UMA EXPERIÊNCIA DE CTS EM SALA DE AULA: A
INTERNACIONALIZAÇÃO DA AMAZÔNIA
AN EXPERIENCE IN SCIENCE, TECHNOLOGY AND SOCIETY
IN THE CLASSROOM: THE INTERNATIONALIZATION OF
AMAZÔNIA
Álvaro Chrispino1
André Luiz Rodrigues Chaves2
1 CEFET-RJ/PPECM,[email protected]
2 Colégio Pedro II e Escola Parque /[email protected]
Resumo
Neste artigo é apresentado um trabalho desenvolvido no ano passado, em uma
escola privada do Rio Janeiro, com alunos da 1ª série do Ensino Médio, o qual consistiu
em um enxerto CTS, pois, como afirma Chrispino é ela a “ação mais acessível aos
professores, visto não ser preciso modificar sua estrutura de trabalho para oferecer aos
alunos a abordagem CTS” (CHRISPINO, 2008).
O trabalho desenvolvido foi conceitualmente estruturado em termos de uma
controvérsia controlada em torno de um tema de natureza tecnocientífica que,
basicamente consiste em escolher um problema relevante relacionado àquela
comunidade estudantil (seja em nível local, regional, nacional ou internacional), em
seguida, selecionar dados e informações com vistas a estruturar o conhecimento
necessário para que os grupos envolvidos possam entender os problemas relacionados e,
finalmente, sejam instados a, por meio de discussões entre si, tomar uma decisão.
O tema escolhido foi a Internacionalização da Amazônia, sendo os alunos
divididos em cinco grupos cada qual representando um dos seguintes atores sociais: o
governo brasileiro, os povos da floresta, os ambientalistas, as indústrias e um grupo
especialmente dedicado à organização e divulgação do fórum de discussões e
deliberação.
1
Mestrando em Ensino de Ciências, CEFET-RJ
Doutor em Educação pela UFRJ; professor do Mestrado Profissional em Ensino de Ciências e de
Matemática no CEFET-RJ
2
Palavras-chave: CTS, ciência, tecnologia, sociedade, ensino de ciências
Abstract
This article presents a task developed last year in a private school of Rio de Janeiro,
with students of the 1st grade of High School, which was a STS insertion as Chrispino
stated, “it is the most accessible action for the teachers, as they do not have to modify
their work structure to offer the students the STS approach.” (Chrispino, 2008)
This work was conceptually structured in terms of a controlled controversy of a
technoscientific topic, which basically consists of choosing a relevant issue for that
student community (be it a local, regional, national or international issue) and then
selecting data and information in order to structure the necessary knowledge to enable
the groups involved to understand the problems related to it and, finally, asking them to
make a decision after discussions.
The chosen topic is the Internationalization of Amazônia and the students were
divided into five groups, each representing one of the following social actors: the
Brazilian government, the people from the forest, the environmentalists, the industries
and a group especially dedicated to the organization and publishing of the discussion
and deliberation forum.
Keywords: STS, science, technology, society, science teaching.
INTRODUÇÃO
Há algum tempo vimos incomodados com a forma com que as pessoas de modo geral
encaram o que aprenderam de ciências e de matemática ao longo de sua passagem pela
escola. Dado que vivemos numa sociedade absolutamente imersa em avanços
científicos e tecnológicos que, de algum modo e, determinados aspectos, passaram a
influenciar de formas às vezes pouco saudáveis as relações humanas mais simples,
deveria ser natural que a aquisição de conhecimentos básicos de ciências e de
matemática fossem fundamentais para a fluência de uma vida nos tempos modernos.
Como afirma Casassus (2007):
Se antigamente a ciência e a tecnologia eram importantes somente para as
pessoas que se dirigiam para as carreiras científicas, hoje isto mudou, pois as
tecnologias com base matemática moldam nossa existência (p. 79)
Porém, ao contrário, o que se observa é a formação de uma geração que
praticamente abomina a física, a química, a matemática e enxerga a biologia apenas
como uma expressão de proteção ambiental. Outrossim, é uma geração que é capaz de
discorrer sobre aspectos éticos e morais de determinados assuntos deixando de lado as
digressões técnicas que se fazem necessárias por faltar-lhes conhecimentos mínimos os
quais poderiam muito bem ser tratados em nível escolar médio. Conforme afirma Santos
(2008),
Podemos considerar a educação de ciências que se faz na maioria das escolas
com memorização de termos científicos, sistemas classificatórios e
algoritmos como sendo uma educação bancária na concepção freireana. Essa
educação neutra, não problematizadora, carrega consigo valores dominantes
da tecnologia que têm submetido os interesses humanos àqueles puramente de
mercado. Essa educação acaba sendo opressora, na medida em que reproduz
um valor de ciência como um bem em si mesmo a ser consumido e aceito
sem questionamentos.
