O PARADIGMA DA COMPLEXIDADE E A BUSCA POR UMA SOCIEDADE SUSTENTÁVEL Rogério Bianchi de Araújo Doutorando em Ciências Sociais pela PUC/SP Instituto de Assessoria a Projetos e Pesquisas em Educação e Etnia ODOYA - IAPPEEO Resumo Este artigo parte do princípio de que é necessário um novo modelo de paradigma para pensar o desenvolvimento sustentável. Faz uma crítica ao modelo cartesiano que simplifica e separa. Aliado a um sistema capitalista e neoliberal, o paradigma tradicional é insuficiente para lidar com tema tão complexo como a sustentabilidade. Esta não pode estar atrelada apenas à esfera econômica, mas envolve também outros segmentos tais como a sustentabilidade social, por exemplo. Por isso a necessidade de uma nova ética que promova a religação do homem com a natureza. Palavras-chave: complexidade; sustentatibilidade; paradigma; ética; dialógico. Abstract This article is based on that new paradigm model is necessary to think sustainable development. It criticizes the cartesian model that simplify and separate the knowledge. Allied to capitalist system and neo-liberalism, the traditional paradigm is insufficient to deal with complex subject like the substainability. It can’t be related to economic issues only, but it envolves another segments too, like social sustentability, for instance. A new etic is necessary to promote connection between human and nature. Key words: complexity; sustainnability; paradigm; etic; dialogic. Introdução Como já dizia Marx, “tudo que é sólido se desmancha no ar”. A competitividade crescente entre mercados, países e entre pessoas caminha em ritmo avassalador, jogando-nos numa espécie de darwinismo social em que os mais “aptos e capazes” sobressaem-se. A perspectiva meritocrática do darwinismo social indica que se o bem-sucedido merece seu sucesso, logo os fracassados merecem seu fracasso. Essa foi uma das mais falsas justificativas para a distribuição da riqueza e da pobreza pelo mundo. A morte dos mais pobres era considerada algo aceitável e natural, assim como a seleção e evolução das espécies. O darwinismo social foi durante um bom período uma arma de teor científico contra a manifestação de sindicatos, socialistas e marxistas. Como reflexo, fica configurada uma condição caótica mascarada por uma suposta liberdade de ação individual. Afinal somos todos indivíduos livres para competirmos uns com os outros? Em recente entrevista a um programa de televisão o sociólogo francês Alain Touraine disse que não é mais a cidadania que nos interessa hoje, mas o reconhecimento dos limites do poder. Diante desse quadro nebuloso e contra essas posições deterministas, conceitos como auto-organização, auto-regulação, autopoiésis, estruturas dissipativas, relação sistema e meio ambiente, princípio hologramático, relação cérebro-mente, entre outros, têm transformado as ciências humanas e sociais, trazendo novas perspectivas de entendimento da realidade que nos cerca, de uma forma menos totalitária e mais hermenêutica. É necessário um pensamento que reúna o que está separado e compartimentado, que respeite o diverso sem deixar de reconhecer o uno, que tente discernir as interdependências. O pensamento do complexo planetário remete-nos incessantemente da parte para o todo e do todo para a parte. Numa época de crises como a nossa, a reflexão sobre a ética revigora nossas forças e retoma a esperança de tempos melhores e mais justos. É por isso que uma ética complexa é tão atraente para a contemporaneidade. Consiste no estabelecimento de um novo paradigma de conhecimento e postura, que une ao invés de separar. Entende que a parte está no todo e o todo está na parte. Postula uma ética da religação com o cosmo. A própria palavra religião não significa apenas a religação entre os membros de uma mesma fé, mas indica também a religação com as forças superiores. O paradigma cartesiano nos levou a uma fragmentação do conhecimento e do próprio sujeito. Perdemos as referências do que representamos no planeta e também não compreendemos o efeito de nossas ações individuais neste. As referências cartesianas junto com o advento do sistema capitalista nos levaram a identificar, de forma restrita, desenvolvimento com a idéia de progresso, riqueza econômica e material. O paradigma da complexidade procura romper com o paradigma cartesiano. Pensar a ética da complexidade é pensar em novos modelos de desenvolvimento. Nesse sentido, falar em desenvolvimento sustentável, de forma isolada, pode nos levar a cometer os mesmos erros anteriores. A sustentabilidade