Mudança no fator pode onerar contas em até 11% do PIB
A votação da Medida Provisória 664 trouxe uma conta duplamente negativa para o governo e o futuro das despesas da
Previdência Social, embora possa representar um alívio de curto prazo ao incentivar um pequeno atraso - de dois a três
anos - em parte dos novos pedidos de aposentadoria. Na versão aprovada, a MP pode trazer uma pequena contribuição
ao ajuste fiscal de 2015 a 2017 que não estava prevista, mas seu estrago para o futuro é muito mais expressivo.
Na noite de terça-feira, o plenário da Câmara dos Deputados aprovou o texto do relator e algumas emendas. O texto
do relator tirou a regra que estabelecia o fim da pensão integral às viúvas e a tornava proporcional ao número de
dependentes (uma proposta que teria no longo prazo um impacto de redução das despesas do INSS da ordem de R$ 30
bilhões). Além disso, uma emenda aprovada em plenário instituiu a fórmula conhecida como 85/95 para as novas
aposentadorias.
Essa última medida equivale quase ao fim do fator previdenciário e representa, em uma geração, um acréscimo anual
nas despesas da Previdência de 0,6% a 1,1% do Produto Interno Bruto (PIB), nas contas de especialistas da área.
Mesmo que a medida seja mantida no Senado, os primeiros sinais indicam que a presidente Dilma Rousseff deve vetar
a medida, como já fez o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, em 2010, com regra idêntica.
Para Fabio Giambiagi, especialista em contas públicas, a aprovação da regra do 85/95 - pela qual o valor máximo de
aposentadoria será concedido quando a soma de idade e tempo de contribuição à Previdência for de 85 anos para as
mulheres e 95 anos para os homens - "é uma contrarreforma". Como a MP original também reduziria bastante, ao
longo do tempo, o custo com pensões por morte (regra que foi tirada pelo relator Carlos Zaratini, do PT-SP), o
governo "perdeu duas vezes", segundo Giambiagi.
Nas suas contas, as despesas com a Previdência - que hoje somam 7,5% do PIB - crescerão para 8,1% do PIB apenas
por conta da regra de 85/95, ao longo de uma geração (estarão nesse patamar em 2040). "Nenhuma despesa sozinha
vai afundar o país, mas é o conjunto de medidas que cria uma situação insustentável", pondera ele. "Foi de pouquinho
em pouquinho que o país chegou onde está."
Para Giambiagi, a aprovação do fim do fator previdenciário (no papel ele ainda vale, mas na prática, perderá eficácia)
foi um "ato irresponsável da coletividade". Para ele, a medida foi aprovada pela combinação da "brutal incompetência
política do governo com a irresponsabilidade da oposição".
Leonardo Rolim, ex-secretário de Políticas de Previdência Social do Ministério da Previdência, estima um custo
adicional dessa medida de 1,14% ao final de uma geração, o que equivale quase ao término do fator previdenciário,
regra que hoje reduz o valor da aposentadoria quando o trabalhador opta por ela antes de completar a totalidade da
fórmula que prevê 30 anos de contribuição e 60 de idade para as mulheres e 35 e 65, respectivamente, para os homens.
Nos primeiros anos, diz Rolim, a fórmula 85/95 pode retardar algumas aposentadorias e com isso reduzir um pouco o
déficit da Previdência. Mas será um alívio de curto prazo porque depois a conta será crescente. Hoje, diz ele, as
mulheres se aposentam, em média, com 52 anos de idade e ficam com uma aposentadoria 30% menor do que a
receberiam se fosse o teto. Com a fórmula 85/95, com apenas mais 1,5 ano de trabalho a aposentadoria já será
completa. Para os homens, a mudança é menos benéfica, mas ainda muito relevante. Como eles se aposentam aos 55
anos, em média, precisariam trabalhar mais 2,5 anos para chegar ao teto da aposentadoria, que seria 20,5% maior que
o garantido pela regra do fator previdenciário.
"No Brasil, as pessoas antecipam a aposentadoria e continuam trabalhando. Esse rendimento não é visto como uma
substituição de renda, mas como complementação", pondera.
Para Bernard Appy, consultor econômico prestes a assumir a diretoria do 'Centro de Cidadania Fiscal', um think tank
focado justamente em temas ligados a gerações futuras, o cenário pouco animador desenhado pelo novo modelo de
aposentadoria, não significa que o antigo seja o ideal. A solução, afirma, seria seguir a comunidade internacional
(incluindo a América Latina), e estabelecer uma idade mínima de aposentadoria - com o cuidado de discutir as regras
de transição.
"Para uma pessoa que espera se aposentar no ano que vem não seria justo exigir que ela esperasse mais 15 anos para
se aposentar", diz. "Mas no fim da transição seria possível acabar com o fator previdenciário como em vários países
do mundo". Há ainda, ressalta Appy, uma discussão sobre as pessoas que começaram a trabalhar muito cedo, por
necessidade. Em sua avaliação, esse grupo poderia ser diferenciado, recebendo mais no momento da aposentadoria.
Rolim ressalta ainda que a primeira versão da MP 664 também trazia ajustes importantes para as contas da
Previdência no longo prazo, mas a principal medida nesse sentido foi retirada pelo relator. Para a pensão por morte,
ela previa o fim da pensão integral e estabelecia que a viúva receberia 60% do salário do marido e mais 10% por cada
filho e a parcela de cada filho acabaria quando esse completasse 21 anos. "Sem isso, a MP virou um mero ajuste de
distorções, sem impacto fiscal relevante", diz ele. Nas suas contas, no longo prazo, a economia com essa
proporcionalidade chegaria a R$ 30 bilhões.
Mesmo diante de pequenas alterações, Newton Conde, especialista em previdência e professor da Fipecafi, acha
injusto mudar um critério de concessão em razão de fraudes. "A pensão por morte é benefício de risco, a pessoa não
escolhe. Se existe fraude, é melhor combatê-la". Para Conde, as mudanças na regra vão acabar afetando a baixa renda,
que precisa mais do recurso. "Eles vão pagar a conta por algo que não se escolhe e que é diferente de aposentadoria,
que se pode programar".
No caso do novo modelo de aposentadoria, no entanto, Conde desaprova a nova regra, que, em sua avaliação,
beneficia a classe média que atua no mercado formal de trabalho e se aposenta muito cedo. "Eles receberiam 60% da
média de salários e vão ter 100%. É uma emenda elitista, que atende aqueles que podem comprovar o tempo de
contribuição", diz.
Tanto na pensão por morte quanto no novo modelo de aposentadoria, Appy diz que para além das necessidades
urgentes trazidas pelo ajuste fiscal, é preciso olhar para frente. "É claro que há preocupação fiscal, mas é mais do que
isso. Já estamos deixando uma conta enorme para as gerações futuras. Com essa decisão de terça-feira, será uma conta
ainda maior."
Fonte: Valor Econômico
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