Neste cenário cada vez mais recheado de questões polêmicas, em que a
tecnologia, seus riscos e as formas científicas de analisá-los surgem com o próprio
desenvolvimento das sociedades contemporâneas e, cada vez mais, fazem parte do
nosso cotidiano, assim como a necessidade de se estudar as relações entre ciência,
tecnologia e sociedade ao longo da história, com ênfase na atualidade; filosofia da
ciência; análise de valores e ideologias envolvendo a produção e divulgação da ciência e
da tecnologia; influências das diferenças culturais nas concepções de ciência e
tecnologia e de suas relações com as sociedades; a participação da sociedade na
definição de políticas relativas às questões científicas, tecnológicas, econômicas e
ecológicas.
Embora não esteja no escopo deste trabalho, um estudo cuidadoso da História e
da Filosofia da Ciência nos permitem afirmar que, não obstante existirem estreitas
ligações entre ciência e tecnologia, a formação do conhecimento científico se diferencia
da formação tecnológica e, mais ainda, esta não é uma simples aplicação daquela. A
tecnologia é, como bem ressalta Lisingen, “uma atividade social complexa para a qual
concorrem atividades e interesses os mais diversificados, de modo que os artefatos,
como um dos produtos dessa atividade, possuem qualidades não apenas técnicas sticto
sensu”. (LISINGEN, 2004)
Ademais, considerando ser papel precípuo da escola básica formar seu educando
para o exercício pleno da cidadania, torna-se condicional desenvolver neste uma visão
crítica sobre as implicações sociais e ambientais advindas da implantação de novas
tecnologias ou do uso daquelas já existentes, bem como a capacidade da analisar
criticamente o papel político dos especialistas que capitaneiam os processos
tecnocientíficos na sociedade atual. Se no futuro esses jovens serão cientistas, juízes,
advogados, engenheiros, arquitetos etc., não importa desde que eles sejam capazes de
participar de forma absolutamente consciente e cidadã de controvérsias públicas ou de
discussões institucionais sobre temas ou políticas tecnológicas.
Os estudos de Ciência – Tecnologia e Sociedade (CTS):
definem hoje um campo de trabalho recente e heterogêneo, ainda que bem
consolidado, de caráter crítico a respeito da tradicional imagem essencialista
da ciência e da tecnologia, e de caráter interdisciplinar por convergirem nele
disciplinas como a filosofia e a história da ciência e da tecnologia, a
sociologia do conhecimento científico, a teoria da educação e a economia da
mudança técnica. Os estudos CTS buscam compreender a dimensão social da
ciência e da tecnologia, tanto desde o ponto de vista dos seus antecedentes
sociais como de suas conseqüências sociais e ambientais, ou seja, tanto no
que diz respeito aos fatores da natureza social, política ou econômica que
modulam a mudança científico tecnológica, como pelo que concerne às
repercussões éticas, ambientais ou culturais dessa mudança. (BAZZO, 2003)
Assim, a partir dos estudos CTS é possível promover uma alfabetização
científica, sendo ainda uma excelente forma apresentar a ciência como uma atividade
humana de grande importância para a sociedade que integra, portanto, a cultura geral
das sociedades em geral. Desse modo, pretende-se estimular não só o gosto, mas a
vocação para o estudo das ciências e das tecnologias uma vez que há um
desenvolvimento natural da responsabilidade crítica sobre a sociedade em que vivemos,
segundo Santos (2008):
Ao contrário, o que se espera é que o cidadão letrado possa participar das
decisões democráticas sobre ciência e tecnologia, que questione a ideologia
dominante do desenvolvimento tecnológico. Não se trata de simplesmente
preparar o cidadão para saber lidar com essa ou aquela ferramenta tecnológica
ou desenvolver no aluno representações que o preparem a absorver novas
tecnologias.
Por outro lado, dado que a abrangência do enfoque CTS e as múltiplas
possibilidades que dele podem decorrer, faz com que sejamos inclinados a colocar uma
limitação, ou melhor dizendo, definir uma direção e sentido sob risco de perda de
objetividade.
Para situarmo-nos historicamente, os estudos CTS ganham um delineio mais
efetivo a partir das décadas de 1960 e de 1970 a partir do amadurecimento da ruptura da
tradicional relação linear “+ciência = +tecnologia = +bem estar social”, vigente quase
absolutamente desde o século 19. A constatação dos malefícios gerados à humanidade e
ao ambiente levou ao surgimento, embora com orientações distintas, dos estudos CTS
na América do Norte e na Europa.