não pode ser apenas econômica e material, ela deve também ser a sustentabilidade do espírito. Uma sociedade planetária ecologicamente orientada supõe um mundo melhor, cuja meta é uma transformação não apenas instrumental da realidade, mas também de uma transformação da subjetividade da humanidade. Entendo que a ética complexa pode ser o caminho para repensar o significado da cidadania em tempos de crise. O caminho ético se impõe se quisermos efetivamente superar a crise em que nos achamos. A ética é um elemento que é característico da cultura ocidental. Sua tematização está nas mais diversas esferas da atividade humana e, com isso, há uma motivação profunda do debate moral. A ética está fundamentada em valores universais sob égide da cooperação e da solidariedade. No entanto, é preciso destacar que a partir da modernidade perdemos a capacidade de formular conceitos de modo integrado e objetivo, perdemos a concepção unificadora. Criamos um pluralismo moral e fragmentado que não promoveu um diálogo integrado e ordenado conforme as novas exigências. Ela é ainda mais importante numa organização social pluralista de democracia participativa. Pela primeira vez na história o homem se vê defrontado com o desafio de enfrentar o dever de assumir em escala global a responsabilidade por suas ações. Cresce o abismo entre os valores morais universais e os interesses particulares, mas por outro lado, por todos os rincões do planeta, há uma perspectiva de reafirmação da utopia. Pela primeira vez na história do gênero humano parece haver um problema ético em comum e que envolverá a necessidade de uma ética da responsabilidade solidária. Deparamo-nos com o enorme desafio de dar um sentido humano ao desenvolvimento em escala mundial. Precisamos nos conscientizar que a lógica do mercado proporcionou um imenso vazio ético e como conseqüência o arrefecimento das utopias. O paradigma da complexidade O pensamento complexo tem um sentido e uma coerência, é algo que abre enormes possibilidades para a busca de uma sociedade sustentável. Sua proposta consiste em compreender conjuntos de vários elementos que se interrelacionam de tal forma que, juntos, passam a exibir uma estrutura ou comportamentos organizados. No entanto, o pensamento complexo é gerador de grandes equívocos. De acordo com o senso comum, o complexo é o oposto ao simples. Cito as sociedades indígenas, que seriam um exemplo de sociedades simples, enquanto as sociedades urbanas são exemplos de sociedades complexas. Pensar dessa forma é um desserviço à Antropologia. Complexidade não é um conceito teórico e sim um fato da vida. Corresponde à multiplicidade, ao entrelaçamento e à contínua intenção da infinidade de sistemas e fenômenos que compõem o mundo natural. O sentido vem da palavra latina complexus, que quer dizer o que se encontra tecido juntamente, ou estar abraçados juntos. Tem o significado de trançar com, trançar junto, religar. Complexo, portanto, é aquilo que se junta, e não aquilo que se define como oposição ao simples. É complexo aquilo que não pode se resumir numa palavra-chave e nem a uma lei. Segundo a definição de Edgar Morin: “A simplicidade é a barbárie do pensamento. A complexidade é a civilização das idéias”. Entende-se por simplicidade, a fragmentação, divisão, separação, blindagem, monofonia. Já a complexidade, é sinônima de trançagem, religião, complementaridade, multidimensionalidade, polifonia. Investir na complexidade implica duas refundações: a do homem e a do pensamento. Trata-se de exercer um pensamento capaz de lidar com o real, de com ele dialogar e negociar. Por isso, pensar a complexidade significa pensar um novo paradigma, ou seja, um novo conjunto de idéias que são aceitos conceitualmente. O paradigma da complexidade investe na idéia de unidualidade do homem, um ser físico e metafísico, natural e multi-natural, cultural e meta-cultural que se estabelecem no cosmo muito recentemente, ao longo de um processo de hominização que envolvem cinco milhões de anos. O paradigma da complexidade pensa em movimento aquilo que a lógica clássica pensa de maneira estática. É uma lógica dos processos frente à realidade anestesiada do paradigma lógico da ordem. É uma lógica da articulação e da abertura frente à lógica do fragmento. Aspira ao conhecimento muldimensional, mas sabe desde o começo que o conhecimento completo é impossível. Toma consciência da natureza e das conseqüências dos paradigmas que mutilam o conhecimento e desfiguram o real. Descartes fundou o “paradigma da simplificação”, ao