O que só existe ao não ser Bernardino Horne 1. Substância gozante É no instante da encarnação que o corpo do ser humano se faz um corpo falante, e o faz pela incorporação do significante. Em ... Ou pior, Lacan (1971-1972/2012) abre o Capítulo do Uniano e afirma que o que está em jogo é: “O que só existe ao não ser”. Assim inaugura um campo de puro gozo, porque o significante não é significante, deixa de ser e somente existe. No entanto, podemos dizer que o significante que não é, há, existe. Ele o faz na forma de gozo-corpo. Trata-se de um momento anterior ao gozo propriamente dito de alíngua, que é o gozo do Um sozinho. O S1 da encarnação, do acontecimento de corpo, não é significante. Materializa-se no corpo e, assim sendo, é gozo. Ao mesmo tempo, ao existir e materializar-se (MILLER, 1998-1999/2003), ao se tornar corpo o afeta e, desse modo, o corpo é gozo e o corpo é significante. Esse momento, que Miller chamou encarnação, configura o Troumatisme original. O íntimo entrelaçamento da carne com o significante será responsável pela relação entre saber e saber fazer, assim como a fala implicando o corpo como falante. Miller (2011) diz que o inconsciente é um lugar de ser, no entanto, com Freud designamos o Id como um lugar de gozo que encarnamos no corpo, e acrescenta que “o que Lacan chama de corpo é a encarnação do isso freudiano, ou seja, o corpo no tanto que se goza”. No troumatismo apresenta-se, no mesmo instante, a negatividade absoluta, ou seja, a morte e a vida, o gozo, de sinal positivo. Convive a experiência do desamparo total que no discurso aparece como ser Nada que ou cai no vazio infinito sugado pelo redemoinho sem fim, ou o S1 consegue injetar-se na matéria, incorporar-se. Nesse momento Significante e objeto são Um. Só depois cada um terá seu lugar. A experiência negativa, de morte, convive no tempo com a experiência de produção de vida, como gozo de signo (+) Positivo. Um vulcão de gozo em produção ativa. No entanto, o gozo é fugaz, ocorre por momentos que podemos imaginar como súbitas correntes elétricas, orgasmos concentrados, clarões, raios, a ressônancia do OM de uma meditação com o Dalai Lama que se vão escrevendo em letras borromeanas. Podem comparar-se, na sua função de escrita, com as facilitações do Projeto de Freud, que Lacan considera mais como fixações no trajeto significante. É o significante, que, com o nome de Sinthoma, atuará sobre essa corda única de gozo separando RSI, para marcar a existência dos três registros. Em Piezas sueltas, Miller (2013, p. 57) afirma categoricamente o valor inicial do Sinthoma com a função de desenodar, desunir. Somente depois o Sinthoma tomará a função de manter juntos R, S e I, que ficam com a tendência de separar-se. É por meio dos S1 de alíngua que o significante consegue ambas as posições: existir e ser. O desejo do analista é precisamente um desejo de abordar o inabordável. O texto de Bernard Porcheret (2013), na Revista Colofón, n.º 33, pareceu-me muito interessante nessa perspectiva. Referências LACAN, J. O campo do Uniano. In: ______. O seminário, livro 19: ... ou pior (19711972). Tradução de Vera Ribeiro. Rio de Janeiro: J. Zahar, 2012. p. 121-131. MILLER, J.-A. L’être et l’un (2010-2011). Cours de Orientation Lacanienne, 13, Leçon 18 mai 2011. Inédit. ______. Piezas sueltas. Buenos Aires: Paidós, 2013. ______. El saber incorporado. In: ______. La experiencia de lo real en la cura psicoanalítica (1998-1999). Buenos Aires: Paidós, 2003. cap. 12. PORCHERET, Bernard. La raíz corporal del sinthome. Colofón: Cuerpos que Hablan, Buenos Aires, n. 33, p. 18-22, mayo 2013.