UNIVERSIDADE VEIGA DE ALMEIDA
PROGRAMA DE MESTRADO PROFISSIONAL EM
PSICANÁLISE, SAÚDE E SOCIEDADE
JORGE LUÍS AIRES PEREIRA
PSICANÁLISE E EDUCAÇÃO À DISTÂNCIA
RIO DE JANEIRO
2012
JORGE LUÍS AIRES PEREIRA
PSICANÁLISE E EDUCAÇÃO À DISTÂNCIA
Dissertação apresentada ao Programa de Pósgraduação – Strictu sensu – Mestrado Profissional em
Psicanálise, Saúde e Sociedade da Universidade
Veiga de Almeida, como parte dos requisitos para
obtenção do título de Mestre em Psicanálise, Saúde e
Sociedade. Área de concentração: Psicanálise e
sociedade.
ORIENTADORA: PROFª DRª MARIA HELENA MARTINHO
RIO DE JANEIRO
2012
DIRETORIA DOS PROGRAMAS DE PÓS-GRADUAÇÃO STRICTU SENSU
E DE PESQUISA
Rua Ibituruna, 108 – Maracanã
20271-020 – Rio de Janeiro – RJ
Tel.: (21) 2574-8834 /2574-8871
FICHA CATALOGRÁFICA
Ficha Catalográfica elaborada pela Biblioteca Setorial Tijuca I / UVA
FOLHA DE APROVAÇÃO
JORGE LUÍS AIRES PEREIRA
PSICANÁLISE E EDUCAÇÃO À DISTÂNCIA
Dissertação apresentada ao Programa de Pósgraduação – Strictu sensu - em Psicanálise, Saúde e
Sociedade da Universidade Veiga de Almeida, como
parte dos requisitos para obtenção do título de Mestre
em Psicanálise, Saúde e Sociedade. Área de
concentração: Psicanálise e sociedade.
Aprovada em 27 de Abril de 2012.
Banca Examinadora
__________________________________
Profª Drª Maria Helena Martinho
Universidade Veiga de Almeida
___________________________________
Profª Drª Glória Sadala
Universidade Veiga de Almeida
___________________________________
Profª Drª Sheila Abramovich
Universidade do Estado do Rio de Janeiro
Dedico esta dissertação a esta pequena,
mas grande família: Maria esposa, mulher
e companheira de todos os momentos;
Fernanda filha, princesa, amiga e
companheira; e ao nosso fiel cão, amigo
de todas as horas, Snoopy.
AGRADECIMENTOS
Ao Prof. Dr. Antonio Quinet.
Ao Prof. Dr. Luiz Carlos Bittencourt.
À Profª. Drª. Maria Anita Carneiro Ribeiro.
À Profª. Drª. Maria Cristina Poli.
À Profª. Drª. Sonia Borges.
À Profª. Drª. Vera Pollo.
Aos meus amigos.
E, em especial, agradeço a minha orientadora, Profª. Drª. Maria Helena Martinho,
pela forma dedicada com que me orientou, pelas sugestões, pela leitura do trabalho
e por toda compreensão nas horas difíceis.
“O desafio mesmo é reconhecer o que não
conhecemos. Odiaríamos ir a algum lugar e
não ver o que está na nossa frente”.
(Mary Voytek - pesquisadora da NASA).
RESUMO
Essa pesquisa articula diferentes tipos de saber: educação, comunicação, tecnologia
e psicanálise; e dialoga com tais saberes para verificar pontos convergentes e
divergentes entre eles. Verifica as evoluções da comunicação na história da
humanidade. Averigua a importância da internet na comunicação, na educação em
geral e na educação à distância. Ressalta os ganhos que a humanidade teve com os
avanços tecnológicos e as perdas advindas dessa tecnologia. A pesquisa alerta para
o perigo contido na lógica do “comunicar tudo a todos” impressa no discurso
capitalista, que se contrapõe radicalmente ao discurso psicanalista. Recorre a um
conceito fundamental da psicanálise: a transferência, para interrogar se na educação
à distância a transferência se estabelece através da internet. E conclui que a
transferência poderá se estabelecer dentro ou fora do processo analítico.
Palavras-chave: Comunicação; Educação à distância; Psicanálise; Tecnologia.
ABSTRACT
This research articulates different types of the knowledge: education, communication,
technology and psychoanalysis and deals with such knowledges to verify convergent
and divergent points among them. Verify the evolution of communication in the
history of humanity. It ascertains the importance of internet communication in
education in general and on distance education program. It emphasizes the gains
that humanity obtained with technological advances and losses coming from these
technologies. The research alerts us to the dangers contained in the logic of
“communicate all to everyone” ingrained in the capitalist speech that contradicts itself
from
the
psychoanalyst
speech.
It
recurs
to
a fundamental concept of
psychoanalysis: the transfer, to query if in distance education the transfer establishes
itself through internet. It understands that the transfer could be established within or
out of the analytical process.
Key Words: Communication; Distance Education; Psychoanalysis; Technology.
LISTA DE ILUSTRAÇÕES
QUADRO 1 - Paralelo entre o professor tradicional e o professor educador, p.48-49.
QUADRO 2 - Paralelo entre o aluno tradicional e o aluno aprendiz, p.50.
LISTA DE SIGLAS E ABREVIATURAS
AmBev - Companhia de Bebidas das Américas
ARPANET - Advanced Research Projects Agency Network
ASIT - Advanced School of Internet
CENPES - Centro de Pesquisas da Petrobras
CERN - European Organization for Nuclear Research
DNA - deoxyribonucleic acid
DARPA - Department Advanced Research Projects Agency
EaD - Educação à Distância
FAPESP - Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo
FIOCRUZ - Fundação Oswaldo Cruz
HD - High-definition
HTTP - Hypertext Transfer Protocol
HTTPS - HyperText Transfer Protocol Secure
IHC - Interação Homem Computador
IP - Internet Protocol
LNCC/MCT - Laboratório Nacional de Computação Científica
MEB - Movimento de Educação de Base
MILNET - Military Network
MOODLE - Modular Object-Oriented Dynamic Learning Environment
MSN - Windows Live Messenger
PDTIS - Programa de Desenvolvimento Tecnológico em Insumos para a Saúde
PETROBRAS – Petróleo Brasileiro S.A.
POP - Post Office Protocol
POP - Procedimento Operacional Padrão
SENAC - Serviço Nacional de Aprendizagem Comercial
SESC - Serviço Social do Comércio
SMNP - Simple Network Management Protocol
TCP - Transmission Control Protocol
TI - Tecnologia da Informação
UC - Universidade Corporativa
UDP - User Datagram Protocol
UNIALGAR - Algar Universidade de Negócios
WWW – World Wild Web
SUMÁRIO
1. INTRODUÇÃO
13
2. A REDE DE COMUNICAÇÃO
16
3. EDUCAÇÃO À DISTÂNCIA (EaD)
23
3.1. A HISTÓRIA DA EDUCAÇÃO À DISTÂNCIA
23
3.2. A EDUCAÇÃO À DISTÂNCIA NO BRASIL
25
3.3. MODELOS UTILIZADOS NA EDUCAÇÃO À DISTÂNCIA
28
3.4. A DISTÂNCIA TRANSACIONAL
31
3.5. A EaD NAS UNIVERSIDADES: UMA PESQUISA DE PETERS
35
3.6. A EaD COMO FORMA INDUSTRIALIZADA DO ENSINO E DA
APRENDIZAGEM
3.7. A PROPAGAÇÃO DA EaD
3.7.1. A UNIVERSIDADE CORPORATIVA
38
40
44
3.8. O ENSINO PÓS-MODERNO
47
4. INTERNET: TECNOLOGIAS
53
4.1. O ATUAL E O VIRTUAL
53
4.2. CIBERCULTURA
59
4.3. TECNOLOGIAS UTILIZADAS NA EaD
64
5. PSICANÁLISE E EDUCAÇÃO
71
5.1. A TRANSFERÊNCIA
74
5.2. A TRANSFERÊNCIA E O DISCURSO TÉCNICO-CIENTÍFICO
83
6. CONCLUSÃO
88
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
93
13
1. INTRODUÇÃO
O interesse em desenvolver uma pesquisa que articula os saberes, educação
à distância, tecnologia da internet e psicanálise, decorre do fato de minha formação,
tanto no curso de graduação como no de pós-graduação lato sensu, ter se realizado
na área de ciências exatas, mais especificamente, a primeira em Física e a segunda
em Análise de Sistemas, Redes de Computadores e Advanced School of Internet
(ASIT). Contudo, ao escolher um curso de pós-graduação stricto sensu, acabei me
decidindo por outra área do saber: as ciências humanas, mais especificamente, a
psicanálise. Acredito que a conexão entre essas áreas poderá me levar a desvelar
alguns mistérios que se imprimem na relação entre o homem e a máquina. O meu
interesse mais específico é o de pesquisar sobre a relação professor-aluno – através
da internet – na Educação à Distância (EaD)1. A pesquisa vem interrogar: haveria
uma diferença entre a relação professor-aluno no ensino tradicional e na educação à
distância? A pesquisa se baseia em uma bibliografia específica sobre o tema, assim
como na minha experiência pessoal em Tecnologia da Informação (TI), na área de
aprendizado no ambiente virtual e na Interação Homem Computador (IHC).
Atualmente, desenvolvo projetos em banco de dados não convencionais para
imagens tridimensionais, estudo em distribuição espacial da febre amarela,
educação à distância, para ensino de histologia para professores, na Fundação
Oswaldo Cruz (FIOCRUZ).
Ao longo da pesquisa recorrerei às obras de diferentes autores das áreas do
pensamento e do conhecimento, que se dedicam ao tema, especialmente as de Otto
Peters e de Pierre Lévy. Otto Peters, é um grande estudioso da educação à
distância e vem acompanhando o desenvolvimento desta na Alemanha e no mundo.
Veremos que Otto Peters destaca quatro inovações que justificam o interesse
crescente pela EaD: o aperfeiçoamento da tecnologia dos computadores pessoais, a
tecnologia multimídia, a tecnologia de compactação digital de vídeo e a tecnologia
de internet. O autor observa que a educação à distância apresenta vantagens
principalmente para aqueles alunos que possuem uma jornada de trabalho e
dificuldades de conciliar o horário profissional com as aulas presenciais na
universidade, destacando dentre outras vantagens da educação virtual.
1
Na presente dissertação optamos pelo termo Educação à distância (EaD), mas o termo Ensino à
distância também é utilizado por alguns autores.
14
Lévy é um pensador francês, estudioso da Filosofia da Informação, conhecido
pelo pioneirismo com que aborda o uso de novas tecnologias na vida cotidiana.
Atualmente Lévy tem sido considerado um “antropólogo do ciberespaço”, na medida
em que vem estudando e analisando o impacto do digital não só no campo cognitivo,
filosófico, mas também no ambiente da economia, da cultura e da educação. Lévy
teoriza sobre a revolução na cibercultura, realidade virtual, inteligência coletiva e
conexão planetária. Ele considera a internet da atualidade uma geradora de
transformações em todas as áreas de nossa sociedade.
No que se refere à psicanálise tomarei alguns textos das obras de Sigmund
Freud e de Jacques Lacan, assim como os de alguns psicanalistas contemporâneos,
na intenção de verificar questões referentes à educação e a transferência. Partindo
do pressuposto freudiano de que a transferência ocorre nas diferentes relações
estabelecidas pelas pessoas no decorrer da vida, venho interrogar: o que a
psicanálise tem a dizer sobre a relação professor-aluno na educação à distância?
Poderíamos afirmar que há transferência, através da internet, na EaD?
Os computadores e as redes digitais estão cada vez mais presentes em
nosso cotidiano. A internet, que interliga milhões de computadores e usuários, não
para de crescer. Várias palavras, que faziam parte da ficção científica, foram
incorporadas ao nosso vocabulário, tais como: ciberespaço, virtual, digitalização,
entre outras. Com os constantes desenvolvimentos de equipamentos e programas
destinados à simulação é possível fornecer aos usuários sensações de outras
realidades e a comunicação interativa entre eles independentes do espaço-tempo. É
inegável a presença e a influência da internet no mundo contemporâneo. Através da
internet há um fluxo de conhecimentos, desde os mais simples, até as tecnologias
mais sofisticadas. Certamente, é possível afirmar que as tecnologias de informação
e de comunicação favorecem a aprendizagem no ambiente virtual utilizado na
Educação Aberta e à Distância. Contudo, surgem as seguinte indagações: esse
ambiente possibilita uma maior interação professor-aluno? Será que propicia uma
mudança no perfil do aluno e do professor?
Na tentativa de responder tais questões, no primeiro capítulo dessa pesquisa,
intitulado “A rede de comunicação”, é realizado um breve percurso histórico sobre a
comunicação a fim de verificar os avanços obtidos nessa área de saber, desde a
pré-história até os dias de hoje.
15
No segundo capítulo, intitulado “A Educação à Distância – EaD, a história da
educação à distância no mundo e no Brasil é retomada. A obra de Otto Peters
(2003), intitulada Didática do ensino à distância: experiências e estágios da
discussão numa visão internacional, é utilizada como referência para melhor verificar
possíveis evoluções nessa área.
No terceiro capítulo, intitulado “A Internet: tecnologias”, são abordadas as
questões referentes ao atual e ao virtual, a cibercultura e as tecnologias utilizadas na
Educação à Distância, na tentativa de melhor esclarecer termos e aplicabilidades
das tecnologias utilizadas na EaD.
No quarto capítulo, intitulado “Psicanálise e educação”, são utilizados textos
de Sigmund Freud que abordam questões referentes à educação e a transferência
para interrogar: o que a psicanálise tem a dizer sobre a relação professor-aluno na
educação à distância?
16
2. A REDE DE COMUNICAÇÃO
Nesse capítulo nos propomos a abordar o que se refere a rede da
comunicação na Idade Contemporânea. Antes, porém, decidimos fazer um breve
retorno à Pré-história para verificar os avanços que se imprimiram na comunicação
ao
longo da história da humanidade. Vale lembrar que a periodização clássica
divide os períodos históricos da seguinte forma: Pré-história: das origens do homem
até 4000 a.C.; Antiguidade: de 4000 a.C. a 476; Idade Média: de 476 (século V) a
1453 (século XV); Idade Moderna: de 1453 (século XV) a 1789 (século XVIII); Idade
Contemporânea: do século XVIII aos dias atuais.
Nos primórdios da civilização o homem conseguiu vencer as barreiras impostas
pela natureza, inventando objetos e soluções a partir das necessidades. A Préhistória pode ser dividida em três fases: Paleolítica, Mesolítica e Neolítica.
Na primeira fase, a Paleolítica ou Idade da Pedra Lascada, o homem habitava
as cavernas, muitas vezes tendo que disputar este tipo de habitação com animais
selvagens. Quando acabavam os alimentos da região em que habitavam, as famílias
tinham que migrar para outra região. Os homens tinham uma vida nômade. Viviam
da caça, da pesca e da coleta de frutos e raízes. Usavam instrumentos e
ferramentas feitos a partir de pedaços de ossos e pedras. Os bens de produção
eram de uso e de propriedade coletivas. Nesta fase, os homens se comunicavam
com uma linguagem pouco desenvolvida, baseada em pouca quantidade de sons,
sem a elaboração de palavras. Uma das formas de comunicação era a pintura
rupestre. Através deste tipo de arte o homem trocava ideias e demonstrava
sentimentos e preocupações cotidianas.
Na segunda fase, a Mesolítica, o homem conseguiu dar grandes passos rumo
ao desenvolvimento e à sobrevivência de forma mais segura. O domínio do fogo foi
o maior exemplo disso. Com o fogo, o ser humano pode espantar os animais,
cozinhar a carne e outros alimentos, iluminar sua habitação, além de conseguir calor
nos
momentos
de
frio
intenso.
Outros
dois
grandes
avanços
foram
o
desenvolvimento da agricultura e a domesticação dos animais. Cultivando a terra e
criando animais, o homem conseguiu diminuir sua dependência com relação à
natureza. Com esses avanços foi possível a sedentarização, pois a habitação fixa
tornou-se uma necessidade. Nesta fase, ocorreu a divisão do trabalho nas
17
comunidades. Enquanto o homem ficou responsável pela proteção e sustento das
famílias, a mulher ficou encarregada de criar os filhos e cuidar da habitação.
Na terceira fase, a Neolítica ou Idade da Pedra Polida, o homem atingiu um
importante grau de desenvolvimento e estabilidade. Com a sedentarização, a
criação de animais e a agricultura em pleno desenvolvimento, as comunidades
puderam trilhar novos caminhos. Um avanço importante foi o desenvolvimento da
metalurgia. Com a criação de objetos de metais, tais como: lanças, ferramentas e
machados, o homem pode caçar melhor e produzir com mais qualidade e rapidez.
Os primeiros agrupamentos familiares se transformaram em vilas, aldeias e, após
diversas evoluções, em cidades nas quais os seus habitantes recebiam informações
de outros lugares através dos mascates. Por essa razão, os melhores lugares para
se obter informações eram nos mercados, nas feiras, nas praças e nas ruas, na
medida em que as informações eram passadas oralmente.
Com o passar do tempo as informações passaram da forma oral para a forma
escrita. Contudo, as informações escritas em mensagens eram somente para a elite
e para os senhores, uma vez que o ensino e o envio de mensagens tinham custos
muito altos. Por este motivo, naquela época, pouquíssimas pessoas sabiam ler e
escrever, somente as classes mais ricas da comunidade tinham professores e
mensageiros, que transportavam as mensagens a pé, a cavalo e através de outros
meios de locomoção.
Com os avanços tecnológicos de cada época novos meios de envio das
correspondências passaram a serem utilizados. No século XV, por exemplo, através
das caravelas; no século XIX, através das locomotivas e o revolucionário telégrafo
utilizando o código Morse, que “encolheu” o mundo, por ter a capacidade de levar
mensagens através de continentes e mares; no XX, através dos aviões. Na segunda
metade do século XX, as tecnologias digitais, propiciaram o envio de mensagens
eletrônicas, os e-mails. No século XXI, as tecnologias da informação e da
comunicação, proporcionaram as mensagens multimídias.
É curioso verificar que o “correio foi copiado da China pelo imenso Império
Mongol do século XIII (...). A partir do século XV, alguns estados europeus
implantaram sistemas de correios a serviço do governo central” (LÉVY, 1999, p.124).
O império Chinês era dividido em várias províncias administrados pelos senhores da
guerra conhecidos como Shoguns. Para manter essas alianças eram necessários
diversos investimentos inclusive em mensageiros, que levavam as mensagens do
18
centro para as periferias e destas para o centro. Para manter essas mensagens em
movimento eram necessários, homens de confiança, cavalos, hospedarias, barcos e
assim por diante. Muito dinheiro era utilizado para manterem essas infraestruturas,
devido a esses investimentos os mensageiros eram somente para a elite. Contudo,
as pessoas que eram conhecidas dos mensageiros passaram também a utilizá-los
através de subornos, ou seja, davam algo em troca para que esses mensageiros
também levassem as suas mensagens clandestinamente para os seus familiares,
que estavam ao alcance de seus trajetos. Sabedores desses procedimentos os
senhores passaram a aceitá-los e a cobrar uma taxa para que seus mensageiros
levassem as mensagens de outras pessoas. Foi assim que nasceu, nesse momento,
a ideia dos correios.
Vale ressaltar que alguns historiadores divergem quanto ao país que merece o
título daquele que fez o primeiro envio de mensagens através de territórios. Para
alguns, o envio mais antigo é dos egípcios, enquanto para outros, é os dos chineses.
Como os últimos são mais bem documentados pelas companhias ocidentais, optei
por considerar a China.
Segundo Lévy (1999), a verdadeira inovação social, a que afetou as relações
entre as pessoas, “só iria chegar ao século XVII, com a distribuição do correio ponto
a ponto, de indivíduo para indivíduo distante, e não mais apenas do centro para a
periferia e da periferia para o centro” (idem, ibidem, p.124). No Brasil, conforme o
Ministério das Comunicações, o Serviço Postal foi instituído oficialmente em 1663,
com o objetivo de possibilitar a comunicação entre Portugal e o então Brasil Colônia.
Verifica-se assim, que o envio de mensagens com infraestrutura técnica
existe há séculos, não é uma invenção atual. Nova é a forma como enviamos as
mensagens na Idade Contemporânea. Além de utilizarmos pessoas, animais, carros,
estradas, também usamos os recursos da eletrônica, dos softwares, dos cabos, das
fibra óticas e das ligações por satélites. Estes ainda não estão ao alcance da maioria
das pessoas, dado os seus altos custos de investimentos. A informação virtual está
à disposição daquele que tem a possibilidade de adquirir um computador, conectá-lo
a rede de comunicação (internet) e arcar com as despesas das assinaturas para
obter acesso a rede. Grande parte do tráfego na rede é de mensagens entre as
pessoas, geradas pelos e-mails, facebooks (rede social), tweeters (rede social
baseada em mensagens curtas como nos telégrafos). O Google, por exemplo, é um
centro de consulta de informações coletadas de diversos pontos da rede e WWW
19
(World Wide Web) um serviço da internet – que é um hipertexto interativo baseado
em navegação. Com estas trocas de mensagens e informações o significado social
da internet foi completamente modificado.
Vale lembrar que a rede de comunicação eletrônica foi criada durante a
chamada “guerra fria”, que, segundo historiadores, teve início após a explosão
nuclear de Hiroshima e Nagasaki. Na Segunda Guerra Mundial, durante a
conferência de Potsdam, ficou demonstrado que a aliança dos anos de guerra entre
os Estados Unidos, Inglaterra e a Rússia, não sobreviveria em tempos de paz. A
fase da diplomacia parecia definitivamente encerrada. Nesta conferência Stalin
(1879-1953) não se intimidou com o anúncio da bomba atômica americana, porque o
serviço secreto soviético já sabia sobre o Projeto Manhattan e a União Soviética
também tinha o seu projeto nuclear. Para demonstrar o poderio bélico americano,
poupar a vida dos soldados americanos e com a justificativa de acabar com a guerra
no pacífico rapidamente, Harry Truman (1884-1973) autoriza, cinco dias após o
encerramento da conferência de Potsdam, em seis de agosto de 1945, um ataque
nuclear à cidade portuária japonesa de Hiroshima, que foi arrasada por uma bomba
de urânio. Três dias depois, em nove de agosto, foi realizado um segundo ataque à
cidade de Nagasaki, que foi destruída por uma bomba de plutônio. Com o ataque
inesperado, o governo japonês não teve alternativa a não ser a rendição
incondicional às forças norte-americanas. Estes ataques foram, na realidade, um
recado a Stalin: os norte-americanos não hesitariam em usar a arma toda vez que
seus interesses políticos fundamentais estivessem em jogo.
Foi assim que na década de 1960, durante a “guerra fria”, o governo dos
Estados Unidos, temendo um ataque russo às bases militares americanas e que as
comunicações entre elas fossem destruidas, iniciou um projeto para proteger essas
comunicações. Para atender o projeto de proteção às comunicações, o Department
Advanced Research Projects Agency (DARPA) iniciou a rede Advanced Research
Projects Agency Network (ARPANET). A partir dessas pesquisas militares e do
desenvolvimento de novas tecnologias, outras bases militares americanas foram
acrescentadas a ARPANET que foi crescendo e sendo aprimorada.
Com a diminuição da tensão entre a União Soviética e os Estados Unidos, o
governo americano permitiu que pesquisadores que desenvolvessem estudos na
área de defesa pudessem acessar a ARPANET de suas respectivas universidades.
20
A partir desse momento, novos usuários da rede puderam começar a desenvolver
suas aplicações e serviços.