separar o sujeito pensante e a coisa entendida, isto é, separou filosofia e ciência, homem e natureza. As conseqüências nocivas deste paradigma começaram a se revelar no século XX. A redução do complexo ao simples promoveu uma hiperespecialização e fragmentação do conhecimento que é insuficiente para pensarmos o desenvolvimento sustentável, pois o pensamento simplificador é incapaz de conceber a conjunção do uno e do múltiplo. O método da complexidade foge tanto do reducionismo a uma parte como do reducionismo ao todo. Configura-se uma nova visão de mundo, que aceita e procura entender as mudanças concretas do real e não pretende negar a contradição, a multiplicidade, a aleatoriedade e a incerteza, e sim conviver com elas. Lida com a ordem, a desordem, a intenção e a organização. Consiste, portanto, num pensamento plural. Do ponto de vista bio-psico-social, o principal problema para a implantação do desenvolvimento sustentado (e o desenvolvimento da cidadania) é a predominância em nossa cultura, de um modelo mental linear. O método mental cartesiano é indispensável para resolver os problemas humanos mecânicos (abordáveis pelas ciências ditas exatas e pela tecnologia). Mas é insuficiente para resolver problemas humanos em que participam emoções e sentimentos (a dimensão psico-social). A complexidade deve ser buscada até mesmo na vida cotidiana, pois o homem é ao mesmo tempo homo sapiens e homo demens. Cada ser tem sua multiplicidade de identidades, personalidades e um mundo de fantasias e sonhos que lhe acompanham por toda a vida. Por isso não é possível fórmulas deterministas, causais e reducionistas para explicar a complexidade humana. Viver é morrer e se rejuvenescer. Como dizia Heráclito: “Viver de morte, morrer de vida”. Aceitar o paradigma da complexidade é aceitar a contradição, as relações dialógicas que se estabelecem na ordem e na desordem, na harmonia e na desarmonia. Jamais poderemos escapar da incerteza e jamais poderemos ter um saber total. Com isso, a única possibilidade do ponto de vista da complexidade é ter metapontos de vista sobre nossa sociedade. É através dessa nova perspectiva que podemos pensar na sustentabilidade e no surgimento de uma consciência ética planetária. Afinal somos parte de uma comunidade humana que tem um destino comum e uma identidade comum. Apesar das diferenças culturais somos todos cidadãos de uma Terra-pátria e, portanto, temos um destino comum. Como construir a ética da religação? O conhecimento se torna cada vez mais importante para o destino de cada um de nós e também de cada nação. Aprender separadamente as disciplinas, distintas umas das outras, como ciências independentes, é incoerente para resolver os nossos problemas, pois a forma com que nosso conhecimento é passado adiante nos incapacita de ver os problemas fundamentais e globais que são intercalados com várias áreas do conhecimento. Dessa forma, fica difícil compreender o significado e sentido da sustentabilidade. Daí a necessidade de uma nova ética que ultrapasse a ética kantiana, na qual há simplesmente um dever moral a ser cumprido. Essa nova ética discute sobre a regeneração do homem. Diz respeito à morada humana, a casa comum, a Terra pátria-mátria, que requer um projeto de sustentabilidade na política de civilização capaz de reintegrar o cosmos, a matéria, a vida, o homem. Para amenizar a crise pela qual passamos, é preciso retomar os fundamentos éticos da relação do indivíduo com a polis, como existia entre os gregos, isto é, retornar o pensamento da ética e a ética do pensamento. A ética não é um sistema de ordem, porque ela sempre tem contradições. É composta por forças de religação e forças de separação. No entanto, ela é a expressão máxima do imperativo da religação. O ato ético é o ato religatório que implica assumir o nosso destino cósmico, físico e biológico e também a mortalidade. É um ato que envolve a incerteza, pois qualquer ação sempre envolve um princípio de risco e de preocupação. A ética da religação deve ser concebida como a religião do que religa, fazendo frente à barbárie que divide. Esse preceito ético é decisivo para repensarmos a utopia em nosso espaço contemporâneo aparentemente caótico e niilista. O comprometimento individual da parte com o todo, ou seja, a compreensão de que as ações individuais interferem de alguma forma na sociedade é imprescindível para resgatarmos a ética de solidariedade que é intrínseca à condição humana, afinal somos seres sociais e animais políticos por natureza, como dizia Aristóteles. Quando