Farmacocinética e Farmacodinâmica clínicas Versão Original: Versão Portuguesa: Janice E. Sullivan, M.D. Brian Yarberry, Pharm.D. Clara Abadesso, MD Helena Isabel, MD Unidade de Cuidados Intensivos e Especiais Neonatais e Pediátricos Hospital Fernando Fonseca Portugal Porquê estudar a Farmacocinética (PK) e Farmacodinâmica (PD)? • Individualizar a terapêutica farmacológica de cada doente • Monitorizar medicações com um index terapêutico estreito • Diminuir o risco de efeitos adversos, e maximizar a resposta farmacológica das medicações • Avaliar PK/PD como uma ajuda diagnóstica para as doenças subjacentes Farmacocinética Clínica • A ciência que estuda a dinâmica das drogas dentro dos sistemas biológicos, que envolve a absorção, a distribuição, o metabolismo e a eliminação. Absorção • “É preciso levar os medicamentos ao corpo do doente” • Características das drogas que afectam a absorção: – Peso molecular, ionização, solubilidade e formulação • Factores que afectam a absorção relacionados com os pacientes: – Via de administração, pH gástrico, conteúdo do aparelho GI Absorção no Paciente Pediátrico • • • • • • Alterações do pH gastrointestinal Esvaziamento gástrico Enzimas gástricas Ácidos biliares & função biliar Flora gastrointestinal Interacção Fórmula/alimentos concentration Tempo para a Concentração Pico 100 90 80 70 60 50 40 30 20 10 0 IV Oral Rectal 0 5 10 20 30 minutes 60 120 180 Distribuição • Permeabilidade da Membrana – Atravessar as membranas até ao local de acção • Proteínas plasmáticas de ligação – Drogas ligadas não atravessam membranas – malnutrição = albumina = droga livre • Lipofilicidade da droga – Drogas lipofílicas acumulam-se no tecido adiposo • Volume de distribuição Distribuição Pediátrica • Composição Corporal – água total & fluido extracellular – tecido adiposo & músculo esquelético • Ligação às Proteínas – albumina, bilirrubina, 1-ácido glicoproteína • Ligação aos Tecidos – Variações da composição Metabolismo • Drogas e toxinas são agentes estranhos ao organismo • Drogas podem ser metabolizadas nos pulmões, sangue e fígado • O organismo converte as drogas em formas menos activas e aumenta a sua hidrossolubilidade para melhorar a eliminação Metabolismo • Fígado – principal via do metabolismo das drogas • Fígado pode também converter pró-drogas (inactivas) na sua forma activa • Tipos de reacções – Fase I (sistema do Citocromo P450) – Fase II Reacções de Fase I • Sistema do Citocromo P450 • Localizado no retículo endoplasmático dos hepatócitos • Através de cadeia transportadora de electrões, a droga liga-se ao sistema CYP450 e entra em oxidação ou redução • Indução enzimática • Interacções de drogas Tipos de Reacções de Fase I • • • • • • Hidrólise Oxidação Redução Demetilação Metilação Metabolismo da Álcool-desidrogenase Reacções de Fase II • Grupo Polar é conjugado com a droga • Resulta no aumento da polaridade da droga • Tipos de Reacções – conjugação da glicina – conjugação glucorónido – conjugação do sulfato Eliminação • Pulmonar = ar expirado • Bílis = fezes – circulação enterohepática • Renal – filtração glomerular – reabsorção tubular – secreção tubular Eliminação Pediátrica • Filtração Glomerular amadurece com a idade, valores dos adultos atingidos pelos 3 anos de idade • Recém-nascido = fluxo sanguíneo renal, filtração glomerular e função tubular diminuídas, o que atrasa a eliminação das drogas • Aminoglicosidos, cefalosporinas, penicilinas = intervalo entre doses superior Princípios Farmacocinéticos • “Steady State”: a quantidade de droga administrada é igual à quantidade de droga eliminada dentro de um intervalo de doses, resultando num plateau ou nivel sérico da droga constante • Drogas com semi-vida curta atingem o “steady state” rapidamente; drogas com semi-vida longa demoram dias a semanas a atingir o “steady state” Farmacocinética “Steady State” 100 90 80 70 % 60 steady 50 state 40 30 20 10 0 1 2 3 4 Semi-vida 5 • Semi-Vida = tempo necessário para as concentrações no plasma diminuírem em metade (50%) • 4-5 semi-vidas para atingir o “steady state” Doses de Carga • Doses de carga (iniciais) permitem atingir rapidamente os níveis séricos terapêuticos • Mesma