Em março de 1972, Ray Tomlinson criou o correio eletrônico (e-mail), com as
funções send/read. Ainda em 1972, o cientista Tim Berners-Lee, do European
Organization for Nuclear Research (CERN), desenvolveu a World Wide Web (WWW)
e a empresa norte-americana Netscape criou o protocolo HyperText Transfer
Protocol Secure (HTTPS), que possibilita o envio de dados criptografados para
transações comercias pela internet.
Em 1983, para atender ao crescente número de solicitações de acesso, o
governo dividiu o sistema em dois: a Military Network (MILNET), para os militares, e
a ARPANET, para as universidades e para os centros de pesquisas civis. Dessa
forma, professores, pesquisadores e alunos passaram também a ter acesso à rede.
A rede global composta pela MILNET e ARPANET, passou a se chamar
inicialmente inter-Net e, posteriormente, internet. Em 1990, a designação ARPANET
foi formalmente extinta, em detrimento da designação internet, já largamente
utilizada.
A partir de 1988, a internet iniciou a sua expansão mundial. No Brasil teve
inicio em 1988, por iniciativa da comunidade acadêmica de São Paulo, através da
Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP) e do
Laboratório Nacional de Computação Científica (LNCC/MCT). No Rio, se
conectaram a institutos de pesquisa dos Estados Unidos por meio de uma rede
chamada Bitnet, que permitia o uso do correio eletrônico por pesquisadores.
Posteriormente o Brasil migrou para a internet.
A internet tem como unidade básica de funcionamento a troca, o
compartilhamento e o fluxo contínuo de informações. O que se pode notar é que o
interesse mundial aliado ao interesse comercial, que evidentemente observava o
potencial financeiro e rentável daquela “novidade”, proporcionou o boom e a
popularização da internet na década de 1990. Através do navegador Web, é
possível acessar todas as informações disponíveis na grande rede.
A internet é uma interconexão de redes em escala mundial que interliga
milhões de computadores através de acordos. Esses acordos são chamados
tecnicamente de protocolos de comunicação, sendo o principal Transmission Control
Protocol (TCP) / Internet Protocol (IP) e outros como User Datagram Protocol (UDP),
Hypertext Transfer Protocol (HTTP), Post Office Protocol (POP), Simple Network
21
Management Protocol (SMNP) entre outros que permitem o acesso a informações e
a transferência de dados entre os computadores, independente do hardware
utilizado por diversos fabricantes.
Vale lembrar que a internet é a parte física: os fios, as fibra óticas, os
computadores, os disco rígidos, os roteadores e assim por diante. Enquanto a Web
é a parte lógica que utiliza programas para acessarem as informações que estão nos
servidores disponíveis nas extremidades da rede.
A internet é totalmente descentralizada e não existe um centro de controle
único. A sua inteligência/conteúdo está nas extremidades e não no seu núcleo.
Nenhuma organização a controla. A internet funciona com uma variedade de
recursos, serviços e infraestruturas que permitem suportar correio eletrônico,
comunicação ponto a ponto, compartilhamento de arquivos, processamento de
dados a distância, voz sobre IP (Internet Protocol) entre outros.
Os serviços fornecidos pela internet mais conhecidos são os e-mails, as
postagens e a Web (World Wide Web), que são os documentos interligados por
meio de links, que permitem o que chamamos de navegação, que consiste em ir de
uma informação para outra através dos links que são ligações entre as informações.
A navegação, ou seja, ir de uma página/informação para outra, através dos
links, pode ser de dois tipos: caça e pilhagem. A caça é quando se procura uma
informação já definida. A pilhagem é quando se navega a deriva, pelos links
compatíveis, até encontrar uma informação de interesse. Foi a partir dos termos de
navegação, caça e pilhagem, que surgiu também o termo pirata da rede. Tais termos
– caça e pilhagem – foram utilizados por Pierre Lévy (1999), no seu livro
Cibercultura.
As inovações da internet passaram a revolucionar o conceito de
relacionamentos, de laços sociais, de comunidades e assim por diante. Na internet,
o conceito de relacionamento se traduz em rede e em ciberespaço2.
O ciberespaço é definido por Lévy (ibidem) como “o espaço de comunicação
aberto pela interconexão mundial dos computadores e das memórias dos
2
Termo criado por William Gibson, em 1984, em seu livro de ficção científica, intitulado Neuromancer.
Esse termo designa a interconexão das redes digitais, nas quais são travadas batalhas entre
multinacionais. Alguns heróis são capazes de entrar nesses espaços de dados para viver todos os
tipos de aventuras.
22
computadores” (LÉVY, 1999, p.92). Trata-se de um novo meio de comunicação
estruturado. Tal termo foi rapidamente incorporado pelos usuários e criadores de
redes digitais. “Existe hoje no mundo uma profusão de correntes literárias, musicais,
artísticas e talvez até políticas que se dizem parte da ‘cibercultura’” (idem, ibidem,
loc.cit.).
Um fator relevante na internet é a sua integração global. Ou seja, além de
permitir a interação local, permite também a integração com outras sociedades de
diferentes culturas. Tal integração possibilitou a inserção do homem em diversas
comunidades distantes de forma virtual.
A comunicação globalizada trouxe inúmeras vantagens para a humanidade.
Contudo, como todo progresso, tem seu preço. Destacamos aqui um dos problemas
causados pela internet: a diminuição dos professores nas salas de aulas do mundo
globalizado, através da educação à distância, proposta por diversas universidades.
Na contemporaneidade, verifica-se que muitas universidades deixam de contratar
professores
para
contratar
organizações
que
desenvolvem
um
“ensino
industrializado” e vendem seus cursos para centenas de alunos através da internet.
Qual seria a razão disso? A relação custo-benefício? Antes de tentar responder a
essas questões precisamos percorrer um caminho: o da história da educação à
distância.
23
3. A EDUCAÇÃO À DISTÂNCIA – EaD
Nesse capítulo nos propomos a trabalhar a obra de Otto Peters – fundador e
primeiro reitor da Fernumiversität, Universidade a Distância, na cidade de Hagen,
Alemanha – intitulada, Didática do ensino a distância: experiências e estágio da
discussão numa visão internacional, na qual o autor aborda a modalidade de ensino
não-presencial. Vale ressaltar que Peters vem acompanhando o desenvolvimento do
ensino a distância na Alemanha e no mundo todo desde 1963. Antes, porém
vejamos, brevemente, um pouco da história da Educação à Distância.
3.1. A HISTÓRIA DA EDUCAÇÃO À DISTÂNCIA
O primeiro marco da Educação à Distância, segundo Lobo Neto (1995), foi o
anúncio publicado na Gazeta de Boston, no dia 20 de março de 1728, pelo professor
de taquigrafia Cauleb Phillips: “Toda pessoa da região, desejosa de aprender esta
arte, pode receber em sua casa várias lições semanalmente e ser perfeitamente
instruída, como as pessoas que vivem em Boston” (idem, ibidem).
Mais de um século após a publicação desse anúncio, no final da Primeira
Guerra Mundial, em 1918, novas iniciativas de educação à distância surgiram devido
à repressão na educação e ao recrutamento de jovens durante a guerra. O
desenvolvimento tecnológico no campo da comunicação e da informação, obtido
durante a Primeira e a Segunda Guerra Mundial, influiu decisivamente no destino da
educação à distância. Em 1938, a França iniciou um serviço de ensino por via postal
para os estudantes deslocados pelo êxodo. O rádio também foi utilizado no ensino
formal, nos programas de educação à distância, em países da Américas Latina,
como Brasil, Colômbia, México, Venezuela, entre outros. O rádio obteve muito
sucesso em experiências nacionais e internacionais, devido ao custo de
implantação.
Na década de 1970, houve outra evolução na educação à distância, aos kits
de materiais escritos, passaram a integrar o cassete de áudio e o videocassete.
Posteriormente, a televisão demonstrou a sua importância na educação a distância,
com os telecursos. Vale lembrar que no Brasil, o Telecurso 2º grau, da Rede Globo
de Televisão, fez um enorme sucesso. A educação a distância também foi lançada
24
no computador com os tutoriais How to e, mais recentemente, com a tecnologia de
multimídia.
Segundo Moraes (2010):
“Há muitas décadas, fala-se da correspondence education no Reino
Unido, pátria da primeira Open University, que popularizou o uso do
distance teaching. Nos Estados Unidos, são usuais, desde o século
XIX, os experimentos de independent study ou home study. Na
França, o télé-enseignement e a formation a distance não são
novidade. Na Alemanha, Fernstudium e Fernunterricht já ganharam
respeitabilidade” (idem, ibidem, p.28).
Atualmente a educação à distância está se expandindo rapidamente para
inúmeros países. Em alguns deles já existem instituições que só oferecem cursos
nessa modalidade de ensino, como a Open University, na Inglaterra, e a
Universidade Nacional à Distância, na Espanha.
Um caso interessante é o da Austrália, um dos países que mais investe em
EaD, mas que não possui nenhuma universidade especializada nesta modalidade.
Nas universidades de Queensland, New England, Macquary, Murdoch e Deakin, a
proporção de estudantes a distância é maior ou igual à de estudantes presenciais.
A internacionalização é uma tendência natural, que apresenta um obstáculo,
conforme relata Moraes (ibidem):
“A internacionalização parece uma tendência natural da EaD, desde
seu nascimento e pela sua própria definição. Afinal, como dizem
alguns de seus entusiastas, ela é uma oportunidade de eliminar
distancias na educação e, por extensão, desfazer fronteiras. No
entanto, alguns obstáculos parecem óbvios: os idiomas, as leis
nacionais (quanto a certificações, por exemplo) e os hábitos
institucionalizados” (idem, ibidem, p.53).
Atualmente, o ensino não presencial mobiliza os meios pedagógicos de quase
todo o mundo, tanto em nações industrializadas quanto em países em
desenvolvimento. Novos e mais complexos cursos são desenvolvidos, tanto no
âmbito dos sistemas de ensino formal quanto nas áreas de treinamento profissional,
principalmente nas plataformas de petróleo que estão sempre implementando novas
tecnologias.
A EaD foi utilizada, inicialmente, como recurso para superação de deficiências
educacionais, na qualificação profissional e no aperfeiçoamento ou atualização de
25
conhecimentos. Hoje, ela é cada vez mais utilizada nos programas que
complementam as formas tradicionais e é vista por muitos como uma modalidade de
ensino alternativo que pode complementar parte do sistema regular de ensino
presencial.
3.2. A EDUCAÇÃO À DISTÂNCIA NO BRASIL
Em 1904, no Brasil, escolas internacionais, que eram instituições privadas,
ofereciam cursos pagos, por correspondência. Em 1934, Edgard Roquette-Pinto
instalou a Rádio Escola Municipal no Rio de Janeiro, um projeto para a então
Secretaria Municipal de Educação do Distrito Federal, dirigida por Anísio Teixeira,
integrando o rádio com o cinema educativo, a biblioteca e o museu escolar, numa
pioneira proposta de educação à distância. Estudantes tinham acesso prévio a
folhetos e esquemas de aulas. Eram utilizadas também correspondências para
contato com estudantes.
Em 1939, surgiu em São Paulo o Instituto Rádio Técnico Monitor, atualmente
denominado Instituto Monitor. Em 1941, o Instituto Universal Brasileiro. Dois anos
mais tarde, surgiu a primeira Universidade do Ar, que durou até 1944. Em 1947,
surgiu a Nova Universidade do Ar, patrocinada pelo Serviço Nacional de
Aprendizagem Comercial (SENAC), Serviço Social do Comércio (SESC) e emissoras
associadas.
Durante a década de 1960, com o Movimento de Educação de Base (MEB), a
Igreja Católica e o Governo Federal, utilizaram um sistema radio-educativo:
educação, conscientização, politização, educação sindicalista, etc. Em 1970 surgiu o
Projeto Minerva, um convênio entre Fundação Padre Landell de Moura e Fundação
Padre Anchieta, para produção de textos e programas. Dois anos mais tarde, o
Governo Federal enviou à Inglaterra um grupo de educadores, tendo à frente o
conselheiro Newton Sucupira. Seu relatório final marcou uma posição reacionária às
mudanças no sistema educacional brasileiro, colocando um grande obstáculo à
implantação da Universidade Aberta e à Distância no Brasil. Outras experiências de
educação à distância foram iniciadas e levadas a termo com relativo sucesso.
Na década de 1970, a Fundação Roberto Marinho implementou um programa
de educação supletiva à distância para o ensino fundamental e o ensino médio.
26
Entre as décadas de 1970 e 1980, fundações privadas e organizações nãogovernamentais iniciaram a oferta de cursos supletivos a distância, no modelo de
telecurso, com aulas via satélite complementadas por kits de materiais impressos,
demarcando a chegada da segunda geração da EaD no país.
Foi somente na década de 1990 que a maior parte das Instituições de Ensino
Superior brasileiras mobilizou-se para a EaD, com o uso de novas tecnologias da
comunicação e da informação. Em 1992, foi criada a Universidade Aberta de Brasília
(Lei n°403/92), que poderia atingir três campos dis tintos: a ampliação do
conhecimento cultural, com a organização de cursos específicos de acesso a todos;
a educação continuada; a reciclagem profissional às diversas categorias de
trabalhadores e àqueles que já haviam passado pela universidade; o ensino
superior, englobando tanto a graduação como a pós-graduação.
As experiências brasileiras, governamentais e privadas, foram muitas e
representaram, nas últimas décadas, a mobilização de grandes contingentes de
recursos. O governo brasileiro criou leis e estabeleceu normas para a modalidade de
educação à distância no país.
No Brasil, em 1994, teve início a expansão da internet no ambiente
universitário. Dois anos depois, surgiu a primeira legislação específica para
educação à distância no ensino superior. As bases legais para essa modalidade
foram estabelecidas pela Lei de Diretrizes e Bases na Educação Nacional n° 9.394,
de 20 de dezembro de 1996, regulamentada pelo decreto n° 5.622 de 20 de
dezembro de 2005. Tal decreto dita que, ficam obrigatórios os momentos
presenciais para avaliação, estágios, defesas de trabalhos e conclusão de curso.
Classifica os níveis de modalidades educacionais em educação básica, de jovens e
adultos, especial, profissional e superior. Os cursos deverão ter a mesma duração
definida para os cursos na modalidade presencial. Em 1999 surgiram os primeiros
cursos superiores à distancia regidos por lei no Brasil.
Com base nas leis anteriormente descritas, os cursos de EaD, puderam
aceitar transferência e aproveitar estudos realizados em cursos presenciais. Os
cursos presenciais puderam aproveitar estudos realizados em cursos à distância.
Dessa forma, se regulariza o credenciamento de instituições para oferta de cursos e
programas na modalidade à distância (básica, de jovens e adultos, especial,
profissional e superior).
27
Vale aqui destacar que no Brasil a maior parte das instituições que oferecem
cursos à distância também o fazem no ensino presencial, sendo esse o modelo atual
predominante. Atualmente em algumas universidades brasileiras temos as três
modalidades de ensino, a presencial, semipresencial (parte presencial/parte a
distância) e a EaD.
A implantação da EaD no Brasil, em todos os níveis sociais e educacionais,
tem que ser gradativa, pois há uma desigualdade econômica e regional que dificulta
o acesso às tecnologias. Tanto a distribuição de renda quanto a desigualdade
regional, dificultam a mudança. Embora alguns grupos sociais estejam preparados
para a inovação, a grande maioria ainda não está. Atualmente, a maior parte da
população brasileira ainda não tem acesso aos recursos tecnológicos. Esta enorme
parcela da população só terá acesso a tecnologia de ponta, com a intervenção do
governo, através da democratização da informação.
Segundo Levine & Sun (apud MORAES, 2010), uma preocupação com os
custos levaram os fundadores da University of Phoenix:
“a oferecer um número limitado de cursos de especialização,
graduação e pós-graduação, com poucas eletivas e instrução por
meio de um corpo docente que trabalha em tempo parcial a partir de
um currículo padronizado em horários e lugares convenientes aos
alunos” (idem, ibidem, p.32).
Essa
situação,
lembra
Bates
(apud
MORAES,
2010),
colocará
os
formuladores de políticas públicas perante situações novas, desafiadoras e
complexas:
“Não obstante, a ameaça ao setor público é real. O setor privado se
concentrará naquelas áreas em que os lucros são obtidos mais
facilmente, como nos programas voltados para área de negócios e
nos cursos de tecnologia da informação. No entanto, deixará para o
setor público aquelas áreas que não geram lucros, como muitos
programas de artes, ciências sociais e possivelmente as ciências da
saúde, em razão de seu alto custo. Com a perda do subsídio cruzado
(em que uma atividade lucrativa subsidia outra que dá ‘prejuízo’), o
ensino superior terá cada vez mais problemas financeiros” (idem,
ibidem, p.33).
28
Será que a EaD irá de fato se popularizar? Será que esta forma de ensino
possibilita uma diminuição de custos? Uma abrangência na transmissão da cultura e
educação?
3.3. MODELOS UTILIZADOS NA EDUCAÇÃO À DISTÂNCIA
Professor e aluno sempre tiveram proximidade física. Tal ideia consolidou-se
na consciência das pessoas e perdura por um longo período de tempo. Para Peters
(2003), essa imagem de ensino presencial, na qual o professor e o aluno ocupam o
mesmo espaço físico, está sendo desconstruída, justamente, com o surgimento da
educação à distância. Na educação à distância, professor e aluno estão fisicamente
separados. Devido a essa distância física, criou-se o conceito de que a EaD não
pode ser comparada ao ensino presencial, modelo desejável e necessário a
educação. Na EaD é difícil ensinar e aprender.
Peters (2003) ressalta que para tentar reduzir a distância física entre
professor e aluno, a didática da educação à distância se concentrou essencialmente
em cinco modelos: “nos da correspondência, da conversação, do professor, dos
tutores e do modelo tecnológico de extensão” (idem, ibidem, p.48).
O primeiro modelo sugere diminuir a distância através da comunicação por
correspondência entre professor e aluno. A ideia principal deste modelo é que a
correspondência por escrito substituiria a comunicação oral do ensino presencial.
Segundo Peters (ibidem), a cultura da correspondência é utilizada há muito tempo,
para transmissão de pensamentos, epístolas pelos romanos, pelos eruditos,
divulgação de conhecimentos científicos e assim por diante. Os elementos didáticos
utilizados nas cartas eram conversações por escrito. Através das respostas
recíprocas se estabelece um diálogo, a locução direta e o tom pessoal nas cartas.
Uma especialista em educação à distância fundamentou os dois últimos elementos
da seguinte maneira: “dirigindo-se direta e informalmente aos estudantes, o escritor
se apresenta como uma pessoa que compreende suas necessidades e seus
interesses. O estabelecimento desse tom pessoal permite ganhar a confiança dos
estudantes” (ERDOS apud PETERS, 2003, p.49). Para Peters (2003) esse modelo
de educação à distância, foi aprovado na prática por ser uma invenção didática de
algum modo natural e tem como objetivo vencer o sentimento de isolamento dos
29
alunos. No século XIX ele contribuiu para o sucesso dos cursos por correspondência
em diversos países.
O segundo modelo, o da conversação, é uma abordagem complexa em que o
professor tem que imaginar um aluno se dirigindo a ele, com o intuito de obrigá-lo a
escrever na medida do possível a linguagem falada. Por outro lado, os alunos
imaginam os professores durante a leitura e mantém um diálogo silencioso com ele.
Desse modo, “a leitura dos textos didáticos e assimilação dos conteúdos neles
oferecidos se transformam em conversação interior e virtual” (PETERS, 2003, p.51).
Neste modelo a leitura deveria ser um prazer para o aluno, só assim ele atingiria o
objetivo do curso. Mas, para isso, o professor “deveria criar uma atmosfera de um
diálogo amigável e levar em conta suas convenções, criar sentimento de uma
relação pessoal entre docentes e discentes e assim aumentar a alegria no estudo e
a motivação” (idem, ibidem, loc.cit.).
Peters (ibidem) se interroga se nesse modelo o diálogo pode ser utilizado em
termos gerais, para a apresentação de conteúdos científicos no ensino superior.
Considera que nesta apresentação faz-se necessário oferecer estruturas e formas
organizadas de pensamento e métodos que apresentem resultados específicos
dentro da respectiva disciplina, que dificilmente podem ser conciliados com a forma
de conversa casual.
O terceiro modelo, o professoral, sugere que os professores transfiram suas
habilidades e arte para o texto didático. O texto deverá exercer substitutivamente
todas as funções didáticas importantes, típica do ensino e aprendizagem na sala de
aula.
Para Peters (ibidem) ao seguir esse modelo os docentes:
“despertam e direcionam a atenção dos discentes;
despertam e aumentam o interesse;
nomeiam e fundamentam os objetivos;
trazem a memória conhecimentos preliminares que se relacionam
com o objeto que está sendo estudado;
expõem o conteúdo em partes e numa sequência que facilitam a
recepção e a compreensão;
expõem assuntos difíceis com exagerada clareza e reiteradas vezes;
dão conselhos sobre como melhor estudar os conteúdos expostos;
por meio do retorno, certificam-se do resultado do processo ensinoaprendizagem;
fazem exercícios com os alunos;
os ajudam a empregar o que aprenderam”.(idem, ibidem, p.55).
30
Peters (2003) postula que:
“Existe possibilidade de transferir essas funções para o papel
impresso. Para tanto se desenvolveu bons textos didáticos, com
efeito, se esforçam para despertar a atenção, dirigir e fixar, por
exemplo: títulos que chamam a atenção, apresentação gráfica ou por
meio de formulações surpreendentes e impressionantes. Emprega-se
todo um arsenal de medidas com o intuito de fomentar e garantir sua
aprendizagem”. (idem, ibidem, p.55)
Peters (ibidem) defende a tese de que todo esse esforço é empregado para
superar a distância entre o professor e o aluno. Esse modelo exige do aluno uma
implicação considerável e um engajamento acima da média para que o objetivo seja
atingido.
O quarto modelo, o tutorial, propõe um texto didático que simula uma
conversa de aconselhamento. Esse tutorial por escrito “é considerado equivalente a
um diálogo de aconselhamento real. Esse modelo vem da Inglaterra – origem da
tradição da tutoria”, (ROWNTREE, apud PETERS, 2003, p.58), onde os tutores não
eram docentes e sim conselheiros, algo como amigo mais velho. Por outro lado,
esse modelo também associa o tutor a uma pessoa que dá assistência ao estudo.
Assim sendo, nesse modelo o professor assume a responsabilidade por cada passo
no estudo dos alunos. Esses são motivados a ler, reproduzir pensamentos e ideias e
aplicá-los. Os alunos devem ainda desenvolver atividades correspondentes e
despertar a ideia de um diálogo com um tutor imaginário. Tal diálogo se propõe a
ajudar o aluno a não se entregar a sensação de estar trabalhando isolado da
universidade, simulando assim proximidade.
O quinto modelo, o tecnológico de extensão, sugere que o ensino utilize como
auxilio os meios técnicos de informação e comunicação. Ao fazer isso, o aluno
passaria a ter acesso ao que lhe falta, a apresentação oral, suprida pelos
audiocassetes. Nesse kit também são enviados livros didáticos usados no estudo
com presença. Neste modelo os custos são menores e o número de estudantes
pode ser ampliado consideravelmente. Peters (2003) considera que neste modelo
“não se reduz apenas a distância física, mas, sim, além disso, a distância entre
educação à distância e ensino com presença. Neste sentido consegue-se uma
proximidade muito peculiar” (idem, ibidem, p.61). Os críticos desse modelo
31
contrapõem os argumentos do autor alegando que tais estratégias são apenas uma
ampliação do alcance do clássico ensino com presença.
