PROFESSORA LEIGA NO ESTADO DA PARAÍBA: DITOS E NÃO DITOS Maria de Fátima F. de Araújo Departamento de Serviço Social da UEPB – Mestre em Serviço Social Maria das Graças F. da Silva Departamento de Serviço Social da UEPB - Estudante Introdução Esse texto sistematiza uma proposta de pesquisa que se encontra em andamento e está vinculada ao PROINCI/UEPB - Programa de Iniciação Cientifica da Universidade Estadual da Paraíba. Configura-se como um recorte de uma outra pesquisa já concluída e que tem como temática de estudo A analise das Concepções teórico-metodologicas do PROFORMAÇÃO – Programa de Formação de Professores em Exercício. O Programa é destinado a capacitar os professores que estão ministrando aulas nas séries iniciais do ensino fundamental de 1ª a 4ª série da rede pública e atuam sem a titulação mínima indispensável ao magistério de 1º grau, sendo, por esta razão, denominados de professores leigos pelos órgãos oficiais da Educação. Durante a nossa investigação, constatamos que o contingente de professores que estavam se capacitando na AGF1- Agência de Formação localizada na Escola Normal de Campina Grande, era, em sua quase totalidade, constituído de mulheres, professoras cursistas. Quando nos aproximamos desses sujeitos da pesquisa, começamos a despertar para a realidade dessas professoras ditas “leigas”. Trata-se de uma realidade desconsiderada durante o desempenho de suas funções. Esta realidade envolve as particularidades da zona rural; práticas e culturas diferentes, condições materiais, nível de escolaridades das professoras, condições de trabalhos; assim como as experiências, habilidades e saberes construídos ao longo da carreira docente. A esse respeito Soares, apud Tesser (1992:160), afirma que a professora leiga apresenta-se como uma categoria com deficiências importantes no exercício da profissão e que necessitam, entre outras providências, de cursos de formação sólidos e adaptados às suas condições de trabalho. Em alguns casos, a formação é extremamente precária, podendo-se encontrar professoras que ainda não superaram os limites do analfabetismo. Entretanto, de um modo geral, são dotadas de um saber-fazer ou de habilidades que muitas vezes não se encontram em pessoas tituladas. Ademais, observou-se que os cursos de formação em processo tendem a explorá-la em sua natural habilidade de comunicação com as crianças e com o mundo camponês. No entanto, o que se constatou nos discursos oficiais é que os professores leigos são responsáveis pelo o fracasso escolar, pelo o baixo nível educacional, pela evasão e repetência das crianças. Negam dessa forma a condição feminina do Magistério de 1º grau. Negam também que são professoras ditas “leigas” que assumem a educação na zona rural, educando e ensinando os filhos dos camponeses. Para exercerem a sua profissão na zona rural, chegam até ceder as suas residências, simples e humildes, para funcionar como escola. O seu ambiente privado torna-se ambiente de trabalho. Ministram aulas em salas multi-seriadas, da alfabetização à 4ªserie. Para reforçar o que estamos relatando, faremos uso do depoimento de uma professora, colhido durante visitas aos municípios da Paraíba, no momento da coleta de dados. Assim se expressou a professora: Eu moro no sitio ensino na minha própria casa uma turma de 19 alunos. Minha classe é multi-seriada. Levanto às 4:00 horas da manhã para fazer a merenda dos alunos, oferecida duas vezes ao dia, no turno da manhã e da tarde. Atendo a meu marido, meus filhos e cuido da minha casa. Estou cursando o PROFORMAÇÃO, já melhorei o meu desempenho em sala de aula. O curso abriu os caminhos para estudar novamente. Tenho todo apoio do meu marido. Alem da atividade docente, as professoras complementam o seu salário vendendo roupas e cosméticos. As que moram na zona rural complementam o orçamento familiar com a criação de animais de corte como galinha, porco e o gado leiteiro. Durante o momento em que estavam se capacitando pelo PROFORMAÇÃO, elas fizeram um esforço sobrehumano, trazendo as suas crianças para a cidade de Campina Grande, com o objetivo de participarem da fase presencial do curso de formação. Algumas mães amamentavam os seus filhos durante a realização do curso. Esta situação obrigou a AGF3/UEPB, Agencia de Formação da Universidade Estadual da Paraíba, a permitir que as mães trouxessem seus filhos menores e que os mesmos recebessem um acompanhamento especial. Essa realidade por nós apresentada não é dita. Foi com o objetivo de registrar e reconstituir a historia dessas professoras, que resolvemos elaborar esse projeto de pesquisa. Sabemos que a abordagem histórica privilegia e contempla fatos históricos que em princípio não é do interesse dos que escrevem a história oficial. Assim