falamos em solidariedade não é só como pensamento abstrato, mas sim referida à concretude das relações que ligam efetivamente os seres humanos uns aos outros, porque todos nós procedemos de um tronco comum: o Anthropos. Mas a realização desta ética implica primeiramente numa autoética. É importante que o sujeito realize sempre um auto-exame (introspecção), complementada pelo exame do outro. A recursão ética é um reforço imunológico contra a nossa própria deficiência imunológica e tendência de culpabilizar sempre o outro. O auto-exame faz com que a culpabilidade caia em nós mesmos. Resistimos assim à nossa barbárie interior. Edgar Morin (2005) aponta para a possibilidade de uma "ética do gênero humano", ou "antropoética" marcada pela compreensão e solidariedade entre os seres humanos. Propõe pensar esse novo paradigma em três dimensões do indivíduo; do social; e da espécie – e "assumir a condição humana sob o tripé indivíduo/sociedade/espécie na complexidade do nosso ser; alcançar a humanidade em nós mesmos em nossa consciência pessoal e assumir o destino humano em suas antinomias e plenitude". Próprio dessa antropoética seria, portanto, "trabalhar para a humanização da humanidade; efetuar a dupla pilotagem do planeta: obedecer à vida, guiar a vida; alcançar a unidade planetária na diversidade; respeitar no outro, ao mesmo tempo, a diferença e a identidade quanto a si mesmo; desenvolver a ética da solidariedade; desenvolver a ética da compreensão; ensinar a ética do gênero humano". Pensar a ética planetária é uma exigência de nosso tempo. Assumir a planetariedade como condição de novos processos sociais e descobrir qual é o lugar do ser humano no cosmos. Segundo Edgar Morin (1995), a era planetária tem início com a descoberta de que a Terra é um planeta e com o estabelecimento da comunicação entre as diversas partes deste. Começa com as primeiras interações microbianas e humanas e depois com as permutas vegetais e animais entre o Velho e o Novo Mundo. Inicia-se e desenvolve-se, na e pela violência, destruição, escravatura, exploração feroz das Américas e da África. Essa fase é marcada pela ocidentalização do mundo, por via do colonialismo e da emancipação das colônias de povoamento. Hoje a era planetária aspira à unidade pacífica e fraternal da humanidade. A espécie humana aparece-nos agora como humanidade. Qualquer pessoa que levante hoje a bandeira da ética universal ou planetária, diante das exigências da preocupação ambiental, o resgate das solidariedades, as preocupações mundiais com a segurança e a exigência de paz, é rotulada de idealista ou sonhadora, desconectada das regras do mundo real, mas antes de receberem esses rótulos, esses protagonistas têm uma simples proposta criativa de um devir humano que se estabeleça com a ação coletiva. Mas como fazer para o indivíduo entender-se como cidadão do mundo? É bem provável que estejamos vivenciando uma crise civilizatória, geradora de novos comportamentos. Como conseqüência, presenciamos o crescente individualismo, o desaparecimento da solidariedade entre os seres humanos, o comportamento consumista globalizado, a crescente miserabilidade de uma parte significativa da população, o crescimento das desigualdades sociais que se acentuam em todos os países e as grandes devastações ambientais. Se já é difícil ser solidário na época de abundância, o que dizer dos momentos de crise em que as insatisfações dos sujeitos aumentam e o outro surge não necessariamente como um companheiro, mas como aquele que pode impedir ou prejudicar a realização de meus desejos? Há quem diga que o individualismo é a utopia de nosso tempo. Seria a verdadeira emancipação humana. Eu o coloco e o identifico como parte intrínseca da distopia de hoje. As exigências ecológicas investem sobre a necessidade de descolonizar a sociedade de valores e comportamentos individualistas, privilegiando os valores comuns e coletivos. Esse é um dos maiores desafios do ambientalismo. Como promover essa transformação moral da sociedade moderna? Criou-se um ethos utilitarista que relativiza tudo a seu redor, inclusive a própria ética. Diante desse quadro, como enfrentar às ameaças globais que nos inquieta? A ecologia pode ser considerada a ciência das relações ao declarar que tudo está interligado. Ameaçada na sua plenitude exige que se pense o equilíbrio universal e uma nova ordem ecológica. A crise ecológica unifica, religa as preocupações exclusivamente individualistas. A ecologia tornou-se um tema de amplo interesse social, pois ela é relação, interação