3.4. A DISTÂNCIA TRANSACIONAL
Ao longo da história da educação à distância, o conceito de “distância” tem
sido alvo de inúmeras discussões. O conceito de “transação” foi definido por Dewey
& Bentley (apud MOORE, 2006), como “a interação entre o ambiente, os indivíduos
e os padrões de comportamentos, numa dada situação” (idem, ibidem).
A EaD é um modelo educativo que proporciona aprendizado sem limites de
tempo, de espaço, e pressupõe uma separação geográfica e temporal entre
professores e alunos, separação essa que conduz a padrões e comportamentos
específicos, que afetam os alunos, os professores e o aprendizado. Para intermediar
essa comunicação, recorreu-se à tecnologia como instrumento mediador, a
comunicação mediada por computador facilita e reforça a interação.
Moore (2006) identifica três formas de interação: interação aluno/conteúdo,
interação aluno/instrutor e interação aluno/alunos. A primeira tem a ver com o
processo de interação intelectual, com o conteúdo. A segunda refere-se ao diálogo
entre o professor e o aluno. E a terceira interação, ao diálogo dos alunos com os
colegas, com o objetivo de desenvolver análise crítica, partilhar ideias e
experiências. Northrup (apud MOORE, 2006), defende a tese de que na EaD, a
interatividade é “crucial para o sucesso de um curso, pois promove o envolvimento
dos alunos na aprendizagem” (idem, ibidem).
Peters (2003) considera que Michael Moore – da Penn State University – tem
o mérito de ter esclarecido e reduzido a um conceito aquilo que foi tentado com os
modelos da correspondência, do diálogo, do professor, dos tutores e da transmissão
eletrônica, ou seja, reduzir as distâncias entre os alunos e professores.
“Moore distingue entre distância física e distância comunicativa, isto
é, psíquica, e introduz, para designar a última, o conceito de
distância transacional, dependendo se os estudantes são
abandonados a sua própria sorte com os materiais de estudos ou se
podem comunicar com os docentes. Portanto, a função transacional
é determinada pela medida em que docentes e discentes podem
interagir (dialogue)”. (idem, ibidem, p.63).
32
Verifica-se assim que para esses autores a distância transacional atinge sua
maior intensidade quando alunos e professores têm pouco ou nenhuma
intercomunicação. Ou seja, o aluno está praticamente a sua própria sorte ou o
ensino está pré-programado em todos os detalhes. Ao contrário, a menor
intensidade é atingida quando o professor enseja frequentes diálogos, nos quais o
aluno pode expressar os pré-conhecimentos, desejos, interesses e assim ambos
determinam o andamento do ensinar e aprender. É através da frequência de
oportunidades para a comunicação entre o professor e o aluno, que a distância é
verdadeiramente reduzida. Ou seja, a proximidade é quem deve ser reduzida e não
da distância. Na realidade, o grau de transacionalidade pode ser expresso através
de três concepções: o diálogo didático, o estudo estruturado e a autonomia do aluno.
Vejamos a seguir, mais detalhadamente, tais concepções:
O diálogo didático, postulado por Peters (2003) é a interação positiva da
linguística direta e indireta entre professores e alunos. Este tem como objetivo
aperfeiçoar a compreensão do aluno. O diálogo entre o professor e o aluno tem
importância central, desde que transcorra sem estruturas, sem fim predeterminado e
se
desenvolva,
especialmente,
em
situações
de
aconselhamento.
Essa
aprendizagem dialogal exige dos estudantes, na concepção de Reinhard Taush e
Anne-Marie Taush, “parceria, respeito, calor humano, consideração, compreensão
empática, sinceridade e autenticidade” (TAUSH & TAUSH apud PETERS, 2003,
p.73).
Dessa maneira esse diálogo enfrenta dificuldades no sistema de ensino,
porque é influenciado por vários fatores: as personalidades do professor e do aluno;
a filosofia educacional e os conteúdos programáticos subjacentes à aprendizagem; o
ambiente de aprendizagem, nomeadamente o meio que suporta à comunicação; o
número de alunos por professor; a frequência de oportunidades para a
comunicação; o ambiente emocional estabelecido entre professor e aluno, ou seja, a
relação de respeito e consideração mútua. Outro fator importante, observado por
Peters (2003), nas escolas e universidades, é se houve interferência no diálogo, se
este foi negligenciado em favor dos métodos de exposição monológica ou no
atendimento a grupos grande de alunos. Peters (ibidem) chama atenção para o fato
de que em universidades tidas de massas, o diálogo foi avaliado negativamente.
Peters (ibidem) observa que “o dialogo não apenas desempenha funções auxiliares,
33
mas, sim, é também uma forma “autônoma” de ensino e aprendizagem, com funções
pedagógicas e didáticas especificas” (PETERS, 2003, p.75).
Peters (ibidem) verifica alguns fatores relevantes que podem diminuir as
dificuldades objetivas, mencionadas anteriormente, na EaD de segunda e terceira
geração, tais como: as tecnologias da informação e da comunicação, que permitem
um diálogo/comunicação diretos, fator mais determinante para a redução da
distância transacional; aumento do diálogo didático através da utilização dos meios
de comunicação, tais como, os computadores pessoais (PC) e a videoconferência,
na medida em que estes permitem uma interatividade linguística mais dinâmica,
diálogo mais individualizado, personalizado e intenso, propiciando a transposição da
distância transacional, para determinadas fases da educação à distância.
É oportuno recorrer à tese de Hartmut Von Henting, na qual aponta com
clareza a estreita ligação entre saber e comunicação, que fundamentou do seguinte
modo:
“se a comprobabilidade intersubjetiva de conhecimentos científicos
vale como conditio sine qua non para o trabalho científico, então a
comunicação se torna uma parte integrante constitutiva e integral do
saber e da ciência. Por essa razão, quem apenas armazena saber na
sua memória não participa no processo científico. Por isso, a ligação
necessária de conhecimento e comunicação, vale como princípio
didático” (HENTING apud PETERS, 2003, p.76).
O estudo estruturado é uma concepção de ensinar e aprender diferente da
aprendizagem dialógica.
“Ela não está aberta a intervenções espontâneas e desdobramentos
imprevistos, mas, sim, é fechada, por estar voltada de modo
consequente para a consecução de um objetivo, planejada passo a
passo, regulamentada quanto ao tempo, bem como controlada e
avaliada uniformemente” (PETERS, 2003, p.86).
Peters (ibidem) constatou que este instrumento é aplicado principalmente em
cursos impressos ou pacotes de estudos multimídias, que contém um ensino
cuidadosamente desenvolvido, otimizado e dirigido a um objetivo específico.
A
estrutura do curso reflete a organização dos elementos que o constitui, a rigidez dos
objetivos, dos conteúdos, das estratégias e metodologias do processo ensinoaprendizagem, dos testes e dos critérios de avaliação do curso. Pode ter uma
34
organização fixa e uma coordenação total entre atividades e documentação. Por
outro lado, é flexível permitindo que o aluno progrida ao seu ritmo, estudando o
material quando lhe convier, submetendo as respostas quando considerar oportuno,
adequando à flexibilidade do aluno: quanto maior a distância transacional, maior
autonomia é exigida ao aluno.
Assim, num programa muito estruturado, com meios como a televisão ou o
gravador, a distância transacional é grande pela ausência de diálogo entre o
professor e o aluno. O caso dos cursos por teleconferência já permitem um diálogo
entre o professor e os alunos, exigem menos estrutura e diminuem a distância
transacional. Tal como o diálogo, a estrutura é uma variável qualitativa. A sua
extensão depende dos meios de comunicação utilizados e das características
individuais do aluno e do professor.
Peters (2003) defende a tese de que em um curso com pouca distância
transacional, o diálogo é mais forte permitindo que os alunos obtenham instruções e
informação diretamente do professor. Já num curso com distância transacional
elevada, estas instruções são derivadas da estruturação. Desse modo, a distância
transacional é inversamente dependente do diálogo e diretamente dependente da
estrutura. Sendo assim, a adequação da estrutura do programa exige da equipe
pedagógica um elevado grau de atenção às características de aprendizagem do
público-alvo e ao tipo de interações a usar. A desvantagem desses cursos é que
eles se concentram nas funções de ensino e aprendizagem e desconsideram outras
funções importantes como, por exemplo, a participação dos estudantes no processo
de ensino e, assim, “escolarizam” tendenciosamente a aprendizagem. “O modelo
estruturado poder ser explicado pela época dos anos 1970 e 1980, onde as pessoas
eram mais receptivas e todos acreditavam que a ciência e a tecnologia, poderiam
resolver com sucesso, tarefas pedagógicas e didáticas” (idem, ibidem, p.91).
Atualmente, este modelo estruturado de ensino não se aplica muito bem para a
educação à distância.
A autonomia do aluno postula que “estudantes autônomos, estão em
condições de decidir sobre seu estudo por iniciativa própria” (idem, ibidem, p.93).
Peters (ibidem) considera tal postulado observando que a “autonomia do aluno” é
uma medida que permite que seja o aluno e, não o professor, a determinar os seus
objetivos de aprendizagem. Este era um ideal que deveria ser natural para o adulto,
que constitui, na verdade, o tipo de pessoa, que já tem o seu próprio conceito de
35
independência. A autonomia do aluno tem a ver com a capacidade que este tem,
perante os conteúdos programáticos do curso, de estabelecer os seus próprios
objetivos, metodologias e materiais a utilizar.
O aluno autônomo prefere programas bem estruturados, que depois vai gerir.
Enquanto os não autônomos preferem programas menos estruturados e mais
dialógicos, em que o professor vai adequando as metodologias e ritmos às suas
necessidades. Peters (2003) argumenta que aquele que “quiser planejar e dirigir
seus próprios estudos tem que, em princípio, ser capaz da metacognição”3 (idem,
ibidem, p.95). Sendo assim, naturalmente, o estudo autônomo nesse sentido não
tem importância determinante na educação à distância, mas desempenha um papel
importante na formação complementar dos adultos e cresce em importância na
formação profissional, considerando especialmente no momento atual, os desafios
econômicos e sociais.
3.5. A EaD NAS UNIVERSIDADES: UMA PESQUISA DE
PETERS
Christine Von Prümmer e Ute Rossié descobriram em sua abrangente
investigação empírica: “Comunicação no Ensino à distância. A grande maioria
(93,8%) dos tele-estudantes expressam o desejo de diálogos pessoais” (PRÜMMER
& ROSSIÉ apud PETERS, 2003, p.121).
Na
educação
à
distância,
a
aprendizagem
dialógica
tem
métodos
padronizados. No entanto, para Peters (2003), existem diferenças que podem ser
explicadas, por culturas de ensino e aprendizagem acadêmicas divergentes, por
diferentes concepções de um ensino acadêmico e pelo volume de recursos à
disposição. Sendo assim, podem aparecer diferentes formas de ensino dialógico.
Peters
(ibidem)
observou
que
no
aconselhamento
acadêmico,
as
universidades à distância dão importância ao atendimento de seus tele-estudantes,
esforçando-se por oferecer-lhes um diálogo continuado, via telefone ou e-mail, com
3
“O termo metacognição foi introduzido na literatura a princípios dos anos 1970 por Flavell (1971),
que define inicialmente a metacognição como o conhecimento que se adquire a partir dos conteúdos
e dos processos da memória. Posteriormente, em 1999, admitirá que existem outros aspectos da
mente humana, além da memória, que contribuem ao conhecimento, como por exemplo, a
aprendizagem,
a
atenção,
a
linguagem,
etc.”.
Disponível
em:
<http://metacognicao.com.br/metacognicao.html>. Acesso em: 03 jan. 2012.
36
os professores e um tutor de estudo, que o acompanha durante os estudos. Esses
elementos proporcionam aos estudantes a sensação de proximidade, principalmente
nos momentos críticos. Ou seja, o tutor é um parceiro de diálogo à disposição. Esse
diálogo se relaciona somente com o ensino e não com alguma situação de vida
particular do estudante à distância.
No centro de estudo, os tutores estão à disposição dos alunos para os
diálogos que versam sobre conteúdos dos cursos trabalhados por eles. Para cada
área, tema e ano de estudo, há um tutor específico. O tutor é muito solicitado para
questões e interpretações difíceis, com isso o nível da conversação é elevado e o
aproveitamento do próprio estudo por parte dos estudantes cresce.
“Também
variam as formas do diálogo. Os estudantes podem ser atendidos pela tutoria
individualmente ou em grupos” (PETERS, 2003, p.109).
Peters (ibidem) verificou que além da comunicação pessoal através do
atendimento dialógico, os tutores ministram aulas, proferem miniconferências,
dirigem seminários ou são moderadores de debates, gerando assim uma sobrecarga
de responsabilidades. O autor observa que “a noção da necessidade da
comunicação pessoal direta parece ter crescido nos últimos anos. Porém, isso é
uma tarefa quase insolúvel em virtude de falta de recursos” (idem, ibidem, p.110).
Quanto à aprendizagem estruturada, Peters (ibidem) observou que nas
universidades à distância se desenvolvem cursos que estabelecem de forma mais
ou menos detalhada o caminho da aprendizagem dos estudantes. O autor chama
atenção para o fato de que os cursos deveriam ser planejados, adaptados,
desenvolvidos
e
possivelmente
experimentados,
para
depois
sim,
serem
implantados. “Eles não deveriam apresentar apenas conteúdos, mas, sim, também
uma grande quantidade de intervenções didáticas. Conteúdos e intervenções
didáticas em conjunto estruturam a aprendizagem dos estudantes” (idem, ibidem,
p.123). Contudo, na observação do pesquisador, na aprendizagem estruturada, o
material impresso ainda continua sendo o meio que mais determina a estrutura do
estudo à distância na maioria das teleuniversidades, onde os passos a serem
seguidos no estudo estão preestabelecidos, ou mesmo, inclusive, programados. É
com esse material caracterizado pela leitura, que os estudantes ocupam a maior
parte de seu tempo. Essa concepção é reforçada, intensificada e diferenciada pela
utilização de outros meios técnicos, tais como, videoconferência, vídeos tutoriais,
37
que podem ser interrompidos a qualquer momento, a fim de discutir o que se
aprendeu.
Na concepção do pesquisador o estudo autônomo é mais utilizado no ensino
continuado onde o estudante já tem conhecimento técnico da sua área de atuação e
deseja se aprimorar. Ele concede ao estudante a liberdade de planejamento, de
organização, de tempo, intensidade, ordem e ritmo de estudo, ou seja, maior
responsabilidade pelo seu estudo, do que outros estudantes. Essa independência é
incomum no sistema da educação à distância.
Para Peters (2003) a liberdade de escolher o lugar, o tempo e o ritmo de
estudo é enaltecida pela maioria dos defensores da EaD como vantagem didática
especial. Contudo, vê-se que muitas vezes a enaltecida autonomia dos teleestudantes está limitada institucionalmente segundo todas as regras, com vistas a
seu comportamento exterior no estudo. O autor questiona o fato dessa
independência organizacional ser reduzida
para
os
tele-estudantes,
como
poderemos verificar a seguir:
“Por que os telestudantes não podem iniciar seus estudos a qualquer
época, estando limitados a fazê-lo no início de um semestre ou ano
letivo?
Por que têm que sujeitar-se a um ritmo rígido do estudo,
predeterminado pelas datas para o envio dos materiais de estudo?
Por que tarefas-resposta têm que ser enviadas dentro de um
determinado prazo?
Não deveriam os próprios estudantes determinar esses prazos, tanto
mais quanto isso seria perfeitamente possível tecnicamente?
Por que, afinal, seu estudo está engessado em regras, regulamentos,
prescrições e sanções institucionais?”. (idem, ibidem, p.157).
Os
questionamentos
de
Peters
(ibidem)
demonstram
o
quanto
as
regulamentações do ensino presencial ainda influenciam a educação à distância. E a
passagem de um determinado curso para o computador, está sofrendo a mesma
influência do ensino presencial. Verifica-se assim, que ainda será necessário muito
tempo para que a educação a distância chegue a ter a maioria das características do
estudo autônomo. Börje Holmberg argumenta que “um sistema de ensino que tem
respeito pela liberdade e autonomia dos estudantes não deveria prejudicá-los por
meio de imposições exteriores” (HOLMBERG apud PETERS, 2003, p.158).
38
3.6. A EaD COMO FORMA INDUSTRIALIZADA DO ENSINO E
DA APRENDIZAGEM
A discussão em torno da educação à distância como forma industrializada do
ensino aprendizagem, surgiu após o impulso inicial ter sido lançado, em 1967, por
Peters. Esta discussão foi intensificada pela contribuição de vários autores: Campion
(1993), Farnes (1993), Raggatt (1993) e Rumble (1995). Para Peters (2003) essa
discussão é de especial importância porque o ponto de vista da industrialização não
aparece em parte alguma na literatura didática em relação a qualquer outra forma de
ensino e aprendizagem. Essa discussão sublinha uma vez mais a peculiaridade da
educação à distância.
A finalidade de captar a peculiaridade própria da EaD levou Peters (ibidem) a
observar sua estrutura heterogênea. Ao analisar a heterogeneidade estrutural da
EaD, o autor se deparou com uma diferença fundamental:
“No ensino a distância não se visava – como acontece geralmente no
ensino público – buscar recursos financeiro, a fim de que pessoas
pudessem formar-se e receber educação, mas, sim, queria-se que as
pessoas estudassem algo para que a instituição que fornecia ensino
pudesse ganhar dinheiro – portanto ter lucro” (idem, ibidem, p.200).
Assim, a educação à distância visava quase que exclusivamente o lucro. Sua
razão parecia ser eminentemente comercial. Um detalhe interessante apontado por
Peters (ibidem), refere-se ao fato de que os empresários na época da
industrialização incipiente, reconheceram a necessidade de aplicar os novos
métodos da produção de bens industrializados ao processo de ensino e
aprendizagem, nas escolas presenciais.
Até então o processo de ensino estava na mão de uma única pessoa, o
docente. A partir desse momento foi estabelecida uma divisão de trabalho, o
planejamento, o desenvolvimento e a exposição do ensino, bem como a correção
dos trabalhos, estavam agora nas mãos de diversas pessoas, permitindo que as
tarefas fossem realizadas em épocas e lugares diferentes. O processo do ensino
passou a ser uma produção industrial, correspondia ao planejamento do trabalho,
feito por especialistas devidamente qualificados. Uma vez que, até o momento, o
39
ensino era altamente individualizado pela personalidade dos docentes, passou a ser
padronizado, normatizado e formalizado.
Segundo Peters (2003), essa concepção de ensino industrializado foi
confirmada, de modo impressionante, pelo trabalho das universidades à distância
fundadas a partir da década de 1970, em especial pela Open University inglesa, que
chega a atender milhares de estudantes. Desse modo, colaboram no processo de
transformação mundial, que possibilita o acesso ao ensino não mais apenas da elite
social, mas a todos os que querem e podem estudar.
A partir dos elementos expostos, verifica-se que para que a EaD seja
integralmente implementada na sua essência, uma nova lógica para o ensino,
gestão e aspectos político-administrativos, deverão ser elaboradas para não se
aplicar os mesmos conceitos das aulas presenciais, na medida em que, atualmente,
muito pouca coisa se alterou no processo de ensino, aplicado à EaD.
Como relata Kenski (2010):
“Em geral, as escolas permanecem com as mesmas propostas e
grades curriculares; a mesma segmentação disciplinar dos
conteúdos; a mesma carga horária dividida em “aulas”de 50 ou 100
minutos e a mesma divisão dos alunos em grandes turmas. Os
professores, por sua vez, utilizam as formas mais viáveis de ensino
nessas condições, que são aquelas fortemente baseadas na “fala’,
na exposição oral do conteúdo, seja pelo professor ou pelos alunos,
em intermináveis e enfadonhos seminários, debates ... Nessas
condições, o uso do computador e da Internet no curto tempo da
“aula” e para um número exorbitante de alunos é totalmente inviável.
A repetição vista dessa situação em muitos espaços educacionais
revela o despreparo generalizado com que essas novas tecnologias
estão sendo encaminhadas às escolas”. (idem, ibidem, p.73).
Quanto à sua aplicabilidade, a EaD é mais adequada na educação de
adultos, principalmente para aqueles que já têm experiência consolidada de
aprendizagem individual e de pesquisa, como acontece no ensino de pós-graduação
e também no de graduação.
Isso não quer dizer que a EaD seja indicada para qualquer pessoa que a
deseje cursar. A principal diferença entre a EaD e o ensino presencial é o esforço
exigido do aluno. Segundo vários autores, o aluno que pretende usufruir da EaD
deve ser: ativo; motivado; disciplinado, para não se dispersar em navegação e chat
não correlato na hora do estudo; organizado, dividindo o seu tempo de estudo entre
40
as disciplinas; ter gosto pela leitura tanto no computador como em livros. Para os
que trabalham, é necessário conseguir conciliar trabalho e estudos.
“De acordo com a Abed, 51% dos alunos que desistiram de seus
cursos o fizeram porque ‘achavam que seria mais fácil’. A segunda
causa citada (por 49%) foi a falta de tempo. O perfil do aluno a
distância é diferente, conforme Holz chama atenção: Ele precisa ser
mais organizado e disciplinado para tocar boa parte dos estudos
sozinho” (GUIMARÃES; CORNACHIONE & BUSCATO, 2010, p.83).
As exigências mencionadas anteriormente inviabilizam que a EaD seja
usufruída por crianças. Estas necessitam de escola presencial, pela especificidade
de suas necessidades de desenvolvimento e socialização.
“A escola presencial é polifônica. Os sons se espalham pelos
ambientes e dão sentido ao espaço educativo. Vozes se mesclam
nos corredores e nas calçadas próximas. Ecos que provocam
lembranças de imagens, cores e cheiros: uniformes, sorrisos, suor.
Movimentos de corpos em um vaivém permanente: concentração e
dispersão. Músicas. As vozes ora cantam raps ora cantam hinos
cívicos. Misturam-se aos barulhos dos pés em marcha e aos gritos
das torcidas nos jogos e competições. Às brigas. Mobilidades entre
palavras e palavrões. Linguagens diferenciadas entre as gerações.
Recuperações. Festas. Formaturas e férias.
(...) A aura da escola depende de seus espaços e de seus atores.
Professores e alunos parecem circular com suas presenças, mesmo
nas suas ausências. O espaço da escola é mágico. Nele se realiza o
milagre permanente do aprender e do abrir-se para o mundo”
(KENSKI, 2010, p. 53).
Assim, nos questionamos se a EaD seria uma ameaça para as aulas
presenciais. Na nossa concepção sempre haverá lugar para as aulas presenciais. A
EaD é apenas mais uma alternativa a ser utilizada,
dependendo da área de
conhecimento e das necessidades dos currículos. Contudo, já se pode verificar que
muitos cursos que se utilizam da EaD já apresentam uma estrutura física bem
reduzida. As edificações contêm poucas salas de aulas, laboratórios, salas de
encontros e salas de interatividades.
3.7. A PROPAGAÇÃO DA EaD
O foco dos investidores e governantes é o lucro, seja ele monetário ou
político. Esse é um dos fatores que está levando a EaD a se propagar rapidamente.
41
Embora a sua implantação inicial tenha um custo elevado, a sua penetração gera
um baixo custo. Melhor dizendo, a EaD atinge diversos pontos locais e distantes, ou
seja, a partir de um único lugar. Contudo, alerta Kenski (2010):
“Assumir o uso das tecnologias digitais no ensino pelas escolas
requer que ela esteja preparada para realizar investimentos
consideráveis em equipamentos e, sobretudo, na viabilização das
condições de acesso e de uso dessas máquinas. No atual momento
tecnológico, não basta às escolas a posse de computadores e
softwares para o uso em atividades de ensino. É preciso também que
esses computadores estejam interligados e em condições de acessar
a Internet e todos os demais sistemas e serviços disponíveis nas
redes” (idem, ibidem, p.70).