sendo, utilizamos uma abordagem metodológica capaz fundamentar a nossa pesquisa, de maneira a reconstituir a historia das professoras leigas da cidade de Aroeiras da Paraíba. Tomamos como base teórica, autores como Burke(1992:11), que valoriza a vida cotidiana nas escritas históricas, advogando a convergência entre a historia e a antropologia; a idéia de que a realidade é social ou culturalmente construída. Também nos apoiamos em Chartier, quando exemplifica e discute uma abordagem da historia social da cultura para a 2 história cultural da sociedade, buscando mostrar que as estruturas devem ser vistas como culturalmente constituídas ou construídas, pois a sociedade em si mesma é uma representação coletiva. É nessa perspectiva que desenvolveremos nossa pesquisa, de forma a contribuir com essa abordagem histórica que tenta romper com a concepção de que a historia deve ser escrita de forma linear, valorizando apenas os fatos históricos narrados pelos historiadores oficiais, que registram os grandes fatos e perdem os elementos do que não é dito e do que não é revelado da vida cotidiana dos excluídos da sociedade. História dos Professores Leigas – Um novo olhar Alguns educadores têm estudado e pesquisado o problema do professor leigo no Brasil e, especialmente, no meio rural. Para um melhor conhecimento do leitor, citaremos alguns desses pesquisadores. Entre vários, encontramos: Marco Antonio Veronese, com a publicação – O problema do professor leigo no Brasil, escrito em dezembro de 1986, no caderno de Educação de Adultos da Universidade Federal da Bahia, Faculdade de Educação. No texto que trata do assunto, o autor questiona o que se tem feito nos últimos cem anos pelos professores chamados leigos e afirma que na época o contigente de professores atingia 300 mil, sendo 172 mil nas zonas urbanas e 160 mil nas zonas rurais. Do total mais de 100 mil não possuía se quer o 1º grau. Walter Garcia, com o texto Professor Leigo: Institucionaliza ou erradica, publicado em 1991, destaca que o fracasso da escola publica não pode ser imputado à presença do Professor Leigo. A professora Maria Gorett de Menezes Patrício, através do curso de pós-graduação Lato Sensu, escreve o seu trabalho de conclusão do curso com tema: O professor “leigo” da zona rural do município de Alagoa Grande-PB: Entre o fazer e o saber. A autora destaca a relação entre o problema da educação e a baixa qualificação docente como um dos elementos que denuncia a situação da educação na zona rural. Inclusive, afirma que a existência do professor leigo põe em evidencia a situação grave em que se encontra o ensino fundamental em particular na zona rural. A situação do Professor leigo não está separada da questão da miséria que se encontra a maioria da população brasileira. A raiz dessa problemática encontra-se em fatores econômicos estruturais. Outro trabalho de pós-graduação, este em nível de mestrado, é o de Helena Cunha Santos da UFRN, publicado em 1995, intitulado O cotidiano do professor no meio rural: Implicações no seu pensar e agir. Neste texto, a autora registra o cotidiano dos professores e 3 destaca as suas condições de trabalho, moradia e educação. Destaca que, do universo de 15 professores, 14 são mulheres e apenas um é homem no grupo. No estado do Ceará, o professor Ozir Tesser do Programa de pós-graduação em educação da UFC, publicou no ano de 1992 o texto denominado a formação da Professora Leiga no Ceará. Este texto retrata as condições de trabalho das professoras e assim se refere: Pode-se verificar que a questão da professora dita leiga é muito mais profunda do que se poderia supor. Enquanto categoria, ela representa um agrupamento de trabalhadoras comparável às mais numerosas categorias profissionais do Estado: são cerca de 23.700 em todo o Estado, quase metade de todos os professores do ensino primário, sendo que na zona rural representam 88,8% do total dos professores de 1º grau. Este número, convêm lembrar, não representa sempre as mesmas pessoas, pois há uma certa rotatividade entre elas, decorrentes do jogo de interesses políticos, do regime precário de trabalho e da situação da penúria em que vivem. Retratamos em grandes linhas os traços principais destes trabalhadores da educação. A professora Betania Leite Ramalho, na sua tese Doutoral, do ano de 1993, trata da desprofissionalização do Magistério Rural do Estado da Paraíba: A visão dos professores e dos centros formadores. Ela destaca o problema da Professora Leiga, chamando a atenção para a situação que se arrasta ao longo da história e lembrado que a questão da formação do Magistério não recebeu a devida atenção ao longo da história da educação brasileira. Observa-se que desde a lei Orgânica do Ensino Normal de 1946, a legitimação