Desde sua criação, os estudos CTS e programas CTS dividiram-se em três
grandes eixos: Campo da pesquisa, Campo das políticas públicas e Campo da educação.
Nos fixaremos no campo da educação, mais precisamente numa forma de
abordagem que é a controvérsia controlada.
A controvérsia controlada
A controvérsia controlada pode ser definida, como salienta Chrispino (2008),
como um método didático de construção de consenso (pelo menos no processo de
debate) minuciosamente preparado a partir de regras previamente definidas visando o
exercício de (1) identificação de problemas comuns para fomentar a controvérsia; (2) o
exercício de estabelecer padrões mutuamente aceitáveis para sustentar um debate; (3) a
busca organizada de informações pertinentes ao tema definido; (4) a preparação da
exposição em defesa da posição; (5) a capacidade de escutar a posição controversa
apresentada racionalmente pelos demais participantes; (6) o exercício de contraargumentar a partir do conhecimento dos argumentos utilizados pelos demais
debatedores e (7) reavaliar as posições – a sua e as demais – a partir de novas
informações.
Segundo Johnson e Johnson,
há uma controvérsia acadêmica programada quando as idéias, a informação,
as conclusões, as teorias e as opiniões de um aluno se opõem as de outro, mas
ambos tratam de chegar a um acordo por meio da proposta de Aristóteles: a
discussão das vantagens e desvantagens das ações propostas, apontando para
a síntese de novas soluções, a uma resolução criativa do problema
(JOHNSON e JOHNSON, 2004, p. 143).
Já para Flechsig e Schiefelbein (2003), a técnica de controvérsia apresenta
características importantes visto que permite desenvolver metas de aprendizagens e
competências específicas: se as demais técnicas em geral pretendem consolidar a
chamada “verdade objetiva”, que tanto caracterizam o ensino clássico, a técnica de
controvérsia busca realçar a argumentação, a apreciação de situações conflitantes,
conhecimentos controvertidos, posições diferentes frente e a formação de juízo de valor
frente a um tema. As tarefas de aprendizagens para os que desenvolvem a técnica
podem ser: elaboração de uma “tese”; a apresentação da “tese”; a identificação de “tese”
diferente da sua; a crítica da “tese” diferente a partir de informações e o exercício de
síntese. Esse conjunto de atividades resulta no domínio de competências de
comunicação e de argumentação importantes para as sociedades atuais.
Para esses autores, as fases da técnica de controvérsia podem ser:
Fase de preparação, onde se fixam oito aspectos: o que, quando, onde,
quem, com quem se deve discutir, quem terá a função de moderador,
que tipo de público será convidado e quais são as regras que
organizarão o debate;
Fase de recepção (apresentação das teses), nesta fase será proposta a
tese “digna de discussão” que logo deve ser aceita e publicada
(difundida);
Fase de interação (argumentação), primeiro os defensores e depois os
oponentes, expõem suas evidencias e argumentos contraditórios e na
rodada seguinte apresentam mais argumentos e/ou retiram alguns
outros argumentos;
Fase de avaliação, em que a disputa se resolve com una decisão do
grupo e mesmo com a opinião expressa de possíveis expectadores
presentes à disputa.
Para que se cumpram todas as etapas didáticas, o tema a ser utilizado na
controvérsia deve “combinar a interdependência social com o conflito intelectual, visto
que quanto maior for o número de elementos potencialmente cooperativos e menor o
número de elementos competitivos, mais construtivo será conflito e a controvérsia.
Importante perceber que não é somente o componente cooperativo que contribui para
uma controvérsia mas, também, o componente conflito, visto que é este que permitirá a
chance de ouvir outras posições e refletir sobre elas.
Um dos autores que mais tem produzido no campo da controvérsia controlada no
campo CTS é Mariano Martin Gordillo, cujos textos servirão de base para a
apresentação da técnica de controvérsia controlada. Escreve o autor que,
se tivéssemos que enunciar em poucas palavras o propósito dos enfoques
CTS no campo da educação, seria possível resumir em dois pontos: mostrar
que a Ciência e a Tecnologia são acessíveis e importantes para os cidadãos
(portanto, é necessária a Alfabetização Tecnocientífica) e propiciar o
aprendizado social da participação pública nas decisões tecnocientíficas
(portanto, é necessária a educação para a participação também em Ciência e
Tecnologia). (GORDILLO, 2003)
Ambos os objetivos não podem ser alcançados a partir dos paradigmas
tradicionais que norteiam o ensino de modo geral que mostra uma ciência positiva e
linear. Apesar de Gordillo e os demais autores referirem-se sempre a disciplinas de
ciências e tecnologia, proponho que ampliemos este leque visto que, como já
demonstramos anteriormente, a natureza não se explica somente pelos canais das
chamadas ciências exatas. Ela necessita das ciências sócio-humanisticas para se
completar o entendimento da natureza, recortado para fins de ensino pelo artifício das
disciplinas.