dose de carga independentemente de disfunção metabolismo/eliminação 40 35 30 25 20 15 10 5 0 w/ bolus w/o bolus Farmacocinética Linear 120 100 concentration • Linear = a velocidade de eliminação é proporcional à quantidade de droga presente • Aumento da dose resulta num aumento proporcional dos níveis plasmáticos da droga 80 60 40 20 0 dose • Não linear = a velocidade de eliminação é constante independentemente da quantidade de droga presente • Aumentos de dosagem aumentam a saturação dos locais de ligação e resulta em aumento/diminuição não-proporcionais dos níveis da droga concentration Farmacocinética Não Linear 50 45 40 35 30 25 20 15 10 5 0 dose Cinética Michaelis-Menten 30 concentration • Segue uma cinética linear até as enzimas estarem saturadas • Enzimas responsáveis pelo metabolismo /eliminação tornam-se saturadas resultando em aumento não proporcional dos níveis da droga 25 20 15 10 5 0 dose phenytoin Populações de Doentes Especiais • Doença Renal: metabolismo hepático igual, volume de distribuição igual/aumentado e eliminação prolongada intervalo doses • Doença Hepática: eliminação renal igual, volume de distribuição igual/aumentado, velocidade de metabolismo enzimático mais lento dosagem, intervalo doses • Doentes com Fibrose Quística: metabolismo/ eliminação aumentado, volume de distribuição maior dosagem, intervalo doses Farmacogenética • Ciência que avalia as variações geneticamente determinadas nos pacientes e o efeito resultante na farmacocinética e farmacodinâmica das drogas • Útil para identificar falências terapêuticas e toxicidade não-antecipada Farmacodinâmica • Estudo dos processos bioquímicos e fisiológicos subjacentes à acção das drogas – Mecanismo de acção da droga • Interacção Droga - receptor – Eficácia – Perfil de segurança Farmacodinâmica • “o que é que a droga faz ao organismo” – Nível celular – Geral Farmacodinâmica Nível Celular Acções da Droga • A maioria das drogas ligam-se a receptores celulares – Iniciam reacções bioquímicas – Efeito farmacológico é devido a alteração de um processo fisiológico intrínseco e não a criação de um novo processo. Receptores das Drogas • Proteínas ou glicoproteínas – Presentes na superfície celular, num organelo dentro da célula ou no citoplasma – Número finito de receptores numa dada célula • Respostas mediadas pelos receptores até um plateau (saturação de todos os receptores) Receptores das Drogas • Acção ocorre quando a droga se liga ao receptor e a acção pode ser: – Canal iónico (aberto ou fechado) – Segundo mensageiro é activado • cAMP, cGMP, Ca++, inositol fosfatos, etc. • Inicia uma série de reacções químicas – Normal função celular é fisicamente inibida – Função Celular é “ligada” Receptores das Drogas • Afinidade – Refere-se à força de ligação entre a droga e o receptor – Numero de receptores ocupados está relacionado com o balanço entre a droga livre e ligada Receptores das Drogas • Constante de Dissociação (KD) – Mede a afinidade da droga para um dado receptor – Definida como a concentração da droga necessária em solução para atingir 50% de ocupação dos seus receptores. Receptores das Drogas • Agonista – Drogas que alteram a fisiologia de uma célula por ligação a receptores da membrana plasmática ou receptores intracelulares • Agonista Parcial – Uma droga que não produz o efeito máximo mesmo quando todos os receptores estão ocupados Receptores das Drogas • Antagonistas – Inibem ou bloqueiam respostas causadas pelos agonistas • Antagonista Competitivo – Compete com um agonista para os receptores – Altas doses de um agonista podem geralmente sobrepor-se ao antagonista Receptores das Drogas • Antagonista Não Competitivo – Liga-se a um local diferente do domínio de ligação do agonista – Induz uma mudança de conformação no receptor, de modo que o agonista não “reconhece” mais o seu local de ligação. – Altas doses do agonista não se sobrepõem ao antagonista nesta situação Receptores das Drogas • Antagonista Irreversível – Liga-se permanentemente ao local de ligação do receptor, portanto não consegue ser ultrapassado pelo agonista Farmacodinâmica Definições Definições • Eficácia – Grau de capacidade da droga produzir a