do professor leigo torna-se evidente com a criação de dois níveis diferenciados para a formação do magistério primário. No primeiro, havia a Escola Normal de 1º ciclo, que habilitava o “regente de ensino” para atuar principalmente na zona rural e nas periferias urbanos e, no segundo, havia a Escola Normal de 2º ciclo, que habilitava professores primários. De modo que, salienta a professora Ramalho, fica também clara a descriminação sofrida pelo professor de formação dos professores da zona rural em relação ao da zona urbana. Ao reconstituir em alguns fragmentos da história dos professores leigos, fica patente que foi negado durante muito tempo pelos os órgãos oficiais, onde se situa o problema. Por outro lado, nega-se a condição feminina do Magistério. Fica clara a discriminação sofrida por estas mulheres trabalhadoras, que têm ajudado a desenvolver, bem ou mal, a educação em nosso país, principalmente, na zona rural. Entendemos, portanto, que a baixa qualificação das professoras, os baixos salários a desvalorização dessa atividade está relacionada à discriminação social e cultural atribuída às atividades das mulheres enquanto força de trabalho, exploração com a dupla jornada de 4 trabalho e, no caso da professoras leigas, as condições são cada vez mais precarizadas, pois muitos das vezes até o ambiente de trabalho é assumido pela professora. Vejamos o depoimento de duas professoras da zona rural de Aroeiras-PB: Faz 14 anos que estou em sala de aula. Minha escolaridade é 4ª serie, estudei com a minha mãe. Tudo que aprendi e o que sei devo a ela. Ela não foi uma professora capacitada, mas mesmo assim foi muito importante. Sou feliz com o meu trabalho. A dificuldade é que a escola funciona na casa da minha mãe, tenha uma turma de 1º a 4º série um total de 17 alunos. Estou fazendo o PROFORMAÇÃO. No início senti muitas dificuldades nas leituras. Por esse depoimento, é possível se ter uma representação de como é a situação educacional das professoras e, ao mesmo tempo, verificar a exploração da sua mão de obra. A pouca escolaridade que tinha antes atribuía a sua mãe. Aqui o Estado não aparece como responsável pela a educação e a professora já estava há 14 anos repassando para os alunos o que aprendeu com a mãe. Em outro depoimento, a professora diz que estou há 5 anos em sala de aula e só tenho a 4ª série. Quando terminei, recebi o histórico escolar, casei, passei um tempo parada. Comecei a ensinar e voltei a estudar e fazer o logos II, depois parei, muitas dificuldades – o logos era decorativo - e eu não tinha cabeça para decorar tudo. No Proformação estou estudando. Fiz uma reunião na comunidade e falei da política de Aroeiras e todo mundo gostou. Neste depoimento, detectamos a situação de baixa qualificação docente. A professora demonstra o interesse em se qualificar, no entanto são varias as dificuldades. Ela apresenta o casamento e a dificuldade com o método de ensino do logos. Embora, ao ingressar novamente num curso de qualificação, tente enfrentar o desafio, demonstrando também sua consciência política. Verificamos a riqueza de experiência de vida dessas professoras, a dedicação ao magistério e a tentativa de superar os obstáculos. Neste sentido, justifica-se o registro histórico da vida e do trabalho dessas professoras da zona rural, que não são reconhecidas profissionalmente, são penalizadas por uma estrutura de política educacional mercadológica, que atribui a responsabilidade da educação das crianças a professoras que são exploradas no seu cotidiano e que, como afirma o professor Ozir Tesser, apud. Soares, trata-se de uma categoria a quem é negada a identidade profissional. As professoras ditas “leigas” não são responsáveis como trabalhadoras com os mesmos direitos e deveres de outras categorias. A precariedade de seu veículo empregatício as torna vulneráveis e privadas dos direitos trabalhistas que presidem as relações de trabalho na sociedade capitalista. 5 Essa afirmação do professor retrata bem a realidade dos professores com as quais estamos trabalhando em nossa pesquisa. Existe uma intenção formulada pelo MEC no sentido de erradicar quadro de professores leigos, que, no ano de 1997, perfazia um total de 77 mil, conforme o programa de pesquisa e operacionalização de políticas educacionais. No entanto, o que observamos durante a pesquisa que realizamos a respeito da formação de professores leigos na Paraíba é que não há vontade política dos Órgãos Estaduais e Municipais na Paraíba. Dos 223 municípios existentes, apenas 63 assumiram a parceria com o MEC. E aí destacamos o empenho da atual administração da cidade de Aroeiras, quando assumiu o compromisso de, junto com a Secretaria de Educação a Distância, empenhar-se em qualificar os professores