Para alcançarmos o segundo objetivo proposto por Gordillo – a educação para a
participação também em Ciência e Tecnologia – é necessário o aprendizado de uma
ciência contextualizada, por meio de uma aula que possibilite o desenvolvimento das
capacidades, atitudes, hábitos e destrezas que favoreçam o diálogo e a tomada de
decisão sobre controvérsias relacionadas com Ciência e Tecnologia (e nós
complementaríamos, não só C&T), pelos instrumentos comuns a esta prática que são,
por exemplo, a confrontação pública e a democratização.
Se estivéssemos falando de Ciência conforme o conceito herdado, pediríamos
um laboratório para submeter os objetos de pesquisa à nossa vontade, reproduzindo as
experiências que, ao final, devem apresentar o mesmo resultado. Mas o mundo real e o
ato social que o representa no processo de transformação não podem ser submetido às
práticas corriqueiras dos laboratórios de pesquisa. Logo, se quisermos preparar o
cidadão/estudante para lidar com questões relevantes da comunidade em que vive,
necessitamos simular esses acontecimentos em uma escola que nos permita realizar a
simulação no espaço possível da sala de aula e com a riqueza desejável de detalhes,
tornando o experimento social o mais próximo possível da complexidade social.
É certo que o experimento social de controvérsia simulada será um recorte da
realidade. Por mais das vezes, um recorte tímido, mas que poderá ser a única chance de
alguns alunos de debaterem um tema social problemático e de ouvirem opiniões
diferentes da sua, num processo de troca indispensável à melhor decisão.
Essa é, pois, a fundamentação para a técnica de simulação de uma controvérsia
cujas variáveis e confronto de posições está sob o controle do professor que, para nós, é
a técnica da controvérsia controlada.
Para Gordillo e Osório (2003),
Os casos simulados CTS consistem na articulação educativa de controvérsias
públicas relacionadas com desenvolvimento tecnocientíficos com implicações
sociais ou ambientais. Se trata de uma proposta educativa desenvolvida pelo
Grupo ARGO onde, a partir de uma noticia fictícia, mas verossímil, se
desenvolve uma controvérsia suposta na qual intervém vários atores sociais
com idéias, opiniões ou interesses diversos. Cientistas, engenheiros,
empresas, associações de ecologistas, grupos de vizinhos, grupos políticos,
associações profissionais, cidadãos afetados, etc., são o tipo de coletividade
que, em cada caso, podem constituir a rede de atores que aparecem em cada
um dos casos simulados CTS para seu uso educativo.
(...)
As simulações CTS pretendem ser uma alternativa educativa para propiciar a
aprendizagem social da participação nas controvérsias tecnocientíficas. Daí
que seu principal significado não está na veracidade última de suas propostas
mas sim em sua verossimilhança e relevância social e educativa.
Os autores propõem que os casos de controvérsia controlada possuam um
conjunto de materiais para o bom desempenho da ação educativa. A lista proposta,
com as alterações próprias de nossa experiência, indica os seguintes materiais:
Uma noticia real3, que se apresenta aos alunos no formato de um jornal real, e
de onde se parte para o desenvolvimento da controvérsia de que se deseja
tratar.
Um questionário inicial e final, que serve para conhecer as informações e as
atitudes previas dos alunos sobre as questões objeto do trabalho, e para
demonstrar as mudanças produzidas ao final da atividade. São questões
utilizadas como pré-teste e pós-teste, permitindo avaliar o ganho de cada
equipe com a atividade.
Uma rede de atores que aparece na controvérsia descrita na noticia inicial, e
cujos perfis representem efetivamente os grupos com posições contrárias que
estabelecerão a controvérsia.
3
Os autores propõem uma notícia fictícia, porém verossímil. Cremos que a realidade brasileira está repleta de temas
que possam servir de ponto de partida para a controvérsia. Além do que a realidade é um espetacular motivador de
estudos e debates.
Documentos obtidos para dar apoio aos argumentos dos atores participantes,
relacionando o conhecimento específico da área que o caso trata com o centro
da controvérsia simulada.