No Brasil, a grande maioria das universidades utiliza somente o ensino
presencial, poucas delas utilizam a educação à distância e raras fazem uso da
correspondência. Ainda não existem, no nosso país, universidades que somente
utilizam a EaD, como pode-se constatar, por exemplo, na Espanha e na Inglaterra.
Centros de pesquisas como o CENPES (Centro de Pesquisas da
PETROBRAS), a PETROBRAS (Petróleo Brasileiro S.A.), ou instituições científicas,
como a FIOCRUZ, produzem conhecimentos científicos através de seus
laboratórios, que são espaços de pesquisa e ensino, e são submetidos à presença
normalizadora e reguladora de outras instituições do governo e/ou entidades de
pesquisas. Estes atuam de forma integrada com o ensino, na formação de técnicos,
estágios para a graduação e pós-graduação lato sensu e stricto senso. A diferença
entre as universidades e os centros de pesquisa se baseia no fato de que os alunos
dos centros de pesquisas participam das atividades científicas do laboratório no qual
estão lotados e dispõem de acesso às tecnologias em equipamentos, coleções,
processamentos de dados, informações relevantes através da assinatura de um
documento de sigilo e ética, submetidos às normas, aos procedimentos operacionais
padrão e assim por diante, elementos esses que não se encontram nas
universidades.
A FIOCRUZ, por exemplo, além de oferecer ensino presencial regular, no
campus, também disponibiliza parte de seus cursos no formato a distância. Isso só
se viabiliza porque grande parte das simulações são executadas através dos
computadores. Um exemplo disso são as experiências desenvolvidas sobre o
sequenciamento de deoxyribonucleic acid (DNA), genoma, cristalografia e outras.
42
Verifica-se, assim, a ocorrência do dual mode4: uma parte presencial e outra a
distância.
A atividade científica de pesquisa é dividida em etapas, tais como:
planejamento,
administração,
desenvolvimento,
ensino,
comunicação
e
disseminação. E a crescente introdução de programas da qualidade no âmbito dos
laboratórios explica a presença do POP (Procedimento Operacional Padrão). A
etapa de desenvolvimento é a mais importante, na qual estão inseridos os cadernos
de protocolo ou cadernos de laboratório que é um caderno de notas onde é anotado
tudo sobre a pesquisa científica, particularmente, o trabalho cotidiano de
experimentação.
Nas atividades de pesquisa, pode-se utilizar equipamentos simples bem como
os de alta complexidade, por exemplo, os microscópicos eletrônicos com
microscopia confocal5 para imagens tridimensionais, coleções biológicas e
acompanhamento da gestão da qualidade – Programa de Gestão da Qualidade em
Pesquisa & Desenvolvimento Tecnológico. É neste ambiente que surge o POP do
Livro de Registro, documento submetido a norma ou procedimento, que funciona
como um caderno de protocolo para os projetos vinculados ao Programa de
Desenvolvimento Tecnológico em Insumos para a Saúde (PDTIS). A norma tem
como objetivo orientar os experimentadores (pesquisadores, tecnologistas, técnicos,
bolsistas, estudantes e estagiários) quanto ao uso e guarda dos livros de registro,
para manutenção da rastreabilidade dos dados gerados nos trabalhos experimentais
de laboratório na instituição. O livro de registro contém os relatos operacionais das
atividades de pesquisa e desenvolvimento tecnológico. Registram-se neste livro
todos os experimentos, resultados e informações produzidas na pesquisa. O objetivo
é permitir que, na ausência do pesquisador, o experimento científico possa ser
refeito.
Os livros de registro são considerados propriedade da FIOCRUZ e todos os
experimentadores devem zelar por sua guarda e integridade. O caderno de
protocolo é o registro da ciência experimental, no que se refere aos aspectos da
produção e uso. Neste são descritos os experimentos. O caderno funciona como um
4
Dual Mode refere-se ao momento quando os alunos têm aulas presenciais e aulas mediadas pelo
computador (EaD).
5
A Microscopia Confocal é uma técnica imagiológica desenvolvida primariamente por Marvin Minsky
em 1955. É utilizado para aumentar o contraste da imagem microscópica e construir imagens
tridimensionais.
43
diário e deve ter uma escrita clara que permita a repetição do procedimento. Ao
mesmo tempo é necessário o registro sistemático de todas as etapas do
experimento e as observações sobre os resultados obtidos. Ele deve ser auditado
por um supervisor ou coordenador com o objetivo de assegurar a rastreabilidade,
reprodução e a validação dos experimentos realizados; é considerado um
documento de grande importância, que possui valor para guarda permanente, pois é
um registro único de dados brutos.
Outro fator importante para as pesquisas é o limite entre o institucional e o
pessoal no que diz respeito à diferença, entre os documentos de caráter pessoal,
que tratam de assuntos da vida privada, e os documentos de origem institucional,
vinculados às ações da instituição a que pertence. Compreende-se que
determinados documentos produzidos no âmbito da atividade científica são
pessoais, por alcançarem um alto grau de vínculos com o seu produtor, o
pesquisador. O pesquisador atua numa faixa de penumbra que permite sua
individualização, mesmo no contexto coletivo e organizacional.
Nos centros de pesquisas umas das funções mais relevantes são as de gerar
relatórios e artigos. O relatório é um documento de registro das atividades
intermediárias e da apresentação dos resultados finais que levam a publicação das
descobertas científicas. A informação transmitida por processos formais de
comunicação científica é denominada comumente pelos pesquisadores como
produção científica.
Os artigos estão mais associados ao produto final do trabalho científico, como
parte dessa produção, sendo cada vez mais associados aos indicadores de
produtividade e desempenho. Estes devem apresentar informações e relatar
resultados de uma pesquisa de maneira clara e concisa, buscando cumprir algumas
funções, tais como a divulgação científica entre a comunidade, o aumento do
prestígio do(s) autor(es), o aumento do prestígio da instituição e o enriquecimento do
currículo. Outro trabalho relevante dos centros de pesquisas e de algumas
universidades, através do ensino são os mestrados e os doutorados. Na concepção
dos pesquisadores, esses documentos valem como elementos de prova daquilo que
se fez e se faz em um laboratório e, portanto, podem perpetuar uma determinada
memória.
Nos centros de pesquisa os alunos têm acesso à cadeia operacional de
procedimentos técnicos e científicos, acessos a coleções científicas, domínio do
44
conhecimento especialista e se integrar a um trabalho coletivo, interdisciplinar e
multiprofissional. Assim como é esperado que ele participe de feiras, congressos,
centro de estudos, para que a difusão e popularização do conhecimento, além dos
meios científicos, e a interação com diferentes estratégias e tecnologias.
3.7.1. A UNIVERSIDADE CORPORATIVA
O conceito de Universidade Corporativa existe há mais de cinquenta anos,
desde que a General Electric lançou a Crotonville Management Development
Institute, em 1955. O verdadeiro interesse na criação de uma Universidade
Corporativa, como complemento estratégico do gerenciamento do aprendizado e
desenvolvimento dos funcionários de uma organização, ocorreu no final da década
de 1980. O tema “Universidades Corporativas” vem despertando interesse nas
grandes empresas, pois vem se revelando como eficazes veículos para o
alinhamento e desenvolvimento dos talentos humanos às estratégias empresariais.
As rápidas mudanças na atualidade levam muitas organizações a treinarem
seus funcionários e colaboradores de acordo com as necessidades do mercado,
mantendo-os
num
processo
de
aprendizado
contínuo.
Um
exemplo
de
aprendizagem organizacional no Brasil é o da Universidade Corporativa (UC), criada
pelos grupos Accor, Brahma e Algar, considerada referência para benchmarking no
mercado nacional.
Essas corporações multinacionais através de suas UC aplicam a maioria dos
conceitos fundamentais de economia, administração e tecnologia, na aprendizagem
organizacional e tiram proveito da teoria, adaptando de modo eficiente os conceitos
ao seu ambiente operacional.
A educação corporativa tem como objetivo formar sujeitos e desenvolver as
competências profissionais e potenciais na gerência dos negócios, promovendo a
gestão do conhecimento organizacional (incluindo geração, assimilação, difusão e
aplicação), e serem capazes de refletir criticamente sobre a realidade organizacional
da empresa, de construí-la e modificá-la continuamente em nome da competitividade
e do sucesso. Ou seja, através dos talentos formados promovem o alto desempenho
da organização em busca de resultados.
45
Segundo Eboli (1999), para implantar uma Universidade Corporativa (UC), é
fundamental que a empresa identifique qual é a sua competência empresarial, ou
seja, aquela competência que realmente constituirá seu diferencial competitivo e
será responsável pelo seu sucesso.
“Para que as Universidades Corporativas tenham sucesso no
mercado global elas devem: oferecer oportunidades de
aprendizagem que dêem sustentação às questões empresariais mais
importantes da organização; considerar o modelo da Universidade
Corporativa um processo e não um espaço físico destinado à
aprendizagem; elaborar um currículo que incorpore os três Cs:
Cidadania Corporativa, Estrutura Contextual e Competências
Básicas; treinar a cadeia de valor e parceiros, inclusive clientes,
distribuidores, fornecedores de produtos terceirizados, assim como
universidades que possam fornecer os trabalhadores de amanhã;
encorajar e facilitar o envolvimento dos líderes com o aprendizado;
criar um sistema de avaliação dos resultados obtidos e também dos
investimentos; passar do modelo de financiamento corporativo por
alocação para o ‘autofinanciamento’ pelas unidades de negócio;
assumir um foco global no desenvolvimento de soluções de
aprendizagem; utilizar a Universidade Corporativa para obter
vantagem competitiva e entrar em novos mercados” (EBOLI, 1999,
p.90).
Conforme afirma Meister (1999),
“as empresas que aplicam os princípios evidentes nas Universidades
Corporativas estão olhando além dos programas de educação de
funcionários, à procura de uma população-alvo – funcionários
internos – e criando sistemas de aprendizagem que reúnem clientes,
funcionários e a cadeia de fornecimento em busca do
aperfeiçoamento constante. O desafio é criar um ambiente de
aprendizagem no qual todos funcionários da empresa compreendam
a importância da aprendizagem contínua vinculada às metas
empresariais” (idem, ibidem, p. 59).
Eboli (1999) ressalta diferenças fundamentais entre as Universidades
Tradicionais e as Universidades Corporativas:
“Desenvolver competências essenciais para o mundo do trabalho
Desenvolver competências essenciais para o sucesso do negócio
Aprendizagem baseada em sólida formação conceitual e universal
Aprendizagem baseada na prática dos negócios
Sistema educacional formal Sistema do desenvolvimento de pessoas
pautado pela gestão por competências
Ensinar crenças e valores universais Ensinar crenças e valores da
empresa e do ambiente de negócios
46
Desenvolver cultura acadêmica
Desenvolver cultura empresarial
Formar cidadãos competentes para gerar o sucesso das instituições
e da comunidade
Formar cidadãos competentes para gerar o sucesso da empresa e
dos clientes” (idem, ibidem, p.117)
Pode-se verificar que essas universidades não são antagônicas, mas
complementares. Para Meister (1999), “as Universidades Corporativas estão unindo
forças com universidades tradicionais e conciliando os objetivos do empregado, da
corporação e da instituição de ensino em uma parceria a três, benéfica para todas
as partes envolvidas” (idem, ibidem, p. 59).
Resumidamente pode-se dizer que a Universidade Corporativa personifica a
filosofia de aprendizagem da organização, trazendo um modo de pensar que tem
como meta oferecer a todos os níveis de funcionários o conhecimento, as
qualificações e as competências necessárias para atingir os objetivos estratégicos
da organização. Para o treinamento tradicional, o processo de aprendizagem é algo
que tem começo e fim. Depois de certa frequência de treinamento, o serviço está
completo. Nessa abordagem, o aluno forma-se e para de aprender, já a
Universidade Corporativa se responsabiliza pelo aprendizado dessas novas
qualificações e competências durante toda a vida profissional.
Para Carvalho & Cruz (2001) é evidente que o modelo de Universidade
Corporativa diferencia-se sob muitos aspectos do modelo de aprendizagem das
universidades tradicionais. Não podemos comparar as Universidades Corporativas
com os departamentos de treinamento das organizações, pois enquanto estes
representam, na maioria dos casos, apenas uma área funcional nas organizações, o
modelo de Universidade Corporativa trata de uma proposta estruturada para o
desenvolvimento organizacional. Outro aspecto que chama atenção nas UC é a
inexistência de um “campus físico” para realização dos eventos. Muitas
Universidades Corporativas implantadas pelas empresas americanas no exterior e
no Brasil não têm campus, nem instalações físicas definidas, elas são virtuais. Podese citar como exemplo a Algar Universidade de Negócios (UNIALGAR) e a
Universidade AmBev (Companhia de Bebidas das Américas), ambas possuem
centros de ensino virtuais.
As UC fazem uso das tecnologias (computadores, internet, intranet e
aprendizagem via multimídia, via satélite) e metodologias da educação à distância,
47
para atingir o seu público-alvo, exatamente por não possuírem um campus físico. A
Universidade AmBev, por exemplo,
criou a TV Universidade AmBev. Esta e a
UNIALGAR, são as que mais se utilizam destas ferramentas. Tal preparação vai ao
encontro do princípio que diz o seguinte: utilizar a Universidade Corporativa para
obter vantagem competitiva e entrar em novos mercados, através do treinamento da
cadeia de valor, pois seu sucesso depende em parte do sucesso da sua rede de
distribuidores. As UC estão de fato com o foco voltado para o atendimento de
necessidades centrais dos negócios de suas respectivas empresas. Com isso, evitase muito desperdício de tempo e recursos em treinamentos não prioritários.
Lévy (1996) acredita que “uma empresa virtual serve-se principalmente do
teletrabalho. Tende a substituir a presença física de seus empregados nos mesmos
locais pela participação numa rede de comunicação eletrônica e programas que
favorecem a cooperação” (idem, ibidem, p.18). Sendo assim, o modelo de
Universidade Corporativa veio agregar novos valores a serem pensados e aplicar,
na prática, as teorias da Ciência da Administração e Tecnologia. O seu conteúdo
inclui questões fundamentais e uma nova modelagem para o aprendizado
organizacional por ser objetivo e prático. Afinal, a sociedade do conhecimento é
marcada pelo uso da tecnologia e da informação, mas, acima de tudo, pela
capacidade de pensar que só os seres humanos possuem.
Carvalho & Cruz (2001) fazem também um alerta:
“apesar da promessa de resultados promissores do modelo
“Universidade Corporativa”, cuidados devem ser tomados, como:
comprometimento da administração da empresa, recursos
financeiros mínimos, contínuo sistema de comunicação do novo
modelo, envolvimento das pessoas e adaptação à realidade da
empresa”. (idem, ibidem).
3.8. O ENSINO PÓS-MODERNO
O pós-modernismo se expande nos setores mais variados da teoria e do
fenômeno social. A teoria educativa e da pedagogia, não poderiam escapar desse
influxo, tendo em vista as novas realidades que resultam da ruptura ou do diálogo
pós-moderno com o mundo cultural e social.
Peters (2003) considera que a concepção de industrialização do ensino,
demonstrada anteriormente, supõe influências no trabalho e na sociedade. O ensino
48
pós-moderno trata de um fenômeno mais geral da vida cultural, que muitos rejeitam
por considerá-lo desconexo, heterogêneo e contraditório. Por essa razão, tentam
ordená-lo e colocá-lo num sistema, justamente por não aceitarem a sua atitude
lúdica, sua despreocupação e seu ecletismo. Para Kellner (apud PETERS, 2003)
“esse comportamento se encontra em radical antagonismo com a seriedade da alta
modernidade” (idem, ibidem, p.219).
A pós-modernidade é um modo de pensar e uma atitude que se desenvolveu
como a reação à modernidade, que atualmente penetra lentamente na consciência
dos homens. No passado, ela acelerou modificações nas artes plásticas, arquitetura,
literatura e outros, alcançando atualmente as ciências educacionais. Na concepção
de Peters (2003), a pós-modernidade representa uma premissa para a mudança
social e da individuação, “que leva os homens a pesquisarem sua identidade, a
reconhecerem seus próprios objetivos e de persegui-los de sua própria maneira”
(idem, ibidem, p. 220). O autor relata que nos EUA, William Doll, desenvolveu “A
Post-modern Prespective on Curriculum, no qual conceitua a diferença fundamental
entre sistemas fechados e abertos na educação, posicionando-se contra os
currículos fechados da modernidade e defende firmemente os currículos abertos da
pós-modernidade” (idem, ibidem, p.221).
A pós-modernidade não definiu sua posição, que ainda é pautada numa forma
crítica à ciência e à supervalorização da técnica da modernidade. A crença
modernista na racionalidade acredita que utilizando a ciência e a técnica pode-se
dirigir e controlar a sociedade racionalmente, transformar o homem através da
educação e a ideia de um sujeito autônomo autodeterminante. Essa crítica atingirá
também os pedagogos, porque fundamentos de pensamento e ação válidos, até
agora, são interpretados como errados e sem-legitimidade.
Essa concepção modificadora ainda está no começo. Existem posturas
teóricas que se apoiam favoravelmente nos pressupostos pós-modernos. Há outras
que os discutem e não os aceitam. Há também aquelas que matizam sua posição
com relação à contribuição dessa teorização para a educação. Giroux (1993) faz
uma contribuição ao enfoque pós-moderno para a educação:
“A ênfase pós-moderna na rejeição da formas de conhecimento e
pedagogia que venham envolvidas no discurso legitimador do
sagrado e do consagrado, sua rejeição da razão universal como
fundamento para as questões humanas, sua asserção de que todas
49
as narrativas são parciais e seu apelo para que se realize uma leitura
crítica de todos os textos científicos, culturais e sociais como
construções históricas e políticas, fornecem as bases pedagógicas
para radicalizar as possibilidades emancipatórias do ensino e da
aprendizagem como parte de uma luta mais ampla pela vida pública
democrática e pela cidadania crítica. Nessa visão, a pedagogia não é
reduzida ao frio imperativo metodológico de se ensinar interpretações
conflitivas sobre o que conta como conhecimento” (idem, ibidem,
p.65).
McLaren (1993) considera que só recentemente se começou a tirar proveito
desses debates para repensar a relação entre escola, cultura, linguagem e poder.
Ele afirma que “há pouca precisão no uso do termo pós-modernismo, que também
seria moda na academia; não obstante, indica que há um interesse crescente entre
os educadores para a discussão da questão de se vivemos ou não numa conjuntura
pós-moderna e suas implicações para a avaliação do legado da tradição iluminista
moderna” (idem, ibidem, p.24).
Outro ponto de debate da pós-modernidade são os cursos de formação que
tendem a abandonar a função formadora das qualidades humanas para tornar-se o
espaço da fabricação das capacidades, por exemplo, como parâmetro as
Universidades Corporativas. Rouanet (apud ANDRÉ, 2008) aponta o problema da
educação no modelo adotado, como equivocado, referindo-se ao modelo tecnicista.
Sua proposta é resgatar os princípios do ato de educar moderno, que tem, por
finalidade, a realização das qualidades humanas, crendo na neutralidade do ato de
educar diante das “finalidades utilitárias”.
“Proponho chamar de humanidades as disciplinas que contribuam
para a formação do homem, independentemente de qualquer
finalidade utilitária imediata, isto é, que não tenham necessariamente
como objetivo transmitir um saber científico ou uma competência
prática, mas estruturar uma personalidade segundo certa paidea,
vale dizer, um ideal civilizatório e uma normatividade inscrita na
tradição, ou simplesmente proporcionar um prazer lúdico” (ANDRÉ,
2008).
Para Rouanet (apud ANDRÉ, 2008), o ensino escolar tem que contribuir para
a formação do sujeito cidadão com base na realização de suas “qualidades”
reflexivas e sensíveis, para qualquer sistema social vigente.
Concluímos que a Pós-Modernidade surge pela invalidação histórica e cultural
das grandes análises e seus decorrentes relatos de emancipação. Ou seja, é uma
50
ruptura com o antigo, com a modernidade e uma tentativa de colocar em seu lugar
novas maneiras de ensinar e de pensar a sociedade, que ainda não estão de todo
definidas histórica e socialmente.
Tarouco6; Moro7 & Estabel8 (2003, p.29-44) realizaram um importante
levantamento onde traçam um paralelo entre o professor tradicional e o professor
educador através do seu perfil comportamental. As autoras também traçaram o
paralelo entre o aluno tradicional e o aluno educador. Ambos são apresentados a
seguir:
Professor Tradicional
Professor Educador
- A apreensão do conteúdo trata o contexto
escolar
corno
neutro,
isento
da
manifestação de conflitos sociais; o
conteúdo é fragmentado "das partes para o
todo".
- Ao ensinar os conteúdos oculta a razão de
ser de muitos fatos e razões sociais.
- E coerente com a sua concepção: o
conteúdo é apresentado do "toda para as
partes", para ter uma visão global dos fatos.
- Ao ensinar os conteúdos não separa a
necessária apreensão do conteúdo da "leitura
crítica" da realidade e nem do "aprender a
pensar certo" e desoculta a razão de ser dos
problemas sociais.
- Preocupações: menos coisas "aprendidas" e
mais coisas descobertas; menos coisas
sabidas e mais coisas investigadas. Menos
"gênio" e mais engenhosidade.
- Oportuniza situações interdisciplinares.
- Preocupações: mais coisas aprendidas e
menos coisas descobertas; mais coisas
sabidas e menos coisas investigadas. Mais
'gênio" e menos engenhosidade.
- Preocupação com a transmissão de
conteúdos relacionados com a sua
disciplina, sem oportunizar a inter-relação
com as outras disciplinas.
- Persegue os objetivos pré-estabelecidos, - Usa imaginação e criatividade própria e dos
sem
levar
em
consideração
a alunos, com explosão de ideias e entusiasmo
individualidade e a participação do aluno.
para direcionar as atividades em torno dos
objetivos coletivamente estabelecidos.
- Não inova, busca modelos tradicionais - Não repete, tudo transforma.
(prontos).
6
Doutora em Engenharia Elétrica-Sistemas Digitais (EPUSP). Diretora do Centro Interdisciplinar de
Novas Tecnologias na Educação – CINTED/UFRGS. Pesquisadora e docente no Programa de PósGraduação Informática na Educação - UFRGS. Professora Titular do Departamento de Estudos
Especializados da Faculdade de Educação da Universidade Federal do Rio Grande do Sul. E-mail:
[email protected]
7
Especialista em Informática na Educação - Educação a Distância / UFRGS. Aluna Especial do
Doutorado em Informática na Educação – PGIE/UFRGS. Professora do Curso de Biblioteconomia FABICO/UFRGS. E-mail: [email protected]
8
Especialista em Informática na Educação - Educação a Distância/UFRGS, Aluna Especial do
Doutorado em Informática na Educação – PGIE/UFRGS. Bibliotecária do Colégio Mãe de Deus e do
Instituto Santa Luzia. E-mail: [email protected]
51
Dissemina a informação, apresentando
soluções prontas para os problemas,
preocupado somente com a assimilação e
aquisição do conhecimento do aluno.
- Professor é o único protagonista e o aluno
é visto como uma "tabula rasa" sem
interagir no meio.
- Organiza as interações do aluno com o meio
e problematiza as situações estimulando o
aluno a construir conhecimentos.
- Coadjuvante ou protagonista o professor
instigará o aluno a reconstruir coletivamente a
sua história pessoal solidarizada com a de
todos.
- Usa a terminologia "assinalar" "responder", - Usa a terminologia: "classificar, "analisar",
"marcar", "listar".
"predizer", "criar",
"distinguir", "refletir",
"testar", "trocar".
