e gozo e a lógica do não todo No "excesso", o "exceto" É o ato falho quando, algumas sessões depois, L volta a se referir a sua relação com o filho. Marcado pelo corte, "exceto" fica e retorna como significante não compreendido, única lembraça do conteúdo das sessões. Daqui prosseguirá o trabalho que justificaria o título estabelecido sob a égide do desejo. Ao final, ele não é senão: "NÃO TODO: UMA BARRA AO SABER EAO GOZO". LETRA FREUDIANA -Ano XI -n» 10/11/12 237