Documentos selecionados por sua pertinência e claridade para apresentar a
informação científica do campo em que se situa controvérsia.
Fichas específicas onde cada equipe escreve seus argumentos e como vai
defendê-lo no momento em que as idéias diferentes são apresentadas.
Fichas específicas onde cada equipe antecipa como cada equipe com posição
contrária irá fundamentar sua posição e como, com os argumentos que possui,
deverá rebatê-los.
Fichas contendo os critérios de avaliação para a equipe e para os membros de
cada equipe.
Já Albe (2006, apud RAMOS e SILVA, 2007) enumera uma série de perguntas
que podem servir de norteadores desde a escolha do tema de controvérsia até a maneira
como se desenrola a sua aplicação pelo professor. Pergunta ele:
Favorece a aprendizagem? Trata-se de argumentar para aprender? Para
convencer? Para tomar uma decisão? Para refletir sobre o tema em questão?
Sobre a atividade proposta? Para analisar, criticar resultados, ideologias e
posições opostas? ... o papel do professor no debate também se coloca em
questão: deve dar sua opinião pessoal? Que opções didáticas escolher? Que
recursos utilizar? Que saberes de referência levar em conta? Que estratégias
didáticas elaborar? (p.96)
Identificação de um tema relevante em CTS
Uma primeira preocupação que tivemos na busca do tema foi identificar um caso que
pudesse ser real com adaptações para a ficção sem que houvesse perda da
verossimilhança, além disso, que dispusesse de um acervo vasto de informações e
notícias as quais pudessem prover todos os atores envolvidos de argumentos
suficientes para a preparação do debate, sem deixar de lado os aspectos
tecnocientíficos relacionados.
Ademais, buscamos então um tema que permitisse mostrar de forma efetiva as
implicações sociais e ambientais de uma decisão tecnocientífica.
O tema que estava em discussão, ainda fora da grande imprensa, por volta de
março de 2008 dizia respeito aos embates da então Ministra do Meio Ambiente,
Marina Silva, com pessoas do próprio governo Lula acerca de questões referentes à
preservação da Floresta Amazônica. Por outro lado, circulava pela imprensa
internacional notícias de caráter fantasioso dando conta na necessidade de
intervenção internacional na floresta como forma de preservar aquele que seria um
patrimônio da humanidade4.
Além disso, já há algum tempo, as questões concernentes à preservação do
ambiente em que vivemos ocupam espaço cada vez maior nos meios de comunicação e,
conseqüentemente, nas discussões em várias rodas de pessoas, constituindo um tema de
especial relevância para qualquer cidadão no mundo.
A possibilidade de inviabilizar a vida em nosso planeta para as gerações futuras
faz com que tenhamos que pensar com muita responsabilidade acerca de cada ação
tomada em razão dos possíveis impactos que esta pode determinar sobre a natureza.
4
Veja o famoso artigo escrito pelo Sen. Cristovam Buarque é uma referência para isso, em
http://www.portalbrasil.net/reportagem_amazonia.htm, acessado em 11/05/2009.
O aquecimento global é um dos algozes que mais suscitam preocupações em
todos os cantos do planeta, não obstante, em termos de larga escala, pouco se faça para
contê-lo. Em face de suas implicações político-financeiras atreladas ao grande
desenvolvimento tecnicocientífico, marca do mundo atual, as possibilidades de uma
mudança nesse quadro gerariam questões tão intrincadas em nossa sociedade que, por
vezes, adotando um princípio meio perigoso, adiam-se decisões de forma pouca
responsável.
Particularmente, nesse amplo quadro, há a questão dos efeitos do aquecimento
global sobre a Floresta Amazônica tão cara para o povo brasileiro e tão desejada por
uma série de interesses internacionais.
Essa floresta, na e sob a qual se escondem mistérios que tantos desejam explorar,
há muito vem sendo alvo da cobiça externa que, por diversas vezes de maneira direta ou
indireta, propôs sua internacionalização, alegando ser ela um patrimônio da humanidade
que requer cuidados negligenciados pelo Governo Brasileiro. Porém, será lícito tomar
do povo brasileiro sua floresta?
Portanto, ficou configurado aí um tema perfeito para se propor uma simulação
CTS na medida em que nele havia ingredientes suficientes como: uma série de ações de
conseqüências sociais graves, oriundas do desejo externo pela internacionalização da
Amazônia, a qual poderia garantir sua preservação, mas, ao mesmo tempo, permitir a
exploração de seus recursos naturais. Esse ponto por si já é controverso, uma vez que a
exploração dos recursos naturais implicaria a implantação de indústrias e a conseqüente
rede estrutural de que elas necessitam, acarretando impactos ambientais de
desdobramentos inusitados.