resposta desejada • Potência – Quantidade da droga necessária para produzir 50% da resposta máxima que a droga é capaz de induzir – Usado para comparar compostos dentro das mesmas classes de drogas Definições • Concentração Efectiva 50% (ED50) – Concentração da droga que induz um efeito clínico específico em 50% de indivíduos • Dose Letal 50% (LD50) – Concentração da droga que induz morte em 50% de indivíduos Definições • Índice Terapêutico – Medida de segurança de uma droga – Calculado: LD50/ED50 • Margem de Segurança – Margem entre as doses terapêutica e letal de uma droga Relação Dose-Resposta • As respostas induzidas pelas drogas não são fenómenos “ tudo ou nada” • Aumento da dose pode: – Aumentar a resposta terapêutica – Aumentar o risco de toxicidade Prática Clínica O que devemos considerar quando prescrevemos drogas a um lactente ou uma criança doente??? Prática Clínica • Seleccionar a droga adequada à indicação clínica • Seleccionar a dose adequada – Considerar os processos fisiopatológicos nos doentes, tal como insuficiência hepática ou renal – Considerar alterações de desenvolvimento e maturação dos órgãos / sistemas e o subsequente efeito na PK e PD. Prática Clínica • Seleccionar formulações e vias de administração apropriadas • Determinar antecipadamente a duração da terapêutica • Monitorizar eficácia e toxicidade • Farmacogenética – Terá um papel importante no futuro Prática Clínica • Outros factores – Interacção Droga-droga • • • • • Alteração da absorção Inibição do metabolismo Facilitação do metabolismo Competição para ligação a proteínas Alteração da excreção Prática Clínica • Outros factores (continuação) – Interacção Droga-Alimentos • Alimentação nasogástrica ou nasojejunal – Contínua vs. intermitente – Local de absorção óptima da droga no aparelho GI deve ser considerada Efeito da Doença na disponibilidade da droga • Absorção – Drogas administradas via PO/NG podem ter absorção alterada devido a: • • • • • • Alterações do pH Edema da mucosa GI Esvaziamento gástrico atrasado ou acelerado Alterações no fluxo de sangue Presença de ileus Co-administração com fórmulas (ex. Fenitoína) Efeito da Doença na disponibilidade da droga • Distribuição da Droga pode ser afectada: – Alteração da perfusão de órgão devido a alterações hemodinâmicas • Pode afectar a entrega ao local de acção, local de metabolismo e local de eliminação • Inflamação e alterações na permeabilidade capilar pode aumentar a entrega da droga a um local – Hipoxemia afectando a função de órgão • Alteração da função hepática e metabolismo da droga Efeito da Doença na disponibilidade da droga – Alterações na síntese proteica • Se os níveis séricos da albumina e outras proteínas são baixos, existe alteração do Vd da fracção livre das drogas que tipicamente têm uma forte ligação às proteínas e consequentemente aumenta a concentração livre da droga – Défice de substratos • Esgotamento das reservas • Stress Metabólico Efeito da Doença na PD • Up regulation dos receptores • Down regulation dos receptores – Diminuição do número de receptores da droga • Alteração da produção endógena de uma substância pode afectar os receptores Efeito da Doença na PD • Alterada resposta devido a: – – – – Estado Ácido-base Desequilíbrios Electrolíticos Alteração do volume intravascular Tolerância Abordagem da terapêutica farmacológica • Estratégia “Alvo-Efeito” (“Target-effect”) – Pré-determinação do efeito desejado – Titular droga até efeito desejado • Monitorizar a eficácia – Se ocorre o plateau, pode haver necessidade de adicionar outra droga ou escolher agente alternativo • Monitorizar toxicidade – Pode necessitar diminuir dose ou agente alternativo Abordagem da terapêutica farmacológica • Estratégia “Concentração-Alvo” (“Targetconcentration”) – Concentração objectivo, predeterminada • Baseada na PK obtida em estudos de populações • Concentração alvo baseada na eficácia ou toxicidade – Conhecer a PK da droga que estamos a prescrever • Presença de um metabolito activo? • Deve o nível do metabolito activo ser medido? • Cinética “Zero-order” ou “first-order”? – Há mudança com o aumento das concentrações séricas? Abordagem da terapêutica