Avaliação: Aferição de nota e/ou conceito. - Avaliação: Parecer descritivo. Autoavaliação.
- Avalia apenas por testes ou provas - Acompanha todo o processo de
escritas.
aprendizagem e construção do conhecimento
do aluno.
- Predomina o quantitativo sobre o - Predomina o qualitativo sobre o quantitativo.
qualitativo.
- "Definir é matar." (Mallarmé)
- "Sugerir é criar." (Mallarmé)
QUADRO 1: Paralelo entre o professor tradicional e o professor educador.
FONTE: TAROUCO, MORO & ESTABEL, 2003, p.29-44.
O professor da "era da informação" deveria ser o professor educador. Além do
que foi colocado acima, deveria ainda apresentar o seguinte perfil comportamental:
Ensinar o aluno a aprender a aprender.
Perder o medo do computador.
Perder a vergonha de dizer que não sabe.
Inverter a lógica da escola tradicional e trabalhar a partir das
questões dos alunos.
Garantir o acesso do aluno à informação.
Mostrar que a tecnologia está a serviço do homem, deve ser usada
para a libertação e precisa ser operada com ética.
Orientar o aluno na busca de conhecimento no mundo de
informações aberto pela Internet.
Compreender que o conhecimento é dinâmico e está em constante
expansão.
Saber que só se ensina aprendendo.
Ensinar ao aluno que há diferentes caminhos e fórmulas para o
mesmo problema, que é preciso testar soluções, cruzar
conhecimentos, trocar experiências, expandir.
Auxiliar o aluno a desenvolver a capacidade crítica, a distinguir a
falsa informação da verdadeira.
Estimular a curiosidade, a estranheza e o espanto e direcioná-los
para busca do conhecimento.
Valorizar ideias, sensibilidades e capacidades de criação.
Valorizar, respeitar e proporcionar espaço para as diferenças.
(TAROUCO, MORO & ESTABEL, 2003, p.29-44).
52
Saber ser o orientador da busca pelos caminhos e possibilidades de um
mundo onde nada mais é estático, definitivo ou seguro. No entanto, o professor deve
observar que uma turma de alunos não é homogênea, podendo apresentar a
heterogeneidade por meio dos dois perfis: o aluno tradicional e o aluno aprendiz.
Aluno Tradicional
Aluno Aprendiz
- Recebem passivamente as informações do - Explora possibilidades
professor a partir do livro-texto
- Procura a "resposta certa", segundo o
método ensinado pelo professor.
- Inventa soluções alternativas
- Participação individual, sem estabelecer
relação de trocas entre os colegas e o
professor.
- Colabora e coopera com o professor e com
os colegas
-Apresenta respostas prontas e
memorizadas. (* "decoreba")
- Revisa seus pensamentos e apresenta
melhor solução encontrada
- Lê e responde a ficha de leitura cobrada
pelo professor.
- Lê, critica, recria e reelabora textos
- Avaliação: decora regras e/ou fórmulas
- Prepara-se somente para memorizar
informações
Repete o que o professor diz.
- Avaliação: busca novas respostas
- Procura reconstruir o que aprendeu
- Reconhece suas dificuldades e/ou falhas e
procura superá-las:
- Interage com o professor, às vezes
superando-o.
QUADRO 2: Paralelo entre o aluno tradicional e o aluno aprendiz.
FONTE: TAROUCO, MORO & ESTABEL, 2003, p.29-44.
O aluno aprendiz deve ser agente do seu processo de aprendizagem. O
sucesso da EaD está na postura do aluno, no seu envolvimento, na sua
responsabilidade diante do processo educacional. Cabe ao aluno sair da posição
passiva de espectador e assumir o papel principal, interagindo, colaborando,
cooperando, sendo o próprio diretor das suas atuações.
Hoje, o professor interage com os alunos e ambos são emissores e
receptores, estabelecendo uma relação de troca, de cooperação, de construção em
comum. FREIRE (apud FRANCO, 1998) coloca esta questão dizendo que "não deve
haver na sala de aula um professor que sabe e alunos que não sabem, mas um
"educador-educando e educandos-educadores"” (idem, ibidem, p.151).
53
4. A INTERNET: TECNOLOGIAS
Nesse capítulo tomaremos alguns textos de Kant (1999), Kenski (2010),
Wiener (1954), Peters (2003), Veneziano (2007) e Lévy (1996; 1997; 1999) que
abordam questões referentes à cibernética, à tecnologia, à internet, ao ciberespaço
e outras. Isto com o objetivo de esclarecer termos e aplicabilidades na EaD. Os
escritos mais conhecidos de Pierre Lévy são: O que é virtual? (1996), As tecnologias
da inteligência: futuro do pensamento na era da informática (1997) e Cibercultura
(1999). Apesar de serem da década de 1990, as ideias neles contidas são
atemporais, permeando todo o tempo atual da sociedade em rede. Assim, Pierre
Lévy se tornou um dos principais teóricos da Internet.
4.1. O ATUAL E O VIRTUAL
Lévy (1996) em O que é virtual? procura nos esclarecer o sentido da palavra
‘virtual’, amplamente utilizada, pouco entendida, e o seu uso equivocado na
atualidade para dizer que está em rede, tal como loja virtual, banco virtual, amizade
virtual. Somos levados a pensar que a realidade virtual é irreal ou ilusória. Para Lévy
(ibidem), o real seria da ordem do “tenho”, enquanto o virtual seria da ordem do
“terás”, ou da ilusão, o que permite geralmente o uso de uma ironia fácil para evocar
as diversas formas de virtualização.
No uso corrente, a palavra virtual é empregada com frequência para significar
a pura e simples ausência de existência, enquanto a “realidade” é uma efetuação
material, uma presença tangível. Como veremos mais adiante, essa abordagem
possui uma parte de verdade interessante, mas é evidentemente demasiado
grosseira para fundar uma teoria geral.
Conforme comenta Lévy (ibidem):
“A palavra virtual vem do latim medieval virtualis, derivado por sua
vez de virtus, força, potência. Na filosofia escolástica, é virtual o que
existe em potência e não em ato. O virtual tende a atualizar-se, sem
ter passado, no entanto, à concretização efetiva ou formal. A árvore
está virtualmente presente na semente. Em termos rigorosamente
filosóficos, o virtual não se opõe ao real, mas ao atual: virtualidade e
atualidade são apenas duas maneiras de ser diferentes” (idem,
ibidem, p.15).
54
Lévy (1996) introduziu também um conceito de Gilles Deleuze, em Différence
et répétition, que faz uma clara distinção entre possível e virtual.
“O possível já está todo constituído, mas permanece no limbo. O
possível se realizará sem que nada mude em sua determinação nem
em sua natureza. É um real fantasmático, latente. O possível é
exatamente como o real: só lhe falta a existência. A realização de um
possível não é uma criação, no sentido pleno do termo, pois a
criação implica também a produção inovadora de uma ideia ou de
uma forma. A diferença entre possível e real é, portanto, puramente
lógica”, (DELEUZE apud LÉVY, 1996, p.15).
Assim sendo, Lévy (ibidem) diz:
“Contrariamente ao possível, estático e já constituído, o virtual é
como o complexo problemático, o nó de tendências ou de forças que
acompanha uma situação, um acontecimento, um objeto ou uma
entidade qualquer, e que chama um processo de resolução: a
atualização. Esse complexo problemático pertence à entidade
considerada e constitui inclusive uma de suas dimensões maiores. O
problema da semente, por exemplo, é fazer brotar uma árvore. A
semente "é" esse problema, mesmo que não seja somente isso. Isto
significa que ela "conhece" exatamente a forma da árvore que
expandirá finalmente sua folhagem acima dela. A partir das coerções
que lhe são próprias, deverá inventá-la, co-produzi-la com as
circunstâncias que encontrar” (idem, ibidem, p.15).
Para Lévy (ibidem):
“A entidade carrega e produz suas virtualidades: um acontecimento,
por exemplo, reorganiza uma problemática anterior e é suscetível de
receber interpretações variadas. Por outro lado, o virtual constitui a
entidade: as virtualidades inerentes a um ser, sua problemática, o nó
de tensões, de coerções e de projetos que o animam, as questões
que o movem, são uma parte essencial de sua determinação” (idem,
ibidem, p.16).
Segundo Lévy (ibidem), o virtual não se opõe ao real, mas sim ao atual.
Desse modo, existe algo virtual em ‘tudo’ que se atualiza, ou seja, deixa de ser
virtual e torna-se algo que podemos perceber. Como por exemplo: a semente que se
transformou em árvore.
Para o autor, isso quer dizer que deixa de ser virtual e torna-se algo que
podemos nos dar conta. Ou seja, perceber, mas somente através da palavra que
existe de fato, assim como o virtual que existe sem estar presente, “o virtual só
55
eclode com a entrada da subjetividade humana no circuito” (LÉVY, 1996, p.40), isto
é, através da linguagem.
“A linguagem, em primeiro lugar, virtualiza em ‘tempo real’ que
mantém aquilo que está vivo e prisioneiro do aqui e agora. Com isso,
ela inaugura o passado, o futuro e, no geral, o Tempo como um reino
em si, uma extensão provida de sua própria consistência. A partir da
invenção da linguagem, nós, humanos, passamos a habitar o espaço
virtual, o fluxo temporal tomado com um todo, que o imediato
presente atualiza apenas parcialmente, fugazmente. Nós existimos”.
(idem, ibidem, p.71).
Deste modo, podemos entender que o atual é uma resposta ao virtual, mas
nada tem a ver com ele. O virtual produz efeitos à medida que se atualiza, por
exemplo, a semente vai se transformando em árvore, ou seja, a semente vai se
atualizando e tornando-se uma árvore sem ser virtual. A atualização desfaz o caráter
da virtualidade. Lévy (ibidem) nos diz que “o virtual é o nó de tendências ou de
forças que acompanha uma situação, um acontecimento, um objeto ou uma
entidade qualquer, e que chama um processo de resolução: a atualização” (idem,
ibidem, p.16).
Neste sentido, pode-se entender que o virtual é aquilo que existe enquanto
potência, enquanto possibilidade de tornar-se atual e que permanece enquanto
potência, numa espécie de contido para se atualizar.
A virtualização para Lévy (ibidem) permite a duplicação do corpo, na medida
em que é possível criarmos para nós mesmos organismos virtuais que ampliam o
conhecimento de nós mesmos. Por exemplo, os equipamentos de visualização
médicos, que tornaram transparentes nosso corpo virtual no qual os médicos
manipulam; a multiplicação do corpo através das redes sociais e assim por diante.
Ao se virtualizar, o corpo se multiplica. A virtualização não pode ser reduzida a um
processo de desaparecimento ou de desmaterialização, mas de uma reencarnação,
no sentido de reinvenção, de uma multiplicação, numa espécie de heterogênese do
humano. A multiplicação do corpo através dos sistemas de realidade virtual que
virtualizam os sentidos, criam novas percepções, que nos proporcionam uma
integração dinâmica de diferentes modalidades perceptivas.
A virtualização verso multiplicação do corpo tem uma relação direta com as
relações pessoais e com o espaço verso tempo. A conceituação do espaço tempo
pode-se dizer que acompanha a história do pensamento humano. O tempo é
56
enigmático até para os teóricos, Veneziano (2007) nos demonstra três aspectos de
pensamentos:
“Aristóteles, partidário do tempo sem início (eterno), invoca o
princípio de que do nada, nada vem. Se o Universo não poderia
nunca ter passado do não ser para o ser, deveria ter existido sempre.
Por essa e outras razões, o tempo deve se expandir eternamente
pelo passado e pelo futuro” (idem, ibidem, p.71).
Os teólogos cristãos costumavam adotar o ponto de vista contrário. Santo
Agostinho defende a existência de Deus fora do espaço e do tempo. Quando lhe
perguntaram: “O que Deus estava fazendo antes de criar o Universo? Ele
respondeu: Como o próprio tempo faz parte de Deus, simplesmente não existia
antes” (idem, ibidem, p.71).
A teoria da relatividade geral de Einstein afirma “que o espaço e o tempo são
entidades maleáveis, flexíveis” (idem, ibidem, p.72).
Kant (1781) em Crítica da razão pura, diz que o espaço e o tempo têm
condições subjetivas do conhecimento. Para ele o espaço é uma representação a
priori que subjaz a todas as sensações externas, ou seja, todo algo fora de mim e
diz:
“O espaço não é um conceito empírico abstraído de experiências
externas. Pois a representação do espaço já tem de estar subjacente
para certas sensações se referirem a algo fora de mim (isto é, a algo
num lugar do espaço diverso daquele que me encontro), e
igualmente para eu poder representá-las como fora de mim e uma ao
lado da outra e, por conseguinte não simplesmente diferentes, mas
situadas em lugares diferentes. Logo, a representação do espaço
não pode ser tomada emprestada, mediante a experiência, das
relações do fenômeno externo, mas esta própria experiência externa
é primeiramente possível só mediante referida representação” (idem,
ibidem, p.73).
Para Kant (ibidem) o tempo é intuição e tem seu fundamento também a priori.
Só nele é possível toda a realidade dos fenômenos. O que nos permite pressupor
que há algo exista ao mesmo tempo (simultâneo) ou em tempos diferentes
(sucessivos) e diz que:
“O tempo nada mais é senão a forma do sentido interno, isto é, do
intuir a nós mesmos e a nosso estado interno. Com efeito, o tempo
não pode ser uma determinação de fenômenos externos; não
57
pertencem nem a uma figura ou posição etc., determinando ao
contrário a relação das representações em nosso estado interno. É
justamente porque essa intuição interna não fornece figura alguma,
procuramos substituir essa carência por analogias e representamos a
sequencia de tempo por uma linha (continua) que avançada ao
infinito” (KANT, 1781, p.79).
Para Kant (ibidem), o espaço e o tempo, não são conceitos discursivos, ou
um conceito universal, mas sim uma intuição pura e que nos faz fazer a seguinte
pergunta: Como o espaço e o tempo se constituem na rede de computadores?
O livro de Michael Serres, Atlas, ilustra o tema virtual como “não-presença”. A
imaginação, a intuição, a memória, o conhecimento, a religião são vetores de
virtualização, que nos fizeram abandonar a presença muito antes da informatização
e das redes digitais. Atualmente quando uma pessoa, uma coletividade, um ato,
uma informação se virtualizam, eles se tornam “não-presentes”, se desterritorializam.
Para Lévy (1996) é:
“uma espécie de desengate os separa do espaço físico ou geográfico
ordinários e da temporalidade do relógio e do calendário. É verdade
que não são totalmente independentes do espaço-tempo de
referência, uma vez que devem sempre inserir em suportes físicos e
se atualizar aqui ou alhures, agora ou mais tarde” (idem, ibidem,
p.21).
A virtualização submete a narrativa clássica a uma prova rude: unidade de
tempo sem unidade de lugar (graças às interações em tempo real por redes
eletrônicas). Novas fronteiras estão abertas à desterritorialização, ao ser/estar no
espaço virtual, à encontrar pessoas, à navegar pelos sites que se encontram em
diferentes tempos e espaços e ao não estar presente.
Para Lévy (ibidem), “o senso comum faz do virtual, inapreensível, o
complementar do real, tangível. Essa abordagem contém uma indicação que não se
deve negligenciar: o virtual, com muita frequência, ‘não estar presente’” (idem,
ibidem, p.19). Para ele a empresa virtual não pode mais ser situada precisamente.
Seus elementos são nômades, dispersos e independentes de sua localização
geográfica.
Lévy (ibidem) questiona:
“Estará o texto aqui, no papel, ocupando uma porção definida do espaço
físico, ou em alguma organização abstrata que se atualiza numa
58
pluralidade de línguas, de versões, de edições, de tipografias? O texto está
desterritorializado, presente por inteiro em cada uma de suas versões, de
suas cópias e de suas projeções, desprovido de inércia, habitante ubíquo
do ciberespaço. Embora necessite de suportes físicos pesados para
subsistir e atualizar-se, o imponderável hipertexto não possui um lugar”
(LÉVY, 1996, p.21-20).
Para Lévy (ibidem), o fato de não pertencer a nenhum lugar, de frequentar um
espaço não designável (onde ocorre a conversação telefônica?), de ocorrer apenas
entre coisas claramente situadas, ou de não estar somente “presente” (como todo
ser pensante), nada disso impede a existência. Embora uma etimologia não prove
nada, assinalemos que a palavra existir vem precisamente do latim sistere, estar
colocado, e do prefixo ex, fora de. Existir é estar presente ou abandonar uma
presença? Dasein ou existência? Tudo se passa como se o alemão sublinhasse a
atualização e o latim a virtualização.
Conforme Lévy (ibidem), uma comunidade virtual pode, por exemplo,
organizar-se sobre uma base de afinidade por intermédio de sistemas de
comunicação telemáticos. Seus membros estão reunidos pelos mesmos interesses
ou pelos mesmos problemas: a geografia, não é mais um problema e nem uma
imposição. Apesar de "não-presente", essa comunidade está repleta de paixões e de
projetos, de conflitos e de amizades. Ela vive sem lugar de referência de localização
ela está em toda parte ou em parte alguma. A virtualização reinventa uma cultura
nômade e faz surgir um meio de interações sociais onde as relações se
reconfiguram com um mínimo de inércia.
Conforme Lévy (1996), “Quando uma pessoa, uma coletividade, um ato, uma
informação se virtualizam, eles se tornam ‘não-presentes’ e desterritorializam” (idem,
ibidem, p.21).
Mas, novamente, nem por isso o virtual é imaginário. Ele produz efeitos. Para
o autor: “Era, portanto, previsível encontrar a desterritorialização, a saída de
‘presença’, do ‘agora’ e do ‘isto’ como uma das vias régias da virtualização” (idem,
ibidem, p.21).
Não estar presente não impede a existência e não significa mais ausência.
Todos os elementos aqui descritos são importantes para a EaD, o tempo e a
distância deixam de existir através da videoconferência e a virtualização deixa os
conteúdos à disposição do aluno, independente do tempo. A não-presença do aluno,
59
não é impedimento nas aulas, pois ele está presentificado, pela virtualização da
presença.
4.2. CIBERCULTURA
Um dos mais prodigiosos pesquisadores do século XX, Nobert Wiener
estudou a teoria da transmissão de mensagens desde o fim da Segunda Guerra
Mundial. Existe um campo de pesquisa que não só inclui o estudo da linguagem,
mas também o estudo das mensagens como meios de dirigir as máquinas e a
sociedade, o desenvolvimento das máquinas computadoras e autômatos, que
envolvem certas reflexões acerca da psicologia e do sistema nervoso, e uma teoria
conjetural do método científico. Esta teoria das mensagens é uma teoria
probabilística e teve a sua origem em Willard Gibbs.
Como não havia uma palavra para designar este complexo de ideias num
único termo Wiener (1954) diz “daí que derivei da palavra grega ‘kubernetes’, ou
‘piloto’, a mesma palavra grega de que eventualmente derivamos nossa palavra
‘governador’” (idem, ibidem, p.15). Ele vai além e continua, “mais tarde descobri que
essa palavra foi usada por Ampère como referência à ciência política” (idem, ibidem,
loc.cit.). A partir daí tudo que se refere a controle, a governo e a informática utiliza-se
esse pré-fixo Ciber. Por exemplo: ciberespaço, cibercultura, cibernética, etc.
Wiener (ibidem) ao dar a definição da palavra “Cibernética” em seu livro O
uso humano de seres humanos, de 1950, coloca a definição na mesma classe de
comunicação e controle. E diz:
“A tese deste livro é a de que a sociedade só pode ser compreendida
através de um estudo das mensagens e das facilidades de comunicação
de que disponha; e de que, no futuro desenvolvimento dessas mensagens
e facilidades de comunicação, as mensagens entre homens e as
máquinas, entre máquinas e o homem, e entre a máquina e a máquina,
estão destinadas a desempenhar papel cada vez mais importante”. (idem,
ibidem, p.16).
Para Wiener (ibidem), a ordem dada a uma máquina, não difere da ordem
dada a uma pessoa. Ele diz: “Tanto quanto alcança minha consciência, estou ciente
da ordem emitida e do sinal de aquiescência recebido de volta” (idem, ibidem, p.16).
60
Após 30 anos William Gibson, em 1984, criou o termo ciberespaço que foi
usado em seu livro de ficção científica, Neuromancer. Este termo designa a
interconexão das redes digitais, onde são travadas as batalhas entre as
multinacionais, sendo que alguns heróis são capazes de entrar “fisicamente” nesse
espaço de dados para viver todos os tipos de aventura.
O ciberespaço é definido como “o espaço de comunicação aberto pela
interconexão mundial dos computadores e das memórias dos computadores” (LÉVY,
1999, p.92). Trata-se de um novo meio de comunicação estruturado.
Essa palavra foi logo incorporada pelos usuários e criadores de redes digitais.
“Existe hoje no mundo uma profusão de correntes literárias, musicais, artísticas e
talvez até políticas que se dizem parte da ‘cibercultura’”. (idem, ibidem, loc.cit.).
Os elementos mais utilizados na cibercultura são os hipertextos, as
correspondências e as comunicações online. Os hipertextos são os sites, que
permitem uma variedade e diferentes leituras por estarem ligados e interligados uns
nos outros, permitindo uma leitura totalmente particular. Uma leitura através do que
é chamado de navegação, onde você está livre para ir em qualquer direção. As
correspondências online, que são os e-mails, que permitem as pessoas se
corresponderem a qualquer momento, enviando cartas eletrônicas sempre que
desejarem. A comunicação online diz respeito aos chats, às salas de bate-papo e
afins. Os blogs são verdadeiros diários virtuais onde as pessoas podem expor seus
temas, suas fotos, suas ideias e uma variedade de assuntos, nos quais outras
pessoas podem participar acrescentando comentários ou simplesmente lendo seus
escritos. Na comunicação online podemos destacar duas: o Windows Live
Messenger (MSN) e o Skype, que além da comunicação escrita, permite a
comunicação por imagem e voz. É neste espaço que podemos trocar informações e
construir laços sociais. Essa comunidade virtual é construída sobre afinidades e
interesses, independente de sua pessoa e proximidades geográficas. Esses
elementos da cirbercultura estão cada vez mais presentes em nossas vidas e nos
conduzindo para a virtualização da informação e da comunicação.
Para Lévy (1999): “O ciberespaço como suporte da inteligência coletiva é uma
das principais condições de seu próprio desenvolvimento. Este é um fenômeno
complexo e ambivalente” (idem, ibidem, p.29).
61
Para ele o crescimento do ciberespaço não determina automaticamente o
desenvolvimento da inteligência coletiva, apenas fornece a essa inteligência um
ambiente propício.
Para a EaD o ciberespaço com sua virtualidade é importante por permitir a
conexão entre alunos, professores e a utilização de hipertextos virtualizados e
desterritorializados. O virtual é obviamente uma dimensão importante da realidade.
Para Lévy (1999) em geral acredita-se que uma coisa deva ser real ou virtual, que,
portanto, ela não pode possuir as duas qualidades ao mesmo tempo. No entanto, a
virtualidade e atualidade são apenas dois modos diferentes da realidade. Voltemos
ao exemplo da árvore, “se a produção da árvore está na essência do grão, então a
virtualidade da árvore é bastante real (sem que seja, ainda, atual)” (idem, ibidem,
p.47).
A forma de virtualização através da digitalização é importante para a EaD,
uma vez que podemos transformar uma informação em números (0s e 1s)
chamados de binários. Deste modo, quase todas as informações podem ser
codificadas dessa forma: como texto, imagem e som. O texto pode ser digitalizado,
uma imagem pode ser transformada em pixels (picture elements), significando que
qualquer imagem pode ser traduzida numa sequencia de números. O som também
pode ser digitalizado, que é feito através de amostragens das frequências que são
posteriormente traduzidas em números.