e intercomunicação. Não podemos falar em ecologia apenas natural, mas também em ecologia humana, social e outras, ou seja, tudo se relaciona com tudo em todos os pontos. Todos os seres vivos estão interligados numa imensa cadeia cósmica. Os problemas que se apresentam não podem ser compreendidos de forma isolada. São problemas sistêmicos interconectados e interdependentes. O ser humano precisa se abrir para que emirja a dimensão amorosa e solidária, para se humanizar, espiritualizar e tornar o caminho por esse planeta mais digno. Essa perspectiva não é religiosa no sentido de comungar com Deus, mas apenas o reconhecimento dessa dimensão tipicamente humana, sobre a qual a cultura não a negou, mas a relegou para o mundo do privado. Chegará um dia em que a mundialização deixará de ser meramente econômica e se instalará sob o signo da ética e da compaixão universal. Estaríamos então sob o mesmo arco-íris da solidariedade, respeitando e valorizando as diferenças. Segundo Leonardo Boff, será uma era ecozóica. A planetarização faria frente à globalização e exigiria novos princípios éticos que não sejam os baseados na exploração econômica, na dominação política e na exclusão social. Teria por ambição a criação de esforços em comum numa teia complexa de idéias, crenças e valores coletivos que produzam identificação, motivação e participação com o intuito de resgate e potencialização das aspirações coletivas. É com essa perspectiva ética, muito mais universal do que particular que nós podemos pensar então a sustentabilidade. Como criar uma sociedade sustentável? A idéia de desenvolvimento sustentável a partir do paradigma da complexidade exige que se pense a causa ambiental de uma forma mais ampla e postule a preservação ambiental para as futuras gerações. Foi o filósofo alemão Hans Jonas quem cunhou o termo “O princípio da responsabilidade”, propondo uma ética compromissada com a humanidade em seu passado, presente e futuro. No entanto, o futuro é para Jonas a dimensão mais característica da responsabilidade ética. Proteger a vida e preservar o seu futuro é a responsabilidade maior. Promover o direito de cidadania plena de todos os seres vivos do planeta, inclusive aqueles que ainda nascerão é o maior desafio ético a ser construído. Esse é um objetivo carregado de horizontes utópicos, embora Jonas não se considere um utopista, ao contrário, entende que necessitamos de uma ética que concorra com a utopia e com os utopismos para criar o dimensionamento futuro da sociedade política. Nos moldes da ética kantiana, Jonas enfatiza a novidade dos imperativos éticos na era da civilização tecnológica: Age de maneira tal que os efeitos de tua ação sejam compatíveis com a permanência de autêntica vida humana sobre a terra; ou: Age de maneira tal que os efeitos de tua ação não sejam destrutivos das possibilidades de autêntica vida humana futura na terra. A Terra e sua biosfera formam uma grande síntese de sistemas interativos e complexos (orgânicos e inorgânicos). Consequentemente, a resolução da crise ecológica é difícil e complexa. Será possível conciliar um desenvolvimento econômico dentro do sistema capitalista com altos níveis de consumo com a sustentabilidade do planeta? Precisaremos criar uma visão sistêmica de compreensão de uma rede complexa de inter-relacionamento que envolve produção econômica, consumo, crescimento populacional e qualidade ambiental. Só assim poderemos criar uma outra visão paradigmática de desenvolvimento. Por isso é impossível separar a discussão política da discussão sobre os valores que regem a condição humana na atualidade. Discussões ideológicas no campo político são insuficientes para tratar das dimensões biofísica, econômica e social da complexidade inerente aos problemas ecológicos. É possível afirmar que a relação dialógica ordem/desordem é importante para promover a mudança. Quem sabe, a crise ecológica global pode nos tornar mais “espiritualizados” (e menos materialistas) e mais próximos da natureza rompendo com a dicotomia homem/natureza que fora criada na modernidade? Em meio ao caos é que brotam os sinais mais claros de esperança. Hoje vivemos uma época de mundialização, todos os nossos grandes problemas deixaram de ser particulares para se tornarem mundiais. Pensar globalmente e agir localmente passou a ser um imperativo. Daí a importância da frase de Pascal: "Não posso conhecer o todo se não conhecer particularmente as partes e não posso conhecer as partes se não conhecer o todo". Esse fato faz com que haja uma mudança de paradigma