farmacológica – Aspectos críticos da terapia “concentração-alvo” • Saber as indicações para monitorização de concentrações séricas – E quando não é necessário monitorizar os níveis • Saber o tempo adequado para medir a concentração • Se os níveis séricos são baixos, saber como se obtém o nível desejado com segurança • Ter a certeza que a amostra para o doseamento não é retirada da mesma linha em que a droga é administrada • Ter a certeza que a droga é administrada durante o tempo apropriado • E Tratar o doente, não o nível da droga LEMBRAR Nenhuma droga produz um efeito único!!! Caso #1 JB, rapaz de 5 anos com pneumonia. Tem história de insuficiência renal e é seguido pelo serviço de Nefrologia. O gram da expectoração colhida do TET é positivo para bacilos gram negativos. Necessita iniciar um aminoglicosideo. Actualmente o valor de Ureia é 84 mg/dl e creatinina 1.5 mg/dL com um débito urinário de 0,4 cc/kg/hr. Você deve: a) Iniciar com uma dose e intervalo normal para a idade b) Dar uma dose normal com um intervalo aumentado c) Dar uma dose mais baixa e manter o intervalo normal para a idade d) Os Aminoglicosideos estão contra-indicados na insuficiência renal Caso #2 MJ é uma menina de 3 anos com história de cardiopatia congénita. Faz terapêutica com digoxina 10 mcg/kg/dia dividido em 2 tomas. Ela tem uma disrritmia e inicia amiodarona. Você deve: a) Continuar a digoxina na mesma dose b) Diminuir a dose de digoxina em 50% e monitorizar os níveis c) Aumentar a dose de digoxina em 50% e monitorizar os níveis d) Descontinuar a digoxina Caso #3 AC é um rapaz de 4 anos com uma perfusão de midazolam para sedação na PICU, na dose de 0,4 mg/kg/hr. Avalia a criança e nota que está a ficar muito agitada. Deve: a) Aumentar a perfusão para 0,5 mg/kg/hr b) Bólus de 0,1 mg/kg e aumentar a perfusão para 0,5 mg/kg/hr Bólus de 0,4 mg/kg e aumentar a perfusão para 0,5 mg/kg/hr Bólus de 0,1 mg/kg e manter a perfusão a 0,4 mg/kg/hr c) d) Caso #4 JD é uma criança de 10 anos com fenitoina NG 2x/dia (10 mg/kg/dia) para convulsões póstraumáticas, mas continua a ter convulsões. Tem alimentação entérica continua (SNG). O nível de fenitoina é 6 mcg/ml. Deve: a) Aumentar a dose de fenitoina para 12 mg/kg/dia (2xdia) b) Fazer uma dose de impregnação de fenitoina de 5 mg/kg e aumentar a dose para 12 mg/kg/dia c) Mudar esquema de alimentação de modo a suspender entre 1 hora antes e 2 horas após cada dose, dar uma dose de carga de 10 mg/Kg, continuar com a dose actual de 10 mg/Kg/dia e verificar nível dentro de 2 dias (antes se convulsões persistem) . d) Adicionar outro anticonvulsivante Caso #5 LF, rapariga de 12 anos, com sepsis e albumina sérica de 1,2 mg/dL. Tem epilepsia que tem sido bem controlada com fenitoina (concentração sérica na admissão era de 19 mcg/ml). Repara que ela está com clónus e actividade tipo convulsões. Deve: a) Administrar fenitoina 5 mg/kg e.v. agora b) c) d) Pede nível sérico de fenitoina agora Pede EEG agora Pede nível sérico de fenitoina total e livre agora Caso #6 KD é uma criança de 12 anos internada com crise asmática, medicada pelo seu médico de família com teofilina (concentração sérica 18 mcg/ml). Com base no Rx tórax e achados clínicos é medicada com eritromicina para presumivel Mycoplasma pneumoniae. Deve: a) Continuar com a dose actual de teofilina. Não há necessidade de monitorizar as concentrações séricas. b) Diminuir a dose de teofilina e monitorizar as concentrações séricas diariamente c) Aumentar a dose de teofilina em 10% e monitorizar as concentrações séricas diariamente d) Continuar com a dose actual de teofilina e monitorizar as concentrações séricas diariamente Caso #7 BJ tem 13 anos, fez TMO por LLA. É admitida na UCIP em choque séptico. Tem insuficiência renal com Ureia / Creatinina sérica de 96 / 2.1 mg/dL e está medicada com fluconazole, ciclosporina, solumedrol, vancomicina, cefepime e aciclovir, para além de vasopressores. a) Identificar as drogas que podem agravar a função renal b) Identificar as drogas que requerem ajuste de dose para a disfunção renal Identificar as drogas que requerem monitorização das concentrações séricas e planear quando se devem obter esses níveis c)