A importância da digitalização é que todos esses elementos (texto, imagem e
som) podem ser digitalmente codificados, transmitidos e copiados indefinitivamente
sem perda de informação e qualidade. Enquanto os sons e imagens gravadas
analogicamente se degradam irremediavelmente a cada nova cópia ou transmissão.
Os binários (um e zero) permitem o apagamento, substituição, separação,
ordenação, desvio e endereçamento, mediante ao processo de controle e
integridade, razão pela qual podemos obter rapidamente a reprodução em escala
quantitativa. Estas informações codificadas como números são rapidamente
recompostas através de cálculos feitos pelo computador. Lévy (ibidem) diz: “O
computador, então, não é apenas uma ferramenta para produção de textos, sons e
imagens, é antes de mais nada, um operador de virtualização da informação” (LÉVY,
1999, p.55). O computador com todas essas multimídias é o fator central da
comunicação e da informação na EaD. Para a melhor compreensão da palavra
62
multimídia Lévy (1999), define algumas palavras-chave do universo da informação e
da comunicação. O termo multimídia para ele significa:
“em princípio, aquilo que emprega diversos suportes ou diversos
veículos de comunicação. Infelizmente é raro que seja usado nesse
sentido. Hoje a palavra refer-se geralmente a duas tendências
principais dos sistemas de comunicação contemporâneos: a
multimodalidade e a integração digital”. (idem, ibidem, p.63).
A mídia é o suporte ou veículo da mensagem. O impresso, o rádio, a
televisão, o cinema ou a internet, por exemplo, são mídias. Conforme o autor, a
recepção de uma mensagem coloca em uso diversas modalidades perceptivas, por
exemplo: o impresso coloca em ação principalmente a visão e em segundo lugar o
tato, há texto e imagens. O cinema falado ou a televisão, a visão e audição. A
realidade virtual coloca em ação a visão, a audição, o tato e a cinestesia (sentido
interno do movimento do corpo).
A codificação, analógica ou numérica, refere-se ao sistema fundamental da
gravação e transmissão da informação, por exemplo, no disco de vinil a codificação
é analógica e no CD de áudio a codificação é digital. As mídias rádio, televisão, o
cinema e a fotografia, podem ser analógicos ou digitais.
O dispositivo informacional qualifica a estrutura da mensagem ou o modo de
relação dos elementos de informação. Segundo Lévy (ibidem), as mensagens
podem ser lineares, como ocorre com a música, o cinema e textos ou em rede. Os
hiperdocumentos codificados digitalmente não foram os criadores da estruturas em
rede. Elas existem há tempos num dicionário (no qual cada palavra nos remete a
outras), numa enciclopédia (com seus índices, tesauro e remissões múltiplas), em
uma biblioteca (com seus fichários e referências cruzadas de um livro para outro) e
já possuem uma estrutura reticulada.
O ciberespaço fez com que surgissem dois novos dispositivos informacionais
que são originais em relação às mídias precedentes. Para Lévy (1999) são: “o
mundo virtual e a informação em fluxo” (idem, ibidem, p. 62). O mundo virtual dispõe
as informações em um espaço continuo, e não em rede, e o faz em função da
posição do explorador dentro desse mundo (princípio de imersão), por exemplo,
nesse sentido o videogame já é um mundo virtual. A informação em fluxo designa
dados em estado contínuo de modificação, dispersos entre memórias e canais
interconectados que podem ser percorridos, filtrados e apresentados ao usuário
63
(cibernauta) de acordo com as instruções dos programas e outras ferramentas de
auxílio à navegação, por exemplo, os navegadores Firefox, Explorer e as
ferramentas de buscas Google, Yahoo, o Lycos, entre outras. Para Lévy (1999) “A
noção de dispositivo informacional é, em princípio, independente da mídia, da
modalidade perceptiva em jogo ou do tipo de representação transportada pelas
mensagens” (idem, ibidem, p.63).
Por último, o dispositivo comunicacional, designa a relação entre os
participantes da comunicação e é o mais interessante para a EaD. Lévy (ibidem)
distingue três grandes categorias de dispositivo comunicacionais: um-todos, um-um
e todos-todos. Por exemplo, a impressa, o rádio e a televisão são estruturados de
acordo com o princípio um-todos: um centro emissor e diversos receptores passivos
e dispersos. O correio e o telefone organizam relações recíprocas entre
interlocutores, mas apenas para contatos de indivíduo a indivíduo ou ponta a ponto,
ou seja, dispositivo um-um. O ciberespaço torna disponível um dispositivo
comunicacional original, já que para Lévy (ibidem), “ele permite que comunidades
constituam de forma progressiva e de maneira cooperativa um contexto comum
(dispositivo todos-todos)” (idem, ibidem, p.63). Na EaD por exemplo, os alunos
enviam mensagens para o professor que podem ser lidas por todos os outros alunos
e às quais o professor responde a todos e os alunos podem também participar
individualmente. Para o autor, os mundos virtuais para diversos participantes, os
sistemas para ensino, o trabalho cooperativo, ou até mesmo, em uma escala maior a
WWW, podem ser considerados sistemas de comunicação todos-todos. Mais uma
vez, o dispositivo comunicacional independe dos sentidos implicados na recepção, e
também do modo de representação da informação. Lévy (1999) insiste nesse ponto
porque para ele:
“são os novos dispositivos informacionais (mundos virtuais,
informação em fluxo) e comunicacionais (comunicação todos-todos)
que são os maiores portadores de mutação culturais, e não o fato de
que se misture o texto, a imagem e o som, como parece
subentendido na noção vaga de multimídia” (idem, ibidem, p.63).
Desse modo, a EaD está expandido rapidamente para diversos cantos do
mundo, por usar todo esse conceito de multimídia. E é através da ferramenta de
videoconferência, que a EaD transmite o conhecimento.
64
4.3. TECNOLOGIAS UTILIZADAS NA EAD
Nas atividades cotidianas lidamos com vários tipos de tecnologias, uma das
mais conhecidas atualmente é a internet com seus respectivos serviços. Algumas
dessas tecnologias passam despercebidas no cotidiano, como por exemplo, a
transmissão de luz e a distribuição de água nas grandes cidades, só a percebemos
quando elas faltam. Outras, porém, se evidenciam, gerando, inclusive, intensos
debates, como por exemplo, a energia nuclear, a biotecnologia entre outras.
Kenski (2010) marca uma diferença entre a tecnologia e a técnica:
“Ao conjunto de conhecimentos e princípios científicos que se
aplicam ao planejamento, à construção e à utilização de um
equipamento em um determinado tipo de atividade nós chamamos
de ‘tecnologia’. Às maneiras, aos jeitos ou às habilidades especiais
de lidar com cada tipo de tecnologia, para executar ou fazer algo, nós
chamamos de ‘técnicas’” (idem, ibidem, p.18).
As tecnologias sempre foram ameaçadoras para os humanos, porque, no
passado, elas invadiram os pensamentos com tecnologias alienígenas que
dominariam a terra, invadem atualmente com a robótica e com a tecnologia da
informação, que dominarão o futuro como máquinas poderosas, com capacidades
de subjugar os humanos.
Os filmes de ficção científica sempre exploraram o
confronto entre os humanos e as máquinas.
Para Kenski (ibidem),
“essa visão redutora sobre o conceito de tecnologia como algo
negativo, ameaçador e perigoso deixa aflorar um sentimento de
medo. As pessoas se assustam com a possibilidade de que se
tornem realidade as tramas ficcionais sobre o domínio do homem e
da Terra pelas “novas e inteligentes tecnologias”. (idem, ibidem,
p.17).
A tecnologia está presente em nosso cotidiano de tal forma que muitas vezes
nem sequer nos damos conta delas. Isso só ocorre quando elas falham. Um
exemplo disso é a água que corre nas torneiras, a luz elétrica que ilumina a nossa
leitura e faz funcionar a rede de computadores. Na vida contemporânea pode-se
dizer que existem duas tecnologias de grande importância. São elas: a televisão e o
computador, conectado através da internet.
65
Essa interação entre o conteúdo veiculado pelas tecnologias midiáticas e as
tecnologias da inteligência também é observada por Derrick Kerckhove (apud
KENSKI, 2010) que nos diz que a:
“TV fala ao corpo, não à mente. O corpo reage às
imagens, aos movimentos e às informações que
aparecem na tela. É impossível acompanhar
racionalmente a velocidade do que é ali apresentado,
mas há uma interação imediata com o nosso espaço
físico corporal, nosso sistema nervoso e nossas
emoções. Para Kerckhove, “perceber a cultura televisiva
implica conhecer a razão e a forma como a televisão
nos fascina para além do nosso consciente”
(KERCKHOVE apud KENSKI, 2010, p.22).
As tecnologias da informação e comunicação, as midiáticas, são inclusas na
internet, elas interferem no nosso modo de relacionamentos sociais (e-mail, twitter,
facebook), no modo de pensar, sentir, agir e adquirir conhecimentos (EaD, Google,
Bing, canais para TV da Discovery). Criam uma nova cultura de saber e influenciam
no modelo de sociedade.
Na era da informação, comportamentos, práticas, informações e saberes se
alteram com extrema velocidade. Um saber ampliado e mutante caracteriza o atual
estágio do conhecimento na atualidade.
Para Kenski (2010):
“essas alterações refletem-se sobre as tradicionais formas de
pensar e fazer educação. Abrir-se para novas educações –
resultantes de mudanças estruturais nas formas de ensinar e
aprender possibilitadas pela atualidade tecnológica – é o
desafio a ser assumido por toda a sociedade”. (idem, ibidem,
p.26-27).
Tradicionalmente, o ensino e o aprendizado de conceitos era tarefa exclusiva
da escola, ou seja, para nos educarmos tínhamos que ir à escola.
“O espaço e o tempo de ensinar eram determinados. ‘Ir à escola’
representava um movimento, um deslocamento até a instituição
designada para a tarefa de ensinar e aprender. O ‘tempo da escola’,
também determinado, era considerado como o tempo diário que,
tradicionalmente, o homem dedicava à sua aprendizagem
sistematizada. Correspondia, também, na sua história de vida à
época que o homem dedicava à formação escolar” (idem, ibidem,
p.30).
66
A dinâmica da sala de aula também se altera, alunos e professores agora
estão fisicamente em lugares diferentes. O ensino privilegia o trabalho em equipe,
em que o professor passa a ser um tutor. Para essas novas “escolas virtuais” nada é
fixo, o tempo e o espaço são independentes, o espaço social das salas de aula são
trocados pela interação, os diálogos e trocas sobre os conhecimentos são virtuais e
a reciclagem deve ser permanente para poder acompanhar essa nova estrutura do
saber.
Nas palavras de Serres (apud KENSKI, 2010):
“Outrora visíveis e construíveis em sólido, as escolas [nas
redes] apagam as distâncias no espaço real e reúnem em
lugares não-assinaláveis, grupos virtuais. Nas escolas
virtuais, invisíveis, no espaço do mundo, o que há de
mais normal do que partilhar números, histórias, línguas,
receitas, endereços ou sutilezas ... dos quase-objetos
ausentes? Que conteúdos se poderiam melhor adaptar às
imagens, às associações, às instituições virtuais a não
ser os do saber e da formação?” (SERRES apud
KENSKI, 2010, p. 175-189).
Na concepção de Serres as tecnologias aplicadas à escola virtual também
são uma forma de libertação para o aluno: dos bullyings, do transporte, das roupas,
do peso dos livros e cadernos e, muitas vezes, até de horários rígidos. O autor
ressalta que a escola virtual não é polifônica. Elas são destinadas ao saber e a
formação do aluno. Nesses ambientes virtuais os corpos não falam e não há a
linguagem da sedução. Serres considera a escola virtual como uma forma de
libertação do aluno “de ter que suportar as relações violentas e brutais dos pátios do
recreio, e do sufoco dos vaivéns pendulares para e da escola, nas grandes cidades
congestionadas” (SERRES apud KENSKI, 2010, p.191). Para Lévy (1999), “as
escolas virtuais são pontos de encontro no ciberespaço, em que se apresenta um
aqui e agora paradoxal, sem lugar nem tempo claramente definíveis” (idem, ibidem,
p.247).
Com todos esses novos conceitos e tecnologia, na contemporaneidade, está
surgindo uma nova modalidade de ensino, que é a combinação entre o ensino com
auxilio da tecnologia e a educação à distância. Para tal combinação é usado o termo
e-learning.
Moraes (2010) ressalta que “o uso das tecnologias digitais e do chamado elearning ainda se mostra controverso, com vantagens e desvantagens. De um lado,
67
se ganha em produtividade àquilo que se perde em isolamento do estudante”
(MORAES, 2010, p. 49).
Com o acesso às redes, multiplicam-se as possibilidades educativas da
escola. Pode-se acessar informações, bibliotecas, para se comunicar através de email, chat, facebook, twitter, para fazer divulgações, oferecer informações e serviços.
Todas essas atividades poderão ser realizadas no âmbito da instituição por seus
professores, alunos e funcionários.
Estamos numa fase de transição da EaD. Para atender o problema exposto
anteriormente, muitas universidades e organizações estão se especializando na
tarefa de fornecer conteúdos específicos para a EaD, como: novos livros didáticos,
manuais, testes, uso de iPad, para os seus cursos e para instituições conveniadas,
atendendo essa demanda pode-se citar como exemplo, mais uma vez, a Open
University, na Inglaterra, e a Universidade Nacional à Distância, na Espanha.
Atualmente, o conteúdo é oferecido para grupos, provavelmente em um futuro
próximo tais recursos serão utilizados individualmente.
Neste processo de ensino-aprendizagem, mediado por tecnologias, onde
professores e alunos não estão no mesmo local físico, mas em diferentes locais,
conectados através de tecnologias, o serviço mais utilizado atualmente, na EaD, é a
videoconferência com o serviço de transmissão multimídia.
A videoconferência é uma tecnologia que permite o contato visual e sonoro
entre pessoas que estão em diferentes locais. As conexões podem ser feitas via
internet ou conexões privadas de banda larga, como as utilizadas nas salas de
videoconferências particulares, todas as opções devem ter equipamentos de
transmissão multimídia. Para o serviço de videoconferência via internet está sendo
utilizada a banda larga das TVs a cabo, o que permite a transmissão em tempo real
de som e imagem (streaming), facilitando a interação entre duas ou mais pessoas. A
integração entre TV e WEB, que gerou a iTV, permite que o professor e o aluno
interajam com a aula apresentada, naveguem na rede e acessem informações, isso
tudo simultaneamente.
Com a implantação da banda larga utilizada pelas TVs a cabo, para a
transmissão em alta definição High-definition (HD), abrem-se novas possibilidades
para a Educação à Distância, devido a qualidade da transmissão em tempo real.
Com todas essas tecnologias convergentes, uma nova modalidade de ensino
foi iniciada pela EaD, que é o ensino continuado, um aprendizado constante. Essa
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nova abordagem de aprendizado necessário às novas tecnologias estão acabando
com o antigo termo de aprendizado long-life. Ou seja, os conhecimentos adquiridos
durante o ensino médio e na faculdade perpetuariam durante a sua vida ativa para o
trabalho. Com o aprendizado continuado o ensino deixa de ser fechado durante a
juventude. No caso de uma tecnologia evoluir e necessitar de novos ensinamentos,
pode-se utilizar a EaD para ter diversos professores especialistas numa determinada
área, compartilhando seus conhecimentos específicos, visando o aprimoramento do
aluno numa formação constante.
A EaD também muda o conceito de aula, os horários e locais de estudo.
Estes serão cada vez mais flexíveis, abrindo uma ampla oportunidade para
indivíduos e grupos sociais que não podem comparecer às salas de aulas pelo seu
ritmo de vida e de trabalho. O professor continuará “ministrando aula”, mas
utilizando uma plataforma de desenvolvimento de interação entre ele e o aluno, por
exemplo, podemos citar o Moodle, a plataforma mais utilizada atualmente na EaD.
O Modular Object-Oriented Dynamic Learning Environment (MOODLE) é uma
plataforma aberta (GLP, open source) com tecnologias interativas embutidas, tais
como: receber e responder e-mails dos alunos, criar listas de discussão, liberar
textos de acordo com a necessidade, chats, links, páginas da internet, trocar
experiências, esclarecer dúvidas e inferir resultados dentro ou fora de um horário
específico.
Outra noção que devemos ter é que na EaD, cada curso tem que ter um tutor
responsável por um grupo de alunos. Ele deverá estar atento ao ritmo pessoal de
cada aluno, sua interação com o grupo e com o comportamento do grupo. O tutor é
um professor que atua como mediador no processo de aprendizagem, ele é quem
estabelece a rede de comunicação e aprendizagem, sem se desvincular do sistema
educacional e das funções pedagógicas. O tutor constrói o ambiente de
aprendizagem multidirecional através dos recursos multimídias, visando vencer a
distância física entre educador e o educando.
Para Peters (2003), com os novos aplicativos produzidos para as tecnologias
de
informação
e
comunicação
digitais,
a
didática
da
EaD
obteve
um
desenvolvimento sem precedentes e que ultrapassa muito todas as inovações
didáticas anteriores. Não se trata apenas de uma inovação, mas de uma série, que
atualmente se converge e se potencia. Dentre essas tecnologias três se
sobressaíram, são elas: os computadores, o melhoramento das telecomunicações e
69
a tecnologia multimídia. Devido esses avanços qualquer pessoa compreenderá as
vantagens que a EaD poderá ter no futuro.
Uma vez que o ambiente de estudo dos tele-estudantes esteja com os
equipamentos adequados, com acessos à internet, com os meios de comunicação e
banda larga, aparecerá a seguinte vantagem estrutural em termos gerais: a
distância, que é intrínseca da EaD, se tornará, em determinadas fases, proximidade.
As novas tecnologias ampliam as formas do ensino e da aprendizagem, o que pode
tornar a aprendizagem mais atraente e eficiente. E para os docentes amplia-se o
espaço para a didática. Agora com essa tecnologia disponível podem ser criados e
desenvolvidos cursos que deixam para trás as limitações e os empecilhos
existentes.
Peters (2003) considera que:
“a revolução digital não apenas modificará o EaD, mas também
nossa vida em geral. Estão sendo reestruturadas especialmente as
áreas do trabalho, da família e do lazer, através das redes de
computadores que nos permite comunicar com pessoas em qualquer
parte e permeiam nossas atividades com informação. Isso significaria
para as teleuniversidades não somente o ensino a distância, mas
também o ensino com presença será atingido pela revolução digital e
terá que desenvolver novas formas de ensino e aprendizagem”
(idem, ibidem, p. 233).
Peters (ibidem) postula que os estudantes deverão adaptar-se ao novo
método de aprendizagem. Primeiro, a liberdade de tomar decisões sobre o
andamento de seus estudos. Segundo, eles mesmos têm que encontrar o seu
próprio caminho, sendo obrigados a refletir constantemente até que ponto desejam
chegar com os seus estudos, o que por vários motivos pode ser conflitante. Terceiro,
os tele-estudantes podem construir um grupo no qual discutem entre si com a ajuda
da videoconferência, enviando trabalhos digitados a todos os membros do grupo ou
respondendo aos trabalhos recebidos.
Peters (ibidem) lista uma série de vantagens e desvantagens do modelo de
ensino mediado por computador. As vantagens são claras: o docente poderá praticar
o ensino virtual, aula virtual, tutoria virtual, seminário virtual e outros. Esse tipo de
ensino é capaz de compensar, em parte, evidentes carências do ensino tradicional.
Através da EaD os estudantes podem trocar ideias, discutir entre si e resolver
controvérsias. Desse modo, a interatividade do estudo é considerada elevada. E, o
70
mais importante, o seu isolamento social é rompido por determinado período de
tempo, criando a proximidade.
Naturalmente há desvantagens na EaD, tais como:
“Os telestudantes podem ausentar-se por longos períodos sem que
sua falta seja percebida.
Perder o controle diante da grande quantidade de mensagens que
entram e se sobrepõem, tornando-se supérfluas.
O comportamento dos ‘outros colegas’ em relação ao estudo
permanece ignorado.
Se a discussão não for habilmente conduzida, é grande o perigo de
cair em samll talk e conversa fiada.
Existem ‘perturbadores’ notórios, que atrapalham o curso da
discussão.
Inversamente em virtude da fascinação do trabalho por computador,
a atenção e a participação ativa podem degenerar em fixação no
objeto em estudo – efeitos de um comportamento vicioso on-line”.
(idem, ibidem, p. 248).
Para Randy Garrison (apud PETERS, 2003), toda essa problemática pode ser
resumida da seguinte forma: “a essência de todo processo de ensino e
aprendizagem é a comunicação entre docentes e discentes, pois a eficiência do
ensino depende do apoio adequado ao estudante, através da comunicação” (idem,
ibidem, p.248).
Verifica-se assim, que num futuro próximo, com a utilização das tecnologias
caracterizadas como midiáticas, aliadas a um baixo custo dos equipamentos, os
cursos superiores de determinadas áreas do conhecimento, utilizando a tecnologia
EaD, poderão superar em números os cursos presenciais.
Vale ressaltar que todas essas tecnologias mais avançadas, convergentes,
ainda não substituíram o correio, o rádio, a televisão, o vídeo, o telefone e,
principalmente, a presença física do professor nas salas de aulas do mundo todo.
71
5. PSICANÁLISE E EDUCAÇÃO
Nesse capítulo tomaremos alguns textos de Sigmund Freud que abordam
questões referentes à educação e a transferência para interrogar: o que a
psicanálise tem a dizer sobre a relação professor-aluno na educação à distância?
Logo de início vale ressaltar que em 1925, no Prefácio para a juventude
desorientada, de August Aichhorn, Freud postulou: “Aceitei o bon mot que
estabelece existirem três profissões impossíveis – educar, analisar e governar (...)”
(FREUD, 1925, p.341). Freud (ibidem) afirmava que era preciso incluir a psicanálise
entre as profissões impossíveis, ao lado da educação e da arte de governar. As três
repousam sobre os poderes que um homem pode exercer sobre outro mediante a
palavra e as três encontram os limites de sua ação no fato de que não se submetem
ao inconsciente, pois é ele que nos sujeita.
Em 1937, em Análise terminável e interminável, Freud acrescenta: “(...) a
análise, a terceira daquelas profissões impossíveis quanto às quais, de antemão, se
pode estar seguro de chegar a resultados insatisfatórios (...)” (FREUD, 1937, p.282).
Admitindo que a psicanálise é um saber, teremos de concordar que existe, pelo
menos, um campo de saber que admite que há um impossível que sempre escapa.
Faremos uso de um texto de Freud (1914b) intitulado Algumas reflexões
sobre a psicologia do escolar, para ressaltar a importância da relação professoraluno em sua concepção. Segundo as informações de James Strachey, esse texto
foi escrito para um volume coletivo em comemoração ao 50º aniversário de fundação
do colégio em que Freud estudou dos nove aos 17 anos de idade (1865-1873),
Leopoldstädter Kommunal-read-und Obergymnasium, popularmente conhecido em
Viena como o Sperlgymnasium. Na comemoração do jubileu de sua escola os
pensamentos de Freud se dirigem aos seus professores.
Freud inicia seu texto mencionando a sensação esquisita, quando, já na idade
madura, se recebe uma ordem de fazer uma redação escolar aos 60 anos de idade.
Diz que, talvez, há dez anos pudesse ter tido momentos em que, de repente, sentiase novamente jovem. Caminhando pelas ruas de Viena poderia encontrar
inesperadamente algum cavaleiro idoso, bem conservado, ao qual saudasse porque
o reconhecera como um de seus antigos professores. Porém, depois pararia e
refletiria: “Seria realmente ele? Ou apenas alguém muito semelhante? Como parece
72
jovem! E como estou velho! Que idade poderá ter hoje? Será possível que os
homens que costumavam representar para nós protótipos de adultos, sejam
realmente tão pouco mais velhos que nós?” (Freud, 1914b, p.247).
