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24/07/2015 ­ 05:00
O ITA e o futuro das negociações na OMC
Por Assis Moreira
Nesta sexta­feira, a Organização Mundial do Comércio (OMC) deverá confirmar que mais de 50 membros (com a
União Europeia representando 28 países) aceitam ampliar o Acordo de Tecnologia da Informação (conhecido pela
sigla inglesa ITA). É o primeiro compromisso de corte de alíquotas em 17 anos na entidade.
O comércio dos produtos que estão na lista de liberalização desse mega­acordo, chamado "ITA­2", é de US$ 1,3
trilhão por ano. Equivale a todo o comércio mundial do setor automotivo. A expectativa entre certos negociadores
é de que o ITA possa estimular o PIB mundial com algo próximo de US$ 190 bilhões por ano, por meio de baixa de
tarifa, aumento de consumo, correção de ineficiências etc.
No total, serão liberalizados 90% dos produtos de tecnologia da informação, o que pode dar uma ideia de seu
futuro impacto, já que é difícil imaginar alguma atividade hoje sem produto desse segmento. É esperado um
efeito multiplicador importante para as empresas que usam os equipamentos, cobertos pelo acordo, em suas
próprias linha de produção.
Brasil precisa definir com clareza uma política comercial
De outro lado, companhias de países que se encontram fora do entendimento, como é o caso do Brasil, vão
continuar pagando mais por semicondutores de última geração, sofisticados monitores e outros produtos
eletrônicos que fazem parte da estrutura produtiva de diferentes setores da economia.
A importância do ITA vai, porém, bem além da bilionária eliminação de tarifas num segmento de alto valor
agregado. Primeiro, mostra que é um erro achar que resultados comerciais hoje só podem ocorrer fora da OMC.
Basta ver também o Acordo de Facilitação de Comercio (AFC), alcançado em dezembro de 2013, em Báli
(Indonésia). Os dois saíram com a mediação efetiva do brasileiro Roberto Azevêdo na direção da OMC, algo
reconhecido por todos os grupos de países.
Segundo, tanto o ITA quanto o Acordo de Facilitação de Comércio poderão ser usados como modelos para facilitar
a adesão a futuros compromissos de liberalização na OMC. Ainda mais se a clássica Rodada Doha tiver seu fiasco
final em dezembro, na conferência ministerial em Nairóbi (Quênia).
A Rodada Doha está se esgotando após 15 anos de dificuldades, tempo demais para uma negociação num mundo
com o ritmo de hoje. Países ricos, que partiram para mega­acordos regionais, já nem escondem o interesse de se
livrarem dessa negociação global com dimensão de desenvolvimento que eles nunca suportaram bem. Boa parte
da agenda continua relevante. Mas a realidade é que a liberalização que se esperava conseguir não tem a menor
condição de acontecer.
Assim, haverá mais discussão sobre como obter resultados que melhorem a estabilidade e a previsibilidade do
comércio internacional.
Um modelo é o Acordo de Facilitação de Comercio. A exigência é que pelo menos dois terços dos membros da OMC
assinem o acordo, para ser verdadeiramente multilateral (participação de todos), mas os compromissos são
diferenciados. Alguns países fazem mais concessões ou outros menos, e os prazos de implementação também
diferem.
Outra alternativa é acordo plurilateral, pelo qual entra quem quiser, a liberalização é mais rápida, os
compromissos mais rígidos e muito uniformes. No caso do ITA, o corte de tarifa de importação começará desde
que o acordo entre em vigor, para zerar ao fim de três a cinco anos (e algumas exceções com prazo de sete anos).
Países em desenvolvimento normalmente resistem a esse tipo de negociação, porque acham que perdem poder de
barganha.
Pode haver variações, mas o futuro parece ser essencialmente baseado no ITA pela flexibilidade na participação
dos países; e no Acordo de Facilitação do Comércio pela flexibilidade nos compromissos.
O Brasil precisará abrir uma ampla discussão sobre politica comercial e definir com clareza o que realmente quer.
Uma vez encerrada a Rodada Doha, precisará examinar se e quando entra em alguma plurilateral. Basta ver o
ITA. Os países participantes já estabeleceram inclusive a data de 2018 para uma possível revisão, a fim de incluir
produtos inovadores que tiverem surgido até lá. Estão em andamento negociações sobre bens ambientais, que é
uma espécie de acordo industrial disfarçado. E um acordo de serviços, chamado de Tisa ­ tudo isso sem o Brasil.
O problema de competitividade na industria brasileira é claro. E mercado protegido hoje tem os dias contados.
Europeus e japoneses estão questionando diante dos juízes da OMC inclusive a lei de informática, que data de uns
20 anos.
Enquanto isso, o consumidor brasileiro continuará pagando mais por importados, em parte também por sua
culpa. A indústria faz sua defesa. Mas não existe uma forte entidade organizada para levar adiante os interesses
do consumidor, quando se trata de negociação comercial internacional.
É assim que boa parte dos produtos do ITA, que sequer são fabricados no Brasil, continuarão com alíquota
elevada no mercado nacional. O argumento que se ouve é de que, quem sabe, algum dia o país os produzirá ­ com
preços elevados.
Assis Moreira é correspondente em Genebra. Hoje, excepcionalmente, deixamos de publicar a
coluna de Claudia Safatle
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