Direito das Pessoas e da Família Resolução de Exercícios (7-A e 7-B) Sónia De Almeida -- n.º 001397 Exercício 7-A Na situação sub judice, a matéria a abordar é a de colisão de direitos desiguais ou de espécies diferentes, nos termos do art. 335.º/2 do CC. Por um lado, temos um direito de personalidade (art. 70.º do CC): o direito ao repouso, ao sono e a um ambiente de vida saudável (como emanação do direito à integridade física e moral da pessoa humana, art. 25.º e 26.º da CRP) de Alice; por outro lado, temos um direito com uma forte componente patrimonial: o direito de propriedade e de iniciativa económica privada (artigos 1305.º do CC e art. 61.º e 62.º da CRP) de Belmiro. Apesar de ambos serem direitos fundamentais, estando o primeiro mais ligado ao núcleo da personalidade (e tendo em abstracto um valor superior) têm a doutrina e a jurisprudência entendido que deve prevalecer sobre o segundo (excepto quanto ao núcleo essencial do direito de propriedade, que não está aqui em causa). Todavia, o princípio da proporcionalidade impedenos de aplicar o art. 335.º/2 literalmente, sendo necessário interpretá-lo à luz dos direitos fundamentais. Com efeito, esclarece-nos o art. 18.º/2, 2.ª parte, da CRP que as restrições de direitos, liberdades e garantias devem ser: - necessárias; - adequadas; - proporcionais ao fim visado. Daqui se retira que o benefício que se proporciona a uma das partes não pode ser inferior ao sacrifício que se impõe à outra. Por exemplo, se Alice estivesse, não na sua residência permanente em Lisboa, mas na sua casa de férias (na qual não passaria mais do que uma semana por ano) a configuração do caso seria outra, pois o benefício que iria ter com a prevalência do seu direito ao repouso seria manifestamente pequeno quando comparado ao sacrifício que seria exigido a Belmiro – não sendo tal admitido pela nossa CRP. Prosseguindo. No caso em apreço está antes de mais em causa proteger a lesada. Que pode ser feito nesse sentido? Alice pode propor uma acção contra Belmiro pedindo ao tribunal que ordene as providências adequadas que cessem ou atenuem a ofensa ao seu direito ao repouso, à tranquilidade e ao sono (art. 70.º/2 do CC), nomeadamente: - que Belmiro realize as devidas obras de insonorização; - que a partir de uma determinada hora da noite deixe de vender bebidas a quem não as for consumir dentro do bar; - que o horário de abertura do bar seja limitado. Por outro lado, pode o tribunal fixar um prazo para o cumprimento destas providências, findo o qual Belmiro ficaria obrigado ao pagamento de uma quantia diária até ao integral cumprimento da sentença, devendo reverter o valor desta sanção pecuniária compulsória (art. 829.º-A), em partes iguais, quer para Alice, quer para o Estado. É de salientar que, independentemente das providências pedidas, é o tribunal livre para fixar essas ou outras que considere adequadas à concreta situação que lhe foi apresentada. Com efeito, segundo o art. 1410.º do CPC, o tribunal não tem nenhum elenco preciso do que pode exigir às partes, podendo fazer uso do seu bom senso nessa determinação. Poderia levantar-se a questão de haver ou não aqui lugar a um pedido de indemnização (nos termos gerais da responsabilidade civil do art. 483.º), mas não me parece que tal possa resultar do enunciado do exercício, onde nada nos é dito quanto a danos concretos, como: insónias, stress, medicação, falta de concentração no trabalho ou mesmo despedimento (e respectivo nexo de causalidade). Por outro lado, também não há qualquer indício de que Alice se tivesse já queixado a Belmiro, e ainda menos que este tivesse ignorado tais queixas, prosseguindo de forma lesiva e culposa com a actividade barulhenta do seu bar. Temos, assim, de ter sempre bem presente que a responsabilidade civil depende de culpa, ao contrário das providências. 1 Por último, é de sublinhar que quando o artigo 335.º/2 do CC nos diz que deve prevalecer o direito considerado superior, tal não significa que o direito considerado menor não possa pura e simplesmente ser exercido – como vimos, se Belmiro realizar as obras necessárias à insonorizarão poderá prosseguir com a sua actividade económica. Há pois que tentar o mais possível graduar a coexistência dos direitos conflituantes, procedendo só em última ratio ao sacrifício de um deles – evidentemente que, se Belmiro não acatar as providências do tribunal, continuando a lesar Alice, esta poderá não só exigir uma indemnização pelos danos causados (nos termos gerais do art. 483.º e 496.º/1, ambos do CC) como também exigir o fecho do seu estabelecimento. ii) A defesa não procederá, pois cabe ao direito civil proteger os direitos de personalidade, independentemente da atribuição ou não de licenças que tenha havido. O licenciamento não é defesa, pois não é por a actividade ser lícita em geral que se vai sobrepor a este direito ao repouso. À atribuição de licenças não está subjacente uma autorização para violar direitos de personalidade alheios. Exercício 7-B Na situação sub judice, a matéria a abordar é a de colisão de direitos iguais ou da mesma espécie, nos termos do art. 335.º/1 do CC. Por um lado, temos o direito à honra, ao bom nome e à reputação (art. 25.º e 26.º da CRP, art. 484.º do CC) de Viriato; por outro lado, temos a liberdade de imprensa (art. 38.º e 37.º da CRP, Lei da Imprensa, art. 10.