Freud (ibidem) observa que em momentos como esse, costumava achar que
o tempo presente parecia mergulhar na obscuridade e os anos entre os dez e os
dezoito surgiam dos escaninhos da memória, com todas as suas conjecturas e
ilusões, suas deformações, dolorosas e seus incentivadores sucessos, seus
primeiros vislumbres de uma civilização extinta, seus primeiros contatos com as
ciências, entre as quais lhe parecia aberta a escolha daquela à qual ele dedicaria os
seus inestimáveis serviços. Durante todo esse tempo ele tinha a premonição de uma
tarefa futura, até que essa encontrou expressão manifesta na sua redação de
despedida da escola, como um desejo de que pudesse, no decurso de sua vida,
contribuir com algo para o conhecimento humano.
Mais tarde tornou-se médico e pode criar uma nova disciplina, a psicanálise,
que desperta um interesse excitado e é acolhida com louvores e ataques por
médicos e investigadores de países vizinhos e terras distantes e estrangeiras.
Como psicanalista, Freud está destinado a se interessar mais pelos
processos psíquicos que pelos intelectuais, mais pela vida inconsciente que pela
consciente. Sua emoção ao encontrar seu velho mestre da escola adverte-lhe que,
antes de tudo, deve admitir uma coisa:
“é difícil dizer se o que exerceu mais influência sobre nós e teve
importância maior foi a nossa preocupação pelas ciências que nos
eram ensinadas, ou pela personalidade de nossos mestres. É
verdade, no mínimo, que esta segunda preocupação constituía uma
corrente oculta e constante em todos nós e, para muitos, os
caminhos das ciências passavam apenas através de nossos
professores. Alguns detiveram-se a meio caminho dessa estrada e
para uns poucos – porque não admitir outros tantos? – ela foi por
causa disso definitivamente bloqueada” (idem, ibidem, p.248).
Freud (ibidem) confessa:
“Nós os cortejávamos ou lhe virávamos as costas; imaginávamos
neles simpatias e antipatias que provavelmente não existiam;
estudávamos seus caracteres e sobre estes formávamos ou
deformávamos os nossos. Eles provocavam nossa mais enérgica
oposição e forçavam-nos a uma submissão completa;
bisbilhotávamos suas pequenas fraquezas e orgulhávamo-nos de
sua excelência, seu conhecimento e sua justiça. No fundo, sentíamos
73
grande afeição por eles, se nos davam algum fundamento para ela,
embora não possa dizer quantos se davam conta disso. Mas não se
pode negar que nossa posição em relação a eles era notável, uma
posição que bem pode ter tido suas inconveniências para os
interessados. Estávamos igualmente inclinados a amá-los e a odiálos, a criticá-los e a respeitá-los. A psicanálise deu o nome de
‘ambivalência’ a essa facilidade para atitudes contraditórias e não
tem dificuldade em indicar a fonte de sentimentos ambivalentes
desse tipo” (FREUD, 1914b, p. 248).
O autor observa que a psicanálise nos mostrou que as atitudes afetivas dos
sujeitos para com outras pessoas, que são de extrema importância para seu
comportamento posterior, já estão estabelecidas numa idade surpreendentemente
precoce. A natureza e a qualidade das relações da criança com as pessoas do seu
próprio sexo e do sexo oposto, já foi firmada nos primeiros seis anos de sua vida.
Sendo assim, ela pode posteriormente desenvolvê-las e transformá-las em certas
direções, mas não pode mais livrar-se delas. As pessoas a quem se acha ligadas
são os pais e os irmãos e irmãs. Todos que vem a conhecer mais tarde tornam-se
figuras substitutas desses primeiros objetos de seus sentimentos. Freud verifica que
essas figuras substitutas podem classificar-se, do ponto de vista da criança,
segundo provenham das ‘imagos’ do pai, da mãe, dos irmãos e das irmãs. Seus
relacionamentos posteriores são obrigados a arcar com uma espécie de herança
psíquica, defrontam-se com simpatias e antipatias para cuja produção esses
próprios relacionamentos pouco contribuíram. Freud postula que todas as escolhas
posteriores, de amizade e amor, seguem a base das lembranças deixadas por esses
primeiros protótipos.
Freud esclarece que de todas as imagens de uma infância que, via de regra,
não é mais recordada, nenhuma é mais importante para um jovem ou para um
homem que a do pai. A necessidade introduz, na relação de um homem com o pai,
uma ambivalência que encontramos expressa de forma mais notável no mito Grego
do rei Édipo. Um rapazinho está fadado a amar e admirar o pai, que lhe parece ser a
mais poderosa, bondosa e sábia criatura do mundo. O próprio Deus é apenas uma
exaltação dessa imagem do pai, tal como é representado na realidade psíquica
durante a mais tenra infância. Cedo, porém, surge o outro lado da relação. O pai é
identificado como o perturbador máximo da vida pulsional. Torna-se um modelo não
apenas a ser imitado, mas também a ser eliminado para que possamos tomar seu
lugar. A partir disso, os impulsos afetuosos e hostis para com ele persistem lado a
74
lado, muitas vezes, até o fim da vida, sem que nenhum deles seja capaz de anular o
outro. É nessa existência concomitante de sentimentos contrários que reside o
caráter essencial daquilo que a psicanálise chama de ambivalência.
Freud (1914b) verifica que na segunda metade da infância, se dá uma
mudança na relação do menino com o pai. Do seu quarto de criança, o menino
começa a vislumbrar o mundo exterior e não pode deixar de fazer descobertas que
solapam a opinião original que tinha sobre o pai e que apresentam o desligamento
do seu primeiro ideal. Descobre que o pai não é o mais poderoso, sábio e rico dos
seres. Fica insatisfeito com ele, aprende a criticá-lo, a avaliar o seu lugar na
sociedade. E então, em regra, faz com que ele pague pesadamente pelo
despontamento que lhe causou. Tudo que há de admirável, e de indesejável, na
nova geração é determinado por esse desligamento do pai.
Freud (ibidem) chama atenção para o fato de que é nessa fase do
desenvolvimento de um jovem que ele entra em contato com os professores, de
maneira que podemos entender a sua relação com eles. Estes homens, nem todos
pais, na realidade tornam-se pais substitutos. É por essa razão que, embora ainda
bastante jovens, impressionam como tão maduros e tão inatingivelmente adultos.
Com o trabalho de Freud (ibidem) podemos concluir que a transferência se
estabelece na relação aluno-professor:
“Transferimos para eles o respeito e as expectativas ligadas ao pai
onisciente de nossa infância e depois começamos a tratá-los como
tratávamos nossos pais em casa. Confrontâmo-los com a
ambivalência que tínhamos adquirido em nossas próprias famílias e,
ajudados por ela, lutamos como tínhamos o hábito de lutar com
nossos pais de carne e osso. A menos que levemos em
consideração nossos quartos de criança e nossos lares, nosso
comportamento para com os professores seria não apenas
incompreensível, mas também indesculpável” (idem, ibidem, p.249).
5.1. A TRANSFERÊNCIA
Freud (1893-1895) mencionou o termo transferência pela primeira vez em
Estudos sobre histeria. No decorrer das análises, Freud (1900) percebeu que a
figura do analista funcionava como um resto diurno, sobre o qual o paciente
“trabalhava”, transferindo para ele imagens que se relacionavam com antigas
vivências do paciente com outras pessoas. Em momento algum a transferência era
75
percebida pelos seus pacientes. Assim, se deu conta de que estava diante de uma
manifestação inconsciente, “que constitui, por isso mesmo, um bom instrumento de
analise desse inconsciente” (KUPFER, 2007, p.88).
Freud (1900) também observou que a transferência ocorria nas diferentes
relações estabelecidas pelas pessoas no decorrer da vida. Entendida como “a
repetição de protótipos infantis vivida com uma sensação de atualidade acentuada”
(KUPFER, 2007, p.88), nada impede que a transferência se dirija ao analista ou a
qualquer outra pessoa. “Freud chega a afirmar que ela está presente também na
relação professor-aluno. Trata-se de um fenômeno que permeia qualquer relação
humana, e é isso o que nos autoriza a substituir a expressão “relação analistapaciente” pela expressão “relação professor-aluno” (KUPFER, 2007, p.88).
“Que são transferências? São reedições dos impulsos e fantasias
despertadas e tornadas conscientes durante o desenvolvimento da
análise e que trazem como singularidade característica a substituição
de uma pessoa anterior pela pessoa do analista. Em outras palavras:
toda uma série de acontecimentos psíquicos ganha vida novamente,
agora não mais como passado, mas como relação atual com a
pessoa do analista” (FREUD, 1905[1901], p.111).
Os diversos argumentos de Freud, sobre o conceito de transferência,
explicitam que um professor também pode tornar-se a pessoa a quem são
endereçados os interesses de seu aluno porque é objeto de uma transferência. Essa
formulação tem implicações tanto para o analista como para o professor, uma vez
instalada a transferência ambos tornam-se depositários de algo que pertence ao
analisante ou ao aluno. Em decorrência disso, tais pessoas ficam carregadas de
uma importância especial. É dessa importância que emana o poder que o professor
ou o analista tem sobre o aluno ou analisante. Em razão dessa transferência de
sentido operada pelo desejo, ocorre também uma manifestação de poder.
“O problema é que, com esse poder em mãos, não é fácil usá-lo para
libertar um “escravo” que se escravizou por livre e espontânea
“vontade”. A história mostra que a tentação de abusar do poder é
grande. No caso do professor, abusar do poder seria equivalente a
usá-lo para subjugar o aluno, impor-lhe seus próprios valores e
ideias. Em outras palavras, impor seu próprio desejo, fazendo-o
sobrepor-se àquele que movia seu aluno a colocá-lo em destaque. O
professor também é um sujeito marcado pelo desejo de seu
inconsciente. É exatamente esse desejo que o impulsiona para a
76
função de mestre, e justifica que ele esteja ali. Mas, estando ali, ele
precisa renunciar a esse desejo” (KUPFER, 2007, p.93-94).
No texto A dinâmica da transferência, Freud (1912a) esclarece que manejar
os fenômenos da transferência representa para o analista as maiores dificuldades.
No entanto, ele não deve esquecer que são precisamente os fenômenos da
transferência que prestam o inestimável serviço de tornar imediatos e manifestos os
impulsos eróticos ocultos e esquecidos do paciente.
Freud (ibidem) observa que através dos impulsos libidinais e das influências
sofridas durante os primeiros anos de vida, o sujeito consegue um método próprio
para se conduzir na vida erótica. Os impulsos libidinais sofrem uma cisão. Uma parte
passa por todo o processo do desenvolvimento psíquico e é dirigida para a
realidade. Outra parte permanece ou é retida (recalcada), ou impedida de expansão
no inconsciente. Dessa maneira, se a necessidade que alguém tem de amar não é
inteiramente satisfeita pela realidade, ele tende a aproximar-se de cada nova pessoa
que encontra, com ideias libidinais antecipadas. E é bastante provável que ambas as
partes de sua libido, a consciente e a inconsciente, tenham sua cota na formação
dessa atitude.
Sendo assim, é perfeitamente normal e inteligível que o investimento libidinal
do paciente parcialmente insatisfeito e com um investimento antecipado, dirija-se
também para a figura do analista, que o incluirá numa das ‘séries’ psíquicas que já
formou. Se a ‘imago paterna’, foi o fator decisivo no caso, o resultado concordará
com as relações reais do sujeito com seu analista. Contudo, a transferência não se
acha presa a este protótipo específico: pode surgir também semelhante à imago
materna ou à imago fraterna.
As observações de Freud (ibidem) mostram que num paciente, quando as
associações cessam, esta falta pode ser removida pela garantia de que o paciente
está sendo dominado, momentaneamente, por uma associação com o analista ou
com algo a este vinculado. Assim que esta explicação é fornecida, a interrupção é
removida ou a situação se altera com as associações que faltam ou com as retidas.
À primeira vista, parece ser uma imensa desvantagem, que o que era um fator de
sucesso para a psicanálise se transforme no mais poderoso meio de resistência.
Segundo Freud (ibidem), nas instituições em que doentes são tratados de modo não
analítico, podemos observar que a transferência ocorre com maior intensidade e sob
77
as formas mais indignas, chegando à servidão psíquica e apresentando o mais claro
colorido erótico. Essas características da transferência, portanto, não devem ser
atribuídas à psicanálise, mas sim à própria neurose.
Freud (ibidem) examina a razão pela qual a transferência aparece na
psicanálise como resistência. Observa que, a introversão ou a regressão da libido se
dá quando uma parte da libido, que pode se tornar consciente e dirigida para a
realidade, tem sua força diminuída e a outra parte, inconsciente, que se dirige para
longe da realidade e pode alimentar as fantasias do sujeito, é proporcionalmente
aumentada. A libido (inteiramente ou em parte) entra em regressão e revive as
representações inconscientes infantis do sujeito. Então o analista passa a rastrear a
libido, torná-la acessível à consciência e útil à realidade. Quando a análise depara
com a libido consciente exposta, está fadado a irromper um combate. Todas as
forças que fizeram a libido regredir se erguerão como resistências ao trabalho da
análise, a fim de conservar o novo estado de coisas. Se a introversão, ou regressão
da libido, não fosse uma relação específica entre o sujeito e o mundo externo, ou
seja, pela frustração da satisfação, a introversão não teria absolutamente ocorrido.
Para Freud (ibidem) as resistências oriundas da regressão da libido, não são
as únicas ou as mais poderosas. A libido está sempre sob a influência da atração do
inconsciente. Quando a atração pela realidade diminui, ela entra num curso
regressivo. O recalque é responsável pela maior parte da resistência, que faz a
doença voltar repetidas vezes. A análise tem de lutar contra as resistências oriundas
de ambas fontes. A resistência representa uma conciliação entre as forças que estão
lutando no sentido do restabelecimento e as que se lhe opõem.
Ainda em A dinâmica da transferência, Freud (ibidem) relata o processo de
um complexo patogênico desde sua representação no consciente sob a forma de um
sintoma, até sua raiz no inconsciente. Para ele, é neste percurso que a resistência
se faz sentir. A associação seguinte tende a aparecer como uma conciliação entre
as exigências da resistência do sujeito e as do trabalho de investigação do analista.
É neste ponto que a transferência aparece. Quando algo da fala serve para ser
transferido para o analista, essa transferência é realizada. Ela produz a associação
seguinte e se anuncia por sinais de resistências, por exemplo, através de uma
interrupção. Freud (ibidem) assim explica que, a ideia transferencial penetrou na
consciência à frente de quaisquer outras associações possíveis, porque ela satisfaz
a resistência. Um evento deste tipo se repetirá inúmeras vezes no decurso da
78
análise. Reiteradamente, quando um analista se aproxima de um complexo
patogênico de valor tático, parte desse complexo capaz de transferência é
empurrado em primeiro lugar para a consciência e defendido com a maior
obstinação.
Depois que a resistência for vencida, a superação das outras partes do
complexo quase não apresenta novas dificuldades. Quanto mais demora um
tratamento analítico, mais claramente o paciente se dá conta de que as deformações
do material patogênico produzidas, não oferecem qualquer proteção contra sua
revelação. Mais sistematicamente faz uso da deformação para obter vantagens, a
deformação mediante a transferência. Nessas circunstâncias, todo conflito tem que
ser combatido na esfera da transferência. Freud (ibidem) chama a atenção para o
fato de que a transferência, no tratamento analítico, aparece desde o início, como
elemento mais forte da resistência. Por essa razão, o autor se indaga: “Como é
possível que a transferência sirva tão admiravelmente de meio de resistência?”
(idem, ibidem, p.116).
Por que é difícil para o paciente admitir que qualquer impulso incomunicável
do seu desejo, possa ser revelado ao mundo real? Mas o desejo do paciente é
confessar o objeto de seus impulsos emocionais ao analista. Dado esse desejo, uma
relação de dependência afetuosa e dedicada com o analista pode ajudar uma
pessoa a superar todas as dificuldades de fazer uma confissão. Segundo Freud
(1912a): “É comum em situações reais, as pessoas dizerem: ‘Na sua frente, não
sinto vergonha: posso dizer-lhe qualquer coisa’. Assim, a transferência para o
analista poderia servir para facilitar as confissões, e não fica claro, por que o
paciente torna as coisas mais difíceis” (idem, ibidem, p.116).
Quando Freud (ibidem) examinou as resistências transferenciais particulares
que ocorrem durante o tratamento, percebeu que não se pode compreender o
emprego da transferência como resistência enquanto se pensa simplesmente em
uma única transferência. Isto porque existem dois tipos: uma transferência positiva,
a transferência de sentimentos afetuosos, e a transferência negativa, a dos
sentimentos hostis.
A transferência positiva é dividida em transferência de sentimentos amistosos
ou afetuosos, que são admissíveis à consciência, e de prolongamentos desses
sentimentos no inconsciente, os quais a análise demonstra que invariavelmente
remontam a fontes eróticas.
79
“Assim descobrimos que todas as relações emocionais de simpatia,
amizade, confiança e similares, das quais podemos tirar bom
proveito em nossas vidas, acham-se geneticamente vinculadas à
sexualidade e se desenvolveram a partir de desejos puramente
sexuais, através da suavização de seu objetivo sexual.
Originalmente, conhecemos apenas objetos sexuais, e a psicanálise
demonstra-nos que pessoas em nossa vida real que são admiradas
ou respeitadas, podem também ser objetos sexuais para nosso
inconsciente” (idem, ibidem, p. 116-117).
A solução do enigma é que a transferência para o analista é apropriada para
a resistência ao tratamento apenas na medida em que se trata de transferência
negativa ou positiva de impulsos eróticos recalcados. Se “removermos” a
transferência por torná-la consciente, estaremos desligando, apenas da pessoa do
analista, aqueles dois componentes do ato emocional. O outro componente
admissível à consciência e irrepreensível, persiste, constituindo o veículo de
sucesso na psicanálise.
Freud (ibidem) levanta ainda outra questão: por que os fenômenos de
resistência da transferência só aparecem na psicanálise e não em formas de
tratamento (em instituições, por exemplo)? Para Freud (ibidem), eles também
aparecem, mas têm de ser identificados como tal. A manifestação de uma
transferência negativa é, na realidade, um acontecimento muito comum nas
instituições. Quando um paciente cai sob o domínio da transferência negativa, ele
deixa a instituição em estado inalterado ou agravado. Quando o paciente manifesta
resistência ao restabelecimento, a instituição o retém para mantê-lo a certa distância
da vida. Isto porque, é completamente indiferente que o paciente supere essa ou
aquela angústia ou inibição na instituição. O que importa é que ele fique livre dela
também na vida real. Quanto à transferência erótica, não possui efeito tão inibidor
nas instituições, ela é encoberta ao invés de revelada.
Freud verifica que a transferência negativa nas formas curáveis de
psiconeurose é encontrada lado a lado com a transferência afetuosa. Observa ainda
que Bleuler adotou o excelente termo “ambivalência” para descrever este fenômeno.
A ambivalência nas tendências emocionais dos neuróticos é a melhor explicação
para sua habilidade em colocar as transferências a serviço da resistência. Quando a
transferência torna-se negativa, como é o caso dos paranóicos, deixa de haver
qualquer possibilidade de influência ou cura.
80
Até agora Freud (1912a), em A dinâmica da transferência, descreveu apenas
um dos lados do fenômeno da transferência. No entanto existe outro aspecto a ser
abordado. Toda pessoa em análise, assim que entra sob o domínio da resistência
transferencial considerável, é arremessada para fora de sua relação real com o
analista. Como se sente em liberdade despreza a regra fundamental da psicanálise,
esquece as intenções com que iniciou o tratamento e encara com indiferença
argumentos
e
conclusões
lógicas.
Todo
aquele
que
observou
esses
comportamentos no paciente, achará necessário uma explicação em outros fatores.
E esses fatores não se acham longe. Originam-se, mais uma vez, da situação
psicológica em que o tratamento coloca o paciente.
Freud (ibidem) ressalta que no processo de procurar a libido, que fugira do
consciente do paciente, o analista penetra no reino do inconsciente. As reações que
o analista provoca revelam algumas das características do estudo dos sonhos. Os
impulsos inconscientes não desejam ser recordados, mas o tratamento deseja, o
inconsciente esforça-se por reproduzir-se de acordo com sua atemporalidade e sua
capacidade de alucinação. O paciente encara os produtos de seus impulsos
inconscientes como contemporâneos e reais. Procura colocar suas paixões em ação
sem levar em conta a situação real. O analista tenta obrigá-lo a ajustar esses
impulsos emocionais, para vinculá-los ao tratamento e história de sua vida, a
submetê-los à consideração intelectual e a compreender seu valor psíquico. Este
embate entre o analista e o paciente, entre o intelecto e a vida pulsional, entre a
compreensão e a procura da ação, é travado, quase exclusivamente, nos
fenômenos da transferência. É nesse campo que tem de ser conquistada a luta, pois
é nesse campo que se dá a cura permanente da neurose.
Dois anos mais tarde em um texto intitulado Observações sobre o amor
transferencial: novas recomendações sobre a técnica da psicanálise III, Freud
(1915[1914]) chama atenção para o fato de que todo analista iniciante sente
dificuldades de interpretar as associações do paciente e a lidar com a reprodução do
recalcado, mas logo aprende a ver estas dificuldades como insignificantes, na
medida em que as únicas dificuldades reais são no manejo da transferência.
Freud (ibidem) adverte que o analista tem de tomar cuidado para não se
afastar do amor transferencial, repeli-lo ou torná-lo desagradável para o paciente. No
entanto deve recusar-lhe retribuição. O analista deve manter o domínio do amor
transferencial e tratá-lo como algo irreal. O amor transferencial pode ajudar a trazer
81
do inconsciente, tudo que se acha profundamente oculto na vida erótica do paciente
para sua consciência e, portanto, para debaixo de seu controle. O analista deve
permitir que o paciente perceba que ele está à prova de qualquer tentação, pronto
para extrair da situação seu conteúdo analítico. Com essa atitude, o paciente, cujo
recalque sexual ainda não foi removido, mas empurrado para segundo plano, se
sentiria seguro, para permitir que todas as suas precondições para amar, todas as
fantasias que surgem de seus desejos sexuais, todas as características
pormenorizadas de seu estado amoroso venham à luz. A partir destas, ele próprio
abrirá o caminho para as raízes infantis de seu amor.
Nesse
mesmo
texto,
Freud
(1915[1914])
se
interroga:
“podemos
verdadeiramente dizer que o estado de enamoramento que se manifesta no
tratamento analítico não é real?” (idem, ibidem, p.185). Para Freud (ibidem), o amor
transferencial não parece ficar devendo nada a ninguém, na medida em que se tem
a impressão de que se poderia obter dele qualquer coisa.
“O estado amoroso que faz seu aparecimento no decurso do
tratamento analítico tem o caráter de um amor “genuíno”; é
desprovido de normalidade, isto é explicado pelo fato de que estar
enamorado na vida comum, fora da análise, é também mais
semelhante aos fenômenos psíquicos anormais que aos normais. O
amor transferencial assegura uma posição especial. Em primeiro
lugar, é provocado pela situação analítica; em segundo, é
intensificado pela resistência, que domina a situação; e, em terceiro,
falta-lhe consideração pela realidade, é menos sensato, menos
interessado nas conseqüências e mais ego em sua avaliação da
pessoa amada do que estamos preparados para admitir no caso do
amor normal. Não devemos esquecer, contudo, que esses
afastamentos da norma constituem precisamente aquilo que é
essencial a respeito de estar enamorado” (idem, ibidem, p.185-186).