também nas Ciências Sociais com as seguintes premissas: 1) a biosfera é a base da vida social e a espécie humana é apenas uma das muitas espécies que, em forma interdependente, vivem na mesma; 2) a ação social internacional produz, com freqüência, resultados inesperados no meio ambiente; 3) sendo finita a natureza e seus recursos, existem limites físicos e biológicos para o crescimento econômico e a expansão da sociedade humana em geral. As premissas tradicionais que constituem o paradigma normalizado (no sentido de Thomas Kuhn) das ciências sociais têm características muito antropocêntricas, sociocêntricas e etnocêntricas e não dá conta da complexidade dos problemas ambientais. Como na nossa tradição de pensamento há essa separação de saberes, ecologia e sociologia sempre estiveram muito distantes uma da outra. Entre as décadas de 60 e 70 emergiu a "ciência do ambiente", uma disciplina científica que buscava uma síntese interdisciplinar das ciências que, de alguma maneira, poderiam contribuir para a compreensão e a solução dos problemas ambientais. Os clássicos da Sociologia como Marx, Weber ou Durkheim pouco falaram sobre os problemas ambientais e não é possível culpá-los porque estavam em outro contexto histórico. O interesse pela “ciência do ambiente”, juntamente com o paradigma da complexidade possibilitou o surgimento de uma “ecologia social” e de uma “sociologia ambiental”. O principal elemento unificador é facilitar uma melhor relação entre a sociedade e a physis, entre homem e natureza. Com certeza o tema mais amplo e complexo, sobre o qual ecólogos e cientistas sociais estão buscando construir o diálogo, é o clássico tema da sociologia, o tema do "desenvolvimento" humano e da sociedade, que, nos tempos atuais, tende a ser definido como "desenvolvimento sustentável". Para o desenvolvimento sustentável são importantes a análise racional, o pensamento sistêmico, a acumulação e a elaboração de dados, já que resulta das relações entre o sistema socioeconômico geral e seus subsistemas locais. Conceitualmente, desenvolvimento sustentável é aquele que atende às necessidades do presente sem comprometer a possibilidade de as gerações futuras atenderem a suas próprias necessidades. Em seu sentido mais amplo, a estratégia de desenvolvimento sustentável visa a promover a harmonia entre os seres humanos e entre a humanidade e a natureza. Refere-se principalmente às conseqüências dessa relação na qualidade de vida e no bem-estar da sociedade, tanto presente quanto futura. Atividade econômica, meio ambiente e bem-estar da sociedade formam o tripé básico no qual se apóia a idéia de desenvolvimento sustentável. Pensar nesses termos indica que a sustentabilidade não pode ser apenas no sentido econômico, muito pelo contrário. Não há desenvolvimento sustentável no sentido econômico clássico se a sustentabilidade não for pensada em pelo menos outras quatro dimensões: a cultural, a social, a espacial e a ecológica. Atento a essa exigência o pensamento ecológico se modificou. Novos pensadores, como Felix Guattari, Gregory Bateson, além de outros filósofos, biólogos e escritores formularam nos anos recentes novas teorias de abordagem ecológica da realidade, onde a ecologia do meio ambiente se articula com a ecologia das relações sociais e com a ecologia das subjetividades, a ecologia mental. A esse novo modo de pensar e de agir politicamente deu-se o nome de Ecosofia. Trata-se de uma Ecologia Generalizada, que abrace todos os ramos do conhecimento e apresente propostas para todas as manifestações do Ser: da produção de energia à psicanálise, das relações de vizinhança à preservação das espécies em vias de extinção, das neuroses familiares às viagens espaciais, da liberdade artística ao reaproveitamento dos dejetos industriais, dos meios de transporte à linguagem da publicidade, dos conceitos estéticos às práticas partidárias e sindicais, da macroestrutura administrativa à felicidade no cotidiano, das formas de poder às formas de amar, das necessidades protéicas ao direito à fantasia. O projeto de instauração de uma sociedade sustentável é caracterizado como realista-utópico para construção de pontes e aproximações entre fenômenos contrários. Consiste na harmonização entre experiências espirituais e materiais, na reconciliação dos planos transcendentais e imanentes. A característica holística desse projeto da humanidade pode fazer dialogar indivíduos das mais distantes áreas do conhecimento. Trata-se de um projeto em aberto, não-linear. Daí a importância do paradigma