O tema proposto, conquanto ganhasse cada vez mais expressão com a veiculação
maciça pela mídia, tornava-se cada vez mais atual, especialmente a partir do momento
em que recentes pesquisas revelaram influências específicas do aquecimento global
sobre a região amazônica. Destarte, sua discussão por meio de organismos
representativos de vários segmentos da sociedade internacional possibilitou, diante da
controvérsia colocada, o exercício da reflexão acerca das atividades tecnicocientíficas,
das questões econômico-financeiras, dos valores em termos morais e éticos e, com isso,
ajudar na “construção da aprendizagem da convivência de grupos com idéias e posições
distintas e o conflito salutar de idéias divergentes, sobre o qual se estrutura uma
sociedade democrática” (CHRISPINO, 2005).
O que se propôs por meio do projeto foi uma simulação. Mesmo fazendo uso, na
maioria das vezes, de documentos reais, o objetivo foi realizar um exercício a partir de
uma possibilidade bastante plausível de controvérsia social, envolvendo grupos
nacionais e internacionais em torno de uma questão acerca da Floresta Amazônica.
Descrição do trabalho
A primeira etapa da estruturação do trabalho consistiu em, após escolher o tema e a
metodologia a ser utilizada, redigir um projeto o qual foi feito baseado na proposta
elaborada por Chrispino (2005), intitulada Proibição do Fumo: decisão pessoal ou
social?, simulação educativa de um caso CTS sobre a saúde, encontrada em
http://www.campus-oei.org/salactsi/alvaro.htm.
O projeto, em consonância com o que descrevemos neste texto, basicamente
continha uma justificativa do tema, uma pequena apresentação sobre o enxerto CTS,
um guia didático no qual se descrevia de forma bem geral o que seria o trabalho, uma
proposta de cronograma, os critérios e os procedimentos de avaliação, uma proposta
de questionário inicial e final e orientações sobre a forma de participação dos alunos
em uma controvérsia controlada.
Em de abril de 2008, iniciou-se a segunda etapa do trabalho que envolveu a
formação do grupo de professores que iria desenvolver o projeto. O critério utilizado
nesse momento basicamente foi ser professor de uma disciplina cujo assunto fosse
naturalmente afeito ao tema escolhido. Por esse critério foram convidados os
professores do 1º ano do Ensino Médio responsáveis pela regência das disciplinas
Biologia, Filosofia, Física, Geografia, História, Química e Informática, sob a
supervisão do Coordenador do Segmento. O grupo ficou então constituído por nove
professores, dos quais, oito efetivamente atuando em sala de aula.
Ao longo dos meses de abril, maio, junho e julho foram realizadas reuniões
periódicas com o objetivo de discutir detalhadamente cada etapa do projeto, bem como
a forma de desenvolvimento do trabalho de cada um.
Uma das primeiras dificuldades observadas junto ao grupo foi a resistência
com respeito aos conteúdos conceituais que não iriam, em alguns casos, ao encontro
do que tradicionalmente é cobrado nos exames vestibulares. Outra dificuldade bastante
referida dizia respeito à forma de atuação do professor em sala de aula posto que lhe
caberia o papel de orientador de estudos e pesquisas, distinto do tradicional papel de
palestrante.
Nos dois casos, ambas as resistências geraram discussões dentro do grupo as
quais foram essenciais para a compreensão e efetiva realização do projeto.
A despeito da possível quebra da linearidade do conteúdo programático é
preciso que se perceba com efetividade os objetivos do projeto em termos de
conteúdos não só conceituais, mas, sobretudo, procedimentais e atitudinais, por vezes
relegados pela escolarização comum e tão importantes para a formação estudantil seja
para o curso universitário, seja para o mundo do trabalho ou para a vida na sociedade
moderna. Ademais, limitar o exercício da docência à aula expositiva, na acepção
arcaica, é uma simplificação de um ofício por si amplo de significações e beleza.
A equipe de professores previu um dia para a apresentação do projeto; a partir
desse dia, seria dado um prazo de uma semana para que os grupos (atores) se
preparassem recolhendo o material contendo as informações necessárias para a
elaboração dos argumentos que sustentariam sua posição no debate. Na semana
seguinte à apresentação do projeto iniciar-se-íam os trabalhos, sendo reservada uma
semana para que cada grupo, ao longo das aulas dos professores vinculados ao projeto,
sob a orientação destes, preparassem os documentos para o debate. Em um dia
previamente determinado, cada grupo entregaria um relatório contendo uma síntese do
que preparara para fundamentar sua argumentação para o debate. Cumpre ressaltar
que, em cada dia de trabalho, em cada aula, os grupos (atores) seriam avaliados de
acordo com critérios previamente estabelecidos pelos professores, assim como o seria
o relatório entregue. Na semana seguinte, seriam preenchidos os questionários finais e,
finalmente, seria realizado o grande debate.