Para melhor verificar os ensinamentos de Freud sobre esse tema recorrerei a
obra de Quinet (2009), intitulada 4 + 1 Condições de análise, na qual o autor articula
as obras de Freud e de Lacan, para enfatizar a importância da transferência no
processo analítico.
Tanto Freud quanto Lacan insistem em ressaltar que a transferência marca o
início de uma análise. Sendo assim, pode-se dizer que o estabelecimento da
transferência é necessário para que uma análise se inicie, mas a transferência não é
condicionada ou motivada pelo analista.
82
“Ela está aí, diz Lacan na ‘Proposição’, por graça do analisante. A
transferência não é, portanto, uma função do analista, mas do
analisante. A função do analista é saber utilizá-la. A primeira
formulação dessa questão pode ser encontrada no artigo de Lacan
“Função e campo da fala e da linguagem” quando fala de
transferência de saber. Trata-se de uma ilusão na qual o sujeito
acredita que sua verdade encontra-se já dada no analista e que este
a conhece de antemão. Esse ‘erro subjetivo’ é imanente à entrada
em análise. A subjetividade em questão é correlata aos efeitos
constituintes da transferência, que são distintos dos efeitos já
constituídos antes desse momento. Essa subjetividade correlata ao
saber como efeito constituinte da transferência é o que Lacan
formulará como sujeito suposto saber. Cada vez, diz ele no
Seminário XI, que para o sujeito essa função do sujeito suposto
saber é encarnada por quem quer que seja, analista ou não, isso
significa que a transferência já está estabelecida” (QUINET, 2009, p.
13).
Quinet (ibidem) alerta para o fato de que:
“se o analista empresta sua pessoa para encarnar esse sujeito
suposto saber ele não deve de maneira alguma identificar-se com
essa posição de saber, pois isso seria um erro, uma equivocação. O
sujeito suposto saber é definido por Lacan, no início de seu ensino,
como ‘aquele que é constituído pelo analisante na figura de seu
analista’, e mais tarde o fará equivaler a Deus Pai” (idem, ibidem,
p.20).
Na Proposição de 9 de outubro de 1967, sobre o psicanalista da Escola,
Lacan (1967) propõe um matema para análise: o algoritmo da transferência, no qual
o significante do sujeito (S), se articula a um significante qualquer do analista (Sq),
produzindo a associação livre (s (S1, S2,...Sn)).
Em seu livro 4 + 1 Condições de análise, Quinet (2009) recorre aos
ensinamentos de Lacan para melhor elucidar o algoritmo da transferência:
“O (S) do numerador dessa fração é o chamado significante da
transferência: um significante do analisante se dirige a um
significante qualquer (Sq), que vem representar o analista. Este
significante fabricado pelo analisante fará com que ele escolha
aquele analista: pode ser o nome próprio ou algum traço particular.
Essa escolha do analista é formalizada por Lacan como uma
articulação de dois significantes que corresponde ao estabelecimento
da transferência — transferência significante. O efeito dessa
83
transferência significante é um sujeito, representado na fórmula por s
(significado), que está correlacionado aos significantes do saber
inconsciente (estes significantes SI, S2 ...Sn, dispostos numa cadeia,
que representam um conjunto de significantes do saber
inconsciente). A articulação do significante da transferência com o
significante qualquer do analista, escolhido pelo analisante tem como
efeito a produção do sujeito: aquilo que um significante representa
para outro significante” (QUINET, 2009, p.27-28).
Qual o efeito do estabelecimento desse sujeito suposto saber? É o amor.
Quinet (ibidem) esclarece que com o surgimento do amor se dá a transformação da
demanda, uma demanda transitiva (demanda de algo, como por exemplo, livrar-se
de seu sintoma) torna-se uma demanda intransitiva (demanda de amor, de
presença, já que o amor demanda amor).
Conforme Quinet (ibidem), Lacan também verificou, como Freud, que o amor
é o efeito da transferência, mas efeito sob o aspecto de resistência ao desejo como
desejo do Outro. Ao surgimento do desejo, sob a forma de questão, o analisante
responde com amor, cabe ao analista fazer surgir nessa demanda à dimensão do
desejo, que é também conectado ao estabelecimento do sujeito suposto saber.
“O que quer esse amor de transferência? Ele quer saber. Lacan define a
transferência como amor que se dirige ao saber” (idem, ibidem, p.29). Em O
Seminário, livro 8: a transferência, Lacan (1960-1961) fez de O Banquete de Platão
o texto central sobre a transferência. Sócrates aparecendo como aquele que nunca
pretendeu saber nada além do que diz respeito a Eros.
Para Lacan (ibidem), há uma identidade entre o algoritmo da transferência
(onde só aparecem significantes) e o que é conotado como agalma, em O Banquete
de Platão. Se na transferência há presentificação da realidade do inconsciente
enquanto sexual é por causa desse objeto maravilhoso, o agalma.
5.2.
A
TRANSFERÊNCIA
E
O
DISCURSO
TÉCNICO-
CIENTÍFICO
Nesse ponto da pesquisa tomaremos um interessante texto de Doris Rinaldi9
(2011), apresentado no I CONLAPSA (Congresso Latino-Americano de Psicanálise
9
Profª. Drª. Doris Luz Rinaldi é Doutora em Antropologia Social pelo Museu Nacional da UFRJ
(1993); Professora Adjunta do DPC/UERJ; Pesquisadora do CNPq; Membro do PROCIÊNCIA;
Psicanalista.
84
na Universidade), em 2011, na Universidade do Estado do Rio de Janeiro, intitulado
Intervenções contemporâneas: proximidade, ética e gozo, no qual a autora traz à
discussão alguns aspectos do laço social tal como se apresenta hoje, sob a vigência
do discurso capitalista em sua copulação com o discurso técnico-científico, para
retomar a nossa questão inicial sobre o uso da internet na EaD e interrogar:
poderíamos considerar a possibilidade de que a transferência do aluno com o
professor se estabeleça através da internet?
No mencionado texto, Rinaldi (2011) observa que hoje vivemos sob o domínio
da internet, das redes sociais, da comunicação imediata, que permite a conexão de
pessoas nas partes mais distantes do mundo. A autora alerta para o fato de que
grande parte da população urbana do planeta está on-line. Observa que as novas
mídias multiplicam, de modo antes impensável, as possibilidades de contatos, a
constituição de redes de amigos, as oportunidades de encontros, seja no campo
amoroso, seja em outros campos.
Rinaldi (ibidem) ressalta:
“A invenção da internet, que revolucionou as tecnologias da
informação na segunda metade do século XX, expandindo-se
principalmente no final deste século, tornou o mundo, de certa forma,
menor. Hoje temos dificuldade de imaginar como era antes viver sem
esse recurso, ainda que esse passado não seja tão longínquo. Ao
possibilitar a comunicação virtual para além dos meios
convencionais, a internet tem se mostrado uma ferramenta
fundamental na divulgação da informação e do conhecimento, na
pesquisa, e também na cooperação e mobilização política. Como
temos visto recentemente, o seu poder é inegável como se pode ver
nos movimentos de protesto que explodiram em diversos países no
chamado mundo árabe e que, há poucos dias, incendiaram Londres
e outras cidades da Inglaterra” (idem, ibidem).
Rinaldi (ibidem) observa que esta nova forma de comunicação, de um lado,
possibilita a circulação livre da informação, aproximando o distante, e de outro,
constrói-se basicamente a partir de “encontros” que se fazem na virtualidade. A
autora interroga: “Quais os efeitos que isso pode ter nos sujeitos e no próprio laço
social?” (idem, ibidem) e comenta que foi instigada a falar sobre esse tema a partir
da releitura de um ensaio de Heidegger, intitulado A Coisa, no qual o filósofo
introduz uma discussão de ordem ética: “todo distanciamento no tempo e todo
afastamento no espaço estão encolhendo” (idem, ibidem). O autor refere-se às
85
invenções do avião, do rádio, do cinema e da televisão. Naquela época a internet
ainda não existia.
“O homem está superando as longitudes mais afastadas no menor
espaço de tempo... E, no entanto, a supressão apressada de todo
distanciamento não lhe traz proximidade. Proximidade não é pouca
distância. O que acontece quando, na supressão dos grandes
distanciamentos, tudo se torna igualmente próximo e igualmente
distante? O que é essa igualdade em que tudo não fica nem distante
nem próximo, como se fosse sem distância?” (HEIDEGGER, 2010, p.
143).
Rinaldi (2011) afirma que essas indagações pareceram-lhe preciosas para
discutir os novos modos de encontro, porque muito mais do que antes, com a
invenção da internet, reina a falta de distância. Para a autora, a redução dos
afastamentos traz, de fato, uma ilusão de proximidade, como exemplo cita as redes
sociais, os facebooks, os tweeters. Contudo, interroga: “será que isso traz
proximidade? O que é proximidade?” (idem, ibidem).
Rinaldi (ibidem) menciona a metáfora schopenhaueriana dos porcos espinhos
a que Freud (1921) se refere em Psicologia de grupo e análise do ego, como uma
evidência brilhante de que há algo de intolerável na aproximação demasiada do
outro, que impõe a necessidade de uma distância, ainda que íntima.
Rinaldi (2011) se interroga: “no mundo atual, a partir das novas tecnologias,
será que poderíamos falar em uma nova erótica onde reina o sem distância?” (idem,
ibidem). Para a psicanalista a expansão das chamadas redes sociais, que proliferam
nessa primeira década do século XXI, em especial as redes de relacionamento
(facebook, orkut, myspace, twitter, etc,), impuseram um redimensionamento das
tradicionais concepções sociológicas acerca das relações sociais.
“Marcadas pela porosidade e pela efemeridade, podendo se fazer e
desfazer rapidamente, elas ampliam o âmbito das possibilidades de
contatos, interlocuções e formação de grupos, aproximando o
distante. O que as caracteriza mais decisivamente, contudo, é que se
constroem basicamente a partir de ‘encontros’ que se fazem na
virtualidade e na subtração da presença” (idem, ibidem).
A psicanalista questiona: “quais os efeitos que isso pode ter no encontro com
o outro? Como pensar o espaço do próximo nesse caso?” (idem, ibidem). Na
concepção de Rinaldi (ibidem), as redes sociais se articulam fundamentalmente pelo
86
princípio da identificação e as conexões se fazem entre semelhantes, que
compartilham imagens e significantes. A autora sublinha que a primazia do
imaginário deixa na sombra a dimensão simbólica e, principalmente, a dimensão real
do outro, evidenciada no enigma que envolve a presença. Rinaldi (2011) relembra
que não foi à toa que Freud articulou a presença do analista e Lacan explorou esse
tema, acentuando a sua função na manutenção de uma posição conflitual
necessária a qualquer análise. “A presença do analista é testemunha irredutível de
uma perda. Perda de gozo” (LACAN apud RINALDI, 2011). A autora chama atenção
para o fato de que se fala hoje de “presença virtual” possibilitada pelas novas
tecnologias que associam imagem e voz em “tempo real”.
“A instantaneidade da comunicação elimina a distância no tempo e
simula a proximidade. Entretanto, presença não se resume ao
significante nem a imagem, mas implica um “corpo-espinho” que
goza e é isso que impõe uma distância íntima, de ordem ética,
condição para o desejo” (RINALDI, 2011).
No mundo atual, alerta a autora, os objetos tecnológicos, como os laptops,
tablets, Ipads, Ipods, Iphones e outras “bugigangas”, assim como as novas mídias,
ocupam no discurso capitalista o lugar de mais-de-gozar, como objetos
condensadores de gozo. A psicanalista verifica que o discurso capitalista, em sua
associação com o discurso da tecnologia:
“Oferece como objetos descartáveis, que alimentam a falta de gozo
de que se nutre a própria máquina capitalista, mas que trazem a
promessa de um gozo garantido. Nas redes sociais, são esses
objetos e o que se faz com eles que, como próteses, constituem os
mediadores por excelência entre eu e o outro” (idem, ibidem).
Rinaldi (ibidem) menciona que no filme Rede Social (EUA, 2010), que narra a
história da criação do facebook, o que importa é conectar um número cada vez
maior de “amigos”, que aumenta de forma exponencial e que pode chegar à escala
mundial. A psicanalista considera que nesse caso: “o meio, encarnado em um
objeto, se sobrepõe ao laço, subvertendo a concepção de laço social na medida em
que este se funda justamente na falta de objeto” (idem, ibidem).
Rinaldi (ibidem) questiona: “nessa nova conformação do laço social, como se
constitui, então, o espaço do próximo? Poderíamos dizer que estamos em cheio
naquilo que Heidegger aponta, isto é, na igualdade em que tudo fica sem distância?”
87
(RINALDI, 2011). A autora lembra Freud (1930[1929]) em seu texto O mal-estar na
cultura, no qual o autor se refere ao homem como um “Deus de prótese” (idem,
ibidem, p. 90) para pontuar que o homem parece prolongado por seus órgãos
auxiliares – o Ipad, o Iphone, etc. Mas, apesar disso, se interroga a autora: “o que
ele alcança? O outro como parceiro, em um feliz ou infeliz encontro? Ou o outro
apenas como pré-texto para um gozo autista garantido pelos objetos tecnológicos?
Quais as consequências desse processo para o laço social?” (RINALDI, 2011).
Esse importante texto da Professora Doutora Doris Rinaldi (ibidem) me
conduziu a formulação de uma hipótese para a questão que levantei anteriormente
sobre o uso da internet na EaD: poderíamos considerar a possibilidade de que a
transferência do aluno com o professor se estabeleça através da internet? O texto
de Rinaldi (ibidem) me levou a verificação de que na internet, “a primazia do
imaginário deixa na sobra a dimensão simbólica, evidenciada no enigma que
envolve a presença” (idem, ibidem). Talvez tenha sido por essa razão que,
baseando-se nos postulados de Freud e de Lacan, os psicanalistas contemporâneos
não cessem de afirmar que não se faz análise pela internet, pois a presença do
analista é fundamental para que uma análise se dê. Evidentemente, que não se
pode comparar a EaD com o processo analítico. Contudo, não podemos
desconsiderar a importância desse pressuposto psicanalítico. Se o tomarmos como
base talvez possamos verificar melhor que a transferência do aluno com o professor
só seja possível através de aulas presencias.
88
6. CONCLUSÃO
Ao final dessa pesquisa foi possível verificar que esse estudo acabou por
entrelaçar várias áreas de saber, tais como: a comunicação, a educação, a
tecnologia e a psicanálise. Tal articulação imprimiu a essa dissertação um status de
interdisciplinaridade. Ao longo desse estudo procuramos dialogar com esses
saberes na expectativa de verificar pontos convergentes e divergentes entre eles.
No primeiro capítulo, dedicado à comunicação, verificamos o quanto a
comunicação evoluiu na história da humanidade. As mensagens, que nos primórdios
da civilização, eram enviadas por meios de transportes – cavalos, navios, trens,
aviões – ou até mesmo a pé, com a evolução da tecnologia na modernidade,
passaram a ser enviadas através da internet. Contudo, apesar das valiosas
evoluções na esfera da comunicação em geral, no que se refere à comunicação
entre as pessoas, não houve grandes mudanças. O relacionamento entre os
homens sempre causou e causará um mal-estar, Freud o verificou em 1930, em seu
premiado texto intitulado Mal-estar na cultura. Nesse precioso escrito, Freud
constatou que o sofrimento humano advém de três fontes: dos fenômenos da
natureza, do corpo e dos relacionamentos entre os homens, este último foi
considerado por Freud como a principal fonte sofrimento. Sadala (2003) retoma esse
texto fundamental para ressaltar que:
“Freud aponta fontes de constante sofrimento para o homem: a
hiperpotência da natureza, a fragilidade de nosso corpo e a
infelicidade provocada pelas relações que mantemos com os nossos
semelhantes. Eis Freud antevendo um mal estar inerente à
comunicação. Constatamos que a ciência, a tecnologia e o progresso
não trouxeram a felicidade almejada”. (idem, ibidem, s/p).
No segundo capítulo dessa pesquisa, nos dedicamos a trabalhar questões
relativas à educação, mais especificamente, aquelas vinculadas à educação à
distância. Trabalhamos modelos, conceitos, industrialização e a propagação da
educação à distância, articulando dois saberes: a comunicação e as tecnologias da
internet. Nesse capítulo, pudemos verificar que a educação contemporânea está
cada vez mais dependente dos meios tecnológicos de comunicação. A tese de
doutorado de Sadala (2001), intitulada No avesso da comum(ic)ação – Para uma
ética do dizer, ressalta o fato de que o primeiro sentido da comunicação era o de
89
“fazer saber”. A autora considera que “para fazer saber”, não se pode excluir o
sujeito de seu desejo. “É preciso lugar da fala, retornando a palavra não para
apenas representar, mas para agir, fazer, fazer saber” (idem, ibidem, p.147). Essa
constatação me levou a interrogar: estaria a comunicação contemporânea excluindo
o sujeito do desejo?
No terceiro capítulo, abordamos as tecnologias da internet utilizadas na
educação à distância, destacando a videoconferência e a virtualização. Foi possível
verificar que o virtual adquiriu novos contornos na sociedade dita pós-moderna. A
imagem, por exemplo, se impôs no lugar do objeto. Esse fenômeno adquiriu
tamanha intensidade na sociedade atual que chegou a ter como meta a recriação da
realidade, transformando-a em outra realidade: a realidade virtual. Para Santos
(1988) a pós-modernidade fabrica um “hiper-real”:
“um real mais real e mais interessante do que a própria
realidade [...] O hiper-real simulado nos fascina porque é o real
intensificado na cor, na forma, no tamanho, nas suas
propriedades [...] não nos informam sobre o mundo; eles o
refazem
à
sua
maneira,,
hiper-realizam
o
mundo,
transformando-o num espetáculo”. (idem, ibidem, p.12-13).
Santos (ibidem) observa que na internet evocamos diversas formas de
virtualização do conhecimento e da informação, “preferimos a imagem ao
objeto, a cópia ao original, o simulacro (a reprodução técnica) ao real” (idem,
ibidem, loc.cit).
As pesquisas sobre os avanços da internet nos conduziram a constatação de
que esta oferece, à grande maioria das pessoas, a oportunidade de escapar do
papel do observador passivo. Ao ler um livro, por exemplo, o leitor agora pode
interagir com a obra ou com um espetáculo teatral que esteja sendo encenado. As
informações contidas na internet podem ser acessadas e trabalhadas. A internet não
é uma entidade concreta, ela é uma entidade virtual, com informações que foram
armazenadas através da virtualização.
As redes sociais são um exemplo dos avanços da internet. Verificam-se,
atualmente, centenas de formadores de opiniões e seguidores que trocam
informações entre si em tempo real e criam novos paradigmas a serem seguidos.
Praticamente não há mais diferença de tempo entre o acontecido, o divulgado e o
executado para esses sujeitos da atualidade.
90
As pesquisas que realizamos sobre a internet, nos permitiram verificar os
inúmeros ganhos que a humanidade teve com seus avanços. No entanto, será que
amalgamados a esses ganhos também se encontram perdas? Quais seriam as
contra indicações da tecnologia moderna? Será que essa dimensão virtual traz
algum perigo para o homem? Sadala (2001) considera que:
“Se por um lado, a Internet representa no mundo moderno, uma
comunicação rápida e eficiente, por outro, constitui-se como o
paradigma do excesso no atual estágio da comunicação. Coloca-se
como meta o máximo de usuários, sites, informação e dinheiro. A
proposta é colocar tudo disponível para o sujeito que, no entanto, só
pode navegar sozinho”. (idem, ibidem, p.141).
A autora alerta para o fato de que o excesso de informação na comunicação
contemporânea leva a considerar a quantidade como critério de sucesso. Como diz
o ditado popular: “quanto mais... melhor”. Quanto mais e-mails, quanto mais acessos
aos twitters, quanto mais acessos aos facebooks...
O que estaria por trás disso? Haveria nesse “quanto mais ... melhor” algo
referente a contabilização própria do discurso capitalista? A lógica da comunicação
contemporânea parece ser: “Comunicar tudo a todos”. Essa parece ser a mesma
lógica do discurso capitalista. Aquele que imprime a lógica do tudo, do todo, do para
todos. Cabe aqui observar que o discurso psicanalítico se contrapõe a essa lógica
do “tudo para todos”. A lógica da psicanálise, ao contrário da do discurso capitalista,
baseia-se na singularidade e na falta. Nesse comunicar “tudo a todos”, que rege a
comunicação na modernidade, não estaria impresso um rebaixamento do sujeito,
uma desconsideração pelo desejo do sujeito? Estaria a mídia sendo regida pelos
ditames do discurso do capitalista? Sadala (ibidem) verifica a antítese que se
imprime entre a mídia e a psicanálise:
“Mídia e psicanálise formam pares antiéticos, isto é, contém,
mutuamente, a antítese um do outro. Mas justamente, por ignorar o
que é próprio do sujeito e tentar enlaçá-lo na forma do consumo, a
mídia garante o lugar da psicanálise no mundo moderno”. (idem,
ibidem, p.201).
Não iremos nos deter nesse ponto, pois ele mereceria um estudo mais
pormenorizado e aprofundado que não caberia na conclusão dessa pesquisa.
91
Prosseguiremos mencionando aqui as demais conclusões a que chegamos com a
evolução desse estudo.
No quarto capítulo dessa dissertação, procuramos abordar, de forma
prudente, é verdade, um conceito fundamental da psicanálise, a transferência, na
expectativa de nos servirmos do saber psicanalítico adquirido sobre esse conceito
na práxis clínica. A compreensão desse conceito nos levou a encontrar algumas
respostas para as questões levantadas no início dessa pesquisa. Retomamos aqui
tais questões: haveria uma diferença entre a relação professor-aluno no ensino
tradicional e na educação à distância? O que a psicanálise tem a dizer sobre a
relação professor-aluno na educação à distância? Poderíamos afirmar que há
transferência, através da internet, na EaD?
As expectativas referentes à relação professor-aluno no ensino tradicional não
divergem das expectativas na educação à distância. Tanto o professor da “era da
informação”, na educação à distância, quanto o professor no ensino tradicional,
deveria ser um professor educador, orientador, que aceitasse uma turma não
homogênea. O aluno, por sua vez, deveria ser agente do seu processo de
aprendizagem, deveria se envolver, se responsabilizar pelo processo educacional,
deveria sair da posição passiva de espectador e assumir o papel principal,
interagindo, colaborando, cooperando, sendo o próprio diretor das suas atuações.
Ambos, professor e aluno, deveriam estabelecer uma relação de troca, de
cooperação, de construção em comum. Verifica-se que as expectativas não se
alteram, elas se sobrepõem.
Quanto à transferência na EaD, os textos de Freud nos levaram a concluir
que esta poderá se estabelecer dentro ou fora do processo analítico. Contudo, existe
algo a ser considerado. O tripé que constitui a formação do analista – a análise
pessoal, o estudo teórico, e a supervisão clínica – possibilita ao analista identificar o
estabelecimento da transferência e manejá-la. Ao contrário, na relação professoraluno, embora a transferência se estabeleça, nem sempre o educador consegue
identificá-la e manejá-la.
Quando chegamos ao final dessa pesquisa pudemos dar conta de que muitas
questões ficaram sem resposta, como por exemplo: o ambiente na EaD propicia
uma mudança no perfil do aluno e do professor? Percebemos que para responder a
essa indagação faz-se necessário construir instrumentos que possibilitem uma
92
pesquisa de campo e um aprofundamento teórico. Sendo assim, propomos a
endereçar essas questões a uma nova pesquisa acadêmica.
93
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