da complexidade e da ética da religação para unir o que foi separado, regenerar o que foi degenerado. Considerações finais Segundo Morin (2005) precisamos de uma política de humanidade, isto é, uma política de civilização que envolve necessariamente a articulação de uma ética da compreensão planetária e uma ética da solidariedade planetária com o objetivo último de civilizar a Terra. Trata-se de uma política instauradora de uma ética civilizatória imbuída de objetivos planetários, tais como: as idéias de justiça, igualdade e fraternização. Pensar a política civilizatória implica pensar a utopia fundada numa ética cívica planetária. Para gerar políticas e estratégias em condições de impedir a catástrofe ecológica global, é necessário construir os consensos e as organizações globais que os viabilizem. Criar a ética planetária implica reformas profundas da sociedade, do espírito e da vida. Só assim conseguiríamos a reforma ética almejada. É uma tarefa básica e desafio fundamental desenvolver uma consciência do destino terrestre comum. Isso implica numa refundação antropológica capaz de alterar percepções, maneiras de pensar, valores e instaurar preceitos já antigos, mas renegados pela civilização contemporânea. Entre esses se destacam: o poder de síntese, a cooperação, a sabedoria intuitiva, a conservação e o indeterminado. É preciso criar pela primeira vez uma antropologia, isto é, uma teoria do homem que nos sirva de apoio na hora de fazer uma política do homem. Essa é uma visão cosmopolita, democrática e ecológica. Para tanto, estamos imbuídos de ousar uma reforma educacional que terá por objetivo conectar os conhecimentos, reconhecer os problemas globais e apropriar-se dos desafios da complexidade, com base, sobretudo, na religação. Em seu livro “Os sete saberes necessários à educação do futuro” (2001), Edgar Morin afirma que há sete saberes “fundamentais” que a educação do futuro deveria tratar em toda sociedade e em toda cultura, sem exclusividade nem rejeição, segundo modelos e regras próprias a cada sociedade e a cada cultura. São eles: as cegueiras do conhecimento; o erro e a ilusão; os princípios do conhecimento pertinente; ensinar a condição humana; ensinar a identidade terrena; enfrentar as incertezas; ensinar a compreensão; a ética do gênero humano. Segundo Morin, nosso sistema de pensamento, que impregna o ensino, da escola primária à universidade, é um sistema que fragmenta a realidade e torna os espíritos incapazes de associar os conhecimentos compartimentados em disciplinas. Essa hiper-especialização dos conhecimentos, que leva a recortar dentro da realidade um único aspecto, pode ter conseqüências humanas práticas consideráveis no caso, por exemplo, das políticas de infra-estruturas em especial que desprezam muito freqüentemente o contexto social e humano. Por esse motivo a reforma de pensamento é vital neste momento da era planetária. O fim último de um saber compartilhado é a compreensão dos problemas planetários, assim como a compreensão das diferenças entre as pessoas, povos e etnias e tomar consciência das necessidades políticas, sociais e éticas. Qualquer reforma ética que se preza deve estar atrelada à reforma educativa e à reforma da vida. Não existe reforma ética solitária. Ela não é algo que se faz como uma receita de bolo com doses e medidas adequadas. Esta reforma é, ao mesmo tempo, realista, porque está nas possibilidades concretas da humanidade, e utópica, porque grandes forças de ilusão e de erro a ela se opõem. Toda utopia se alimenta da realidade, assim como toda realidade tem dentro de si os horizontes e possibilidades utópicas. Criar o sujeito ecológico incumbido de reconstruir sua própria trajetória é o maior desafio. Fazer entender a condição humana e o orgulho de ser humano como totalidade para poder despertar de vez o senso crítico em torno de argumentos puramente economicista com roupagem de falsa democracia e posições libertárias duvidosas. Ser humano é, antes de qualquer coisa, um compromisso com a vida e não um ser dotado de racionalidade que pode fazer o que bem entender. Bibliografia BOFF, Leonardo. Saber cuidar - etica do humano-compaixao pela terra. Petrópolis/RJ: Editora Vozes, 1999. CARVALHO, Edgard de Assis, MENDONÇA, Terezinha (orgs.). Ensaios de Complexidade 2. Porto Alegre: Sulina, 2002. GUATTARI, Félix. As Três Ecologias. Campinas: Ed. Papirus, 1993. JONAS, Hans. O princípio responsabilidade: ensaio de uma ética para a civilização tecnológica. 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