Durante o período de estruturação do trabalho foram coletados e reunidos cerca
de duzentos documentos incluindo aí artigos científicos, textos de jornais e revistas,
reportagens e entrevistas acerca de temas referentes à internacionalização da
Amazônia e assuntos relacionados, os quais serviriam de suporte para que os grupos
de alunos construíssem suas argumentações para o debate.
Desde a apresentação do projeto, no dia 04 de agosto, a receptividade
observada foi a melhor possível. Neste mesmo dia, houve a aplicação do questionário
inicial o qual, em linhas gerais, demonstrou que a maior parte dos alunos possuía
conhecimentos sobre o tema em nível de senso comum e apresentava as preocupações
que usualmente eram tratadas pela grande imprensa.
A partir do dia 11 de agosto, quando efetivamente o trabalhou foi iniciado,
tivemos momentos deveras interessantes. Os grupos, de posse das informações que
haviam trazido, deram início à discussão do que seria relevante para fundamentar seus
pontos de vista, esbarrando algumas vezes em divergências pessoais sobre o tema e
sobre o próprio papel exercido. Cada professor intervinha na medida em que era
solicitado ou que julgava ser necessário, ou ainda, se colocava diante do grupo a fim
de verificar se o desenvolvimento do trabalho ocorria uniformemente ou por apenas
alguns dos elementos do grupo.
Essa prática se repetiu ao longo dos demais dias sendo observado, em cada dia,
um desenvolvimento mais eficiente do que nos dias anteriores até culminar com a
produção final do texto que serviria de base para a elaboração dos argumentos para o
grande debate.
Os professores a quem coube a orientação ao longo do último dia de trabalho, à
medida que recebiam os textos dos grupos, faziam uma avaliação informal do
processo e, conforme relataram, “nunca imaginaram que um trabalho daquela natureza
pudesse ser tão bem recebido e causar tamanho impacto junto aos alunos”. Outra
informação interessante, também obtida junto aos alunos, foi com relação ao trabalho
do professor. Para muitos foi uma surpresa ter percebido ser possível aprender sem
que o professor estivesse “na frente da sala dando aula”. Do mesmo modo, por parte
dos professores, houve comentários com respeito à surpresa da possibilidade de
“ensinar sem ter que estar escrevendo no quadro e expondo a matéria”.
Em ambas as observações são possíveis depreender a quebra do paradigma da
tradicional forma estabelecida como padrão de ensino escolar – a aula expositiva.
O debate foi organizado em sete blocos, o primeiro deles destinado à
apresentação da controvérsia e dos pontos defendidos por cada um dos atores
(Associação dos grupos interessados na exploração da Floresta, Movimento
Ambientalista, População indígena e Governo Brasileiro). Em seguida, com intervalos
de 5 minutos entre cada bloco, ocorreram os blocos em que os debatedores faziam
perguntas entre si, respondiam perguntas da platéia e do grupo de professores
integrantes do projeto, totalizando quase três horas de discussões intensas e bastante
densas em termo de conteúdo.
Após a finalização do debate, foi feita uma votação na qual os presentes teriam
que indicar se eram ou não favoráveis à Internacionalização da Amazônia.
O que se percebeu foi um nítido reconhecimento por parte da platéia de um
desempenho muito melhor dos defensores da internacionalização, mas a vitória do
NÂO, com cerca de 70% dos votantes, desvelou que, não obstante se questione, por
razões diversas o esboroamento do ufanismo brasileiro, ele tocou aquele grupo de
jovens.