leigos daquele município. Objetivos da Pesquisa Entendemos que é importante registrar a história de vida das professoras leigas da cidade de Aroeiras-PB, que até 2001 eram tidas como leigas pelos órgãos oficiais, por não portarem a titulação do magistério de 1ºgrau. Ao registrar a história de vida das professoras, consideraremos as implicações históricas e culturais da zona rural. Procuramos traçar o perfil, sócio-econômico e cultural. Identificamos a condição feminina do magistério na zona rural da Paraíba; relacionamos os diversos papéis e funções que assumem na comunidade; Relacionamos as dificuldades encontradas no exercício da docência. Como estas professoras, através do PROFORMAÇÃO, adquiriram a titulação exigida pelo o MEC. Investigamos o que mudou na sua vida profissional em termos de condições de trabalho, o que mudou na pratica pedagógica em sala de aula. Centrados nestes objetivos, desenvolveremos a nossa pesquisa, considerando a nossa aproximação com os sujeitos pesquisadores, em decorrência da pesquisa já concluída e que nos subsidiou este projeto, que deverá trazer uma contribuição teórico-metodológica para o debate em torno da temática gênero e educação. Uma temática nova que os pesquisadores de diversas áreas trazem para dentro e fora da Universidade, discussões que propõem um melhor entendimento no que diz respeito ao papel da mulher na educação brasileira. Procedimento Metodológico A metodologia adotada por qualquer pesquisador vai depender de um conjunto de elementos, os quais direcionará a investigação. Podemos classificar esses elementos a partir 6 das experiências de vida, do lugar de leitor no contexto social educacional, da implicação com o objeto de estudo e do seu olhar de pesquisador, dos significados atribuídos às práticas e saberes acumulados no seu processo de formação. Numa concepção de que o social e o educacional são distintos e dinâmicos e a partir das formulações aqui apresentadas, optaremos pela abordagem histórica cultural numa interlocução com outras abordagens de cunho qualitativos, para desenvolver a nossa pesquisa. Adotaremos uma postura flexível no decorrer da investigação, de modo que nos permita uma aproximação da realidade das professoras que farão parte do nosso trabalho. Campo de pesquisa A cidade de Aroeiras na Paraíba será o lócus da nossa investigação, município que tem características peculiares na zona rural e no qual se encontram professoras que, ao ingressarem no PROFORMAÇÃO, apresentavam uma escolaridade entre 4ª e 8ª série. Os sujeitos do Estudo Dentre as 63 professoras que estavam cursando o Proformação, trabalharemos com a historia de vida de quatro. Isto porque, considerando a semelhança e o perfil educacional, social e econômico, faixa etária, anos de exercício na docência, é possível afirmar que essa amostragem dá conta do universo que estamos nos propondo investigar, principalmente, tendo em vista aquilo que queremos alcançar. Instrumentos de Coleta de Dados Os dados serão obtidos através de: a – fontes documentais da Secretaria de Educação do Município. b – Entrevistas semi-estruturadas c – Depoimentos colhidos na etapa anterior da nossa pesquisa d – Diário de campo por nos utilizados e – Encontro com as professoras f – Através de visitas ao município de Aroeiras g – Através do processo de observação h – Pesquisa bibliográfica 7 A analise e tratamento dos dados Utilizaremos a análise de conteúdo, procurando adotar as falas das professoras como dado importante para a nossa análise, cruzando-as com outras fontes que permitam registrar a história das referidas professoras. Bibliografia BURKE, Peter. A escrita da história: novas perspectivas. São Paulo: Editora da Universidade Estadual Paulista, 1992. SOARES, Magda B., KRANER, Sonia., LUOKE e MENG e outros. Escola básica.Campinas, SP: Papirus; São Paulo: Ande: Anped, 1992 (Coletânea C.B.E.). CHARTIER, Roger. A história cultural: entre práticas e representações. Rio de Janeiro: Dipel, 1990. GARCIA, Walter, (e outros). Professor leigo: institucionaliza ou erradica. São Paulo: Cortez; Brasília: SEMEB, 1991. SANTOS, Maria Gorette de Menezes Patrício. O professor leigo da zona rual do município de Alagoa Grande: entre o fazer e o saber – Monografia de Pós-graduação Lato Sensu. Campina Grande: UEPB, 1996. RAMALHO, Leite Betânia. A questão da desprofissionalização do magistério primário rural do Estado da Paraíba:a missão dos professores e dos centros formadores. Tese de Doutorado. Natal: UFRN, novembro, 1993. PERROT, Michelle. Lês femmes ou lês silences de l’ histoire. Paris: Flamarion, 1991. ------------------------. Os excluídos da história: operários mulheres prisioneiros. Trad. Denise Bottmam. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1998. 8