º CEDH) do jornalista Sertório e do jornal para que trabalha. Gostaria apenas de acrescentar que pelo facto de tanto a Liberdade de Imprensa como o Direito à Honra, serem ambos direitos fundamentais, a avaliação de qual dos direitos deve ceder e em que medida, terá que ser feita muito cautelosamente e tendo em conta as circunstâncias concretas de cada caso, para que se respeite o princípio da proporcionalidade e o conteúdo essencial dos direitos, pois uma protecção muito alargada da honra prejudica a liberdade de imprensa, sendo o inverso igualmente válido. Em causa está apenas a acção de responsabilidade civil proposta por Viriato, logo, não se irão analisar as eventuais providências pedidas. Não se pretende saber quem tem razão, mas sim que se argumente alternando na posição de cada uma das partes envolvidas no litígio. A - Viriato) Todas as pessoas têm direito à honra pelo simples facto de serem pessoas, de serem seres morais dotados de valores éticos importantes que integram a sua personalidade, donde, é a honra reconduzida à integridade moral consagrada no art. 70.º/1 do CC. Além disso, a honra liga-se umbilicalmente ao nome de cada pessoa, pelo que a consideração que cada um desfruta na sociedade exprime o seu bom nome, bom nome esse que, em razão directa com as valorações positivas da opinião pública que são feitas em relação a cada pessoa, dá origem à reputação da mesma. Entendo deste modo que o jornalista Sertório e o jornal para o qual trabalha violaram não só o meu direito à honra, ao bom nome e à reputação (art. 70.º/1 do CC, art. 25.º e 26.º da CRP). Foi difundido um facto que prejudicou não só o meu crédito como o meu bom nome (art. 484.º do CC) pelo que exijo ser indemnizado pelos danos morais causados. Não se trata apenas da minha carreira política que pode estar prestes a terminar na sequência desta acusação pública sensacionalista (que revelou claramente não ter havido um mínimo de cuidado necessário e exigível na averiguação dos factos, tendo tudo sido pautado pelos simples interesse comercial e/ou de lucro), mas sobretudo da ofensa ao meu bom nome e reputação enquanto ser humano. Houve um claro intuito de fabricar uma notícia a qualquer custo em torno das circunstâncias que envolveram a compra da minha moradia em Cascais, redigindo-a de modo a provocar não só valorações tendenciosas a meu respeito, como levantar dúvidas e reticências quanto ao meu carácter e à minha integridade enquanto pessoa e político (reputação pessoal e política). 2 Assim, a tutela civil permite-me, para além de requerer providências atenuantes ou preventivas (art. 70.º/2 do CC), que de resto já requeri (nomeadamente o exercício do meu direito de resposta e de rectificação nos termos dos artigos 24.º e 27.º da Lei da Imprensa), propor uma acção de responsabilidade civil, nos termos gerais do ar. 483.º e art. 496.º/1 do CC pelos danos vários que me foram causados. Acresce que nos termos do art. 29.º/2 da Lei da Imprensa (aprovada pela Lei n.º2/99, de 13 de Janeiro) é a referida responsabilidade civil solidária, ou seja, a entidade jornalística empregadora é solidariamente responsável com o autor do acto ilícito. B - jornalista Sertório e jornal) A liberdade de expressão e informação, constitucionalmente consagradas nos art. 38.º e 37.º da CRP, são fundamentais num Estado de Direito democrático, e são em grande parte aquilo que nos distingue dos Estados Totalitários, devendo ser vedado qualquer tipo de censura desproporcional, cabendo ainda em nossa defesa uma referência ao próprio artigo 10.º da CEDH. Os factos divulgados relativos às circunstâncias que rodearam a compra da moradia em Cascais por parte do Sr. Viriato são verdadeiros, indiciando uma efectiva fuga ao fisco. Não houve a omissão de qualquer informação relativa ao facto comunicado no artigo, nem tão pouco houve lugar a qualquer tratamento sensacionalista da matéria que deturpasse a veracidade dos factos – veracidade que em sede de direito penal (art. 180.º CP) seria, de resto, suficiente para afastar a imputação. A acrescer a esta veracidade (que, embora não determinante em sede de direito civil, é sem dúvida relevante) está a circunstância de o Sr. Viriato ser um membro do governo, existindo deste modo um claro e manifesto interesse social na divulgação desta informação. Não estava em questão manchar a sua honra, bom nome ou reputação, mas antes e tão somente libertar importantes informações quanto ao seu comportamento enquanto cidadão, enquanto contribuinte, por forma a que a opinião pública estivesse em condições de reapreciar a credibilidade deste político escolhido pelo governo democraticamente eleito. Assim, assiste a este Jornal o direito, a função social de difundir notícias de interesse público, importando que seja feito com fundamento e com verdade (como foi o caso). A notícia foi formulada com base numa investigação levada a cabo pelo nosso jornalista Sertório, tendo a mesma sido processada de forma isenta e não tendenciosa, o que se confirma pelo facto da mesma ser ter baseado em fontes diversificadas. O artigo foi sério e somente publicado após ter sido feito um profundo juízo de oportunidade sobre o interesse público do facto em questão. Entendemos ter-se tratado de um reflexo do civismo adequado a uma sociedade sã, em plena conformidade com os limites presentes na Lei da Imprensa (aprovada pela Lei n.º2/99, de 13 de Janeiro), nomeadamente art. 3.º, não tendo também havido da nossa parte a violação de quaisquer regras éticas ou deontológicas. 3