Juntamente com a cédula de votação, cada aluno recebeu um formulário o qual
deveria preencher como forma de avaliação do projeto. Esse questionário trouxe
informações deveras relevantes sobre aspectos concernentes à prática escolar usual,
sobre o desempenho dos alunos em vista dos objetivos do projeto, sobre a forma como
os alunos perceberam a participação docente e uma avaliação geral do projeto. De
modo geral, um levantamento em termos absolutos, aqui sem apresentar um rigor
estatístico, demonstrou que, no ponto de vista da maior parte dos alunos:
1) o curso tradicionalmente desenvolvido possui uma articulação de regular a ruim
entre os professores das diferentes disciplinas;
2) o projeto possibilitou acesso a informações sobre temas ligados à ciência, à
tecnologia e à sociedade, de modo que, normalmente, só se consegue, para
alguns interessados, por meio da imprensa;
3) os objetivos gerais do projeto foram bem percebidos e atingidos;
4) o desenvolvimento do projeto permitiu uma melhoria do aluno como estudante
na medida em que trouxe-lhe informações e conhecimentos essenciais para a
vida na sociedade atual;
5) o desenvolvimento do projeto propiciou uma significação de alguns dos
conteúdos estudados na escola;
6) o trabalho dos professores, ao ser qualificado como bom, pode nos levar a inferir
que a atuação do docente como orientador de estudos e pesquisas, em detrimento
do tradicional papel de expositor de conteúdos, é um caminho viável para o
desenvolvimento do processo de ensino com conseqüências interessantes para o
processo de aprendizagem;
7) um trabalho que coloca os alunos como protagonistas do processo, não obstante
demandar uma série de cuidados, mobiliza-os de tal forma que o processo de
aprendizagem quase se naturaliza.
Conclusão
Conforme afirma Chrispino (2008) “A Abordagem CTS é certamente provocadora de
reflexões”. Foi por meio de sua utilização que um grupo de adolescentes, capitaneados
por nove professores, pode analisar com riqueza de detalhes e, por conseguinte, refletir
sobre um problema de peso internacional de severos impactos sociais, científicos e
tecnológicos de uma forma organizada e metodologicamente controlada. Ainda,
segundo Chrispino (2008),
Por conta dela reavaliamos a onipotência da Ciência e da Tecnologia,
percebemos que o conhecimento não é por si só bom, percebemos
que o aparato tecnológico que nos auxilia a principio pode estar
carregado de ideologia, observamos que a Ciência e a Tecnologia e
seus melhores especialistas possuem um “quê” de humanos com
todas as suas idiossincrasias, vislumbramos um espaço de
participação na decisão dos caminhos a serem traçados para o futuro
da sociedade tecnocientífica a que todos estamos vinculados...
Ademais, o exercício para os alunos do trabalho em grupo a fim de construir
argumentações em torno de uma posição por vezes distante daquela em que se acredita,
a necessidade do estabelecimento de consenso em meio a posições divergentes, a
seleção e o tratamento de informações, enfim, a mobilização de um conjunto de
habilidades e competências pessoais, relacionais e profissionais, cada vez mais
demandadas na sociedade moderna também podem ser destacadas como um ponto de
destaque do trabalho realizado.
Outro ponto que chamou-nos a atenção foi a demonstração da controvérsia
controlada como um poderoso recurso didático para o desenvolvimento de processos de
ensino e de aprendizagem em sala de aula, na medida em que os professores envolvidos,
ao serem instados a atuarem de maneira distinta da atual posição de meros expositores,
conseguiram sentir-se à vontade e realizadores de seu papel de educadores.
Enfim, buscamos desenvolver um trabalho que não se limitasse ao que Santos e
Mortimer chamam de uma proposta de CTS que enfatiza
...um modelo de tomada de decisão tecnocrática em relação a custos e
benefícios, as quais enfatizam muito mais passos racionais na tomada de
decisão do que desenvolvimento de valores para ação responsável que seria
requerido em uma perspectiva humanística na visão freireana (SANTOS e
MORTIMER, 2001).
Achamos que “preparar os cidadãos ao manejo cada vez mais especializado da
tecnologia e de os preparar para adotar uma posição de consumidores exigentes que
passam a ter uma seleção refinada sobre o que e como consumir” (SANTOS e
MORTIMER, 2001), é um reducionismo no papel da escola a qual deveria se ocupar
precipuamente com a formação de cidadãos conscientes e plenos, qualificados para se
colocar diante dos desafios cada vez mais freqüentes que são propostos para a nossa
condição humana pela ciência e pela tecnologia.
De modo geral, recorrendo à máxima popular, “só se aprende fazendo”, tanto
para alunos como para professores, o projeto realizado permitiu a aprendizagem por
meio da atuação, de sorte que, como diz Chrispino (2008),
A participação social só se aprende participando... criemos os espaços
de participação para que os nosso alunos simulem as dificuldades que
poderão viver proximamente e, quando estivermos ofertando a eles as
simulações da realidade e oferecendo as ferramentas do conhecimentos que
transforma, estaremos oferecendo a nós mesmo o que não tivemos antes. A
cada controvérsia controlada que coordenarmos, estaremos abrindo janelas de
novas percepções aos jovens sob nossa direção e estaremos reafirmando a nós
mesmos que uma sociedade melhor é possível.
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